Substituição processual, coletivização e efetividade da prestação jurisdicional

Uma das mais incisivas críticas que hoje se faz ao Judiciáriodiz respeito à morosidade da prestação jurisdicional, a qual é marcada por irreparáveis conseqüências na esferatrabalhista, onde o que se busca, na grande maioria dos casos, é o pagamento deverbas salariais de natureza alimentar, ou seja, é aquilo que o cidadão trabalhador necessita para viver ou sobreviver juntamente com a sua família. Desse modo, não é crível que um processo na Justiça do Trabalho demorecincoou seis anos, como é a média estatisticamente reconhecida,situaçãoessa que, infelizmente, tende a se agravar em razão dos momentos de criseque estamos vivendo. Esse quadro desalentador fica, inegavelmente, muito mais dolorosopara o trabalhador que procura o Judiciário trabalhista quando já demitido e nenhuma outra alternativa lhe resta se não bater às portas da Justiça do Trabalho para obter o reconhecimento de alguma verba que lhe permita sobreviver não obstante à chaga do desemprego.

Em face dessa realidade, algumas tentativas vêm sendo feitas no sentido de se resgatar à Justiça obreira o seu verdadeiro papel de justiça célere, informal e barata-tarefa difícil, diga-se, a bem da verdade-, mas que já estão sendo evidenciadas.

Primeiramente, pelas as alterações dos artigos 896 e 897, da CLT, efetivadaspela Lei 9.756, de 17/12/1998, que dizem respeito ao recurso de revista e ao agravo de instrumento no Tribunal Superior do Trabalho. A mais importante dessas alterações refere-se à possibilidade do imediato julgamento do recursodenegado, quando provido o agravo de instrumento, à semelhança do que já existia no processo civil. Na prática, no entanto, pouco se sentiu de melhoria quanto à agilização da prestação jurisdicional trabalhista, isto porque as mudanças visaram apenas ao desafogo do C. TST, que é, em nosso País, a Corte responsável pela uniformização da jurisprudência trabalhista.

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Ocorre, todavia, que o abarrotamento do TST é apenas uma das conseqüências do problema maior que está na base da Justiça do Trabalho, ou seja, na primeira instância, onde a avalanche de reclamações individuais aumenta a cada dia e tende a recrudescer ainda mais nos próximos, em razão da crise econômica e do desemprego avassalador que está desestruturando a família brasileira, o que torna premente o surgimento deoutros mecanismos que apresentemformas preventivas e coletivizadas de solução dos conflitos trabalhistas, como já tivemos oportunidade de nos manifestar1.

A prevenção é, sem sombra de dúvida, a primeira e mais importante solução para se desafogar o Judiciário trabalhista, agilizar e qualificar a prestação jurisdicional, democratizar e modernizar as relações de trabalho no Brasil, como ocorre emoutros paísesde primeiro mundo, onde seprivilegiam as soluções negociadas em detrimento das estatais ou de qualquer outra forma imposta por terceiros.

É necessário, para tanto, a existência de órgãos extrajudiciais paritários, para, em primeiro lugar, se buscarem a solução dos conflitos trabalhistas de toda espécie, cujos exemplos, com bons resultados, têm sido as comissões de fábrica nas grandes empresas, instituídas a partir de 1978, no ABC paulista, comitês e outros órgãos responsáveis previamente por esta importante tarefa, em algumas categorias e regiões do País.

Nesse passo e em segundo lugar, juntamente com a implementação do procedimento sumaríssimo no processo do trabalho (Lei 9.957/2000), foi promulgada em 12.01.2000, a Lei nº 9.958, dispondo sobre as Comissões de Conciliação Prévia de conflitos individuais e permitindo a execução direta de títulos executivos extrajudiciais na Justiça do Trabalho.

Porém, isso só não basta para se implementar a necessária celeridade do processo trabalhista, principalmente porque o êxito do procedimento sumaríssimo na Justiça do Trabalho depende em muito da efetividade da atuação das Comissões Prévias de Conciliação, de resultados duvidosos, porque de um lado são facultativas e de outro, a submissão obrigatória de conflitos a tais comissões, como determina a Lei 9.958/2000, pode ser inquinada de inconstitucionalidade, ante o que dispõe o art. 5º, inciso, XXXV, da CF, o que mereceria alteração da própria Constituição, cuja discussão tramita no Congresso Nacional por meio da mensagem de nº 1.330, Presidente da República, referente à proposta de alteração dos artigos 8º,111 e 114, cujo § 5º, deste último, acrescentado, está assim redigido :

O exercício do direito de ação individual perante a Justiça do Trabalho será obrigatoriamente precedido de tentativa extrajudicial de conciliação, utilizando-se, inclusive, a mediação, conforme dispuser a lei.

Antes do envio dessa proposta, em 1997,já nos posicionamos sobre o assunto, nos termos seguintes: Por fim, é preciso instituir-se, em caráter obrigatório,a mediação prévia, não só na esfera trabalhista, mas em todos os juízos, como fez recentemente a Argentina, através da Lei no 25.573/95, cujo artigo 1º estabelece: Institui-se em caráter obrigatório a mediação prévia a todos osjuízos, esta que será regida pelas disposições da presente lei. Este procedimento promoverá a comunicação direta entre as partes para a solução extrajudicial da controvérsia. As partes ficarão isentas do cumprimento deste trâmite se provarem que, antes do início da causa, existiu mediação perante os mediadores registrados pelo Ministério da Justiça2.

O governo brasileiro, na busca do desafogo do Judiciário e da celeridade processual, já deu um primeiropasso, com a Lei 9.307/96, que dispõe sobre a arbitragem, propiciando às partes valerem-se deste instituto, quer através da cláusula compromissória, já incluída nos contratos, quer por meio do compromisso arbitral, retirando-se do Judiciário a solução de um litígio. É certo, porém, que essa lei não surtiu efeito algum até o momento, na esfera trabalhista, o que reforça o entendimento de que a mediação e a conciliação prévias,por meio de órgãos internos, externos, públicos e privados é a melhor forma de se diminuir a ida do cidadão ao Judiciário, porque onde há tais mecanismos, de fato, como comprovado,as partes somente vão à Justiça do Trabalho discutir grandes questões de direito, e jamais, corriqueiramente, toda e qualquer questão de fato.

Neste particular, já há algum tempo o Ministério Público do Trabalho vemcontribuindo de forma ímpar, mediando conflitos coletivos de trabalho com bastante êxito, como podemos testemunhar, com o exemplo da 15ª Região, em Campinas-SP, o que demonstra que a solução negociada é importantíssimo instrumento para se diminuir o número de conflitos na Justiça. Ademais, a implementação desse sistema é uma questão não só de tempo mas de rompimento da cultura ortodoxaindividualista de solução judicial dos conflitos de qualquer espécie, como é a marca dos nossos antigos sistemas processuais.

A atuaçãodo Ministério Público do Trabalho, não só mediando, mas também prevenindo e coletivizando procedimentos, é de suma importância, benefício que não atinge apenas a sociedade, na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (CF/88, artigo 127), mas, também, a própria Justiça do Trabalho, principalmente neste momento em que recebe as mais acirradas críticas, sendo a principal delas no tocante à morosidade na prestação jurisdicional.

O Ministério Público do Trabalho, como defensor dos interesses indisponíveis da sociedade, vem, ressalte-se, dandosua contribuição na busca da rapidez e efetividade da prestação jurisdicional, ajudando, conseqüentemente, no próprio resgate da credibilidade do Judiciário Trabalhista. No tocante à prevenção, ao receber denúncias, que são inúmeras, o parquet instaurainquéritos civis públicos e obtém, em boa parte deles, um termo de ajustamento de conduta à ordem jurídica, liberando,dessa forma, o Estado dessa tutela jurisdicional; quando não firmado o termo, o Ministério Público ajuíza a competente ação civil pública ou outra medida judicial perante a Justiça do Trabalho, ao encalço de um comandode cunho coletivo ou difuso, que beneficia dezenas, centenas e até milhares de trabalhadores, evitando, desta forma, o ajuizamento de grande número dereclamações individuais, que é a praxena Justiça obreira, responsável, entre outras causas, pelo abarrotamento dos órgãosjudiciais trabalhistas.

Quanto à substituição processual trabalhista – tema central dessa nossa reflexão – é necessário mostrar algumas importantes diferenças com relação ao mesmo instituto no processo comum. Neste, ela se justifica, fundamentalmente, em razão da comunhão de direitos ou conexão de interesses existentes entre substituto e substituído, partindo-se da idéia incrustada no artigo 6º, do CPC(Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei )de que legitimados para agir e para contestar são as pessoas em cuja esfera jurídica o provimento jurisdicional demandado deve operar os seus efeitos3; no processo trabalhista, ao contrário, a razão desse instituto está na necessidade de defesa do interesse socialda coletividade que reclama respeito à ordem jurídica positiva, rapidez, barateamento e efetividade da prestação jurisdicional e, em fim, maior atuação da lei pelo Judiciário, o que representa, induvidosamente, um rompimento com os dogmas do passado, pois os institutos do processo civil ortodoxo não mais atendem à necessidade de hoje, no campo dos direitos difusos e coletivos4. Os sindicatos, na esfera trabalhista, são, indubitavelmente,os mais vocacionados para a defesa dos direitos e interesses coletivos e individuais das categorias representadas, cujo instrumento, dos mais importantes, é a substituição processual.

Conforme José Afonso da Silva5, direito de substituição processual, no caso, consiste no poder que a Constituição Federal conferiu aos sindicatos de ingressar em juízo na defesa de direitos e interesses coletivos e individuais da categoria. Celso Antonio Pacheco Fiorillo6, por sua vez, ressalta que a legitimação extraordinária dos sindicatos, independentemente de serem considerados como associações civis, é extraída diretamente da Constituição Federal.

Entretanto, a jurisprudência trabalhista, consubstanciada no enunciado 310, do TST,e boa parte da doutrinatrilham caminho outro, na contramão da modernização e da coletivização do processo, restringindo sobremaneira o instituto da substituição processualà ação de cumprimento (art. 872, § único da CLT), ao pleito de adicional de insalubridade e de periculosidade (art. 195, § 2º, da CLT) e aos pleitos de diferenças salariais decorrentes de lei, com benefícios apenas para os sócios. Confira-se o conteúdo do aludido enunciado, verbis:

Substituição processual:

I) O art. 8º, inciso III, da Constituição da República, não assegura a substituição processual pelo sindicato.

II) A substituição processual autorizada ao sindicato pelas Leis ns. 6.708, de 30.10.79 e 7.238, de 29.10.84, limitada aos associados, restringe-se às demandas que visem aos reajustes salariais previstos em lei, ajuizadas até 3 de julho de 1989, data em que entrou em vigor a Lei nº 7.788.

III) A Lei nº7.788/89, em seu art. 8º, assegurou, durante sua vigência, a legitimidade do sindicato como substituto processual da categoria.

IV) A substituição processual autorizada pela Lei n. 8.073, de 30 de julho de 1990, ao sindicato alcança todos os integrantes da categoria e é restrita às demandas que visem à satisfação de reajustes salariais específicos resultantes de disposição prevista em lei de política salarial.

 V) Em qualquer ação proposta pelo sindicato como substituto processual, todos os substituídos serão individualizados na petição inicial e, para o início da execução, devidamente identificados, pelo número da Carteira de Trabalho e Previdência Social ou de qualquer documento de identidade.

VI) É lícito aos substituídos integrar a lide como assistente litisconsorcial, acordar, transigir e renunciar, independentemente de autorização ou anuência do substituto.

VII) Na liqüidação da sentença exeqüenda, promovida pelo substituto, serão individualizados os valores devidos a cada substituído, cujos depósitos para quitação serão levantados através de guias expedidas em seu nome ou de procurador com poderes especiais para esse fim, inclusive nas ações de cumprimento.

VIII) Quando o sindicato for o autor da ação na condição de substituto processual, não serão devidos honorários advocatícios.

     Tese contrária, felizmente, reconhece o uso de referido instituto de forma ampla, nos termos do artigo 8º, inciso III, da Constituição Federal (ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivosou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas )e do artigo 3º, da lei 8.073/90

(as entidades sindicais poderão atuar como substitutos processuais dos integrantes da categoria).

No entender dessa corrente, à qual nos filiamos, a substituição processual trabalhista,a partir da Constituição Federal de 1988 e daedição da Lei 8.073/90, não mais se restringe aos associados do sindicato, abrangendo, agora, todos os integrantes da categoria, associados ou não do sindicato, cuja distinção diz respeito apenas a uma faculdade da entidade sindical de pleitearem favor de todos ou somente dos associados, como dispuser seu estatuto social. Também não há mais limitação legal quanto ao tipo deverba a ser pleiteada pelo sindicato,como substituto processual. Eventual limitação decorre apenas da compreensão doutrinal do instituto, que evidentemente veda ao substituto confessar e transigir em nome dos substituídos, uma vez que atua como legitimado autônomo e não extraordinário7, sem poderes expressos.

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Desse modo, não cabe a substituição processual, por exemplo, em pleitos que envolvam questões de fato, sendo apropriado o seu uso, em conseqüência, com relação às grandes questões de direito que envolvam as categorias profissionais e os empregadores. Assim, não têmrazão aqueles que restringema aplicação do instituto sob argumento de que os sindicatos abusam do mesmo porque sequer precisam consultar os interessados para ajuizar as ações respectivas. Mas, no nosso entender, não se pode, com tão frágil argumento, condenar uminstrumento processual coletivo que pode contribuir muito para o desafogo do Judiciário Trabalhista quenecessita urgentemente resgatar sua credibilidade perante o jurisdicionado. Assim sendo,os abusos eventualmente cometidos pelas partes, no processo, não só na substituição processual mas em qualquer outro tipo de ação, podem e devem ser reprimidos pelas formas previstas na lei processual, em especial os artigos 17 e 18, do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicáveis na Justiça do Trabalho.

Um dos mais fervorosos adeptos da substituição processual pelo sindicato, de forma ampla e irrestrita, é o Jurista e Professor aposentado da Universidade de São Paulo, Wagner D. Giglio8, que, além de outras importantes lições, ressaltadiferenças de fundamentos que justificam o instituto no processo do trabalho, de forma autônoma, resumindo: a substituição processual, no processo trabalhista, difere da que ocorre no processo ordinário não só por seus fundamentos como por suas origens e características. Na substituição trabalhista, o sindicato não satisfaz qualquer interesse próprio, como ocorre com o substituto no processo comum, mas apenas cumpre sua missão precípua de defender os interesses e direitos dos integrantes da categoria, imperando na substituição processual trabalhista outrofundamento importantíssimo: a despersonalização do trabalhador-reclamante, contra represálias do empregador-reclamado.

Ao comentar o Enunciado 310/TST, Celso Antonio Pacheco Fiorillo9, afirma que ao aduzir taxativamente (TST310, I) que ‘o art. 8º., III, da CR, não assegura a substituição processual pelo sindicato’ comete a mais alta Corte trabalhista do país, em nosso entender, duas iniqüidades: a de desconhecer o instituto da substituição processual e a de aglutinar a dupla função dos sindicatos em uma só função.

O também professor da PUC/SP e juiz do TRT/2ª Região, Pedro Paulo Teixeira Manus10 manifestou-se sobre o tema em análise nos seguintes termos: a nível judicial devem cessar as discussões sobre a possibilidade do sindicato agir como substituto processual em questões outras que não as ações de cumprimento de norma coletiva e processos relativos à insalubridade e periculosidade, quer em nome de associados, quer em nome de outros integrantes da categoria não associados ao sindicato.

Com efeito, devemos aplicar verdadeiramente a substituição processual na esfera trabalhista, sem receio epreconceito, para o bem da própria Justiça do Trabalho e sobretudo do jurisdicionado, que será premiado com a tão almejadaceleridade processual. Além disso, como sempre ressaltamos, as ações coletivas, na Justiça do Trabalho, muito mais do que em qualquer outro ramo do Judiciário, são de fundamental importância para facilitar o acesso do cidadão aos órgãos jurisdicionais, bem como para aproximar o Judiciário da democracia, como retrata o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, em recente decisão a seguir transcrita, verbis:

As ações coletivas foram concebidas em homenagem ao princípio da economia processual. O abandono do velho individualismo que domina o direito processual é um imperativo do mundo moderno. Através dela, com apenas umadecisão, o Poder Judiciário resolve controvérsia que demandaria uma infinidade de sentenças individuais. Isto faz o Judiciário mais ágil. De outro lado, a substituição processual do indivíduo pelacoletividade torna possível o acesso dos marginais econômicos à função jurisdicional. Em a permitindo, o Poder Judiciário aproxima-se da democracia. O sindicato está legitimado para requerer Mandado de Segurança coletivo em favor de uma parcela da categoria profissional, ameaçada pela liquidação do respectivo órgão de previdência complementar11.

E nessa linha, reconhecendo a aplicação ampla da substituição processual na Justiça Trabalhista, vem sendo o entendimento da mais alta Corte Judiciária Brasileira, o STF, como a seguir transcrito:

Sindicato de servidores federais, em uma unidade da Federação, que vindica igualdade de vencimentos para certa categoria funcional, tendo em conta os vencimentos de outra categoria funcional. Legitimidade ativa do sindicato requerente. Constituição, art. 8º, III. Embora legitimado o suplicante, o mandado de injunção, no caso, não pode ser conhecido, por não ser via adequada a vindicar isonomia de vencimentos, que são fixados em lei12

O art. 8º, III, da Constituição, combinado com o art. 3º da Lei 8.073/90, autoriza a substituição processual ao sindicato, para atuar na defesa dosdireitos e interesses coletivos ou individuais de seus associados13.

O primeiro acórdão do C. STF traz ínsita no seu conteúdo a argumentação de que o art. 8º, III, da Carta Magna em vigor,confere ao sindicato a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas e que essa norma, em cotejo com o art. 5º, XXI, da mesma Lei Maior, revela-se de caráter especial, afastando qualquer óbice ou condição estabelecida na norma geral. Daí resulta que o sindicato, constituindo-se em entidade associativa de atuação específica no campo das relações trabalhistas, para a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria por ele representada, inclusive em questões judiciais ou administrativas, não depende da expressa autorização de seus filiados para representá-los em juízo. No particular, portanto, o sindicato recebeu tratamento distinto do conferido às entidades associativas em geral, pelo art. 5º, XXI, da Constituição, que a elas atribui legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente, quando expressamente autorizadas.

O segundo acórdão, recentíssimo, ressalta que a legitimação a que se refere o inciso III, do art. 8º, da Constituição, só pode ser a extraordinária, como veio a ser explicitada pelo art. 3º, da Lei 8.073/90, quando dispõe que as entidades sindicais poderão atuar na defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais dos integrantes da categoria, como substitutos processuais. Com essa fundamentação, o tribunal, pela sua primeira turma,deu provimento ao recurso extraordinário para acolher a legitimidade ativa do sindicato para pleitear em nome de parte de seus filiados o recebimento do adicional noturno.

Como se vê do entendimento dos órgãos máximos do Judiciário Brasileiro, consubstanciado nas decisões acima transcritas, a substituição processual pelo sindicato é um instrumento necessário e adequado na busca da coletivização, barateamento e efetividade da prestação jurisdicional trabalhista, faltando apenas ao C. Tribunal Superior do Trabalho, órgão de cúpula da Justiça Laboral, mudar, urgentemente, seu entendimento e alterar a orientação restritiva estabelecida no Enunciado nº 310,cujos principais beneficiados serão ospróprios órgãos dessa Justiça Especializada,pela diminuição do número de reclamações individuais.

Concluindo seu trabalho, Guilherme Mastrichi Basso14, atualmente Procurador-Geral do Trabalho, assim se expressou sobre o assunto: A edição de Súmulas pelo Tribunal Superior do Trabalho deve restringir-se à matéria infraconstitucional, pacificada no âmbito de sua Seção especializada em Dissídios Individuais, na forma regimental; a substituição processual prevista no inciso III, do art. 8º, da Constituição Federal vigente é auto-aplicável.Merece ser imediatamente cancelado o Enunciado nº 310, da Súmula predominante do Tribunal Superior do Trabalho.

Nesse sentido, também manifestou-se o ilustre Juiz do Trabalho, Cláudio Armando Couce de Menezes15, nos seguintes termos:

O colendo TST, na contramão da evolução, editou a Súmula 310, como se legislador fosse, amesquinhando a substituição processual. O Excelso STF, inobstante, tomou direção oposta ao rejeitar a ultrapassada tese daquela Corte Trabalhista, como se constata abaixo:

‘Sindicato de servidores federais, em uma unidade da Federação, que reivindica igualdade de vencimentos para certacategoria funcional, tendo em conta os vencimentos de outra categoria funcional. Legitimidade ativa do Sindicato requerente. Constituição, art. 8º, III’ (Rel. Min. Neri Silveira, STF MI 3.475/400- Ac. TP,7.5.93).

Cândido Dinamarco (obra citada) a propósito ensina que ‘a regra da legitimação individual (art. 6º do CPC) afunila a estrada e dificulta a maior participação’(do jurisdicionado no Judiciário).

Dessa forma entendemos que para se desafogar o Judiciário Trabalhista e se alcançar a tão almejada celeridade e efetividade da prestação jurisdicional, necessário se faz implementarem-se efetivamente formas de soluções extrajudiciais preventivas, como é o caso das Comissões Prévias para os conflitos individuais, da atuação do Ministério do Trabalho, mediando e, do Ministério Público do Trabalho, mediando e até arbitrando conflitos coletivos, da aceitação do procedimento sumaríssimo por advogados, juizes e procuradorese se prestigiar e priorizar o uso das ações coletivas, como a substituição processual pelos sindicatos, ao lado das ações civis públicas, em detrimento das ações individuais.

Notas:

1. O agravamento dos conflitos trabalhistas e ademora da prestação jurisdicional: Algumas causas e soluções. RevistaTrabalho & Doutrina, São Paulo:Saraiva, nº 16, pp. 124/139,mar. 1998.

2. op. cit., p. 129.

3.Celso Neves. Legitimação ordinária dos sindicatos. LTr. 53-8/905.

4. .Celso Antonio Fiorillo, Marcelo Abelha Rodrigues & Rosa Maria Andrade Nery.Direito Processual Ambiental Brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey,1996, p. 119.

5. Curso de Direito Constitucional Positivo. 5 ed. São Paulo: RT, 1989, p. 269.

6. Os sindicatos e a defesa dos interesses difusos no direito processual civil brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 42.

7. Celso Antonio Fiorillo, Marcelo Abelha Rodrigues & Rosa Maria Andrade Nery.Direito processual ambiental brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey,1996, p. 119.

8. Direito Processual do Trabalho. 5. Ed. São Paulo: LTr, 1993, pp. 155-162 e A substituição processual trabalhista e a Lei 8.073/90. LTr, 55-02/155.

9. Os sindicatos e a defesa dos interesses difusos no direito processual civil brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995,p. 43.

10. Direito do Trabalho na Nova Constituição. São Paulo: Atlas, 1989, p. 51, apud Fiorillo. op. cit., p. 47.

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11. STJ – MS nº 5.187/DF, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, ac. publicado no DJ de 29/06/98.

12. STF, MI 3475/400 – TP, 07.05.93; Pleno;Rel. Min. Neri da Silveira; LTr. 58-09/1057.

13. STF, RE nº 202.063-0 PR, Rel. Min. Octavio Gallotti, primeira turma, DJ 10.10.97.

14. Da pertinência do cancelamento do enunciado 310/TST, LTr. 58-09/1042.

15. O Juiz à luz da efetividade e da instrumentalidade do processo. Suplemento Trabalhista LTr, nº 66, 1997, p. 320.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Raimundo Simão de Melo

 

Procurador Regional do Trabalho
Mestre e Doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP
Professor de Direito e Processo do Trabalho
Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho

 


 

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