Créditos Trabalhistas e seu Limite Imposto no Plano de Recuperação Judicial: Princípio da Preservação da Empresa

Renato dos Santos Fonseca[1]

Priscila Lima Rosa[2]

Resumo: De fato são notórios os benefícios que a lei 11.101/2005 trouxeram para as empresas devedoras, podemos citar como exemplo, o stay period (180 dias) onde todas as execuções são suspensas, o que faz gerar um efeito erga omnes. Com efeito, o tema central do presente trabalho foi analisar a limitação dos créditos trabalhistas (classe I na Recuperação Judicial. Neste prisma, vale lembrar que o credor trabalhista tem direito a receber de forma privilegiada seus créditos, por terem natureza alimentar. Via de regra, tal limitação vem sendo criticada em alguns tribunais, tendo em vista que esta limitação se aplica somente para empresas que convolaram em falência. Por outro lado, a lei de Recuperação Judicial, tem como objetivo excluir do mercado empresa que não tem como seu principal objetivo aplicar o princípio da preservação da empresa. Por fim, esta lei tem como objetivo preservar a atividade produtiva, maximizar o ativo sobre o qual incidem as pretensões dos credores e prevenir a convolação em falência.

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Palavras-chaves: Recuperação Judicial, Lei 11.101/2005, Créditos Trabalhistas, Princípio da Preservação da Empresa.

 

Resumen: De hecho, los beneficios que la Ley 11.101 / 2005 trajo a las compañías deudoras son notorios, podemos mencionar como ejemplo, el período de suspensión (180 días) donde se suspenden todas las ejecuciones, lo que genera un efecto erga omnes. En efecto, el tema central del presente trabajo fue analizar la limitación de los reclamos laborales (clase I en Reorganización Judicial. En este sentido, vale la pena recordar que el acreedor laboral tiene derecho a recibir sus reclamos de manera privilegiada, ya que son de naturaleza alimentaria. , tal limitación ha sido criticada en algunos tribunales, ya que esta limitación solo se aplica a las empresas que se han declarado en quiebra. Por otro lado, la ley de reorganización judicial tiene como objetivo excluir del mercado a una empresa que no tiene como objetivo principal aplicar el principio de preservación de la empresa Finalmente, esta ley tiene como objetivo preservar la actividad productiva, maximizar el activo sobre el cual recaen los reclamos de los acreedores y evitar la bancarrota.

Palabras clave: Recuperación judicial, Ley 11.101 / 2005, Créditos laborales, Principio de preservación de la empresa.

 

Sumário: Introdução; 1. Recuperação judicial de empresas; 1.1. Objetivo e finalidade da recuperação judicial; 1.2. Legitimidade ativa e requisitos para o pedido da recuperação judicial; 1.2.1. Requisitos para o pedido de recuperação judicial; 2. Insolvência empresarial; 2.1. Causa do insucesso empresarial; 2.2. Preservação da empresa e Dignidade da pessoa humana; 3. Classe de credores e créditos derivados da legislação do trabalho; 3.1. Do crédito trabalhista; 3.2. Impossibilidade da limitação referente ao tratamento do crédito da classe I – 150 salários; Conclusão; Referências

 

Introdução

A Lei de Recuperação de Empresa e Falências – Lei n. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, alterou profundamente a legislação falimentar brasileira. Esta legislação é de suma importância nos dias atuais em virtude da crise mundial a qual passa o país, uma vez que o maior objetivo do legislador é viabilizar a recuperação de empresas em dificuldades financeiras com a manutenção de empregos, redução de juros bancários, maiores garantias e participações dos credores. Como consequência, as Recuperandas irão possuir uma chance de reestruturarem e voltarem a ter um ativo maior que o passivo, devendo, porém, preencher os requisitos que estão dispostos no artigo 48 da Lei de Recuperação Judicial e Falência (COELHO, 2011).

Embora o caput do art. 54 não traga restrições aos créditos trabalhistas, o parágrafo único do dispositivo legal nominado traz os créditos que devem ser pagos em 30 (trinta) dias até o limite de 5 (cinco) salários mínimos por trabalhador. Além do mais, terá o prazo máximo de um ano para o pagamento dos créditos trabalhistas, vencidos até a data do pedido da recuperação, conforme descrito na referida lei. Desta forma, a inovação trazida foi examinada e criticada por muitos autores à luz do princípio da isonomia e da proteção ao trabalhador, uma vez que o salário tem caráter alimentar (ALMEIDA, 2010).

A lei de Recuperação Judicial e Empresa se mostra complexa e demonstra interação com diversos ramos do direito, provocando, inclusive, implicações no âmbito material e processual trabalhista (MATOS, 2013). Neste prisma, a Recuperação Judicial é um mecanismo que visa auxiliar as empresas e empreendimentos que se encontram em dificuldades financeiras a superarem a crise, com especial preocupação para a manutenção da fonte produtora, a preservação da empresa e da função social, bem como a garantia dos interesses dos credores. É interessante ressaltar sobre a flexibilização dos direitos trabalhistas, com o intuito de lograr êxito na recuperação da empresa no momento de crise, portanto, sacrifício de todos em prol da empresa (PIRES, 2012).

Com efeito, o emprego do deságio na classe I – Créditos Trabalhista e acidentes de trabalho é perfeitamente compatível com a atual legislação. Desta forma, a referida lei em seu artigo 50, LRF traz um rol exemplificativo de meios de recuperação judicial que podem ser utilizadas pelas recuperandas para a superação da crise econômico-financeira. Fica a pergunta: a Lei de Recuperação Judicial seria uma evolução ou um retrocesso no que tange a limitação dos créditos da classe I? Portanto, o objetivo geral deste trabalho é suscitar uma discussão sadia em relação à lei supracitada em relação à impossibilidade de limitação dos créditos trabalhistas em 150 salários mínimos na Recuperação Judicial.

 

  1. Recuperação Judicial de Empresas

A Recuperação Judicial pode ser definida como um instituto jurídico que tem por objetivo resguardar a situação econômico-financeira do empresário, permitindo a manutenção da fonte produtora, de emprego e dos interesses dos credores, promovendo assim, a preservação da mesma, como sua função social e a continuidade de sua atividade econômica, conforme descrito no artigo 47 da lei 11.1101/2005. Existem outras finalidades neste instituo jurídico. Uma delas é permitir o reequilíbrio econômico-financeiro de empresário, evitando assim, a falência. Outra finalidade importante é a da punição do devedor, comprovadamente desonesto (BERTOLDI & RIBEIRO, 2016).

Portanto, com o objetivo de preservar a atividade produtiva, maximizar o ativo sobre o qual incidem as pretensões dos credores e prevenir a falência, a lei oferece duas alternativas: Recuperação Judicial e a Recuperação Extrajudicial. A primeira pode ser chamada de Ordinária ou Especial de Recuperação de Micro Empresas (ME) e Empresas de Pequeno Porte (EPP). A Recuperação Extrajudicial é regulada pelos artigos 161 e 167 da referida lei e se dá quando o devedor chama os credores (uma parte ou a totalidade) e faz uma proposta para reorganizar as dívidas (novação). Desta forma, os mesmos buscam formas satisfatórias para solucionar as causas que levaram a crise econômico-financeira da empresa, resolvendo seus débitos e evitando assim uma eventual liquidação.

A situação de crise fica demonstrada quando o empresário começa a ter dificuldade em realizar o pagamento de suas obrigações com pontualidade. Neste prisma, o inadimplemento poderá ter sua causa interna, como a ausência de liquidez ou causa externa, como a estrutura de mercado desfavorável à prática empresarial. O autor ainda destaca que a superação desta crise deverá ser reversível, caso contrário o procedimento mais adequado passa a ser a falência. A lei prevê o estabelecimento de uma Assembleia Geral de Credores, que constitui um fórum para discussões dos interesses dos credores.

No que tange a relação judicial especial das ME’s e EPP, trata-se de uma faculdade que assiste a essas modalidades de sociedades empresárias para uma recuperação judicial mais célere (primeiro pagamento para 180 dias e parcelamento em até 36 vezes, com juros de 12%) e menos abrangente, uma vez que exclui os créditos trabalhistas e credores de garantia real, estendendo-se apenas para os credores quirografários, conforme descrito no artigo 71 da Lei 11.101/2005. Assim, considerando a exclusão dos trabalhadores destas modalidades, o presente artigo visa tratar apenas a recuperação judicial ordinária, prevista em seu artigo 47 e seguintes da Lei acima citada e que define o objetivo desse instituto:

‘Art. 47 – A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”.

Corroborando, Lídia Valério Marzagão define a Recuperação Judicial como: “a possibilidade que tem o devedor de superar a situação de crise econômico financeira, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, dos empregos dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”. Desta forma, sem propiciar a preservação da empresa, que, por sua vez, “interessa ao Direito e à Economia, pela proteção que oferece à continuidade dos negócios sociais”. Em outras palavras, sem preservação da atividade empresarial inexistem empregos e funcionamento eficiente dos mercados, razão pela qual não há como se valorizar o trabalho, motivo por que a pretensão do legislador constituinte ficaria reservada ao seu imaginário. (CARLOS ALBERTO, 2017).

Marcelo Mauad explica que “quando uma empresa entra em crise, afeta a todos com os quais ela tem relações (fornecedores, clientes, prestadores de serviços poderes públicos, etc), acarretando no particular, importantes reflexos aos direitos interesses e à própria vida dos trabalhadores envolvidos, direta e indiretamente, com aquele organismo econômico”.

Ademais, a atividade empresarial é responsável pela geração de empregos, pelo recolhimento de tributos (sustento da economia) e, como consequência, movimentar a economia conforme descrito pelo autor acima. Assim, a função social é alcançada quando, além de cumprir esses objetivos, a empresa observa a solidariedade (art. 3º, I, CF), promove justiça social (art. 170, “caput”, CF), livre iniciativa (art. 170 “caput”, e art. 1º, IV, CF), busca de pleno emprego (art. 170, VIII, CF), redução das desigualdades sociais (art. 170, VII, CF), valor social do trabalho (art. 1º, IV, CF), dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF).

 

1.1 Objetivo e Finalidade da Recuperação Judicial

Como visto acima, o objetivo deste instituto jurídico é de preservar a atividade produtiva, maximizar o ativo e tem como finalidade sanear a crise financeira econômica do empresário ou da sociedade empresária. O devedor, no caso o autor da ação de recuperação judicial, deverá postular ao poder judiciário o deferimento de uma pretensão que é de pôr em prática um plano de reorganização da empresa. Entretanto, podemos verificar que a recuperação judicial não tem como intuito de ressuscitar, mas sim de caráter preventivo, devendo ser concedido somente às empresas viáveis, sendo a falência a solução jurídica aplicável às empresas inviáveis (BERTOLDI & RIBEIRO, 2016).

Todos os créditos existentes desde a data do pedido, ainda que não vencidos, estão sujeitos à recuperação judicial ordinária, ressaltando-se que esta não altera os direitos e privilégios de seus credores em relação a coobrigados, fiadores e obrigados de regresso. Ressalta-se que o regime de Recuperação Judicial é “democrático”, ou seja, a minoria se submete a maioria. Portanto, mesmo que um credor específico a respeito do qual o plano altere as condições de pagamento vote contrariamente à aprovação do plano, se o referido plano for aprovado, ele deverá se submeter à vontade da maioria.

 

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1.2 Legitimidade Ativa e Requisitos para o Pedido de Recuperação Judicial

O processo da recuperação judicial pode ser dividido em três fases e poderá ser requerida pelo devedor que se enquadre nos requisitos estabelecidos nos artigos 48 e 51 da lei 11.101/2005: i) a fase do pedido e processamento; ii) a fase de processamento do plano, da apresentação do plano de recuperação até a decisão de concessão ou não da recuperação; iii) fase de cumprimento, iniciando-se com a aplicação do plano de recuperação até a decisão de encerramento do processo (BERTOLDI & RIBEIRO, 2016).

Assim, para obter a Recuperação Judicial em juízo, é necessário que o devedor obedeça primeiramente os pressupostos do artigo 48 da lei de recuperação judicial que são: I) ele deve estar exercendo atividade empresarial há mais de dois anos; II) não ser falido e, se foi, estejam declaradas extintas, por sentenças transitadas em julgado; III) não ter há mais de cinco anos obtido concessão de recuperação; IV) não ter, há menos de oito anos, obtido concessão de recuperação e nem ter sido condenado ou não ter como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos em lei (JÚNIOR, 2006).

O autor acima destaca que no parágrafo único desse artigo mencionado estende a sua legitimidade ativa, no que tange a Recuperação Judicial: cônjuge sobrevivente, herdeiros do devedor inventariante ou sócio remanescente.

 

1.2.1 Requisitos para o pedido de Recuperação Judicial

Alguns doutrinadores como: Pires (2012), Coelho (2009) e Souza (2009), afirmam que nem todas as empresas merecem os benefícios da Recuperação Judicial. Caso não haja solução de mercado para crise de uma determinada empresa, consequentemente, não há de se falar em benefício da Recuperação Judicial. Saad (2005) ressalta também que a Recuperação Judicial só poderá ser aplicada ao empresário e a sociedade empresária, conforme estabelece no art. 1º da lei 11.101/2005.

Além do enquadramento nas hipóteses previstas na lei, o devedor empresário deverá fundamentar de forma minuciosa a saúde econômica e as razões que estão a justificar o pedido. É necessário também, que a petição inicial siga o rol taxativo com os documentos indicados nos incisos II a IX do artigo 51 da lei. Assim, preenchido os requisitos formais dos artigos 48 e a documentação exigida no artigo 51 da lei 11.101/2005, o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial. Ademais, não se deverá confundir o deferimento do processamento da recuperação com a concessão da recuperação judicial nos termos do artigo 58, LRF. Na primeira hipótese, o pedido está apto para dar prosseguimento ao plano. No segundo caso, o juiz concederá a recuperação judicial do devedor, caso não tenha sofrido objeção do credor. O autor ressalta que não havendo o preenchimento do mesmo, o juiz poderá indeferir e, como consequência, a declaração da quebra da empresa.

Nota-se no artigo 51 da lei 11.101/2005, que determina a apresentação de uma lista de documentos necessários para o processamento da recuperação judicial, onde esta apresentação terá um tempo razoável a ser assinalado pelo juiz. Essa documentação serve apenas para que o juiz tenha um desenho real da situação econômica do devedor. Via de regra, o pedido feito na petição inicial, será para o processamento da recuperação judicial na forma da lei, não havendo a necessidade de apresentar o plano e, muito menos, de um demonstrativo de viabilidade do plano (FERNANDES, 2011). Quanto ao ajuizamento do pedido, caso falte algum documento, em princípio, o juiz deverá pedir que fosse emendada a petição inicial. Contudo, com a ausência total de documentos, ou a declaração de impossibilidade de extinção de documento exigido pela lei, deverá ser implicado a extinção do feito (BERTOLDI & RIBEIRO, 2016).

Decidido o processamento da recuperação judicial, o juiz nomeará um administrador judicial e determinará a dispensa da apresentação de certidões negativas pelo empresário no exercício de sua atividade (salvo para contratação com o Poder Público) e, será determinada a suspensão das ações de execução existente contra o devedor por 180 dias. Será expedido também um edital para divulgação do pedido de recuperação judicial e o deferimento do processamento nos termos do artigo 52, §1º, LRF, que deverá conter informações necessárias à ciência dos interessados. Portanto, após o deferimento do processamento, os credores poderão requerer que seja marcada a convocação da AGC e do comitê de credores conforme exposto no artigo 52, §2º, LRF. Insta salientar que, “o deferimento da recuperação judicial não enseja o cancelamento da negativação do nome de devedor nos órgãos de proteção ao crédito e nos tabelionatos de protesto”, de acordo com o Enunciado 54 da 1º Jornada de Direito Comercial.

Apresentado o plano de recuperação judicial, será publicado o edital avisando aos credores o plano e fixando prazo para as eventuais objeções, prazo esse que será de trinta dias (30) contados da publicação do edital, nos moldes do artigo 7 §2º da lei ou da publicação do plano. Na vigência do ordenamento de 1945 havia uma controvérsia quanto à possibilidade de acordo no decorrer do procedimento previsto na lei. Entretanto, a LRF no seu artigo 52, §4º, indica que o devedor não poderá desistir do pedido de recuperação judicial após o seu deferimento, salvo se obtiver a aprovação da desistência na AGC (FERNANDES, 2011).

Caso uma das classes não aprove o plano, o juiz poderá decretar a sua aprovação caso: o plano tenha recebido voto favorável de credores que apresentem a maioria de todos os créditos presentes à Assembleia, independentemente da classe e, não implique em tratamento diferenciado entre credores de classes que houver rejeitado (VIANA, 2005).

 

  1. Insolvência empresarial

Em relação ao atual cenário do país, cada vez está mais difícil em ver uma empresa que outrora era marcada por seus sucessos e ganhos financeiros e hoje em dia o quadro é totalmente inverso. Desta forma, no âmbito dos negócios, as sociedades vêm demonstrando problemas de continuidade operacional, levando assim a sua insolvência, necessitando de um período de recuperação para que possa voltar a produzir benefícios sociais (SANTOS; SOUZA, 2015).Insolvência Empresarial

Quanto ao estado insolvente real dar-se-á quando o ativo for inferior ao passivo, ou seja, por maiores que sejam os direitos, o devedor não possuiu meios financeiros para sanar, no vencimento, algum compromisso assumido (PERIN JÚNIOR, 2004). Assim, quando falamos de insucesso empresarial o empresário está na maioria das vezes, despreparado para enfrentar tal situação. Este empreendedor (empresário), ao estar à frente de um negócio, precisa analisar mudanças internas e externas, assim como identificar fatos que interferem no desempenho empresarial, pois grandes partes dos empreendedores iniciam os seus empreendimentos com pouca vivência ou sem vivência alguma na área em que deseja empreender. (MINELLO; SCHERER, 2014).

 

2.1 Causas do Insucesso Empresarial

Segundo Machado e Espinha (2005), é necessário entender, de forma imediata os motivos os quais levaram a empresa ter o insucesso empresarial, entendendo quais motivos ocasionou tal situação. Este insucesso decorre de uma situação que acarretará o encerramento da atividade empresarial, situação essa que pode conter diversos fatores. Corroborando com tal entendimento, Robinsom (2007), afirma que devido à grande gama de fatores que levam as empresas ao insucesso e as diversas definições por parte de autores, fica difícil de medir quais são as causas que ocasionaram o insucesso da empresa.

Outro ponto crucial para o pedido de uma Recuperação Judicial são os empréstimos, pois o mesmo pode alterar de forma significativa à liquidez da empresa. Sendo assim, este ato de forma repetitiva para pagar outros débitos, faz com que a empresa não consiga gerar recursos suficientes para solver os empréstimos. Assim, podemos verificar que são diversos os pontos que levam a uma empresa a recorrer ao judiciário pedindo Recuperação Judicial para enfim, solver seus débitos com os credores.

 

2.2 Preservação da Empresa e a Dignidade da Pessoa Humana

Em relação aos Direitos Humanos no Brasil foram positivados como forma de garantir as necessidades mínimas, conhecidas como “mínimos sociais” elencadas no art. 6º da Constituição Federal. Assim, entendendo essas necessidades mínimas como fundamentais, a serem satisfeitas por políticas sociais, a preservação da empresa não deve ser vista apenas sob o aspecto da economia, mas também pela sua dimensão social. Parte dessa mesma premissa e explica que os Direitos Humanos surgiram para limitar – ou compelir, por vezes – a atuação do Estado em respeito à liberdade dos indivíduos e dos direitos sociais. Os direitos fundamentais do homem não significam tão somente uma contraposição entre a esfera privada e a pública, traduzindo-se em uma simples limitação ao Estado, mas sim em garantir uma “limitação imposta pela soberania popular aos poderes constituídos do Estado que dela dependem” (SILVA, 2006, p. 178).

A Constituição Federal de 1988 trata a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República que deu lugar de destaque aos direitos individuais e sociais, que são claros meios de se atingir a dignidade do homem. A dignidade da pessoa humana é apontada como escopo da ordem econômica constitucional e parâmetro de interpretação das demais normas, assumindo, assim, extrema relevância no contexto socioeconômico nacional. Entretanto, partindo desta premissa inicial, há de se ponderar que um dos fatores cruciais a serem considerados na busca pela preservação da empresa é a sua importância social, de tal maneira que, quanto maior a sua relevância social, mais fortemente o Estado buscará a sua manutenção produtiva. Dentro das políticas implementadas pelo Estado merece destaque, como objeto deste artigo, a Recuperação Judicial, pelo que se passa a analisar.

Com a recuperação de empresas, a crise econômico-financeira da atividade empresarial passa a ser tratada de forma totalmente diversa, uma vez que eventual quebra, conforme descrito por Perin Júnior (2009), não é apenas um problema para aquela empresa, individualmente considerada, mas se torna um problema a nível coletivo, apto a atingir quem esteja ligado com a empresa – direta ou indiretamente. O mesmo autor ainda completa, onde o objetivo principal do instituto da recuperação é a manutenção da atividade empresarial, sendo mera consequência, – embora também importante –, o pagamento dos credores. O art. 47 da lei 11.101/2005, nos mostra que a recuperação tem por objetivo promover a preservação da empresa e viabilizar a superação da crise econômica e, assim, a manutenção da sua função social, apenas externou essa vontade, demonstrando a importância social da empresa.

Art. 47 – A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo a atividade econômica”.

Desta forma, este instituto visa como consequência, a reinserção no mercado de forma competitiva, pois visa atingir de forma positiva o cenário econômico em uma determinada população, gerando o efeito erga omnes, pois não somente os empresários se beneficiam, mas também fornecedores, credores e empregados. Entretanto, são necessários que se analisem alguns aspectos, tais como a relevância social da empresa Recuperanda e a sua viabilidade econômica. Em que pese essa preferência ao interesse particular, defendido por Barufaldi (2009), os Tribunais pátrios estão decidindo em sentido favorável à prorrogação do prazo de 180 dias de suspensão, mencionados no art. 6º, § 4º, da Lei n° 11.101/2005, com base no princípio da preservação da empresa.

Portanto, o pedido de Recuperação Judicial deverá atender não somente o devedor, mas também visa proteger o credor. Assim, para que seja colocado na prática o princípio da preservação da empresa, far-se-á necessário que a mesma seja passível de Recuperação, ou seja, que haja uma viabilidade econômico-financeira, assim como preencher os requisitos fundamentais para tal pedido (VITOLA & WEISHEIMER, 2014).

Diante do vertiginoso crescimento dos pedidos de Recuperação Judicial no Brasil, conforme já citado neste trabalho, torna-se cada vez mais necessário à inovação dos diversos institutos e mecanismos do sistema recuperacional. Um mecanismo considerado inovador é o chamado “Cram Down” proveniente do sistema falimentar norte-americano. Tal mecanismo funciona como uma forma de preservação empresarial quando entrar em conflito os interesses pessoais e de credores. Este instituo, em termos gerais, corresponde a um mecanismo que permite a interferência do magistrado – de ofício – no processo de aprovação do plano recuperacional pela Assembleia Geral de Credores. Desta feita, o juiz tem a possibilidade, com vistas à homologação do plano, de superar o veto de uma classe de credores, constituindo um assunto inédito no direito brasileiro. Portanto, este mecanismo além de preservar os empregos, garante o bem-estar dos cidadãos, conforme descrito no art. 1º da Constituição Federal (Dignidade da Pessoa Humana) (BARBOSA, 2017).

 

  1. Classes de Credores e Créditos Derivados da Legislação do Trabalho

Conforme supracitado, os credores na Recuperação Judicial são divididos em classes, teoricamente, de acordo com a convergência dos seus interesses. Desta forma, a lei 11.101/2005, em seu artigo 41, prevê a existência de quatro classes de credores: I – titulares de créditos derivados da legislação trabalhista ou decorrentes de acidentes de trabalho; II – titulares de créditos com garantia real; III – titulares de créditos quirografários, com privilégio especial, com privilégio geral ou subordinado; IV – titulares de microempresa e empresa de pequeno porte. Portanto, por ser um tema muito amplo e, como consequência muitas discussões no que envolve as 4 (quatro) classes distintas, o foco principal deste artigo é análise do artigo 54 da LRF, referente aos credores da classe I (créditos referentes a legislação trabalhista e acidente de trabalho) (KIRSCHBAUM, 2009 & FERNANDES, 2011).

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Desta forma, são considerados créditos trabalhistas os valores oriundos das obrigações previstas na legislação laboral, incluindo-se nesta espécie os créditos constituídos em decorrência de acidente de trabalho (MATOS, 2013).

Dentre as inúmeras garantias trabalhistas presentes no art. 7º da CF, merecem destaque, as relacionadas ao crédito do trabalho, vez que se destinam ao sustento do trabalhador e seus dependes. Acerca da importância da contraprestação ao trabalhador corrobora também, Luciano Martinez 2011, p. 429:

“As principais expectativas e anseios do trabalhador terminam no momento em que lhe são outorgadas, de modo integral e correto, por força do ajuste firmado, as verbas retributivas da sua força laboral. Fala-se em expectativa porque o empregado, crendo em promessa retributiva futura, antecipa seu trabalho na esperança de conquistar, ao final de um período de espera, os meios que lhe garantam a subsistência própria e familiar. Trata-se de um ato fidúcia do operário, que oferece seu empenho e ânimo em troca de um retorno pecuniário patronal”.

 

3.1. Do crédito trabalhista

Após a publicação do edital previsto no §1º do art. 52, os credores terão prazo de 15 dias para apresentarem as suas habilitações ou divergências referente aos créditos relacionados, sendo certo que a inobservância desse prazo levará as habilitações ao seu recebimento retardatário, nos termos do art. 10 “caput” da Lei 11.101/2005.

“Art. 10, “caput”. Não observado o prazo estipulado no art. 7o, § 1o, desta Lei, as habilitações de crédito serão recebidas como retardatárias”.

Porém, os titulares não terão direito a voto na Assembleia Geral de Credores (AGC), salvo aqueles titulares de créditos derivados da relação de trabalho (JÚNIOR, 2006).

A provocação da Justiça Especializada do Trabalho, com a postulação em juízo de uma reclamação trabalhista pelo não cumprimento do contrato de trabalho, visa a buscar o direito do obreiro no qual foi lesionado. Entretanto, na hipótese de um pedido de Recuperação Judicial pela suposta empresa, esses créditos concedidos por sentença pelo Juiz do Trabalho subsistirão. Assim, os mesmos serão considerados créditos privilegiados em relação aos demais créditos.

Partindo desta premissa, serão submetidos à Recuperação Judicial todos os créditos existentes na data do pedido, conforme explicitado no art. 49, “caput” da lei 11.101/2005:

“Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos”.

Com efeito, nos § § 3º e 4º inseridos no mesmo artigo da referida lei, demonstra a exceção em relação à exclusão dos créditos previstos:

“§ 3º. Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais observadas à legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere”.

“§ 4º. Não se sujeitará aos efeitos da recuperação judicial a importância a que se refere o inciso II do art. 86 desta Lei”.

 

3.2. A Recuperação Judicial e Seus Reflexos no Âmbito Laboral

A Recuperação Judicial foi uma novidade na atual legislação concursal, onde substituiu a lei da concordata presente no ultrapassado diploma legal revogado, pela lei 11.101/2005. Houve, na prática, uma preocupação em diferenciar a empresa economicamente viável, de modo que foi dado às empresas viáveis o direito de tentar se recuperar após um período de crise econômica, ou seja, a Recuperação Judicial tem como principal objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, promovendo, assim o que chamamos de princípio da preservação da empresa, além de, estimular a atividade econômica do país, cumprido assim, os requisitos legais dispostos no artigo 48 e seus incisos e artigo 51 e seus incisos da lei 11.101/2005. O empresário pode requerer em juízo que sejam autorizadas medidas que permitam que a empresa se recupere, objetivando mitigar o possível prejuízo aos credores, bem como continuar no mercado. Existem variadas consequências da recuperação judicial para os credores, inclusive os credores trabalhistas (MARTINS, 2015, p. 386).

 

3.3. Impossibilidade da Limitação Referente ao Tratamento do Crédito da Classe I – 150 salários

Conforme descrito anteriormente, o plano de Recuperação Judicial não poderá ultrapassar 30 dias para o pagamento de até 5 (cinco) salários mínimos vencidos nos últimos 3 meses anteriores ao pedido de Recuperação Judicial, conforme previsto no parágrafo único do art. 54 da LRF. Prevê também um prazo para o pagamento dos créditos trabalhistas e oriundos de acidente de trabalho, aprovados pela AGC, até um ano, conforme decisão abaixo do d. juízo do TJSP em um agravo de instrumento (AYOUB, 2017).

Todavia, no TJSP algumas impugnações referentes à limitação dos créditos trabalhistas vêm sendo realizadas no que se refere à limitação descrita no art. 83, I da lei 11.101/2005.  A princípio, a limitação de 150 salários mínimos cabe somente na falência e, não na Recuperação Judicial (RJ), onde esta aplica o negócio jurídico novativo em caráter especial, vejamos:

RECUPERAÇÃO JUDICIAL. Impugnação de crédito. Honorários advocatícios. Natureza alimentar, com consequente inclusão da classe dos créditos trabalhistas (Recurso Repetitivo Tema 637 – STJ). Limitação de 150 salários mínimos prevista no artigo 83, incisos I e VI alínea ‘c’ da Lei 11.101/2005, que se aplica somente à falência, e não à recuperação judicial, na qual há negócio novativo especial, e não propriamente concurso de credores. Recurso não provido.”

(TJSP, Agravo de Instrumento nº 2026422-85.2017.8.26.0000, Rel. Des. Francisco Loureiro, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, julgado em 17.05.2017). (Grifo nosso)

Também, um julgado Resp nº 1.649.774/SP decidiu pela não limitação do crédito trabalhista derivado de honorários advocatícios ao patamar máximo de 150 (cento e cinquenta) salários. Portanto, esta lei veio assegurar a sobrevida às empresas em tempo de crise econômico-financeira para a sua reestruturação, minimizar os desempregos e fortalecer e fortificar os créditos, aplicando o princípio da preservação da empresa (SIMÕES, 2013).

 

Conclusão

O trabalho em tela tem se demonstrado desafiador, dada à interação de áreas bastante distintas do ensino jurídico, as quais, na maioria das vezes, caminham em sentidos. Enquanto o Direito do Trabalho preocupa-se com a tutela do trabalhador, o Direito Comercial (Empresarial) preocupa-se com a atividade empresarial, da produção e circulação de bens e serviços. Portanto, a empresa assume um papel importante no que tange construção de uma sociedade, onde atua como um agente econômico propulsor do desenvolvimento. Uma sociedade empresarial ao se deparar com o insucesso financeiro e econômico não tem somente abalado apenas o seu interesse, mas também de seus proprietários e da sociedade em geral. Diante disso, surgem diversas ordens que buscam proteger a continuidade do negócio.

A Lei n 11.101/2005, que regulamenta a Recuperação Judicial do devedor, provoca como já demonstrada, inúmeras implicações aos credores trabalhistas (Classe I), seja no aspecto material ou processual. A referida Lei se fez necessário e trouxe importantes avanços no intuito de evitar o fechamento desnecessário de empresas que atravessem crises conjunturais e, consequentemente, evitar o aumento da desocupação do trabalhador brasileiro. Além do mais, em relação aos princípios desta referida lei, que tem como principal característica proteger a existência dos postos de trabalho que estão envolvidos de forma direta no processo da Recuperação Judicial, uma vez, que isso não prevê nenhuma garantia de estabilidade aos obreiros que aceitam abrir mão da parte de seus direitos em nome da preservação da empresa e, consequentemente, dos seus postos de trabalhos.

Diante da análise do problema proposto para este artigo – qual é o limite da aplicação dos créditos trabalhistas em relação ao princípio da preservação da empresa como forma de interpretar as normas pertinentes ao instituto da recuperação judicial? Pode-se concluir que a hipótese inicial levantada para esse questionamento é verdadeira, na medida em que a legislação e o Poder Judiciário devem observar a importância social na manutenção da atividade empresária e, assim, proporcionar algum facilitador para a Recuperação Judicial de empresas que se encontrarem em eventual crise econômica ou financeira. Entretanto, há uma série de fatores a serem observados para que se privilegie esta restruturação empresarial em detrimento do interesse dos Credores da classe I.

Por fim, sabemos dos transtornos e malefícios causados em uma possível falência, pois afeta a todos que a mesma tem relação, como por exemplo, fornecedores, prestadoras e clientes. Assim, a fim de reduzir estes transtornos causados na vida da população, a Lei de Recuperação Judicial e Falências têm, apesar de limitar os créditos trabalhistas (quando está quadro de credores), tem sido uma inovação no ramo do Direito Empresarial. Mesmo quando se fala em novação da dívida, a principal característica desta Lei é através de um plano estruturado recuperacional, com o intuito de salvar a saúde econômica da empresa e, consequentemente, os postos de trabalhos outrora ameaçados por uma possível falência.

 

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[1] Renato dos Santos Fonseca – Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO) – Acadêmico do 9º período de Direito.

[2] Ms. Priscila Lima Rosa – Mestre em Psicologia Social, Pós-Graduada em Direito Privado pela Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO), especialista em Direito Civil pela Universidade Estácio de Sá (UNESA), Professora Universitária de Direito Civil, Professora da Pós-Graduação da Universidade Salgado de Oliveira e da Pós-Graduação CBEPJUR/UCAM. Advogada e sócia da Itabaiana & Lima advogados associados.

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