O Ensino Da Teoria De Precedentes Judiciais No Brasil: Uma Análise Das Questões Da Prova Da Oab

Solange Pereira dos Santos[1], Frederico de Carvalho Figueiredo[2]

Resumo: A aprovação no Exame de Ordem é um dos objetivos dos alunos de Direito e das instituições que o ministram. Assim, existe um vínculo entre as disciplinas ministradas e os conteúdos necessários à realização do Exame da OAB. O artigo relata resultados de pesquisa documental realizada em Exames Unificados da Ordem dos Advogados do Brasil, aplicados pela Fundação Getúlio Vargas – FGV, cujo objetivo é identificar questões relacionadas à teoria dos precedentes judiciais e compreender como ela tem sido exigida dos discentes do curso de direito. Para tanto, realizou-se uma análise qualitativa das questões objetivas, em busca de identificação dos conteúdos necessários à sua compreensão. Esse artigo demonstra que as questões da Ordem dos Advogados do Brasil pouco exploram a teoria dos precedentes judiciais e as modificações ocorridas no Código de Processo Civil.

Palavras-chave: Precedentes. OAB. CPC. Processo Civil. Ensino jurídico

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Abstract: The approval in the Examination of the Brazilian BAR Association (OAB) is the common objective of the students who attend courses and the institutions that minister it alike. Thus, there is a link between the disciplines taught by Faculties and the contents necessary to carry out the OAB Exam. The article reports results of documentary research conducted in Unified Examinations of the Brazilian Bar Association (OAB), carried out by Fundação Getúlio Vargas – FGV. The aim is to identify questions related to the theory of judicial precedents and to understand how this theory has been required of law students. A qualitative analysis of the objective questions was carried out, aiming to identify elements that demonstrate the use of the theory for its correct solution. This article shows that the implementation of precedent theory in legal education has still a long way to go. The quetions of the OAB Exam do little to explore the theory of judicial precedents and the changes that occurred in the Code of Civil Procedures that encompass it.

Keywords: Precedents. OAB. CPC. Civil Procedure. Law teaching

 

Sumário: Introdução. 1. Mudança nos precedentes judiciais e o ensino jurídico. 2. Alguns conceitos centrais para ensino da teoria dos precedentes no contexto brasileiro. 3. O exame da Ordem dos Advogados do Brasil como mecanismo de aferição técnica. 4. Metodologia. 5. Análise e discussão. Conclusão. Referências.

 

Introdução

O Código de Processo Civil de 1973 já possuía, especialmente em razão de reformas em seu conteúdo, referências à utilização de precedentes judiciais. Porém o sincretismo jurídico que representou a adoção de tal teoria pelo sistema jurídico brasileiro veio com o advento do novo Código de Processo Civil.

A lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, instituiu um novo Código de Processo Civil – CPC/2015, tendo revogado o Código de Processo Civil de 1973 – CPC/1973 e, além de adequar alguns dispositivos legais já previstos nesse Código, adotou a teoria dos precedentes judiciais no ordenamento jurídico brasileiro. A compreensão e aplicação das diversas disposições legais sustentadas pela mencionada teoria tornou-se relevante para a sociedade brasileira, especialmente para os atuais e futuros juristas, pois representam uma premissa fundante para realização de julgamentos no país. Trata-se de uma alteração na forma de compreender o Direito nacional, até então pautada nas leis e códigos, para adotar solução aplicada em decisão anteriormente proferida em caso análogo. Mencionada adoção representa uma alteração na tradição do sistema jurídico brasileiro, mediante a recepção de um modelo jurídico adotado por países de origem germânica, do qual se originou a teoria dos precedentes judiciais, fonte do direito adotado pelo sistema de origem anglo-saxônico, denominado common law.

Com a alteração no compêndio de leis processuais brasileiras e a articulação com teorias do common law, tornou-se imperioso compreender se o ensino jurídico ajustou-se à nova processualística, a fim de propiciar aos estudantes de direito a plena compreensão dessa teoria, bem como os impactos processuais que ela representa. Nesse sentido, ressalta Cramer (2016, p. 206), “que o método jurídico nas faculdades de Direito, em que prevalece a aula expositiva, muito comum no Civil Law (a norma jurídica é compreendida de forma hipotética, a partir tão somente do texto normativo), não favorece o estudo do precedente”.

A aprovação no Exame da Ordem dos Advogados do Brasil é necessária para os bacharéis em direito que pretendem exercer a advocacia. Ela aborda conteúdos essenciais para a formação e atuação do advogado, independentemente da área de atuação. Assim, o programa de ensino ministrado em sala de aula é exigido dos bacharéis em Direito quando da realização do Exame da Ordem dos Advogados do Brasil e as questões do Exame aferem o conhecimento dos futuros juristas. A aprovação atesta a capacidade técnica do candidato para o exercício da profissão.

Observar os conteúdos presentes no Exame da Ordem dos Advogados do Brasil para o exercício da profissão de advogado pode apresentar indicações sobre a incorporação da teoria dos precedentes pelo ensino jurídico.

Assim, este trabalho tem por objetivo analisar a exigência da teoria dos precedentes judiciais no Exame Unificado da Ordem dos Advogados do Brasil, como indicador de competências necessárias aos bacharéis em Direito no exercício da advocacia. Para tanto, foram pesquisadas 25 edições do Exame, realizadas entre 2010 e 2018, tanto na vigência do Código de Processo Civil de 1973 quanto na vigência do Código de Processo Civil de 2015, a fim de comparar os resultados.

 

1.    Mudanças nos precedentes judiciais e o ensino jurídico

A tradição jurídica consiste “[…] em um conjunto de práticas, costumes e hábitos profundamente arraigados em uma comunidade, historicamente condicionados, a respeito da natureza do direito, do papel do direito na sociedade e na política, a respeito da organização e da operação adequada de um sistema legal, bem como a respeito da forma que deveria criar-se, aperfeiçoar-se, aplicar-se e ensinar o direito (STRECK; ABBOUD, 2015, p. 21)”.

A formação do direito decorre da tradição jurídica e o Brasil, originariamente, adotou o sistema romano-germânico também denominado romano-canônico ou Civil law, influenciado pela corte portuguesa e pelo direito romano que sistematizava os fenômenos jurídico em códigos, sendo típico desse sistema o direito escrito em leis. Em regra, os países que sofreram forte influência do direito romano adotaram o direito escrito como fonte prioritária de aplicação do direito, derivado do jus civile, o direito civil da república e do império romano. Tem-se, portanto, a tradição do civil law, por força do nome atribuído ao código civil romano, Corpus Iuris Civilis, precursor da codificação do direito. Assim, a atividade produtiva de uma lei é concentrada no Poder Legislativo, pelo processo de criação de leis obrigatórias. A esse respeito esclarece Macedo que “a formação da tradição jurídica romano-canônica, tem palco na Europa continental. Por efeito da empreitada colonizadora realizada por países como Espanha, Portugal, Holanda e França, ela é espalhada por todo o mundo: trata-se da mais disseminada tradição jurídica. A influência do civil law nas Américas é forte; a América do Sul, por exemplo, é composta exclusivamente por países caudatários desta tradição (MACEDO, 2017, p. 34)”.

Por outro lado, os países de origem anglo-saxônica, que tiveram como fonte do direito prioritariamente os costumes, adotaram um sistema jurídico diverso, denominado common law. Nesse sistema, a fonte precípua do direito são decisões judiciais previamente proferidas, extraídas de pressupostos, conceitos e métodos interpretativos com menor reverência ao texto escrito, que é utilizado como fonte subsidiária, quando não cabível para o caso concreto as decisões judiciais anteriores. Macedo expõe que, “com efeito, a partir do século XII, uma série contínua de decisões em casos específicos passam a constituir um sistema vasto e complexo de regras e princípios. Assim, tem-se o início da formação do direito comum inglês – no qual a legislação possui um papel marginal – que acaba por formar, mediante sua expansão, uma tradição original, que funciona a partir de pressupostos, conceitos e métodos próprios, constituindo a raiz do commom law (MACEDO, 2017, p. 42-43).

Mencionado sistema jurídico previu algumas técnicas de aplicação aos julgados quando uma decisão anterior não estiver em consonância com o caso concreto a ser apreciado, como o distinguishing e o overruling. Trata-se de mecanismos para a não utilização dos precedentes, por não serem adequados ao caso concreto.

A teoria de precedentes judiciais é uma das principais características do common law, vez que ela é utilizada para influenciar e, em alguns casos, resolver decisões judiciais futuras. Para Streck e Abboud “a doutrina dos precedentes caracteriza a evolução histórica da filosofia do common law, baseada na casuística e na própria dimensão histórica do fenômeno jurídico. Desse modo, a linha judicial, consistente na aplicação de uma regra ou princípio jurídico em diversos casos análogos, é evidência da existência e validade de cada regra e/ou princípio jurídico aplicado (STRECK; ABBOUD, 2015, p. 44).”

Com o advento do CPC/15, Streck e Abboud (2015) dizem ter ocorrido uma “commonlização” do sistema jurídico brasileiro. Os institutos processuais adaptados e implementados no processo civil brasileiro atual, sob o pálio da garantia dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade nos julgados, da segurança jurídica e da razoável duração do processo, derivam “da falta de integridade da jurisprudência” nos tribunais brasileiros e representam uma “busca pela uniformidade a partir das decisões dos tribunais superiores mediante um aumento significativo de provimentos que passaram a ser vinculantes“ (STRECK; ABBOUD, 2015, p. 16).

A constatação de que a lei pode ser interpretada de diversas formas e que o juiz pode decidir de forma diferente em casos idênticos atraiu a aplicação de precedentes judiciais no sistema jurídico pátrio, salvaguardando a isonomia das decisões judiciais, tornando imprescindível a compreensão dessa teoria pelos discentes de direito.

Nesse sentido, Marinoni assevera que “a segurança jurídica, postulada na tradição do civil law pela estrita aplicação da lei, está a exigir o sistema de precedentes, há muito estabelecido para assegurar essa mesma segurança no ambiente do common law, em que a possibilidade de decisões diferentes para caso iguais nunca foi desconsiderada e, exatamente por isso, fez surgir o princípio, inspirador do stare decisis, de que os casos similares devem ser tratados do mesmo modo (treat like cases alike)” (MARINONI, 2016, p. 82).

Assim, a aproximação dos sistemas jurídicos civil law e common law contribuem para a mudança do atual ordenamento processual e precisam ser compreendidos para que as técnicas correlatas à teoria de precedentes sejam aplicadas corretamente.

Ainda que o modelo que vigorou com Código de Processo Civil de 1973 não contemplasse a teoria dos precedentes, já possuía dispositivos pensados para a sua utilização. Como exemplos:

  • 285 A CPC – Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.
  • 557 CPC – O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior.
  • 479 CPC – O julgamento, tomado pelo voto da maioria absoluta dos membros que integram o tribunal será objeto de súmula e constituirá precedente na uniformização da jurisprudência.
  • 103 A CF – O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.
  • 13/18 da Lei 8.038/90 – Institui normas procedimentais para processos que especifica, perante o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal. Reclamação contra decisão ou ato administrativo contrário a súmula vinculante – artigos revogados pela Lei 13.105/15.
  • A eficácia vinculante das decisões em Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação Declaratória de Constitucionalidade e Ação de Descumprimento de Preceitos Fundamentais.

Lima (2013) ainda complementa com os dispositivos abaixo:

  • 518 CPC – Súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal impeditivas do recurso de apelação.
  • 475-L § 1º e Art. 741, parágrafo único, do CPC – Inexigibilidade de título fundado em norma inconstitucional.
  • 543-A CPC e Art. 543 – B CPC: – Decisões em sedes de repercussão geral das questões constitucionais (STF).
  • 543-C CPC – Recursos Especiais Repetitivos (STJ).
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Para Macedo (2017), os institutos acima fundaram a construção de um sistema de precedentes vinculantes no CPC/15 e, “além do aprimoramento dos institutos processuais citados e da previsão de novos, os próprios precedentes judiciais ganharam uma regulação normativa no CPC/15, algo inédito na história” (MACEDO, 2017, p. 66). Como alguns mecanismos da teoria, podemos citar:

  • 927, inc. I – do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade.
  • 927, inc. II – os enunciados de súmula vinculante.
  • 927, inc. III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos.
  • 927, inc. IV – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional.
  • 927, inc. V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

Em que pese a crítica dos doutrinadores (MARINONI, 2016; MACEDO, 2017) relativa aos enunciados de súmulas, ao incidente de assunção de competência, à resolução de demandas repetitivas e aos julgamentos de recursos extraordinários e especial repetitivos, a maioria, dentre eles, Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael de Alexandria, Ronaldo Cramer e Humberto Theodoro Junior possuem o entendimento de que a previsão legal acima estabelece um rol de precedentes obrigatórios no ordenamento jurídico brasileiro e regula “a forma de cumprimento específico” (MACEDO, 2017, p. 338),[3], sendo fundamental “que se interprete o dispositivo no sentido de que são precedentes” (MACEDO, 2017, p. 339).

Entender os precedentes como fonte do direito é uma premissa imprescindível para a compreensão adequada da teoria, pois o precedente é um texto pelo qual é possível construir uma norma jurídica. Este é o entendimento de Macedo (2017), “com efeito, ao se defender os precedentes como fonte do direito, não se quer estabelecer uma bipartição entre normas jurídicas, mas sim um acréscimo nas fontes do direito” (MACEDO, 2017, p. 201). Já Lima dispõe que “[…] mesmo filiado à família romano-germânica, revela imenso e crescente apego e deferência às regras jurídicas estabelecidas por força, principalmente, dos julgamentos coletivos advindos dos tribunais, os quais inegavelmente revelam predisposição à formatação de normas para colmatar lacunas legislativas e para atender aos anseios da sociedade” (LIMA, 2013, p. 131).

Marinoni (2016) ainda entende que apenas os tribunais superiores, assim denominados de Cortes Supremas, têm a missão de emitir precedentes, sendo que “o art. 927 do CPC possui caráter exemplificativo” (MARINONI, 2016, p. 288).

Importante ressaltar o art. 926 que inaugura o Livro III do CPC – Dos Processos nos Tribunais e dos Meios de Impugnação das Decisões Judiciais, dispõe acerca da uniformização da jurisprudência, mantendo-a estável, íntegra e coerente. Para Macedo (2017), não se trata de um dispositivo relativo à teoria de precedentes propriamente dita, mas sim de um material suficiente para a sua construção no ordenamento jurídico pátrio. Ele aponta para a inadmissibilidade de decisões diversas acerca do mesmo tema nos tribunais, pelo que guarda uma correlação e uma enunciação da teoria de precedentes e total preocupação com a segurança jurídica. Esclarece, ainda, que “a partir da institucionalização dos deveres de uniformização, estabilidade, integridade e coerência, torna-se pouco crível o funcionamento do sistema jurídico sem o stare decisis.” (MACEDO, 2017, p. 332).

 

2.    Alguns conceitos centrais para ensino da teoria dos precedentes no contexto brasileiro

Alguns conceitos são básicos para a compreensão da teoria. Sobre os conceitos centrais e técnicas de aplicação da teoria dos precedentes, cabe aqui uma breve exposição.

Precedente é “uma decisão de um Tribunal com aptidão a ser reproduzida seguida pelos tribunais inferiores, entretanto, sua condição de precedente dependerá de ela ser efetivamente seguido na resolução de casos análogos similares” (STRECK; ABBOUD, 2015, p. 46) ou “[…] a própria norma jurídica aplicável, advinda de outro caso, a ratio decidendi” (MACEDO, 2017, p. 72) e, ainda, “o significado de um precedente deve ser buscado nas razões pelas quais se decidiu de certa maneira ou nas razões que levaram a fixação do dispositivo” (MARINONI, 2016, p. 162) e “[…] constitui a própria norma jurídica criada pela decisão judicial, ou seja, a tese jurídica que servirá de parâmetro decisório para casos idênticos” (CRAMER, 2016, p. 77).

Já a ratio decidendi “são os fundamentos jurídicos que sustentam a decisão; a opção hermenêutica adotada na sentença, sem a qual a decisão não teria sido proferida como foi” (DIDIER; BRAGA; OLIVEIRA, 2018, p. 514) ou simplesmente “razões de decidir ou razões para a decisão, e configura sinônimo de norma jurídica” (MACEDO, 2017, p. 233).

A ratio decidendi difere-se do obiter dictum, que “é a exclusão do precedente de partes da decisão que não foram objeto da argumentação das partes, geralmente possuindo pouca importância para a solução da causa, mas que vieram a ser consignadas no ato decisório” (MACEDO, 2017, p. 254) e ainda, “constitui todo e qualquer argumento dispensável para determinar a norma do precedente e que tem apenas o objetivo de ser ilustração, digressão, complementação ou reforço de argumentação das razões da decisão” (CRAMER, 2016, p. 107) e “é o que se afirma na decisão, mas que não é decisivo (necessário) para o deslinde da questão” (RAMIRES, 2010, p. 68).

O distinguishing, conforme entendimentos de diversos autores “expressa a distinção entre os casos para o efeito de se subordinar, ou não, o caso sob julgamento ao precedente” (MARINONI, 2016, p. 232) e, ainda, “[…] garante ao juiz liberdade de julgamento, o qual pode, com a devida justificativa, demonstrar a diversidade do caso que lhe foi submetido e não aplicar o precedente do tribunal” (PANUTTO, 2017, p. 137) ou “o juiz intenta evidenciar não só as semelhanças mas também os caracteres específicos que diferenciam a situação em análise” (STRECK; ABBOUD, 2015, p. 137).

“O distinguishing expressa a distinção entre os casos para o efeito de se subordinar, ou não, o caso sob julgamento ao precedente. Assim, é necessário delimitar a ratio decidendi, considerando-se os fatos materiais do primeiro caso, ou seja, os fatos que foram tomados em consideração no raciocínio judicial ou relevantes ao encontro da decisão. O distinguishing revela a demonstração entre as diferenças fáticas entre os casos ou a demonstração de que a ratio do precedente não se amolda ao caso sob julgamento, uma vez que os fatos de um e outro são diversos” (MARINONI, 2015, p. 232).

Há ainda o overruling, que representa a “rejeição da solução precedente por ser suscetível de conduzir a resultados injustos” (STRECK; ABBOUD, 2015, p.137), em outras palavras representa a superação de precedentes, pois “permite a abolição ou a releitura de antigo precedente, de ofício pela Corte que o originou ou a requerimento das partes interessadas no caso concreto” (PANUTTO, 2017, p. 135) e, ainda, “consiste na retirada de uma ratio decidendi do ordenamento jurídico, substituindo-a por outra” (MACEDO, 2017, p. 289). É a intervenção no desenvolvimento do direito, ou seja, quando é tomada uma decisão posterior, tornando o precedente inconsistente (MARINONI, 2016). Segundo Macedo (2017),, o overruling “[…] consiste na retirada de uma ratio decidendi do ordenamento jurídico, substituindo-a por outra. Com isso, o próprio precedente judicial que lhe servia de referente passa a ser imprestável como fonte de norma, ele é excluído do sistema de fontes, embora possa vir a ser citado como argumento persuasivo. O valor do precedente superado passa a ser histórico, ele não constitui mais autoridade para tomada de decisões judiciais” (MACEDO, 2017, p. 289).

Face a todo o exposto, é necessário analisar a incorporação da teoria dos precedentes ao ensino jurídico e à prática forense. A compreensão dos efeitos da teoria no direito, bem como de seuas ferramentas próprias e dos institutos dela decorrentes é fundamental para a atuação do bacharel em Direito.

 

3.    O exame da ordem dos advogados do Brasil como mecanismo de aferição técnica

O Exame de Ordem é requisito obrigatório para a possibilidade de entrada do bacharel nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, condição necessária para o exercício da advocacia, com seus direitos e prerrogativas.

Em 1963, foi promulgada a Lei nº 4.215, Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, estabelecendo que a aprovação no Exame de Ordem era a única via possível de inscrição na OAB do bacharel como advogado, tendo sido revogada pela Lei 5.842/1972, que criou um sistema alternativo ao exame de ordem e, mais tarde, por meio do Provimento nº 40, do Conselho Federal da OAB, de 1973, determinou que a inscrição no quadro de advogados da OAB teria como pré-requisito o Estágio Profissional, desenvolvido a partir dos dois últimos anos letivos do curso. O Conselho Federal da OAB tornou obrigatório o Exame de Ordem para admissão no quadro de advogados aos bacharéis de Direito que não realizaram o estágio profissional nos últimos dois anos do curso jurídico. Destaca-se que, pelo atual Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (BRASIL, 1994), é necessária a aprovação no exame para a inscrição nos quadros da advocacia nacional.

O Exame da Ordem dos Advogados do Brasil é a principal forma de aferição técnica dos bacharéis recém-formados em Direito. E “é inegável, neste sentido, que o Exame de Ordem – aqui considerado imprescindível numa tentativa de filtrar os profissionais do Direito aptos ao exercício da advocacia – é um produto do próprio sistema que envolve o ensino jurídico, pois ele constrói as suas bases sobre aquilo que supostamente os alunos aprendem nos bancos das instituições de Direito” (PINHEIRO, 2016, p. 9).

O Exame demanda conhecimento de temáticas importantes para o exercício da advocacia, e a aprovação é algo desejável para os cursos de Direito. Assim, serve como indicador da formação dos bacharéis. Além disso, pode atuar como norteador das pesquisas relacionadas à educação jurídica, buscando a adequação dos conteúdos e ferramentas de ensino.

“Neste sentido, a fim de modificar a estrutura tradicional de ensino ainda utilizada pelos cursos jurídicos atuais, entende-se que o Exame de Ordem constitui-se num bom começo para tal reestruturação. Assim, esta prova pode se transformar em um instrumento que possui reais condições para filtrar os profissionais que saem dos cursos de Direito e ingressam, ao menos, no mercado da advocacia, o que por si só já representará um enorme avanço no combate a esta crise. […]. Apontou-se, neste sentido, o Exame de Ordem como uma ferramenta essencial no início desta reformulação do ensino jurídico, pois ele atuaria de maneira a forçar as instituições de ensino a modificarem suas estruturas, já que a tendência seria a reprovação dos seus alunos nas provas, caso se mantivesse o mesmo modelo tecnicista de ensino que impera há anos nos cursos jurídicos brasileiros. Mas, para tanto, será necessária uma modificação no próprio modelo pelo qual a prova é estruturada a fim de requerer, para a resolução de suas questões, conhecimentos diversos do técnico e do mnemônico” (PINHEIRO, 2016, p. 9;18).

Mas o grande problema é o descompasso do ensino e avaliação dos bacharéis em direito e a modificação do sistema jurídico brasileiro. Pinheiro (2016) acrescenta que “o tradicionalismo que circunda o modelo estrutural do ensino jurídico constitui a base da crise formada por inúmeros problemas que fazem parte da maioria dos cursos de Direito existentes, hoje, no Brasil. Isso significa que, apesar de tantos profissionais formados a cada semestre nesta área, é possível identificar a insuficiência, em determinados pontos, da formação ofertada” (PINHEIRO, 2016, p. 1).

Isto demonstra a relação direta entre os conteúdos necessários à realização do Exame de Ordem e a necessidade de seu ensino nas cadeiras do Curso de Direito, vez que tal prova é o objetivo inicial da formação jurídica.

 

4.    Metodologia

Este trabalho de pesquisa foi desenvolvido como pesquisa exploratória, buscando indícios no Exame de Ordem acerca da influência da teoria dos precedentes judiciais no sistema jurídico-educacional brasileiro. A abordagem dos dados será qualitativa.

Foi realizada uma pesquisa documental, analisando-se o conteúdo de provas para ingresso nos quadros da OAB. Foram analisadas 25 (vinte e cinco) provas e 160 (cento e sessenta) questões da 1ª Fase do Exame de Ordem Unificado da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, realizado pela Fundação Getúlio Vargas – FGV, a partir do II Exame Unificado 2010.2, realizado em 26 de setembro de 2010 até o XXVI Exame Unificado 2018.2, realizado em 05 de agosto de 2018.

As questões referem-se à disciplina de Processo Civil, planejadas conforme o Código de Processo Civil vigente à época das provas. Do II Exame Unificado 2010.2, com realização das provas da 1ª Fase em 26 de setembro de 2010 até ao XIX Exame Unificado 2016.1, com realização das provas da 1ª Fase em 03/04/2016, as provas foram elaboradas conforme o Código de Processo Civil de 1973. Sendo que a partir do XX Exame Unificado 2016.2, com realização das provas da 1ª Fase em 24/07/2016, as provas foram elaboradas conforme o Código de Processo Civil de 2015.

No que se refere à aplicabilidade da teoria dos precedentes judiciais às questões, foram utilizados os seguintes critérios:

  • o conhecimento dos dispositivos legais relativos à teoria contemplado no CPC/73 e no CPC/15.
  • a abordagem dos conceitos fundamentais e das técnicas de sua aplicação.
  • o reconhecimento da teoria como fonte do direito.
  • a compreensão da teoria de precedentes judiciais no contexto do sistema jurídico pátrio.
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5.    Análise e discussão

Em relação à pesquisa da teoria de precedentes judiciais nas provas unificadas da OAB, foram encontradas três questões em um universo de 160 (cento e sessenta), representando 2% (dois) por cento do total, sendo que uma refere-se à aplicação do CPC/73 e as demais se referem à aplicação do CPC/15.

A primeira questão localizada apresenta a questão dos precedentes ainda sob o Código de Processo Civil de 1973:

Brenda, atualmente com 20 anos de idade, estudante do 2º período de direito, percebe mensalmente pensão decorrente da morte de seu pai. Sucede, contudo, que ela recebeu uma correspondência do fundo que lhe paga a pensão, notificando de que, no dia 20 do próximo mês, quando completará 21 anos, seu benefício será extinto. Inconformada, Brenda ajuizou ação judicial, requerendo em antecipação de tutela a continuidade dos pagamentos e, por sentença, a manutenção desse direito até, pelo menos, completar 24 anos de idade, quando deverá terminar a faculdade. Tal demanda, contudo, é rejeitada liminarmente pelo juiz da 3ª Vara, sob o argumento de que aquela matéria de direito já está pacificada de forma contrária aos interesses da Autora na jurisprudência dos Tribunais Superiores e, ainda, por ele já ter proferido, em outros casos com a mesma questão de direito, diversas sentenças de improcedência. Sobre os fatos descritos, assinale a afirmativa correta.

  1. a) decisão acima mencionada, se transitada em julgado, não faz coisa julgada material, na medida em que a ausência de citação do Réu impede a formação regular do processo.
  2. b) No caso de eventual recurso de Brenda, o juízo que proferiu a sentença poderá, se assim entender, retratar-se.
  3. c) Se a matéria de mérito estivesse pacificada nos Tribunais Superiores em favor da autora, poderia o magistrado, ao receber a petição inicial, sentenciar o feito e julgar desde logo procedente o pedido.
  4. d) Mesmo que a demanda envolvesse necessidade de produção de prova pericial, o magistrado poderia se valer da improcedência liminar, tendo em vista a força dos precedentes dos Tribunais Superiores.

Resposta: B

O enunciado da questão acima aborda o conteúdo relacionado à jurisprudência dos tribunais superiores, conceito que pode levar a equívocos quanto à conceituação da teoria de precedentes judiciais.

Isto porque o sentido jurídico da palavra “precedente” como decisão judicial à luz de um caso concreto, cujo núcleo essencial pode servir como diretriz para o julgamento posterior de casos análogos, não identifica o termo no sentido apresentado nesta pesquisa.

Macedo (2017) distingue jurisprudência e precedente: “[…] enquanto a teoria dos precedentes trabalha a partir da importância de uma única decisão para a produção de direito, respeitados determinados requisitos, reconhecendo o importante papel do Judiciário para criação de normas, a força normativa da jurisprudência, em sentido contrário, pressupõe a inexistência de relevância da decisão em sua unidade, mas a autoridade somente se apresentaria a partir de um grupo de precedentes, e mais ainda, da repetição de julgados no mesmo se sentido” (MACEDO, 2017, p. 84).

Tem-se ainda que um precedente judicial pode ser extraído de uma única decisão, enquanto a jurisprudência é constituída por vários julgados no mesmo sentido, ao longo de um lapso temporal.

A letra “D”, como única resposta alusiva a precedentes judiciais, dispõe que: “Mesmo que a demanda envolvesse necessidade de produção de prova pericial, o magistrado poderia se valer da improcedência liminar, tendo em vista a força dos precedentes dos Tribunais Superiores, em observância ao art. 285 A do CPC/73”, Tal artigo afirma que “quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada” (BRASIL, 1973).

Para Macedo (2017), trata-se de uma aproximação da teoria dos precedentes judiciais anunciada quando da vigência do CPC/73, sem contudo, inaugurar “[…] hipótese de precedente obrigatório ou de precedente relativamente obrigatório […]” (MACEDO, 2017, p. 492). O autor ainda afirma que “na verdade, o precedente, no art. 285 A do CPC/73, era um dos elementos da hipótese fática da norma. Não é possível falar em relativa obrigatoriedade, porquanto se tratava apenas de uma possibilidade conferida ao juiz de sumarizar o procedimento” (MACEDO, 2017, p. 492).

Tem-se que, apesar da questão mencionar dispositivo previsto no CPC/73 que anunciavam a teoria de precedentes judiciais sob o ponto de vista do doutrinador citado acima, a questão não se referia à teoria de precedentes judiciais, vez que estabeleceu no dispositivo legal restrições que não coadunam com os métodos aplicáveis à teoria objeto da pesquisa, tais como: a matéria controvertida ser unicamente de direito e ocorrência no mesmo juízo de outras sentenças de total improcedência.

Ademais, a correta resposta consubstanciada na letra “B”, concedendo direito à retratação do juiz em caso de interposição de recurso, afasta a aplicabilidade da teoria de precedentes judiciais, lastreada dentre outros, no Princípio da Segurança Jurídica.

Assim, o conteúdo jurídico exigido na questão referia-se a conteúdo diverso do objeto desta pesquisa, não abordando os critérios diretamente associados à teoria de precedentes judiciais.

A segunda questão identificada deu-se no XXIII Exame unificado, já sob a égide do Código de Processo Civil de 2015:

Nos Juízos de Direito da capital do Estado X tramitavam centenas de demandas semelhantes, ajuizadas por servidores públicos vinculados ao Município Y discutindo a constitucionalidade de lei ordinária municipal que tratava do plano de cargos e salários da categoria. Antevendo risco de ofensa à isonomia, com a possibilidade de decisões contraditórias, o advogado de uma das partes resolve adotar medida judicial para uniformizar o entendimento da questão jurídica. Nessa hipótese, o advogado deve peticionar

  1. ao Juízo de Direito no qual tramita a demanda por ele ajuizada, requerendo a instauração de incidente de assunção de competência.
  2. ao Presidente do Tribunal ao qual está vinculado o Juízo de Direito, requerendo a instauração de incidente de resolução de demandas repetitivas.
  3. ao Presidente do Tribunal ao qual está vinculado o Juízo de Direito, requerendo a instauração de incidente de arguição de inconstitucionalidade.
  4. ao Juízo de Direito no qual tramita a demanda por ele ajuizada, requerendo a intimação do Ministério Público para conversão da demanda individual em coletiva.

Resposta: B

A questão trata de uniformização de decisão que, conforme Marinoni, “[…] é formada a partir dos resultados dos recursos, que devem espelhar uma determinada solução interpretativa, expressa na fundamentação e na ementa do acórdão. Vários julgados no mesmo sentido, ou seja, várias soluções interpretativas numa mesma direção dão origem à jurisprudência uniforme do tribunal acerca de determinada questão” (MARINONI, 2016, p. 292).

O enunciado trata da uniformização provocada pelo advogado da parte para assegurar coerência e segurança jurídica na produção de normas iguais para a mesma situação, com o objetivo de antever risco de ofensa à isonomia.

A teoria de precedentes judiciais guarda estrita relação com o princípio da isonomia pois “a ideia é que, onde existem as mesmas razões, as mesmas decisões precisam ser proferidas, o que é uma consequência direta desse princípio” (MACEDO, 2017, p. 118).

Nesse sentido a questão possui correlação com a teoria de precedentes judiciais, tanto a partir do seu enunciado, quanto ao citar nas opções de respostas das letras “A” e “B” institutos processuais previstos no art. 927 do CPC/15, apesar de alguns autores entenderem que as previsões desse artigo possuem grande diferença em relação ao sistema de precedentes. Nesse sentido, Marinoni observa que “como as decisões que atribuem sentido ao direito ou mesmo o desenvolvem agregam conteúdo à ordem jurídica e, desta maneira, passam a orientar a sociedade, elas constituem critérios que necessariamente devem ser observados pelos tribunais e juízes para a resolução dos conflitos. Estas decisões não se destinam a resolver casos pendentes (casos repetitivos) ou a prevenir casos que podem aflorar em virtude da relevância social da questão de direito (assunção de competência). Mais claramente, os incidentes de assunção de competência e de resolução de demandas repetitivas destinam-se a regular casos que podem surgir ou já surgiram em face de determinada situação ou litígio. São meios de resolução de casos de massa ou de questões múltiplas” (MARINONI, 2016, p. 286).

Por outro lado, Cramer (2016) dispõe que “[…] o art. 927 do NCPC, tanto o caput e os parágrafos, encontram-se estruturados a partir da premissa de que os precedentes ali relacionados são vinculantes. O maior exemplo disso, como já explicado, constitui o seu § 1º, precedentes arrolados pelo caput. Essa regra só tem razão de ser se, evidentemente, os precedentes do caput forem considerados vinculantes. Do contrário, ela não faz o menor sentido. É possível concluir, a partir de tudo o que foi dito, que o art. 927 do NCPC abriga uma relação de precedentes vinculantes” (CRAMER, 2016, p. 191).

Assim, a hipótese prevista no item “B”, resposta correta da questão, está abrigada pela teoria de precedentes judiciais, contudo não utiliza elementos que permitam contextualizar e compreender a teoria objeto desta pesquisa.

Assim compreendido, a resposta consignada na letra “A” que trata da instauração do incidente de assunção de competência, refere-se a instituto próprio da teoria de precedentes previsto no art. 927 do CPC/15 como um pronunciamento que deve ser observado pelos juízes e tribunais. No entanto, encontram-se ausentes elementos normativos e de compreensão que autorizariam a instauração do incidente, tais como julgamento de recursos, de remessa necessária ou de processo de competência originária.

Por fim, a última questão foi apresentada no XXIII Exame Unificado:

Luana, em litígio instaurado em face de Luciano, viu seu pedido ser julgado improcedente, o que veio a ser confirmado pelo tribunal local, transitando em julgado. O advogado da autora a alerta no sentido de que, apesar de a decisão do tribunal local basear-se em acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça em regime repetitivo, o precedente não seria aplicável ao seu caso, pois se trata de hipótese fática distinta. Armou, assim, ser possível reverter a situação por meio do ajuizamento de ação rescisória. Diante do exposto, assinale a afirmativa correta.

  1. Não cabe a ação rescisória, pois a previsão de cabimento de rescisão do julgado se destina às hipóteses de violação à lei e não de precedente.
  2. Cabe a ação rescisória, com base na aplicação equivocada do precedente mencionado.
  3. Cabe a ação rescisória, porque o erro sobre o precedente se equipara à situação da prova falsa.
  4. Não cabe ação rescisória com base em tal fundamento, eis que a hipótese é de ofensa à coisa julgada.

Resposta: B

A questão aborda a teoria de precedentes judiciais em seu enunciado quando se refere a acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça em regime repetitivo, previsto no rol do art. 927 do NCPC e, especialmente, quando menciona que o precedente não seria aplicável ao caso, pois se trata de hipótese fática distinta do caso concreto.

Todavia, o conteúdo que se pretende avaliar na questão refere-se à ação rescisória, uma ação autônoma que desconstitui decisões de mérito, não se propondo a avaliar diretamente a teoria de precedentes judiciais.

A ação rescisória encontra-se prevista no art. 966 do CPC, dispondo: A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: […] V – violar manifestamente norma jurídica; […] § 5º. Cabe ação rescisória, com fundamento no inciso V do caput deste artigo, contra decisão baseada em enunciado de súmula ou acórdão proferido em julgamento de casos repetitivos que não tenha considerado a existência de distinção entre a questão discutida no processo e o padrão decisório que lhe deu fundamento” (BRASIL, 2015).

Apesar da teoria de precedentes e ação rescisória serem institutos distintos, destaca-se o fato de a rescisão do julgado ser possível quando houver violação de norma jurídica, podendo-se assim compreender a norma jurídica contida no precedente.

Trata-se de uma alteração legislativa a partir do CPC/15, em conformação com a teoria de precedentes, por se tratar de uma norma jurídica obrigatória.

Esse é o entendimento de Cramer: “Como visto, os precedentes, no ordenamento jurídico brasileiro, são interpretativos de textos legais. Ao contrariar um precedente vinculante, a sentença, na verdade, viola a norma jurídica que esse precedente produziu por meio da interpretação do dispositivo legal (CRAMER, 2016, p. 174).”.

Dessa maneira, a questão não aborda a teoria de precedentes quanto aos seus conceitos fundamentais, mas aborda quanto aos elementos e às técnicas de compreensão e aplicação.

Ressalta-se que a cobrança antes e depois da utilização do CPC/2015 não permite demonstrar que houve realmente uma mudança na visão sobre como a teoria deve ser cobrada nos exames. Apesar de algum aprimoramento técnico, a importância do tema e a necessidade de sua exploração ainda precisam de maior relevância no contexto do Exame.

 

Conclusão

A pesquisa realizada e apresentada neste trabalho intencionou compreender como a teoria de precedentes judiciais tem sido exigida do corpo discente dos cursos de direito no Brasil, com base nos Exames da Ordem dos Advogados do Brasil.

Os resultados obtidos revelaram que a teoria de precedentes judiciais não é exigida de forma adequada e reclama por uma adequação no ensino jurídico e no Exame da Ordem do Brasil. A teoria encontra-se prevista no CPC vigente, mas o principal instrumento oficialmente utilizado para qualificar o discente de direito – provas unificadas da OAB – demonstrou não abordá-la com a exposição apresentada no CPC, considerando seu conceitos fundamentais, seu reconhecimento como fonte do direito, seus elementos e técnicas de compreensão.

A adoção dessa teoria no ordenamento jurídico pátrio representa uma mudança nas fontes do direito, pois a teoria representa a criação de uma norma aplicável a qualquer área jurídica, de forma vinculativa. Desconhecê-la ou não explorá-la representa uma lacuna no ensino jurídico e na atuação profissional.

A mera alteração legislativa, com a manutenção da cultura de leitura e da transcrição dos dispositivos legais para fins de avaliação não são suficientes para a compreensão e incorporação da teoria pelo discente. Além do mais, o sentido etimológico da palavra precedentes pode levar a equívocos processuais do operador de direito.

A abordagem da teoria em questões da OAB, sem prejuízo da implementação da teoria no meio acadêmico, exigirá do discente – e do docente – melhor compreensão e ensino desse estudo, especialmente considerando que a teoria de precedentes judiciais recém-adotada no CPC demanda uma necessária adequação do ensino jurídico.

A pesquisa foi importante para identificar se e como a teoria de precedentes judiciais tem sido exigida dos bacharéis em direito e sinalizou a necessidade de implementação de didáticas voltadas para o seu estudo.

Sugere-se, a partir dessa análise, a realização de novas pesquisas com professores, especialmente de Direito Processual, sobre a inclusão da teoria dos precedentes em suas aulas. Uma pesquisa empírica com docentes, enquadrada como principal limitação do presente trabalho, pode demonstrar mudanças reais no ensino jurídico, partindo-se da alteração jurídico-normativa realizada pelo CPC/2015.

 

REFERÊNCIAS

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THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria Geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

[1] Advogada. Pós-graduada em Direito Público e em Direito do Trabalho. Mestranda em  Gestão Social, Educação e Desenvolvimento. Professora das Faculades Pitágoras.

 

[2] Bacharel em Direito. Pós-graduado em Direito Público. Mestre em Administração. Doutor em Gestão Urbana. Servidor da Assessoria do Juiz Federal atuante no Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais – TRE-MG.

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