Resumo: Por meio de um escorço histórico da legislação penal brasileira é possível observar que casos criminais célebres vêm ensejando precipitadas alterações nas leis criminais. Os legisladores de plantão aproveitam-se do afã sensacionalistas e legislam ao sabor dos veículos de comunicação. Neste diapasão a mídia vem violando rotineiramente o ordenamento jurídico brasileiro e vem deixando de cumprir o seu papel primacial que é o de informar e fomentar o debate público. O trabalho realiza uma análise de forma crítica sobre a forma como a realidade criminal é mostrada ao cidadão brasileiro por meio dos veículos de comunicação.
Palavras-chave: Mídia. Criminalidade. Política Criminal. Atos legislativos.
Abstract: By of a brasilian penal history of laws is possible to realize that very important criminal cases are building changes in the criminal law. The man of the laws are building laws too fast beacause of the appeal of the mass media. Therefore, the mass media are going to against the brasilian laws and are letting to be able to do his main function that is the public discution. This work make a analyse by a critical way of the criminal reality showed to the brasilian people by the mass media.
Keywords: Mass media. Criminality. Criminal Politics. Laws.
Sumário 1. Introdução. 2. Transdisciplinariedade do tema e metodologia utilizada. 3. Mídia: “quarto poder”da república brasileira? 4. Mídia: instrumento de construção da realidade, de estereótipos e do imaginário popular. 5. Os órgãos da mídia e a criminalidade: destaque para a televisão. 6. A influência da mídia na agenda política brasileira. 6. Casos criminais célebres e o afã legislativo. 7. A mídia em si mesma. 8. Avanços legislativos midiáticos. 9. Conclusões. Referências.
1 INTRODUÇÃO
É insofismável o papel preponderante da Mídia como formadora de opinião. Emissoras de rádio, jornais e, mormente os veículos televisivos, bombardeiam notícias e informações diuturnamente com o pseudo-escopo de (de)formar cidadãos. Não foi por acaso que há muito tempo a Mídia foi alcunhada de “QUARTO PODER”[1]. Ela realmente exerce poderes “supra-constitucionais”. Investiga, denuncia, acusa, condena e executa! Sua inegável força dentro das instituições e o seu poderio econômico e ideológico transformaram-na em uma espécie de condutora das massas e ditadora de regras.
Hodiernamente, o nosso conhecimento sobre a realidade local, nacional e internacional acaba sendo transmitido esmagadoramente pelos meios de comunicação. A mídia, portanto, dá acesso à informação e ao mesmo tempo tenta formar a opinião pública. Indiretamente, nota-se também a presença uma série de carga valorativa nos processos de seleção e publicação da notícia. Nesta linha, os meios de comunicação acabam por controlar a sociedade na medida em que estereotipa certas situações, cria mitos, generaliza enfoques, perspectivas e comportamentos diante de um determinado fato ou conflito.
Opiniões, das mais argutas às mais esdrúxulas sobre política, economia, história, direito, literatura, sexo e uma miríade de outros assuntos são reproduzidas cotidianamente. Regras e princípios são ditados, aceitos e estabelecidos da forma mais passiva possível. No que concerne às informações trazidas sobre o mundo jurídico, sobre o Direito, notadamente, o Direito Penal, a situação é calamitosa, merecendo uma abissal análise do telespectador sobre o que lhe é transmitido.
A maior preocupação reside no fato de que a Mídia, no afã do sensacionalismo e do glamour, transformou-se numa espécie de “legisladora” penal, tendo em vista que casos criminais célebres são espetacularizados pelos meios de comunicação e acabam provocando imediatas alterações na lei penal, na imensa maioria das vezes precipitadas e desastrosas. A sua influência sobre o Poder Legislativo brasileiro na elaboração das leis penais se tornou inegável.
Desta forma, a legislação penal brasileira, acompanhando a “orgia legiferante” do ordenamento jurídico pátrio, fica cada vez mais adiposa, na medida em que a mídia celebriza certos acontecimentos.
A título exemplificativo, na história mais recente, os casos Doka Street e Ângela Diniz, Daniela Perez, Roberto Medina, Abílio Diniz, a Chacina de Diadema, o assassinato dos jovens Liana Friendbach e Felipe Caffé, a morte da missionária norte-americana Dorothy Stang, além das incursões criminosas dos presos midiáticos Beira-Mar e Marcola, comprovam como a pressão da mídia fez com que os legisladores modificassem velozmente a lei penal.
O principal escopo deste trabalho monográfico é, portanto, demonstrar a premente necessidade do legislador pátrio agir com ponderação perante os apelos dos meios de comunicação. Tenta-se, assim, de forma transdisciplinar, apontar caminhos para que a mídia possa ter um relevante papel na edificação de uma democracia plena.
É de assaz relevância destacar que não se pretende responsabilizar a Mídia por todos os desastres da sociedade. A sua importância dentro do Estado Democrático de Direito é indiscutível. O objetivo que se traça é a realização de um estudo crítico da Mídia com o intuito de demonstrar as suas falhas e as incongruências que acabam por distorcer a realidade criminal, ensejando uma política criminal no âmbito legislativo eminentemente repressora.
2 TRANSDISCIPLINARIEDADE DO TEMA E METODOLOGIA UTILIZADA
Destaque-se, de antemão, que o tema abordado concerne tanto à atividade de comunicação (Jornalismo), quanto à área do Direito. Aspectos de caráter jornalístico e jurídico serão mesclados em diversos níveis, tais como histórico, sociológico, filosófico e antropológico.
A metodologia utilizada neste trabalho foi a compilativa-doutrinária dos principais temas discutidos, acrescido de estudo de casos relevantes para o desenvolver da matéria. Não obstante existir alguns artigos, no âmbito da doutrina especializada, no meio jurídico e jornalístico, não existe na literatura nacional obra completa sobre a influência da Mídia na produção legislativa penal brasileira.
A literatura brasileira referente a questões que mesclam Jornalismo e Direito é muito pífia no cenário atual. Fábio Martins de Andrade na sua obra “Mídia e Poder Judiciário: A influência dos órgãos da mídia no processo penal brasileiro” destaca que:
“No Brasil, particularmente, não se encontram livros escrito sobre o tema objeto de estudo deste trabalho. Todavia, ultimamente começam a surgir seminários e congressos dedicados ao debate deste tema. Além disso, há artigos doutrinários escritos por eminentes juristas que, por vezes, se dedicaram a este estudo; algumas vezes, no entanto, trata-se de verdadeiros desabafos de profissionais cansados de assistir à interferência dos órgãos nos processos penais sob os seus patrocínios.”[2]
No esteio das lições do Professor supra citado, este trabalho também se utilizou do método indiciário[3]. Sobre este tema, raramente se encontram dados dotados de certeza científica. Quando necessário, lança-se mão da imaginação e criatividade – original ou citada –, obtendo-se como resultado a possibilidade concreta de eventual comprovação da hipótese sugerida (através de “pistas”, “sintomas”, “indícios”, “signos pictórios”). Embora não haja tal comprovação científica, a sua mera possibilidade por pensamentos devidamente fundamentados, por si só já são suficientes para que a hipótese sustentada adquira o valor necessário.
3 MÍDIA: “QUARTO PODER”DA REPÚBLICA BRASILEIRA?
Não há um consenso entre os estudiosos da comunicação acerca da primeira vez em que foi atribuída a denominação “Quarto Poder” aos veículos de comunicação. Fábio Martins de Andrade[4], citando Daniel Cornu relata que
“foi sob a influência do pensamento liberal e da reflexão sobre a separação dos poderes que nasceu, para qualificar o papel da imprensa, a expressão hoje aviltada de ‘quarto poder’. A sua atribuição é incerta. Thomas Carlyle atribuiu a sua paternidade a Edmund Burke, mas ninguém encontrou vestígios da mesma na sua obra impressa. Seja como for, a propagação das idéias liberais abre uma era de tensão intensa entre a esfera do poder e a esfera pública, doravante ocupada por uma imprensa com meios mais poderosos e uma audiência mais vasta” (Jornalismo e Verdade, pp. 176-177).”
João Queiroz[5] destaca que:
“a ‘comunicação social’ vem reclamando o papel e esta função mediadora e, em causa deste atributo, pretende ser um ‘cão de guarda’ (watchdog) dos interesses públicos e, nesta medida, simbolicamente, um ‘4º Poder’ social e público que vigia e controla os poderes legislativos, executivo e judicial”.
Betch Cleinman[6] esclarece que
“a mídia, pouco a pouco, busca ocupar o espaço central das sociedades democráticas, com o pretexto de ser o potente instrumento capaz de iluminar os cantinhos mais obscuros da vida econômica, política e social. (..) em nome da informação devida ao público, tenta impor-se como o Quarto Poder da República.”
Dines[7] ao falar do papel da imprensa aduz que, “sendo, ou devendo ser o Quarto Poder, a imprensa não é o instrumento arbitrário daqueles que detém a posse dos veículos”. Tocando no tema da opinião pública o insigne jornalista aduz que “acima de número de ações ou (procurações), quem dirige jornal tem compromissos com a opinião pública”. Conclui que “ao reclamar a liberdade de imprensa, obriga-se a criá-la em seus próprios veículos”.
O fato é que a Mídia acabou ganhando essa alcunha em virtude da sua notável influência no tecido social. Há correntes que negam este papel de “Quarto Poder” por motivos de falta de legitimidade e pela falta de controle existente nos órgãos de comunicação. Beth Cleiman[8] questiona: “pode a mídia ser considerada um dos legítimos Poderes da República?”. A resposta é lapidar e feita mediante outra indagação, com um respaldo jurídico que tem bastante sustentáculo: “se constitucionalmente todo poder emana do povo, deve um grupo de empresas privadas, comandadas, não pelo bem comum, mas pela obtenção máxima de lucro, ser considerado um dos Poderes Republicanos”[9]?
A imprensa chama para si o papel de vigilância dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, tudo em função do banalizado interesse público. Ocorre que a Mídia não está se preocupando com interesse público e sim com o interesse do público. O que se pretende é maximizar lucros para as grandes corporações que comandam uma dezena de veículos de comunicação.
O problema é que, apesar da falta de legitimidade, a Mídia vem, de fato, exercendo poderes que exorbitam da ótica constitucional. A forma como se manipula os indivíduos, a maneira seletiva de transmitir informações, as investigações e condenações sumárias e o seu poderio econômico e ideológico[10] ensejam um comportamento midiático supra constitucional. A Mídia vem se impondo como “Quarto Poder”, uma espécie de imposição, que nos parece um tanto quanto totalitária É um poder que está além do Estado! Muitas vezes, nos faz lembrar o “Grande Irmão” de George Orwell que tudo comanda, tudo vê e tudo transmite.
Não podemos olvidar que a influência da Mídia séria, democrática, não tendenciosa e responsável, infelizmente uma minoria inexpressiva no quadro comunicacional brasileiro, é altamente salutar para o desenvolvimento democrático na medida em que fixa-se a agenda política e o debate é fomentado.
Se a Mídia se arvora como um “Quarto Poder”, deve ter controles e limites, pois poder sem limites é tirania. Limites relacionados à intimidade, à vida privada, à honra e a todas garantias constitucionais são prementes no momento atual. Os jornalistas não devem olvidar que a liberdade de imprensa garantida na Constituição Federal (CF) não é ilimitada.
Não só a Constituição Federal como leis ordinárias já trazem limites à atividade dos meios de comunicação. A Lei de Execução Penal (Lei nº 7210/84), por exemplo, estabelece que constitui direito do preso a proteção contra qualquer forma de sensacionalismo. É direito do preso!. O art. 198, também da Lei de Execução Penal, estabelece
“é defeso ao integrante dos órgãos de execução penal, e ao servidor, a divulgação de ocorrência que pertube a segurança e a disciplina dos estabelecimentos, bem como exponha o preso a incoveniente notoriedade, durante o cumprimento da pena.”
É lei federal que é violada rotineiramente pela Mídia que achincalha cotidianamente os acusados, os réus e os encarcerados num espetáculo mórbido de atentado á dignidade humana. Destarte, não se pode confundir liberdade com abuso nem liberdade com tirania.
43MÍDIA: INSTRUMENTO DE CONSTRUÇÃO DA REALIDADE, DE ESTEREÓTIPOS E DO IMAGINÁRIO POPULAR
4.1 O FUNCIONAMENTO DA PARADOXAL CONSTRUÇÃO DA REALIDADE, DOS ESTEREÓTIPOS E DO IMAGINÁRIO POPULAR
O comportamento do ser humano é resultado das informações e do conhecimento que ele absorve. Como dito alhures, atualmente, uma das principais formas de absorção do conhecimento se dá através dos meios de comunicação. A notícia aparece como o principal elemento de construção da realidade do indivíduo[11].
Os meios de comunicação de massa promovem campanhas seletivas com a “fabricação” de estereótipos de fatos e de crimes. Campanhas como da “tolerância zero”, da “lei e da ordem” sempre descrevem a “crueldade dos bandidos”, a “impunidade total”, falam da “polícia que prende e do juiz que solta”, “dos menores que entram e saem da FEBEM graças ao ECA”, atribuem o mal funcionamento do aparelho estatal “às leis benevolentes, especialmente à Constituição, que só garante direitos humanos para bandidos”[12].
No que toca à justiça penal, a mídia, ao expressar suas próprias opiniões durante os procedimentos criminais, acaba prolatando verdadeiras “sentenças”. Estas decisões tornam-se irrecorríveis e criam fatos consumados pela propagação de informações precoces.
Zaffaroni, a respeito do tema, aduz que “estes estereótipos permitem a catalogação dos criminosos que combinam com a imagem que correspondem à descrição fabricada, deixando de fora outros tipos de delinqüentes”[13]. Os delinqüentes de colarinho branco e os de trânsito, por exemplo, ficam fora dessa falsa construção.
Na mesma linha de Zafaroni e de Cervini, o professor Sérgio Salomão Shecaira em brilhante artigo sobre a Mídia e o Direito Penal assevera:
“Estas fábricas ideológicas condicionadoras, em momentos mais agudos de tensão social, não hesitam em alterar declaradamente a realidade dos fatos criando um processo permanente de indução criminalizante. Zaffaroni e Cervini, nas obras citadas, destacam que os meios de comunicação de massas, ao agirem dessa forma, atuam impedindo os processos de descriminalização de condutas de bagatela (por exemplo), incentivando a majoração de penas, constituindo-se, pois, num dos principais obstáculos à criação de uma sociedade democrática fundada nos valores de respeito aos direitos dos cidadãos e da dignidade humana.”[14]
Os meios de comunicação acabam apresentando uma realidade criminal distorcida. Ao invés de se limitar a reconhecer e apresentar os problemas e os fatos, a Mídia constrói uma imagem virtual que não condiz com a realidade. O resultado disso é a construção do imaginário popular. A sensação de pânico e de terror fica estabelecida da forma mais sensacionalista possível.
O telespectador ou leitor (dependendo do tipo veiculo comunicador) passa a acreditar que a qualquer momento pode ser vítima de determinado delito demasiadamente exposto nos holofotes midiáticos. Portanto, fica clarividente o poder que a mídia detém para criar estereótipos que na maioria dos casos se tornam indeléveis.
3.2 A FORMA DE COMUNICAÇÃO DO DELITO
O Jurista Juan L. Fuentes Osório[15] ao comentar sobre a percepção da realidade criminal pelos veículos de comunicação aduz que o trabalho de comunicação da Mídia se resume em três fases: eleição dos acontecimentos que serão notícia; hierarquização das notícias segundo sua importância e tematização ou conversão de uma notícia em tema de debate social. Esses três níveis de seleção são necessários porque é impossível transmitir todos os acontecimentos. Destaque-se que o excesso de informação pode provocar o efeito contrário, ou seja, o bloqueio da própria informação[16].
Os critérios utilizados para essa seleção de notícias é particular e imediatista. De plano se excluem aqueles acontecimentos que provavelmente não despertarão a atenção do público e, por conseguinte, não terão a audiência necessária para que a emissora possa auferir lucros. Além disso, são excluídas também as notícias que não beneficiam ou que prejudicam os interesses econômicos que o grupo midiático representa.
A informação, portanto, “não é inocente”[17]. Os meios de comunicação estão a serviço de seus próprios interesses econômicos, tais como redução de custos, aferição de lucros e financiamento através da publicidade. Esses interesses só são alcançados através da realização dos processos de seleção anteriormente indicados.
Outra forma de obtenção dos resultados pretendidos pela grande Mídia é a redução da qualidade das notícias. As fontes de informação não são confrontadas, ocorrem análises superficiais dos assuntos e terminologias errôneas são utilizadas. Ademais, preocupa-nos, sobremaneira, o constante fluxo de informações com criação de notícias e deformação de acontecimentos.
Alertando sobre a falta de inocência da informação Osório preleciona:
“A informação não é inocente, em segundo lugar, porque os meios de comunicação não se limitam a ser reflexo e a via de transmissão dos acontecimentos diários, nem das manifestações culturais e ideológicas existentes em um momento histórico, também são instrumentos de persuasão e propaganda, e uma forma de fazer política. Na atualidade, contribuem principalmente para a consolidação dos valores estabelecidos, da racionalidade do mercado, da perpetuação do status quo socioeconômico e institucional. Os meios de comunicação estão politizados (em alguns casos dirigidos pelo partido governante, mas sempre instrumentos da atividade cotidiano do governo e especiais mecanismos de intervenção nos procedimentos eleitorais), são controlados por um número cada vez mais reduzido de grupos financeiros (os quais, por sua vez, mantém vínculos com uma determinada tendência política) e se submetem às exigências de sua clientela: o patrocínio mediante a publicidade. Estes atores insistem em identificar felicidade com consumo: criam novas necessidades e indicam a importância social de se manter em um ritmo constante de gasto (modas, marcas). Se apresentam como modelos ideais de comportamento que conduzem ao êxito entendido como status social e poder econômico. (Tradução livre do autor).”[18]
Neste diapasão a Mídia acaba informando sobre acontecimentos que atraem, divertem, emocionam e chocam. Assim, diante desta sensação de insegurança generalizada, os próprios meios de comunicação acabam exigindo do poder legislativo uma repressão penal bastante severa, sugerindo muitas vezes, sem nenhum tipo de respaldo técnico, a correta forma de se legislar na seara penal.
3.3 A DISTORÇÃO DA REALIDADE CRIMINAL
A Mídia, ao noticiar fatos delituosos, acaba influindo na percepção da realidade criminal de forma negativa e distorcida. O que ocorre é a construção de uma falsa realidade sobre o mundo criminal. Giovane Santim[19] em Dissertação de Mestrado sobre a Mídia e a Criminalidade, destaca que os Veículos de comunicação acabam tratando a questão como “paravento”[20] de problemas políticos, sociais e econômicos, ou seja, é alimentada uma cultura do medo através de criações ou fabricações de riscos que ameaçam a segurança e a ordem de acordo com o interesse de determinados grupos, conforme relata Thums:
“A escolha dos bens jurídicos que serão objeto de tutela penal deveria ser o resultado de juízos de valor pronunciados pelo legislador, atuando como representante da vontade popular. Esses juízos de valor, todavia, sofrem influência das mais variadas ordens. Desde o clamor social, manipulado pela mídia, maximizando fatos isolados, até o explícito interesse de grupos econômicos ou políticos.”[21]
A atenção do telespectador é dirigida a um tipo específico de deliquência. Aquele citado processo de eleição, hierarquização e tematização da notícia faz com que a Mídia se detenha sobre determinados delitos: crimes contra a vida, crimes contra a integridade física, crimes contra a liberdade sexual. Outros tipos de delitos que não interessam aos detentores dos grupos de comunicação ou que vão de encontro aos interesses pessoais desses são completamente esquecidos.
Certos tipos de crimes são selecionados e exibidos por qualquer um dos veículos comunicacionais. Pesquisa realizada pelo ILANUD expõe que:
“[…] parte-se da hipótese de que também o crime é apresentado pela televisão de forma parcial e distorcida, enfatizando determinadas modalidades desse comportamento em detrimento de outras; apresentando os autores bem como suas vítimas, ora como heróis, ora como vilões; dando maior destaque ao momento da descoberta do crime do que à sua explicação, sobrevalorizando a gravidade do ocorrido mesmo quando, na prática o no contexto onde ocorre, tal gravidade se dilui (ILANUD. Revista do ILANUD nº 13: Crime e TV. São Paulo: ILANUD, 2001.) (…) No entanto, a mídia seleciona, sintetiza, reformula, os acontecimentos em função das regras de mercado, da ideologia e das rotinas de trabalho que lhe são próprias (Ibidem), p. 12). Exemplificando os pesquisadores destacam que, em 1998, a Associação Nacional de Televisão à Cabo, tornou pública uma pesquisa levada a cabo ao longo de 3 anos em que se verificou 1) 40% do personagens maus não são punidos e 2) 40% dos personagens violentos são dados como positivos. Esse levantamento se baseou em 10.000 horas de programação das 6h00 às 23h00. Ele demonstrou que os programas violentos totalizaram 61% do total e, mais ainda, comprovou que houve um aumento das temáticas consideradas violentas pela televisão. Em 1996, elas representariam 53% da programação que vai ao ar das 18h00 às 21h00. Atualmente já seriam 67%. Segundo George Gerbner, da Escola de Comunicações da Universidade da Pennsylvania, as crianças americanas passariam em média 27 horas por semana diante da TV e, até atingir os 18 anos, teriam visto cerca de 40.000 assassinatos e 200.000 outros crimes violentos (Ibidem p. 21)”.[22]
Conclui-se que os crimes mais veiculados pela Mídia decisivamente não são os que mais ocorrem. O homicídio, por exemplo, é a grande vedete dos veículos de comunicação que não se cansam de dar destaque ao mórbido, ao grotesco e ao que sangra. Os meios de comunicação acabam por banalizar a miséria humana de forma sensacionalista e tendenciosa.
Essa forma dramática e emotiva de comunicar a notícia, na maioria dos casos se apóia em dados modificados, exagerados e totalmente fora de contexto. No que se refere à estatística criminal a situação também não é diferente tendo em vista a imprecisão nas referências das pesquisas demonstradas pelo noticiário que camuflam as reais intenções dos órgãos pesquisadores[23]. A distorção destes dados provoca o surgimento das chamadas ondas de criminalidade. O crime é, portanto, apresentado de forma distinta com a prática.
A repetição constante de um fato criminal, sobretudo um caso criminal célebre, no qual os envolvidos já fazem parte do cotidiano midiático provoca uma sensação de choque no leitor/telespectador, entre os quais se inclui o legislador, que acaba entrando na onda midiática e legislando velozmente. É essa ideologia do medo e esta pressão ao poder legislativo que este trabalho pretende discutir.
5 OS ÓRGÃOS DA MÍDIA E A CRIMINALIDADE: DESTAQUE PARA A TELEVISÂO
Atualmente a Mídia nos traz a ideia de que tudo deve ser rápido, veloz e consumível. Já dizia o poeta Cazuza que “o tempo não para, não para não”. As mudanças na sociedade denominada de pós-moderna são cada vez mais contínuas e num fluxo quase imperceptível que já se questiona a possibilidade de termos já ultrapassado a pós-modernidade.
Dentre as grandes mudanças da pós-modernidade, Giovani Santin[24] destaca que a principal delas ocorreu na comunicação mundial. No passado, a Mídia televisiva apenas reproduzia o que a mídia impressa trazia. Atualmente é a Televisão que comanda a agenda da Mídia devido a seus avanços tecnológicos que proporcionaram velocidade e instataneidade. È o mundo da aceleração e da velocidade da luz que dita a regra para os outros órgãos da comunicação[25].
Destacando o papel da televisão como carro-chefe dos veículos de comunicação Santin[26] aduz:
“Tomando a dianteira na hierarquia da mídia, a televisão impõe aos outros meios de informação suas próprias perversões, em primeiro lugar com seu fascínio pela imagem. E com esta idéia básica de que só o visível merece informação, ou seja, o que não é visível e não tem imagem não é televisável, portanto, não existe midiaticamente. Os eventos produtores de imagens fortes – violências, guerras, catástrofes, sofrimento de todo tipo – tomam, portanto, a preeminência na atualidade: eles se impõem aos outros assuntos mesmo que, em termos absolutos, sua importância seja secundária. O choque emocional provocado pelas imagens da TV – sobretudo aquelas de aflição, de sofrimento e de morte – não tem comparação com aquele que os outros meios podem provocar. Por sua vez, a imprensa escrita, obrigada a continuar, pensa que pode recriar a emoção sentida pelos telespectadores publicando textos (reportagens, testemunhos, confissões) que atuam, da mesma maneira que as imagens, no registro afetivo e sentimental, dirigidas ao coração, à emoção e não à razão e à inteligência”[27].
No Brasil e no Mundo o capitalismo moderno foi construído concomitantemente ao desenvolvimento dos meios de comunicação de massa. O controle dos conteúdos de informação de determinada sociedade em determinada época sempre foi do interesse dos dirigentes do período[28].
O que se observou, então, foi uma abissal concentração de poder com relação aos domínios dos meios de comunicação. No Brasil, apenas nove famílias (Marinho, Bloch, Santos, Saad, Frias, Mesquita, Levy, Civita, e Nascimento Brito) controlam cerca de noventa por cento de tudo o que os brasileiros lêem, ouvem e vêem através dos meios de comunicação social[29]. Voltamos então à questão do “Quarto Poder”. Quem controla essa totalidade da comunicação acaba detendo um poder de fato. Um poder que pode selecionar, falsear e sobretudo silenciar. Oportuna é a lição de Guareschi:
“Se é a comunicação que constrói a realidade, quem detém a construção dessa realidade detém também o poder sobre a existência das coisas, sobre a difusão das idéias, sobre a criação da opinião pública.
Mas não é só isso. Os que detêm a comunicação chegam até a definir os outros, definir determinados grupos sociais como sendo melhores ou piores, confiáveis ou não-confiáveis, tudo de acordo com os interesses dos detentores do poder. Já foram feitos estudos interessantes sobre o que determinados povos pensam de outros povos. Essa opinião está baseada, principalmente, nas informações que as pessoas recebem. Em estudos e pesquisas realizados no campo da comunicação, verificou-se que a opinião pública é preparada com informações sobre determinadas populações de tal modo que isso pode chegar a justificar até mesmo uma invasão de um país adversário. A pesquisa de Hester (1976) mostrou que, de cada 100 notícias enviadas do bureau das Associated Press de Buenos Aires para o quartel central dos Estados Unidos, apenas 8 eram aproveitadas. Mas o mais sério era que das 8 aproveitadas, 4 eram notícias que falavam de violência e criminalidade – quando das 100 originais, apenas 10 eram sobre o assunto. Com isso, os países informados por essas agências vão formando opinião, construindo imagens sobre determinados povos, identificando-os como criminosos e violentos. Não é difícil, posteriormente, legitimar uma invasão ou retaliações sobre populações que, para a grande maioria, são criminosas e violentas.”[30]
É diante deste quadro que o Poder Legislativo acaba cedendo aos chamamentos e apelos da mídia e acaba se deixando levar pelo “clamor público” na elaboração das leis penais.
A imprensa termina exigindo o endurecimento do aparato repressivo no “combate à criminalidade”[31]. A Mídia acaba exercendo funções típicas do legislativo e do judiciário, sob o manto do esclarecimento do cidadão e segundo Sylvia Moretzsohn[32], lhe dando o status de “guardiã da sociedade” onde sustenta o princípio de “esclarecer os cidadãos” como se não houvesse interesse no ato de selecionar os fatos que se tornarão notícias:
“O reconhecimento do papel político do jornalismo, porém, obviamente não lhe confere o direito de substituir outras instituições. Apesar disso, é notório que a imprensa vem procurando exercer funções que ultrapassam de longe o seu dever fundamental, assumindo freqüentemente tarefas que caberiam à polícia ou à justiça. E essa invasão de espaços pode ser considerada justamente a partir de uma definição cara à imprensa: a qualificação de “quarto poder” que data do início do século XIX e lhe confere o status de guardiã da sociedade (contra os abusos do Estado), representante do público, voz dos que não tem voz. É certamente sustentada por esta visão mistificadora – porque encobrida dos interesses da empresa jornalística, desde sua constituição, há dois séculos, e especialmente agora na era das grandes corporações – que a imprensa se arroga o direito de penetrar em outras áreas.”[33]
A Mídia acaba sendo legitimada pela sociedade e ainda continua sendo considerada fidedigna, imparcial e transparente. Assim o seu poder aflora e se sobrepõe sobre os poderes constituídos. Foucault[34] aduz que a verdade não existe fora do poder ou sem poder:
“[…] a “verdade” é centrada na forma do discurso científico e nas instituições que o produzem; está submetida a uma constante incitação econômica e política (necessidade de verdade tanto para a produção econômica, quanto para o poder político); é objeto, de várias formas, de uma imensa difusão e de um imenso consumo (circula nos aparelhos de educação ou de informação, cuja extensão no corpo social é relativamente grande, não obstante algumas limitações rigorosas); é produzida e transmitida sob o controle, não exclusivo, mas dominante, de alguns grandes aparelhos políticos ou econômicos (universidade, exército, escritura, meios de comunicação); enfim, é objeto de debate político e de controle social.”
Na busca pela verdade a Mídia termina sendo simplista, reducionista e imediatista. O consumidor da informação quer respostas cada vez mais rápidas. A acriticidade torna-se a regra tanto nas análises dos meios de comunicação, na imensa maioria das vezes perfunctórias, como no discernimento e recebimento da informação pelo leitor/telespectador.
No que se refere à acriticidade do sistema Santin destaca:
“Destarte, os consumidores são convencidos pelas respostas e soluções rápidas para todos os questionamentos e problemas apresentados pelos meios de comunicação, o que de certa forma gera uma apatia e acomodação. Não se fazem mais críticas, não se fazem mais perguntas, não se produz o “novo”. Todos respondem da mesma forma as perguntas, todos têm as mesmas soluções simplistas para os problemas mais complexos, todos pensam de acordo com o estabelecido e noticiado pelos meios de comunicação de massa. O ser humano se torna cada vez mais dependente, submisso, robotizado e massificado.”
A sociedade depende da informação e, portanto, a Mídia não deve continuar neste cíclico processo de transmissão acrítica e irresponsável da notícia. O caso da Escola Base de São Paulo é um dos mais notáveis casos criminais de violação de Direitos perpetrada pela Mídia. A presunção de inocência dos envolvidos foi jogada no lixo. Neste campo a imprensa esquece, que a presunção de inocência como bem salientou Aury Lopes Jr , é um princípio de civilidade, ainda que para isso tenha-se que pagar o preço da impunidade de algum culpável[35].
Não se procurou no caso da Escola Base a busca pelo contraditório e pela busca verdadeira das informações. Sobre interesses econômicos dos grupos midiáticos e acerca da seleção das notícias Betch Cleinman preleciona:
“Não devemos olvidar que existe uma concorrência selvagem entre os veículos de comunicação pela conquista dos mesmos “clientes”: anunciantes e público consumidor. A partir da lógica de mercado dominante, informação passa a ser um bem informacional, uma mercadoria. A busca do aumento da audiência e de circulação, a necessidade de atingir o maior número de pessoas, resultam na simplificação e esquematização de temas complexos, na consagração de uma visão maniqueísta do mundo. Além da questão mercadológica, essas escolhas editoriais também são pautadas pela hegemonia atual da televisão sobre os outros meios, o que implica a construção de narrativas baseadas na emoção e na força das imagens. Para esse jornalismo de resultados, saber, conhecimentos, reflexão, entendimento, atividades que exigem um tempo que não pode ser comparado ao dinheiro, transformam-se em meros figurantes. O protagonista é a notícia que vende, que mantém uma marca em evidência.”[36]
À Mídia interessa a propagação das notícias sobre criminalidade que comovem ou que assustam. Parece não se preocupar com o clamor decorrente da veiculação de um simples crime. Defendem-se, como dito alhures, sob o manto da relevância do interesse público, na importância da questão criminal, quando na verdade o que se busca é o interesse do público, é a audiência e consequentemente o lucro. Evandro Lins e Silva comenta:
“A paranóia, o medo e a sensação de insegurança interessam somente aqueles que exploram o crime, seja de que maneira for, interessam apenas àqueles que não estão interessados em resolver os verdadeiros motivos da violência, aos que usam a desculpa de violência para serem violentos”.[37]
Assim, uma nova maneira de pensar é construída pelos veículos de comunicação. O Professor Pedrinho Guareschi define essa realidade dizendo que momento a momento, a realidade das ruas é falsificada pela imagem da televisão, pela voz do rádio e pelas páginas dos jornais e revistas. Meia dúzia de “homens” controla toda a lista do que devemos ser, fazer, saber e ter. Não existe totalitarismo mais perfeito[38].
6 A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NA AGENDA POLÍTICA BRASILEIRA
O crime continua sendo tratado pelos meios de comunicação como um dantesco problema de interesse público. Desta forma, este tema acaba se tornando arraigado dentro da agenda política brasileira. A Mídia apresenta uma sociedade na qual a principal preocupação reside na delinqüência e na ausência de segurança pública. Assim passa-se a exigir mais leis penais, mais repressão, mais serviços de segurança pública e menos direitos para o “inimigo”.
O “inimigo” é, na imensa maioria das vezes, representado por atores das classes populares que são demonizados pelos veículos televisivos que acabam promovendo campanhas que levam a uma produção legislativa penal imediata e precipitada.
Oportuno destacar que a apresentação do fenômeno criminal pelos meios de comunicação, influindo na consciência social sobre sua relevância e necessidade de solução tem um efeito positivo de gerar um debate público em torno do problema do crime, discutindo-se possíveis vias para a solução. Apesar disso, o efeito pode ser negativo quando o fenômeno criminal aparece como um instrumento de distração e acaba sendo desprezado pelo debate público[39].
A falta de segurança pública e o medo da violência sempre se destacaram como uma das principais preocupações da coletividade brasileira. Neste clima, os governantes e os legisladores acabam ficando desorientados, situação que dificulta a elaboração de uma política criminal eficiente.
Já é cediço que a resolução do problema criminal não depende de um sistema cada vez mais repressor e de uma segurança pública cabalmente ostensiva. Os caminhos passam pela resolução de problemas de base da sociedade brasileira tão aviltada pelas políticas públicas irrelevantes e políticas criminais inócuas.
Numa conclusão lapidar sobre a Política Criminal brasileira, Fábio Martins de Andrade, acidamente assevera:
“Em suma, a política criminal brasileira não passa de mero engodo. Funciona tão somente de maneira reativa ao sensacionalismo explorado diariamente pelos principais órgãos da mídia que, quase instantaneamente, consegue converter corações e mentes de enorme contingente de indivíduos encampando seus pleitos pelo endurecimento do sistema penal e alimentando-os com a geração de novas notícias, e assim sucessivamente.”[40]
Nesta linha, passaremos à análise de criminal cases que demonstram as mudanças legislativas decorrentes das pressões dos veículos de comunicação.
7 CASOS CRIMINAIS CÉLEBRES E O AFÃ LEGISLATIVO
A produção legislativa penal brasileira caminha simultaneamente às pressões exercidas pelos veículos de comunicação em massa. Ocorre que essa produção não vem sendo acompanhada de avanços positivos, em virtude de o legislador atuar de forma imediatista, tentando ceder aos apelos da Mídia. A guerra comunicacional prejudica sobremaneira os profissionais do direito que se vêem diante de leis espalhafatosas, produzidas diante do clamor popular ensejado por casos criminais célebres.
Diversas leis produzidas nas últimas décadas são exemplo do fenômeno acima narrado. Passemos à análise das principais produções legislativas que permitem chamar a mídia de nova “legisladora” penal.
7.1 A AÇODADA LEI Nº 8.072/90
A primeira lei midiática que merece o devido destaque neste estudo é a glamourosa Lei nº 8.072/90. Ela foi uma lei açodada, resultado de uma intensa pressão da mídia diante da criminalidade nos meios urbanos. O caso criminal célebre que deu azo à promulgação desta lei foi o seqüestro do empresário Abílio Diniz, ocorrido em 1989 assim como o seqüestro do também empresário Roberto Medina.
A movimentação no legislativo para a promulgação de uma lei regulando o dispositivo constitucional referente à hediondez dos crimes já existia. Ocorre que os crimes suso mencionados foram a mola propulsora para que os trabalhos fossem velozmente acelerados.
Até então o delito de extorsão mediante seqüestro não estava incluído no rol dos crimes que seriam considerados hediondos. O clamor dos meios de comunicação antes e depois de o empresário Abílio Diniz ser libertado, associado com as ondas de criminalidade urbana, resultaram na promulgação da Lei nº 8.072/90 que é, indubitavelmente, uma das mais midiáticas leis produzidas no Brasil.
Zaffaroni e Pierangeli, em obra clássica, aduzem:
“Menos de 2 anos após a Constituição Federal de 1988, o legislador ordinário, pressionado por uma arquitetada atuação dos meios de comunicação social, formulava a lei 8072/90. Um sentimento de pânico e de insegurança – muito mais produto de comunicação do que realidade – tinha tomado conta do meio social e acarretava como conseqüência imediatas a dramatização da violência e sua politização. (grifou-se) “[41]
O processo legislativo sumaríssimo de promulgação da referida lei foi pautado, como já dito, pelos seqüestros dos empresários Abílio Diniz e Roberto Medina. O Senado aprovou a Lei em apenas 34 dias, contados da data de apresentação do projeto, e a Câmara aprovou um substitutivo a respeito em apenas dois dias.
Antônio Lopes Monteiro[42] faz referência a uma pesquisa realizada junto ao banco de dados do Senado Federal e conclui que:
“[…] a origem imediata da Lei nº 8.072 de 25 de Julho de 1990, foi o projeto de lei nº 50/90 do Senado, de autoria do Senador Odacir Soares, de 17 de Maio de 1990.
Esse projeto estabelecia novas disposições penais para os crimes de seqüestro e extorsão mediante seqüestro e dava outras providências de ordem processual penal.
[…] Na justificativa ao projeto, referia-se o ilustre Senador a que sendo esses crimes uma atividade das mais nefastas, que crescia dia a dia, deveria ser coibida em “qualidade e quantidade”. Por isso foi dada ênfase a todas as restrições no cumprimento da pena, inclusive permitindo ultrapassar o limite legal de 30 anos já previsto no art. 75 do Código Penal com a nova redação por ele proposta, já que “o limite de trinta anos caba por funcionar como estímulo aos criminosos, pois atingido o limite de 30 anos, será indiferente o cometimento ou não de outros crimes”.”
A relatoria do projeto na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania coube ao Senador Mauro Benevides dizendo que a filosofia do projeto era a de “sancionar os culpados segundo a indignação que esses crimes causam à sociedade…evidente, portanto, também a procedência e oportunidade da proposição”[43].
Outras emendas, de ordem técnicas, foram apresentadas ao projeto de lei e na própria Comissão de Constituição e Justiça já tramitavam diversos projetos sobre o mesmo tema. Aos 29 dias do mês de Junho de 1990 o substitutivo da Câmara dos Deputados foi lido no Senado e aos 10 dias do mês de Julho de 1990 foi votado em plenário, aprovado com declaração de voto dos Senadores Humberto Lucena e Cid Sabóia de Carvalho.
Seguidamente, foi enviada, no dia 11 de Julho mensagem à Presidência da República para a sanção presidencial, mesmo dia em que a mesa diretora do Senado comunicou à Câmara dos Deputados a aprovação do projeto e seu encaminhamento à sanção presidencial[44].
A sociedade não podia esperar! A mídia estava impaciente! Então, no dia 25 de Julho de 1990 os diversos projetos de lei, misturados no substitutivo da Câmara aprovado no Senado se tornaram a Lei nº 8.072 de 1990.
A velocidade da tramitação do projeto no congresso não foi acompanhada da necessária segurança dos parlamentares quanto à matéria nos momentos de votação. Uma leitura das discussões sobre o tema, principalmente na Câmara, possibilita a percepção do desconhecimento, das incertezas e da sensação de inocuidade da lei manifestada por alguns parlamentares.
A incerteza dos parlamentares pode ser comprovada pelas “pérolas” que se seguem mostrando que eles não tinham a menor idéia do que estavam fazendo:
“Sr. Presidente, parece-me que seria melhor se tivéssemos possibilidade de ler o substitutivo. Estamos votando uma proposição da qual tomo conhecimento através de uma leitura dinâmica. Estou sendo consciente. Pelo menos gostaria de tomar conhecimento da matéria. (…) quero que me dêem, pelo menos, um avulso, para que possa saber o que vamos votar. – Deputado Érico Pegoraro (PFL)
Por uma questão de consciência, fico um pouco preocupado em dar meu voto a uma legislação que não pude examinar.Tenho todo o interesse em votar a proposição, mas não quero fazê-lo sob a ameaça de, hoje à noite, na TV Globo, ser acusado de estar a favor do seqüestro. Isso certamente acontecerá se eu pedir adiamento da votação. – Deputado Plínio de Arruda Sampaio (PT)
Eu gostaria apenas, em nome do PSDB e principalmente em meu nome, de declarar que mais uma vez, infelizmente, estaremos votando aqui, neste instante, matéria da maior importância sem termos tido a oportunidade de um exame completo dos seus efeitos – Senador Jutahy Magalhães (PSDB)
Eu estou com graves dúvidas sobre a parte técnica desta matéria. Pergunto a V. Exª, Sr. Presidente, não pode haver uma pausa, pelo menos de cinco minutos, para examinarmos isso? Porque, do contrário, vou me negar a votar. – Senador Cid Sabóia de Carvalho (PMDB).”[45]
Ney de Moura Teles, sobre a Lei dos Crimes Hediondos relata:
“O legislador brasileiro, ao cumprir o mandamento constitucional, talvez pela pressa diante de fortes pressões – encontrava-se o Congresso Nacional sobre forte pressão da Mídia eletrônica, na ânsia de atender aos reclamos da camada mais rica da população, que assistia ao seqüestro para fins de extorsão, de alguns de seus mais importantes representantes, preferiu selecionar alguns tipos já definidos em lei vigente e rotula-los como hediondos, em vez de apresentar uma noção explícita do que seria a hediondez que caracteriza tais crimes.”[46]
A história mostra que o agravamento da lei penal não reduz a criminalidade e pode ter conseqüências perversas. Foi o que ocorreu com a Lei dos Crimes Hediondos, que não provocou a redução dos índices de criminalidade e apenas exacerbou a população prisional.
Os índices criminais não reduziram e nem se desestabilizaram. Por outro lado, a lei provocou um outro problema: a superpopulação carcerária que surgiu exatamente no início de 1990, período similar à promulgação da Lei dos Crimes Hediondos.
7.2 A “GLOBALIZADA” LEI Nº 8.930/94
A morte de Daniella Perez, ocorrida em 28 de dezembro de 1992, foi mais um caso criminal que deu azo a mudanças na lei penal. A imprensa espetacularizou o acontecimento por anos. Em Janeiro de 1997 depois de ocorrido o julgamento do acusado, os noticiários já informavam que o réu já era um condenado antes de sentar no banco dos Tribunal do Júri.
Os populares clamavam por “justiça”, seja por passeatas e outros tipos de manifestos, e queriam mais a punição dos assassinos de “Yasmin”[47] – personagem vivida pela atriz assassinada, que, com sua beleza, trazia conforto aos telespectadores das novelas do horário nobre –, que a punição dos assassinos da própria atriz. Por meio de Yasmin, havia uma sublimação do cotidiano. Os telespectadores – mulheres, principalmente – imaginavam como seria estar no lugar dela. Os homens, por sua vez, ansiavam tê-la, mesmo que fosse pela sua imagem e voz, via televisão, já que na sua realidade a personagem era algo intangível. Os autores do crime tiraram-lhes para sempre a possibilidade de se imaginarem como Yasmin, ou possuírem Yasmin, mesmo que no campo da fantasia, assistindo as narrativas novelísticas do horário nobre.
Acerca da intensa mobilização perante casos criminais célebres Yabiku[48] salienta:
“Esses anseios – muitas vezes, não pautados pela racionalidade, mas pelas paixões do momento – têm poder de mobilização fortíssimo. A violência e a ameaça de ser vítima dela são motivos muito fortes, ainda mais com a dramatização proposta pelos meios de comunicação social. O medo da morte violenta e da ação dos delinqüentes, que não respeitam as Leis e as convenções sociais, exige uma resposta, mesmo que seja simbólica e ilusória para subsidiar os populares de alguma sensação de segurança. Ainda que esse anseio por uma sensação de segurança tenha como resposta uma legislação rígida e mal-formulada, passível de manipulação político-eleitoral. O resultado é a fomentação de uma política criminal de recrudescimento do Direito Penal e do Direito Processual Penal, como se pode observar”[49].
O fato a ser evidenciado, neste caso, é que a escritora Glória Perez capitaneou um movimento colhendo milhares de assinaturas na tentativa de encaminhar ao Congresso um projeto de lei de iniciativa popular, no qual se acrescentaria à Lei nº 8.072/90 o homicídio qualificado. Esta movimentação resultou na Lei nº 8.930, de 06 de Setembro de 1994.
É de assaz relevância salientar que essa lei não foi resultado da iniciativa popular como corriqueiramente se propala. A Lei nº 8.930/94 foi resultado de um projeto de lei de um deputado que se aproveitou da comoção implantada pelos meios de comunicação.
Recentemente[50], em 2006, Glória Perez liderou outro movimento e conseguiu que os homicídios qualificados, como o que ocorreu com sua filha, fossem convertidos em hediondos, porque há casos, como esses, em que a Justiça condena réus a 19 anos de prisão, para evitar a pena de 20 anos, permitindo que acusados primários e de bom comportamento recebam liberdade condicional, cumprindo apenas 12 anos de prisão, pois que em 2002, receberam indulto.
7.3 O MOVIMENTO DE “HEDIONDIZAÇÃO”
No afã da mídia e do legislador em “hediondizar” os crimes, em meados de 1998, diante de um famoso caso de falsificação de remédios, foi promulgada a Lei nº 9.695, de 20 de Agosto de 1998, acrescendo o inciso VII-B ao artigo 1º da Lei nº 8.072/90. Destarte, o crime de falsificação de produtos destinados a fins terapêuticos ou medicinais passou a ser considerado hediondo. O legislador mais uma vez, na pressa de punir, cometeu atropelos[51].
Como dito alhures, a própria Lei nº 8.072 foi uma lei açodada, resultado de uma intensa pressão midiática diante da criminalidade nos meios urbanos. A proibição da progressão de regime, por exemplo, foi uma proposição extremamente desarrazoada da nova lei punitiva.
Hodiernamente, com a superpopulação carcerária, verifica-se o quão precipitado foi o legislador. Tipos penais insignificantes são etiquetados como hediondos[52]. Toque nas nádegas, beijo lascivo e falsificação de cosméticos, por exemplo, são considerados crimes hediondos de acordo com o ordenamento jurídico vigente.
Aberrações jurídicas decorrentes do acréscimo de certos crimes no rol dos hediondos são freqüentes na prática forense brasileira. O rigorismo da lei é patente e vai de encontro ao princípio da razoabilidade, que, segundo entendimento pacífico dos tribunais e da doutrina, é um princípio implícito ao devido processo legal (art. 5º, LIV, Constituição Federal). Felizmente, estes equívocos do legislador são corrigidos pelo juiz, através da aplicação da solução mais justa, proporcional e razoável ao caso concreto.
No que tange a eficácia da Lei dos Crimes Hediondos (LCH), nota-se que os crimes ali tipificados, ao invés de diminuírem, proliferaram como erva daninha. A extorsão mediante seqüestro, por exemplo, desde 1990, somente aumentou. Chega-se à conclusão de que a Lei nº 8.072/90 foi mais um atropelo do legislador na sua pressa irrefreada em punir.
7.4 O PRESO MIDIÁTICO E A LEI Nº 10.792/03
Não se pode deixar de falar da Lei 10.792 de 2003. Esta lei foi produto do interminável passeio do preso mídiatico “Fernandinho Beira-Mar”, diante da dificuldade do Estado em manter o criminoso isolado. Ocorre que os avanços benéficos trazidos por esta lei, especialmente no que toca às regras do interrogatório, chocam-se com os seus retrocessos. A criação do Regime Disciplinar Diferenciado, inovação da Lei nº 10.792/03, foi mais uma aberração jurídica, sobejamente casuística e violadora de direitos do preso.
Como se não bastasse, os atentados ocorridos em São Paulo, perpetrados pela facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), em Maio e Julho de 2006, deram azo para a mídia criar mais um preso dos holofotes: o “Marcola”. Afoito, o legislador, acuado pelas pressões dos meios de comunicação, rapidamente se movimentou. Projetos de lei sobre organizações criminosas foram desarquivados e até a presente data já tramita na Câmara um famigerado projeto de lei prevendo um Regime Disciplinar Diferenciado de Segurança Máxima. Uma espécie de RDD ao extremo!
7.5 CASO FELIPE CAFFÉ E LIANA FRIENDBACH
Recentemente também, o assassinato dos jovens Liana Friendenbach e seu namorado Felipe Caffé, perpretado por uma quadrilha liderada por um adolescente, mais um caso criminal célebre, deu ensejo a uma precipitada discussão sobre a redução da maioridade penal. O pai da jovem, o Advogado Ari Friendbach lidera um movimento neste sentido e detém o cabal apoio dos meios televisivos.
É corriqueiro encontrar o Dr. Friendbach em programas televisivos de todos os gêneros e destinados a diversos públicos, quando se está a discutir a questão da redução da maioridade penal.
Existe até uma proposta de emenda constitucional apresentada pelo Senador Magno Malta, denominada de “PEC Liana Friendbach”. A proposta estabelece que qualquer menor que cometa crime envolvendo morte, latrocínio ou estupro perderá imediatamente a menoridade penal para ser colocado à disposição da justiça como se fosse maior de idade.
Sobre o alarde da Mídia na divulgação deste caso o Professor Túlio Viana preleciona:
“O homicídio dos adolescentes Liana e Felipe tão alardeado pela mídia não passaria de uma tragédia particular como tantas outras registradas cotidianamente em nossas delegacias de polícia, não fossem as circunstâncias nas quais ocorreu. Não me refiro ao grau de crueldade na execução do crime, pois dezenas de Marias e Joões são mortos todo dia em situações tão ou mais bárbaras e não são objeto sequer de uma nota nos jornais de primeiro escalão. O que difere este homicídio daqueles que já não vendem mais jornais é a posição ocupada pelas vítimas na sociedade. Na balança da mídia e de seus consumidores de tragédias pessoais, a vida de um adolescente de classe média vale muito mais do que a de um João e Maria…(grifou-se)
O que choca nas mortes de Liana e Felipe, não são as circunstâncias da execução, mas a transferência que o leitor-telespectador-consumidor faz, colocando seus próprios filhos na situação das vítimas de fato. As mortes das Marias e Joões não chocam, pois se dão nas favelas, na periferia, em suma, em lugares demasiadamente distantes e “perigosos” – as aspas aqui são imprescindíveis – para a maioria dos filhos da classe média.”
Neste diapasão, a mídia, na busca irrefreada da informação, cotidianamente viola normas do arcabouço jurídico. Os acusados, em geral, são massacrados pela mídia sangrenta. A norma insculpida no art. 5º, LVII da Lex Mater, que estabelece o princípio da presunção de não-culpabilidade é violada pelos órgãos da imprensa a todo o momento.
No que concerne aos direitos do preso, a situação é ainda mais desastrosa. O preso, depois da sentença condenatória transitada em julgado, continua titular de uma série de direitos e garantias elencadas na Constituição Federal e na Lei de Execução Penal (Lei nº 7210/84). A “mídia urubú” tenta arrancar a fórceps depoimentos e informações dos sentenciados . Mirabete, em tradicional obra, assevera:
“Prejudicial tanto para o preso como para a sociedade é o sensacionalismo que marca a atividade de certos meios de comunicação de massa (jornais, revistas, rádio, televisão, etc). Noticiários e entrevistas que visam não a simples informação, mas que tem caráter espetaculoso, não só atentam para a condição da dignidade humana do preso como também podem dificultar a sua ressocialização após o cumprimento da pena.”[53]
8. A MÍDIA EM SI MESMA
No contexto da cultura do medo implantada, é inegável o papel da mídia na adoção de medidas emergenciais, otimizando o emprego promocional e simbólico do sistema eminentemente repressivo, jamais reeducador ou ressocializador, com distribuição igualitária de direitos e deveres.
Como dito alhures, com efeito, a notícia sobre o crime fascina a humanidade desde os primórdios. Trata-se de um fascínio sobre o que motiva o crime e principalmente sobre a pessoa do criminoso, diferenciando-o do homem de bem.
O que se alardeia, ainda, que muito de nossa legislação penal é irracional, portanto, obsoleta, tornando o público moralmente indignado e atenua suas emoções em vinganças localizadas.
Na elaboração da notícia do crime e do que motivou o criminoso, não seria a imprensa como um todo e a mídia mais precisamente, representantes de um poder que na verdade não mostra suas garras, alegando sempre a “liberdade de imprensa.”
Sobre o tema assim se manifestou Di Franco, quando asseverou sua preocupação com o crescente exercício de um jornalismo sem jornalistas, exarando que:
“Há uma grave crise de reportagem. Repórteres já não saem às ruas. Fontes interessadas, sem dúvida conhecedoras das debilidades provocadas pela síndrome da concorrência, têm encaminhado algumas denúncias consistentes. Outras, no entanto, não se sustentam em pé. Duram o que dura uma chuva de verão. Como chegam, vão embora. Curiosamente, quem as publica não se sente obrigado a dar nenhuma satisfação ao leitor. Grandes são os riscos de manipulação informativa que se ocultam sob o brilho de certos dossiês que têm batido às portas das redações. Precisamos, por isso, desenvolver um redobrado esforço de qualificação das matérias que chegam às nossas mãos. Tais cuidados éticos, importantes e necessários, não podem ser indevidamente interpretados como uma manifestação de apoio às renovadas tentativas de controle externo da imprensa. Sou contra a censura. Minha defesa da ética passa, necessariamente, por uma imprensa livre.”[54]
É inegável que a liberdade de imprensa deve prevalecer sobre a censura, mas jamais ser confundida com “libertinagem de imprensa”, impregnada numa condenação imediata de quem quer que esteja relacionado como suspeito da prática de uma conduta criminosa, num verdadeiro espetáculo.
Dificilmente, neste tom, como dito alhures, poucos não acompanharam o desenrolar dos fatos relacionados aos profissionais da área da educação infantil, sobre os quais recaíram denúncias de que praticaram ou teriam praticado diversos crimes contra a liberdade sexual, vitimando seus alunos e alunas, quando receberam o rótulo da mídia intitulado “Os Monstros da Escola Base”, tudo após uma precipitação na fase persecutória em anunciar culpados, antes mesmo do devido processo legal, maculando o direito a intimidade de qualquer cidadão.
Sobre o tema, já que os “Monstros da Escola Base”, em tese, teriam cometido delitos tipificados dentre os hediondos, asseverou com clareza sobre a questão Marco Antônio Cardoso de Souza[55], sobre o papel consciente que deve ter a imprensa, no sentido de que “nem todos os meios de comunicação veicularam as denúncias sobre as supostas moléstias aos impúberes da escola”.
Isto revela que alguns setores da imprensa já adquiriram consciência de sua influência na sociedade e as conseqüências do poder com o qual se reveste a mídia.
Seqüenciado, exarou que:
“Incontestável, porém, o equívoco cometido pelos mesmos, fato este que deve servir como alerta, no sentido de se proceder com maior cautela, no momento de se selecionar, não só as notícias a serem divulgadas, como também a abordagem a ser conferida uma questão controversa. As prerrogativas constitucionais e legais, consagradas aos particulares, são de observância imperativa.”[56]
Pelo comportamento da mídia, diante de uma situação não comprovada, promoveu a conseqüente execração pública das pessoas envolvidas, onde a sociedade, com base nas informações difundidas nos meios de comunicação, julgou os acusados antes da devida apreciação do caso pelo judiciário. As seqüelas emocionais dos envolvidos, com certeza, são insanáveis. Constata-se serem, os mesmos, as verdadeiras vítimas de toda esta celeuma amplamente propagada nos veículos da mídia nacional. A Lei Máxima assegura que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra, a imagem das pessoas, assegurado o direito de indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
9 AVANÇOS LEGISLATIVOS MIDIÁTICOS
Não se poderia deixar de relatar os avanços legislativos que a mídia também é capaz de proporcionar. A lei de combate à tortura (Lei nº 9.455/97), por exemplo, foi um avanço considerável, não obstante os crimes deste jaez não terem diminuído.
O projeto de lei já estava proposto pelo governo desde agosto de 1994 na Câmara dos Deputados e foi votado em regime de urgência após a intensa pressão exercida pela sociedade diante do caso da “Favela Naval”, conhecido como a “Chacina de Diadema”, expostos pelos holofotes da mídia[57].
O Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/97) também é um exemplo benéfico de coerente produção legislativa. Foi uma lei resultante de uma intensa discussão dos meios de comunicação. O debate foi amplo e acalorado.
É desta forma que a mídia deve exercer o seu papel primacial, qual seja, o de ampliar as discussões que afloram do tecido social. Os veículos de comunicação devem funcionar como socializadores e educadores. Ocorre que, muitas vezes, a mídia anda na contramão e cumpre um papel criminoso e criminógeno, ou seja, como meio e estímulo ao crime.
10 CONCLUSÕES
A mídia, indubitavelmente, exerce papel de fundamental importância numa sociedade livre e pluralista, justa e solidária pelo que a liberdade de expressão constitui princípio fundamental num Estado que se pretenda democrático e de direito.
O que não deve ser aceito é a prática desrespeitosa à dignidade humana, pois ninguém perde a qualidade de ser digno por haver cometido um delito, por mais horrendo que este possa ser, tampouco pela infelicidade de encontrar-se segregado.
Assim, exercendo de fato e ilegitimamente um “Quarto Poder” da República, a Mídia influencia diretamente o Poder legislativo na elaboração das leis penais. A influência nefasta e espetacularizada, que conduz a uma lei penal inócua deve ser combalida. Por outro lado, o debate público e democrático deve ser estimulado e mantido pelos meios de comunicação.
Porém, como se pôde observar, a mídia, na gigantesca maioria dos casos, exerce um papel danoso na elaboração das leis e nos julgamentos efetuados pelos órgãos do Poder Judiciário. A independência do agente público na atividade legislativa e judiciária é primacial.
Uma lei não deve ser produto do espetáculo espalhafatoso dos meios de comunicação em massa. O legislador não deve de plano atender aos apelos midiáticos. Mudanças urgentes devem ser estabelecidas nos veículos comunicacionais, como por exemplo a inclusão de matérias jurídicas nos cursos de Graduação em Jornalismo. Mas a maior mudança deve partir do receptor da notícia que precisa entender a malícia por detrás da notícia e necessita compreender que a informação nunca é repassada de forma inocente.
Um dos direitos mais sagrados do cidadão é o de se comunicar de forma livre e espontânea. Não se defende aqui, a restrição à liberdade de expressão ou a liberdade de imprensa. Ocorre que, diante do quadro afigurado, deve-se clamar por uma imprensa mais livre e menos contaminada. O papel da imprensa precisa ser urgentemente repensado. Imprensa, liberdade e democracia devem caminhar lado a lado. Liberdade sem limites é tirania!
Informações Sobre o Autor
Oacir Silva Mascarenhas
Bacharel em Direito pela Universidade Católica do Salvador tendo se graduado no segundo semestre de 2007. Pós-Graduando “lato sensu” em Direito do Estado pela Fundação Faculdade de Direito da UFBA (Turma 2007.1) e também pelo JUSPODIVM (Turma 2009.1). É Sócio colaborador do IBAP (Instituto Brasileiro de Advocacia Pública). É Advogado militante na Bahia