A redução da maioridade penal conforme uma interpretação principiológica e constitucionalmente adequada

Resumo:Diversas são as discussões e infindáveis são os argumentos acerca da redução da maioridade penal. Alguns se posicionam a favor da redução, outros se posicionam contra. Há, ainda, quem defenda a abolição da maioridade penal. Todos, contudo, têm argumentos para embasar seu posicionamento, os quais merecem ser analisados com profundidade para que se possa emitir um parecer conclusivo ou, ao menos, razoável para o quadro brasileiro do século XXI, especialmente tendo em vista o desenvolvimento social, cultural, educacional, tecnológico, o que faz com que o menor atinja a maturidade psicológica e moral mais cedo. O que se observa é que, justamente em razão de a maturidade ter, como consequência da evolução social, se antecipado para uma idade inferior aos dezoito anos, é que não se pode deixar de analisar a possibilidade, viabilidade, constitucionalidade e efetividade da redução da maioridade penal. Uma pessoa maior de dezesseis anos possui, atualmente, totais condições de entender o caráter ilícito de sua conduta e, como consequência disso, determinar-se, de forma comissiva ou omissiva, de acordo com seu entendimento, o que pode ou não se amoldar a algum tipo penal previsto na legislação nacional. Assim sendo, por uma questão de dinamicidade do Direito, sendo indispensável que a sua evolução acompanhe a da sociedade, e pela necessidade de se tutelar, ao máximo possível, os direitos individuais e coletivos, é que se aponta que a redução da maioridade penal é necessária, possível e constitucional.

Palavras-chave: Constitucionalidade. Dinamicidade do Direito. Evolução social. Maioridade Penal. Necessidade social.

Abstract: Several are the discussionais, and endless are the arguments about reduction of the penal majority. Some position themselves for the reduction, others are against. There are, also, those who argue for the abolition of penal majority. All, however, have arguments to support their position, which must be analyzed in depth, so that it can issue a conclusive opinion or, at least, reasonable for the Brazilian context of the twenty-first century, especially in view of the social, cultural, educational, technical, which causes the lower reaches the psychological and moral maturity earlier. What is observed is that, precisely because of maturity have, as a consequence of social evolution, anticipated for less than the age of eighteen, is that onde can not disregard the possibility, feasibility, effectiveness and constitutionality of the reduction of the criminal majority. A person over sixteen has total conditions to understand the illicit nature of his conduct and, as a result, be determined, by commission or omission way, according to his understanding, which may or may not conform to a criminal offense under national law. Therefore, as a matter of dynamics of the law, being essential for its developments remain in the society, and because the need to protect, the maximum as possible, the individual and collective rights, which indicates that the reduction of criminal responsibility is necessary, possible and constitutional.

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Palavras-chave: Constitucionality. Dynamics of the law. Social evolution. Penal Majority. Social need.

Sumário: introdução. 1. contextualização do tema à luz das legislações civil, eleitoral e internacional. 2. Defesa em face do Código Penal. 2.1. Dos pressupostos de existência do delito. 2.2. Dos pressupostos de aplicação da pena: Culpabilidade. 2.2.1. Potencial consciência da ilicitude. 2.2.2. Exigibilidade de conduta diversa. 2.2.3. Imputabilidade. 2.2.3.1. Embriaguez. 2.3. Os princípios que regem a legislação penal e sua inter-relações. 2.4. A proposta do novo Código Penal. 3. Defesa em face da Constituição Federal. 3.1. Fundamentalidade formal e a igual hierarquia dos direitos fundamentais. 3.2. Cláusulas pétreas do artigo 60, §4º, e o artigo 228. 3.3. Da necessidade de se defender um bem jurídico de maior valor social em detrimento de outro de menor valor social à luz do Princípio da Proporcionalidade. 3.4. O Princípio da Isonomia e os parâmetros de igualdade. Considerações finais. Referências.

Introdução

Não é atual a calorosa discussão sobre a redução da maioridade penal no cenário brasileiro. Recentemente, porém, esse tema tem sido abordado de maneira preponderante na mídia nacional, fazendo-se sempre presente em todos os meios de comunicação. Os argumentos são os mais diversos, e a dúvida sobre qual corrente deve prevalecer (pela redução, ou contra a redução) ainda não se mostra resolvida.

Fatos violentos praticados por menores de idade, ocorridos no cenário nacional, fizeram com que a sociedade passasse a clamar fortemente pela redução da maioridade penal como forma de aumentar a punibilidade do Estado em face destes acontecimentos.

Diuturnamente, vários governadores, deputados federais e senadores lançam propostas de reforma da legislação vigente, apontando principalmente que, sob a ótica da política criminal, e diante de uma análise sociológica e psicológica do tema, torna-se evidente que pessoas acima de dezesseis anos podem compreender a ilicitude de determinados delitos.

O mesmo entendimento é adotado em outros países do mundo, dentre os quais se encontram países de notável desenvolvimento econômico e cultural.

Algumas pessoas, também, em menor proporção, opinam pelo aumento do tempo de internação do adolescente, ao invés da redução da maioridade.

A grande parcela dos juristas brasileiros, entretanto, representada por Luiz Flávio Gomes, defende que tais propostas de redução encontram-se barradas pela cláusula pétrea do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, prevista no artigo 60, §4º da Constituição Federal de 1988.

Nesse sentido, apontam que a irrevogabilidade dos Direitos e Garantias Fundamentais torna inconstitucional qualquer proposta de alteração à legislação que crie um poder punitivo para o Estado, na esfera penal, sobre os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos.

Como o tema não é puramente técnico, não decorrendo o seu resultado apenas de uma interpretação legal, faz-se necessária uma análise de valores e bens humanos que merecem relevância.

É preciso indicar, fundamentadamente, diante de conflitos existentes entre direitos fundamentais, quais devem prevalecer em cada caso concreto, pois, se todos os bens jurídicos em discussão estão constantes no mesmo texto, qual seja, o constitucional, possuindo, via de regra, o mesmo valor normativo, é indispensável apontar até que ponto deve permanecer a tutela sobre um bem jurídico, em detrimento de outro.

Dessa forma, são criadas teses e teorias a respeito da maioridade penal, são incentivados novos modos de pensamento, visando encontrar um ponto de ruptura na cláusula pétrea que faça com que tal alteração seja constitucionalmente possível, a fim de conseguir mudar o entendimento legislativo, da doutrina jurídica e da jurisprudência (os quais serão analisados no presente trabalho), e atender essencialmente às necessidades sociais.

1. Contextualização do tema à luz das legislações civil, eleitoral e internacional

O Congresso Nacional ao decretar, e o Presidente da República, ao sancionar o Código Civil (Lei nº 10.406), em 10 de Janeiro de 2002, demonstram entender que o menor entre dezesseis e dezoito anos pode ter capacidade para se autodeterminar. Tal entendimento fica claro quando há previsão da possibilidade de emancipação do menor púbere, podendo ela ser legal, judicial ou voluntária.

A emancipação voluntária ocorre pela vontade dos pais. Antes da maioridade legal, tendo o menor atingido dezesseis anos, poderá haver a outorga de capacidade civil por “concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, no exercício do poder familiar, mediante escritura pública inscrita no Registro Civil competente, independentemente de homologação judicial” (artigo 5º, I, 1ª parte, Código Civil).

A emancipação judicial (artigo 5º, inciso I, 2ª parte, do Código Civil), por sua vez, não dependerá dos pais, pois é a que pode ocorrer a partir do momento em que o menor púbere fica órfão. O tutor tem o direito de requerer ao juiz a emancipação, devendo expor quais os motivos o levaram a emancipar o jovem. Só ocorrerá se o magistrado entender que o menor encontra-se capaz para se autogerir e se autodeterminar.

Já a emancipação legal (artigo 5º, incisos II, III, IV e V, Código Civil) decorre da presunção legal da capacidade de o indivíduo, por si mesmo, gerir-se nas relações cotidianas. A emancipação é automática quando do casamento, pelo exercício de emprego público efetivo (passou em concurso público, foi convocado, tomou posse e está trabalhando), pela colação de grau em ensino superior, pelo estabelecimento civil ou comercial próprio, ou pela existência de relação de emprego desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria (esportistas, por exemplo).

Note-se que, nas três modalidades de emancipação, fica claro o entendimento conexo dos Poderes Legislativo, Executivo e do Judiciário, e não somente por parte dos três poderes, mas também por toda a sociedade, de que o menor púbere tem a maturidade necessária para viver de forma independente em sociedade, sendo capaz de tomar suas próprias decisões.

Na emancipação judicial, o Legislativo e o Executivo já deixaram clara esta convicção desde o momento em que votaram e sancionaram a lei com este viés, e o Judiciário a ratifica diuturnamente ao conceder a emancipação.

Na emancipação legal, há uma presunção legal de que o menor, em determinadas situações, encontra-se em plena capacidade de entender os conceitos de certo e errado, e de agir de forma positiva quanto à sua compreensão.

Conclui-se, assim, que os modos de emancipação estão sempre relacionados a um entendimento, expresso, tácito, ou presumido, de que aquele menor a ser emancipado é autossuficiente para gerir-se.

Não se pode esquecer de salientar que as previsões legislativas sobre a emancipação evoluíram substancialmente ao diminuir a maioridade civil de vinte e um para dezoito anos, com possibilidade de emancipação aos dezesseis, o que representou um importante progresso para as relações jurídicas atuais.

Naquele momento da história nacional, em que o ordenamento jurídico previa a maioridade civil aos vinte e um anos, e a maioridade penal aos dezoito, era necessário que o acusado menor de vinte e um anos tivesse um representante legal para responder à ação penal. Hoje isso já não se faz mais necessário.

Do foco eleitoral, parte-se do ponto de que o voto consciente pressupõe que o eleitor leve em consideração uma série de fatores que o façam escolher o melhor candidato, compreendendo suas propostas políticas, elegendo seus representantes com discernimento e clareza, optando por aquele que aja sempre em busca da boa administração nacional, estadual e municipal.

É assente, portanto, que a Constituição Federal, ao estabelecer a faculdade de votar aos menores entre dezesseis e dezoito anos (artigo 14, §1º, II, alínea “c”), deixou clara a presunção de que, desde o ano de 1988, o menor púbere possui desenvolvimento suficiente para eleger, de forma livre, consciente e independente, seus representantes e de toda a nação.

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Por fim, analisando, o panorama internacional, é possível apontar os seguintes dados: a depender dos crimes praticados, na Dinamarca a maioridade penal começa aos quinze anos, na Alemanha e na Itália, aos quatorze, na França aos treze anos, na Holanda e na Escócia, se inicia aos doze, e na Inglaterra aos dez anos. Não obstante, ainda existe um considerável número de países que adotam dezoito anos como a idade em que a pessoa passa a ser considerada imputável, entre os quais se inclui o Brasil (MAIORIDADE PENAL NO BRASIL, 2011).

Como se vê, esses países adotam faixas etárias inferiores a dezoito anos como marco de início à responsabilização criminal. Considerando que são países em que o desenvolvimento econômico é elevado e em que o desenvolvimento cultural e social obtiveram resultados positivos ao longo da história, é possível constatar, com base na legislação comparada, que a redução da maioridade penal é um progresso necessário ao Direito brasileiro, assim como progrediram as legislações internacionais, e mesmo as nacionais, em algum momento da história, conforme já apontado.

Complementando, observadas as determinações da legislação civil e eleitoral (esta com assento constitucional) e estendendo-as à área penal, entende-se que o menor púbere tem plena capacidade para compreender a ilicitude de uma conduta e de agir de forma contrária a ela, ou seja, agir de forma a não cometer crime.

Deste modo, visualiza-se como um novo e necessário progresso a redução da maioridade penal para dezesseis anos, conforme se analisará.

2. Defesa em face do código penal

Para que se possa analisar as infrações cometidas pelos menores púberes sob a ótica do Código Penal, imprescindível é que, primeiro, sejam apontados quais institutos penais se aplicam a eles.

Segundo o que dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, os crimes ou contravenções cometidos pelos menores de 18 anos recebem o nome de “ato infracional” (art. 103) e, a eles, não se aplicam as penas originariamente previstas para os crimes e as contravenções, mas sim uma das medidas previstas no artigo 112 do mesmo diploma legal.

Os artigos 27 do Código Penal e 104 do Estatuto da Criança e do Adolescente, por sua vez, estabelecem que os menores de dezoito anos são penalmente inimputáveis, o que encontra vínculo de constitucionalidade com o artigo 226 da Constituição Federal.

A interpretação correta das disposições legais supramencionadas que se coaduna com o estudo feito somente é possível por meio do método sistemático. Neste sentido:

“A interpretação sistemática é aquela que procura examinar a norma não mais “internamente”, em seu significado intrínseco, mas em sua relação com as demais normas, que integram o diploma em que ela está inserida e as demais que compõem o sistema, sobretudo as de hierarquia superior, buscando harmonizá-las e extrair um sentido global, de conjunto” (GONÇALVES, 2010, p.55) – grifo do autor.

Tomando-se por base a inter-relação entre a Constituição Federal, o Código Penal e o Estatuto da Criança e do Adolescente, interpretando-os em conjunto e sistematicamente, é possível concluir que aos atos infracionais aplicam-se os institutos penais da tipicidade e da antijuridicidade, mas a culpabilidade tem sua aplicação excluída, motivo pelo qual se adotou para a análise, à luz do conceito analítico de crime, a Teoria Finalista Bipartite da Ação, que estabelece que crime é um fato típico e antijurídico, sendo a culpabilidade um pressuposto de aplicação da pena. Neste exato sentido, explica Fernando Capez (2004, p. 106-107):

“Com o finalismo de Welzel, descobriu-se que o dolo e a culpa integravam o fato típico e não a culpabilidade. A partir daí, com a saída desses elementos, a culpabilidade perdeu a única coisa que interessava ao crime, ficando apenas com elementos puramente valorativos. Com isso, passou a ser mero juízo de valoração externo ao crime, uma simples reprovação que o Estado faz sobre o autor de uma infração penal. Com efeito, a culpabilidade, em termos coloquiais, ocorre quando o Estado aponta o dedo para o infrator e lhe diz: você é culpado e vai pagar pelo crime que cometeu. […]. É apenas uma censura exercida sobre o criminoso. Conclusão: a partir do finalismo, já não há como continuar sustentando que todo fato é típico, ilícito e culpável, pois a culpabilidade não tem mais nada que interessa ao conceito de crime”.

Contribuindo para o entendimento de Capez, as próprias disposições do Código Penal permitem concluir que a culpabilidade não integra o conceito de crime. O artigo 1º do Código Penal estabelece que “não há crime sem lei anterior que o defina”. Em outras palavras, se o fato é atípico, não há crime. De outro vértice, quando este Codex trata das causas excludentes de ilicitude, prescreve que “não há crime quando o agente pratica o fato” (artigo 23 e incisos).

Por outro lado, ao tratar de culpabilidade, o Código Penal não o inclui no conceito de crime, vez que a disposição legal referente a ela diz que “é isento de pena o agente que […]” (artigo 26 do Código Penal).

Destarte, como os preceitos secundários dos tipos penais incriminadores previstos na Parte Especial do Código Penal e das legislações penais especiais não se aplicam aos atos infracionais, é possível entender que, em relação aos menores, a culpabilidade é, inegavelmente, um elemento que desconecta a conduta típica e antijurídica por ele praticada da pena prevista para ela.

Conclui-se, desse modo, que, segundo as previsões legais em vigência, é estritamente em razão da inimputabilidade que as penas previstas para os crimes e as contravenções não incidem sobre os atos infracionais.

Sem prejuízo, para as mudanças pretendidas, a adoção da Teoria Bipartite ou Tripartite tem apenas finalidade didática, tendo em vista que o que se pretende, em verdade, é a aplicação dos preceitos secundários dos tipos penais incriminadores às condutos delituosas praticadas por maiores de dezesseis anos, independentemente de a culpabilidade ser considerada pressuposto de existência do crime (Tripartite) ou de aplicação da pena (Bipartite).

Não se pretende, portanto, apontar se o reconhecimento de uma ou mais causas excludentes de culpabilidade gerariam inexistência do crime, ou se gerariam a sua existência, não havendo apenas pressuposto para aplicação da pena. O que se pretende, em verdade, é estudar as situações em que as penas serão efetivamente aplicadas aos casos concretos.

2.1. Dos pressupostos de existência do delito

Segundo a Teoria Finalista Bipartite da Ação, é necessário, para a existência do delito, que estejam presentes dois elementos cumulativos e obrigatórios: fato típico e antijuridicidade. A ausência de um ou outro, ou de ambos, gera atipicidade do fato, ou, em outras palavras, constitui um indiferente penal.

Dentre os doutrinadores que a adotam, citam-se Flávio Augusto Monteiro de Barros, Júlio Fabbrini Mirabete, Damásio Evangelista de Jesus, e Fernando Capez.

Passa-se à análise dos referidos pressupostos.

a) Fato típico:

Rogério Greco (2008, p. 143) esquematiza o conceito de fato típico de maneira simples e precisa, em quatro elementos, da forma como a maioria dos doutrinadores faz. Segundo ele:

“[…] é composto dos seguintes elementos:

a) conduta dolosa ou culposa, comissiva ou omissiva.

b) resultado

c) nexo de causalidade entre a conduta e o resultado

d) tipicidade.”

Conduta é toda ação (positiva ou comissiva) ou omissão (negativa ou omissiva), consciente e voluntária, dolosa ou culposa, voltada para uma finalidade, típica ou não, mas que causa ou tenta causar um resultado previsto na lei como crime. O crime comissivo é fazer algo que é proibido por lei, já o crime omissivo é deixar de fazer algo que deveria e poderia fazer.

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Resultado é aquele evento exigido pela descrição típica e sem o qual o crime não existe. Em todas as espécies de crime é necessário que haja resultado jurídico ou normativo, ou seja, que exista uma lesão ou ameaça de lesão a um interesse penalmente relevante, mediante uma análise à luz dos princípios da ofensividade e da insignificância. Excepcionalmente, nos crimes materiais, exige-se também resultado naturalístico (material), em que é necessária uma alteração na matéria do mundo exterior prevista no tipo penal para a consumação do delito.

Nexo, por sua vez, é a relação de causa e consequência entre conduta e resultado. Deve sempre haver entre eles causalidade psíquica (nexo normativo), ou seja, ação ou omissão com dolo ou culpa. Nos crimes materiais, deve haver, ainda, causalidade física, isto é, uma transformação (resultado) consequente de uma conduta.

Já a tipicidade é a adequação da conduta do agente à descrição criminosa prevista no tipo penal. Pode também ser entendida como subsunção do fato à norma.

A ausência de um dos quatro elementos do fato típico apontados torna o fato atípico e, consequentemente, desconstitui o crime.

b) Antijuridicidade:

Para Damásio Evangelista de Jesus (2010, p. 399-400), antijuridicidade formal é a simples contrariedade existente entre a conduta humana e a norma penal, confundindo-se, portanto, com a tipicidade, exaurindo-se no primeiro elemento do crime, que é o fato típico.

Não basta, contudo, que um crime seja um fato típico, daí a irrelevância da ilicitude formal. Segundo o autor, portanto, a antijuridicidade a ser considerada é a material, em que não se está falando de lesão ou ameaça de lesão a um bem juridicamente protegido do ponto de vista naturalístico, mas sim à lesão ou ameaça de lesão ao valor social que a norma penal deseja tutelar. Dessa forma, o aplicador do Direito pode investigar a valoração social da conduta e a sua pertinência às exigências do bem comum. Toda conduta típica se presume antijurídica, somente não o sendo se o caso concreto amoldar-se em uma das causas excludentes de ilicitude do artigo 23 do Código Penal, que são estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal e exercício regular de direito, bem como dos artigos 128 e 142.

Apontam-se, além dessas causas legais, outras causas supralegais de exclusão da ilicitude, o que encontra justificativa no fato de que o Direito, dinâmico que é, deve sempre “valorar o caráter antissocial do fato” (BARROS, 2010, p. 353).

São, assim, causas supralegais comumente elencadas pela doutrina, embora haja divergências quanto à sua existência e real aplicabilidade: a conduta socialmente adequada (é a conduta entendida com normal pela cultura da sociedade), o princípio do balanço dos bens (é o sacrifício de um bem em detrimento de outro de menor valor, mas sem a necessidade de iminência do perigo e de outros elementos, como no estado de necessidade), o consentimento do ofendido em relação a bens disponíveis e o princípio da insignificância (BARROS, 2010, p. 353-356).

Não obstante a estas causas legais e supralegais, como a antijuridicidade tem caráter objetivo, quem praticou o fato não tem importância para a sua análise, mas sim o próprio fato, independentemente de culpa ou inimputabilidade do agente, motivo pelo qual sua incidência não guarda relação com a maioridade penal. Resolve-se, aqui, apenas um problema acerca da lesividade do comportamento, manifestando-se num juízo de reprovação do fato praticado, sem relação com a culpabilidade.

2.2. Do pressuposto de aplicação da pena: Culpabilidade

A culpabilidade é o foco principal de análise do presente trabalho, pois, tratando-se de menor entre dezesseis e dezoito anos, é na culpabilidade que o poder punitivo do Estado sobre ele se exaure no âmbito penal, por força do artigo 228 da Constituição Federal. Diz-se “no âmbito penal”, pois a sua tutela jurídica permanece eficaz, incidindo, para tal fim, o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Nela vai se avaliar se a conduta do agente é ou não reprovável segundo um juízo de valor estabelecido pela norma. Deixa-se de observar o estritamente o fato, como é feito no fato típico e antijurídico, e analisa-se o próprio agente e sua conduta. A culpabilidade é a regra. Segundo Damásio Evangelista de Jesus (2010, p. 499), ela liga o agente ao crime e, por consequência, à punibilidade.

Via de regra, todo aquele que pratica um fato típico e antijurídico é merecedor da sanção prescrita na lei para aquela infração penal. No entanto, para saber se eventualmente o indivíduo não merece a pena, devem-se avaliar os elementos que compõem a culpabilidade: potencial consciência da ilicitude do fato, exigibilidade de conduta diversa e imputabilidade. Excluído qualquer destes elementos, não há culpabilidade e, consequentemente, não há aplicação de pena.

2.2.1. Potencial consciência da ilicitude

Quando se fala em “potencial”, não é preciso que o indivíduo tenha consciência efetiva e real da ilicitude do fato, mas sim possibilidade de ter consciência de ser ele proibido.

Já no que diz respeito à “consciência da ilicitude”,

“O desconhecimento da lei é inescusável. Ninguém se escusa de cumprir a lei alegando que não a conhece (art. 3º da LICC). […] A ignorância da lei é o desconhecimento da norma jurídica. […] A exclusão da culpabilidade não consiste no desconhecimento da lei, isto é, da norma escrita editada pelo Estado, mas, sim, na falta de possibilidade de conhecer a ilicitude do fato” (BARROS, 2010, p. 428-429).

No caso em tela, é necessário que o menor púbere tenha consciência da ilicitude do fato (o que provém do próprio convívio em sociedade) e não que ele conheça o texto legal propriamente dito. Segundo Flávio Augusto Monteiro de Barros (2010, p. 426-428), a potencial consciência da ilicitude deve ser aferida levando-se em conta o discernimento do homo medius, mas avaliando também as condições pessoais do agente.

Um exemplo prático é o artigo 28 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006 (Lei de Drogas), que diz que “quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com a determinação legal ou regulamentar será submetido às penas”. O agente não precisa conhecer precisamente tal redação legal para ter consciência de que o porte de drogas é ilícito.

Provado, contudo, que o menor tinha capacidade de atingir o conhecimento da ilicitude de sua conduta, na situação em que se encontrava, e mesmo que se alegue erro de proibição inescusável, preenchido está um requisito do pressuposto de aplicação da pena, devendo-se, portanto, passar ao próximo: exigibilidade de conduta diversa. Se, porém, ficar provado que não seria possível atingir este conhecimento, a análise deve parar neste ponto, excluída a culpabilidade de sua conduta com base no erro de proibição escusável.

Se, ainda, ficar provado que o autor não conhecia, mesmo que genericamente, a existência da lei, ou seja, do texto normativo em si, incidirá a atenuante genérica da pena, conforme artigo 65, II, Código Penal:

“A Lei nº 5.700/1971, […], preceitua que a execução do Hino Nacional deve ser feita conforme estipulado nesta lei (será sempre executado em andamento metronômico de uma semínima igual a 120, em tonalidade de si bemol para a execução instrumental simples, em canto sempre em uníssono; nos casos de simples execução instrumental, tocar-se-á a música integralmente, mas sem repetição; nos casos de execução vocal, serão sempre cantadas as duas partes do poema, etc.); do contrário, considera-se contravenção, sujeitando o infrator à pena de multa de uma a quatro vezes o maior valor de referência vigente no País, elevada ao dobro nos casos de reincidência (art. 35).” (NUCCI, 2009, p. 430).

Tal lei é de desconhecimento de quase a totalidade os indivíduos da sociedade, sendo, portanto, considerada imprevisível ao homo medius. Provado o desconhecimento deste texto normativo, deve incidir, invariavelmente, a atenuante genérica do artigo 65, inciso II do Código Penal.

2.2.2 Exigibilidade de conduta diversa

Para dizer se o menor infrator merece pena, é necessário ainda aferir se, na situação concreta, era exigível que se tivesse outra conduta.

A exigibilidade de conduta diversa difere do estado de necessidade porque, na primeira, a finalidade é ilícita, já no segundo, a finalidade é lícita.

Há dois casos de inexigibilidade de conduta diversa, que excluem a culpabilidade e, portanto, a aplicação da pena:

a) Coação moral irresistível: se o fato é cometido sob coação irresistível, só é punível o autor da coação. A doutrina reduz a incidência do artigo 22 do Código Penal à coação moral irresistível, porque a coação física irresistível elimina a própria conduta, e conduta é elemento do fato típico. Pressupõe que existe coator (aquele que pratica a violência moral, que manda), coato (aquele que sofre a coação) e vítima (pessoa que é a vítima da ação do coato), caso em que a pena é atribuída única e exclusivamente ao coator.

O coato pode, para alegar coação moral irresistível, dizer que estava sofrendo ameaça, ou ele mesmo, ou alguma pessoa próxima. Isso significa que essa relação pode se dar em relação ao coato e ele reagir de modo a livrar-se do mal efetivo tanto para ele quanto para terceiro. Grande parte da doutrina argumenta que o terceiro tem que ser próximo ao coato, mas há uma parte minoritária que sustenta que pode ser qualquer terceiro, invocando o princípio da solidariedade.

b) Obediência hierárquica: se o fato é cometido em estrita obediência à ordem legal, não há crime por parte do autor da ordem, nem mesmo por parte do subordinado, vez que se encontram em estrito cumprimento do dever legal. Já quando a ordem for não manifestadamente ilegal, só é punido o seu autor, ou seja, o superior.

Para isso, é necessário que haja relação hierárquica de direito público entre superior e subordinado, ou seja, não pode alegar obediência hierárquica quem é subordinado numa relação de direito privado (ex.: relação entre bispos e sacerdotes). Além disso, a ordem dada deve estar dentro da esfera de atribuição do superior e do subordinado e este deve cumpri-la exatamente da forma como lhe foi dada, respondendo pelo crime em caso de excesso.

Por outro lado, quando a ordem é manifestamente ilegal, Damásio Evangelista de Jesus (2010, p. 539,540) exemplifica de forma clara:

“[…] Respondem pelo crime o superior e o subordinado. Ex.: o delegado de polícia determina ao soldado que exija do autor de um crime determinada quantia, a fim de não ser instaurado inquérito policial. Os dois respondem pelo crime de concussão (CP, art. 316, caput). Em relação ao subordinado há uma atenuante genérica (CP, art. 65, III, c)”.

É o que se extrai da leitura in rem verso do artigo 22 do Código Penal.

Admite-se, atualmente, a possibilidade de o subordinado examinar a ordem que lhe foi dada, de modo a não agir se for manifestamente ilegal e, se ainda assim agir, responde pelo crime cometido juntamente com o superior. Excepcionalmente no sistema militar, a obediência à ordem deve ser absoluta, caso em que o subordinado não responde por nenhum crime praticado, mesmo que em cumprimento a uma ordem manifestamente ilegal.

Não bastando, a maioria dos doutrinadores aponta uma causa supralegal de inexigibilidade de conduta diversa, fundamentando-se no fato de que a análise do caso concreto pode induzir o julgador a concluir que, naquela ocasião, não era exigível do autor outra conduta senão aquela que ele teve. É o estado de necessidade exculpante, em que o indivíduo escolhe um bem de menor valor em detrimento de outro de maior valor devido ao fato de que o bem de menor valor jurídico tinha, para o agente, valor sentimental maior.

Não é outro o argumento adotado, senão o que estabelece que “supre-se a lacuna da lei através da analogia in bonam partem, forma de integração do ordenamento jurídico que, no campo das normas penais não incriminadoras, não sofre a limitação do princípio da reserva legal” (BARROS, 2010, p. 438).

Nestas hipóteses, a atuação do agente, apesar de constituir ilícito penal, não será merecedora de pena, pois são causas excludentes de culpabilidade. Se, contudo, ficar provado que seria exigível conduta diversa da realizada por ele, torna-se preenchido mais um elemento do pressuposto de aplicação da pena.

2.2.3 Imputabilidade

Damásio Evangelista de Jesus apresenta com clareza a ideia inicial do tema.

“Imputar é atribuir a alguém a responsabilidade de alguma coisa. Imputabilidade penal é o conjunto de condições pessoais que dão ao agente capacidade para lhe ser juridicamente imputada a prática de um fato punível”. (2010, p. 513).

O legislador não definiu o que é imputabilidade, mas é possível defini-la a partir da leitura in rem verso do artigo 26 do Código Penal: imputável é aquele que, ao tempo da ação ou omissão, era completamente capaz de entender o caráter ilícito da sua conduta e de agir conforme este entendimento. É necessária a soma destes dois elementos (capacidade intelectiva e volitiva) para que seja imputável.

“É a capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento. O agente deve ter condições físicas, psicológicas, morais e mentais de saber que está realizando um ilícito penal. Mas não é só. Além dessa capacidade plena de entendimento, deve ter totais condições de controle sobre sua vontade”. (CAPEZ, 2004, p. 289).

Nota-se que o Código Penal, pela redação do citado artigo 26, adota como regra o sistema biopsicológico de aferição da imputabilidade, que

“Reúne, para aferição da imputabilidade, critérios biológicos e psicológicos. […] Como se vê, a inimputabilidade pode decorrer da falta de entendimento do caráter criminoso do fato ou da falta de capacidade para determina-se de acordo com esse entendimento”. (BARROS, 2010, p. 415).

Dessa forma, para que se conclua pela inaplicabilidade da pena a alguém, é exigida base biológica, que é doença mental, desenvolvimento mental incompleto ou retardado ou embriaguez completa proveniente de caso fortuito ou força maior, e também base psicológica-consequencial, a incapacidade total de compreender a ilicitude do fato e de determinar-se conforme este entendimento.

Doenças mentais são patologias de ordem física ou mental que subtraem completamente do agente, mesmo que de forma transitória, a sua capacidade de autodeterminação. Desenvolvimento mental retardado é aquele desenvolvimento mental que não está de acordo com a idade cronológica da pessoa. Ambos deverão ser aferidos mediante laudo médico pericial.

O desenvolvimento mental incompleto, por sua vez, parte do pressuposto de que a pessoa ainda não atingiu a completude do seu desenvolvimento mental, mas está se desenvolvendo normalmente.

O desenvolvimento mental incompleto, retardado ou doença mental devem, também, ser preexistentes e subtrair totalmente o discernimento do autor no exato momento da conduta (elemento de ordem temporal). Se o agente pratica o crime em momentos de lucidez, é imputável. E se a capacidade for apenas diminuída, será semi-imputável, podendo a pena ser diminuída de um a dois terços, conforme artigo 26, Parágrafo Único do Código Penal.

Cabe ressalvar que não excluem a imputabilidade (artigo 28 do Código Penal) a emoção ou paixão (inciso I) e a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos (inciso II).

Em relação ao menor de dezoito anos há, atualmente, presunção absoluta de desenvolvimento mental incompleto, o que fica claro pela leitura do artigo 27 do Código Penal, inalterável por força hierárquica do artigo 228 da Constituição Federal, que adota o sistema biológico e não biopsicológico, constituindo, assim, exceção à lei.

“Pode até ser que o menor entenda perfeitamente o caráter criminoso do homicídio, roubo, estupro, por exemplo, que pratica, mas a lei presume, ante a menoridade, que ele não sabe o que fez, adotando claramente o sistema biológico nessa hipótese”. (CAPEZ, 2004, p. 292).

Isso significa que, para o menor, basta o fato da vida que, conforme Flávio Augusto Monteiro de Barros (2010, p. 408-409), a consequência se presume de forma absoluta. Pode ser emancipado civilmente, mas para a lei penal, ele é absolutamente incapaz de entender o caráter ilícito de sua conduta e de agir conforme o seu entendimento. A emancipação civil não produz como consequência a imputabilidade penal.

Apoiando-se nos princípios que serviram como fundamento à emancipação civil e à possibilidade de voto desde os dezesseis anos, fica possível defender que, desde a década de 80 até o atual século XXI, a dinâmica social faz com que o indivíduo atinja o desenvolvimento mental completo mais cedo. Assim já entendia o legislador há mais de quarenta anos atrás, ao promulgar o Código Penal de 1969 (Decreto-Lei nº 1.004/69), que previa a maioridade penal aos dezesseis anos, mas que não chegou a viger (revogado pela Lei n° 6.578, de 11 de outubro de 1978), embora já estivesse em período de vacatio legis. Tal entendimento só se tornou finalmente ratificado pela lei, primeiro, com a Constituição Federal de 1988, que possibilitou o voto aos dezesseis anos e, em segundo momento com o Código Civil de 2002, ao prever a emancipação nesta mesma idade.

“Não mais é crível que menores com 16 e 17 anos, por exemplo, não tenham condições de compreender o caráter ilícito do que praticam, tendo em vista que o desenvolvimento mental acompanha, como é natural, a evolução dos tempos, tornando a pessoa mais precocemente preparada para a compreensão integral dos fatos da vida” (NUCCI, 2009, p. 281).

Existem, atualmente, meios que fazem com que o menor, cada vez mais cedo, cresça e evolua mental, moral e psicologicamente. Citam-se transformações de ordem tecnológico-científica (medicina, engenharia genética, informática, robótica, eletrônica), sócio-política (como principal exemplo a popularização da internet, do celular e da televisão) e econômica (crescimento do poder aquisitivo). Tais transformações podem ser completamente atribuídas a um único fenômeno, a globalização, que se expandiu no mundo após a Segunda Guerra Mundial.

“São tantos os canais de comunicação, que se torna impossível manter-se ilhado, alheio aos acontecimentos. Não há espaço para a ingenuidade, e com maior razão no que concerne aos adolescentes. Aliás, estes estão mais afetos a essas inovações […] Quando se fala em maturidade para efeitos penais, não se busca inteligência destacada, capacidade de tomar decisões complexas, mas tão-somente a formação mínima de valores humanos que uma pessoa deve ser dotada, podendo discernir entre o bem e o mal, entre o certo e o errado, entre o que constitui crime” (JORGE, 2002).

Os meios de comunicação fazem com que as notícias percorram o mundo de forma quase instantânea, praticamente em tempo real. É impossível alienar-se das transformações tecnológicas. A internet, principalmente, faz com que o jovem possa obter informações cada vez mais cedo, atingindo um nível de conhecimento e amadurecimento, aos dezesseis anos, o que só seria atingido por uma pessoa de dezoito, há algumas décadas atrás.

Miguel Reale (1990, p. 161) completa:

“No Brasil, especialmente, há outro motivo determinante, que é a extensão do direito ao voto, embora facultativo aos menores entre dezesseis e dezoito anos, como decidiu a Assembleia Nacional Constituinte […], não se compreende que possa exercer o direito de voto quem, nos termos da lei vigente, não seria imputável pela prática de delito eleitoral”.

Ora, se o jovem, segundo o já citado artigo 14, §1º, inciso II, alínea “c” da Constituição Federal, é perfeitamente capaz de eleger seus representantes, em quaisquer das esferas (Municipal, Estadual e Federal), porque não seria capaz de cometer crimes eleitorais? Reale (1990, pág. 161) ainda afirma que ele pode e deveria ser punido por estes crimes da mesma forma que seria um maior de dezoito anos. A facultatividade do voto entre os dezesseis e dezoito anos não o torna relativa ou absolutamente incapaz de entender a ilicitude de um delito eleitoral.

No mesmo sentido, analisando-se sob outra ótica, se o Código Civil estabelece a possibilidade de o menor emancipar-se automaticamente quando exercer emprego público efetivo (o que pressupõe grau de maturidade suficiente para prestar um concurso, ser aprovado, nomeado, tomar posse e exercer sua função), deveria também poder ser imputada a ele eventual prática de crimes exercidos na condição de servidor público, como a concussão, o peculato e a prevaricação, por exemplo.

Portanto, assim como para todos os indivíduos maiores de dezoito anos, busca-se atribuir para o menor púbere a presunção de que tem o caráter mental, psicológico e volitivo do “homo medius”, ou seja, inteligência e discernimento suficientes para entender o teor criminoso de “matar”, “roubar”, “estuprar”, “sequestrar”, etc., e de agir, por sua própria vontade, de forma positiva a este entendimento.

A evidente evolução do homem aos dezesseis anos, anteriormente vista como prematura, mas já comum nos dias atuais, torna-o capaz de, por exemplo, votar, de estabelecer economia própria, de contrair casamento e de exercer emprego público efetivo.

Isso faz com que seja necessário que se deixe de adotar, a caráter excepcional e absolutamente incontestável, o método biológico de aferição da imputabilidade para os menores púberes e se passe a adotar o método biopsicológico de aferição da imputabilidade, igualando-o aos maiores de dezoito anos.

Dessa forma, o desenvolvimento mental incompleto entre os dezesseis e dezoito anos não seria mais apontado como uma presunção juris et de jure de inimputabilidade e passaria a ser presunção juris tantum de imputabilidade. Deve-se entender como tendo desenvolvimento mental incompleto, para este fim, a pessoa menor de dezesseis anos.

Neste sentido, se restar provado que o menor é inimputável, seja por doença mental, por desenvolvimento mental incompleto ou retardado, exclui-se o pressuposto de aplicação da pena, sendo aplicável medida segurança.

2.2.3.1. Embriaguez

A anteriormente referida dinâmica social, que faz com que o jovem supostamente atinja o desenvolvimento mental completo aos dezesseis anos não traz, contudo, apenas mudanças positivas no meio social em que o menor se insere. Dentre as mudanças negativas, cita-se o fácil acesso ao álcool, abrangendo também as substâncias entorpecentes de efeitos análogos.

Tendo em vista a organização social de forma ampla (incluindo das mais altas classes sociais até as camadas mais necessitadas), a facilidade de obtenção de bebidas alcoólicas ou substâncias análogas e a capacidade (presumida juris tantum) de autodeterminação do menor púbere, entende-se que a punibilidade por embriaguez, segundo a análise a ser feita, estende-se ao maior de dezesseis e menor de dezoito anos, assim como para os indivíduos de maior idade.

A doutrina penal classifica a embriaguez em acidental e não acidental. A única forma de embriaguez que exclui a aplicação da pena é a acidental completa, decorrente de caso fortuito ou força maior, e que é tratada de forma completa e clara no §1º do artigo 28 do Código Penal:

“§ 1º – É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”.

Neste caso, o infrator menor, assim como qualquer indivíduo maior de dezoito anos, não responderia pelo crime (inimputável), se completamente incapaz de discernir o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Responderia pelo crime, com redução de pena, se parcialmente incapaz de discernir ou se determinar (aplica-se o disposto no artigo 28, §2º, do Código Penal).

Consigne-se, desde logo que, quanto à embriaguez, via de regra, o critério adotado para aferição de imputabilidade do agente é puramente psicológico. Isso se evidencia porque, salvo nos casos de alcoolismo (que é doença mental, e em que o autor recebe tratamento do artigo 26 do Código Penal), deve-se analisar, primeiro, se o agente possuía capacidade intelectiva e volitiva, não por um estado de doença ou desenvolvimento incompleto ou retardado, mas sim pelo estado psicológico que a embriaguez lhe provocou, e, em segundo, o dolo de ter se colocado neste estado.

Assim sendo, no que tange às formas de embriaguez não acidental (preordenada, voluntária e culposa), o agente, embora estivesse, no momento da prática do crime, em absoluta incapacidade de autodeterminação, será punido pelo que fez.

A regra é que quem faz algo sem ter capacidade de autodeterminação é isento de pena, ou seja, inimputável. É por isso que parte da doutrina afirma que embriaguez não acidental (salvo a pré-ordenada) caracteriza hipótese de responsabilidade penal objetiva, em que o agente responderá pelo resultado por força de determinação legal, mesmo que tenha agido com ausência de dolo ou culpa. Apontam que isso não se coaduna com o Direito Penal brasileiro, vez que este tem como princípio básico que, nos casos de ausência de dolo ou culpa, não há crime.

Damásio Evangelista de Jesus (2010, p. 516-518), no entanto, afirma que não se trata de caso de aplicação actio libera in causa (uma forma de responsabilidade objetiva), mas sim de previsibilidade da conduta. Segundo seu entendimento, nos casos da embriaguez voluntária e culposa, deve-se analisar a previsibilidade do resultado lesivo.

Se o resultado era imprevisível, mesmo ao “homem médio”, o agente é isento de pena. Não há previsibilidade objetiva, requisito do crime culposo.

Se o resultado era previsível, observa-se se o agente previu. Se ele não previu o resultado previsível ao “homem médio”, responde por culpa inconsciente, se houver previsão legal de crime na modalidade culposa.

Por outro lado, se o agente previu e aceitou essa possibilidade, responde por dolo eventual e, se não aceitou a possibilidade de ocorrência do resultado e mesmo assim agiu, responde a título de culpa consciente.

Note-se que todas as disposições aplicam-se satisfatoriamente aos menores púberes, especialmente pelo fato de se basearem-se na diligência do “homo medius”, já possível de ser estendida a eles.

2.3. Os princípios que regem a legislação penal e suas inter-relações

Após uma análise teórica e sociológica, faz-se imprescindível que sejam analisados os princípios embasadores da legislação penal.

O princípio da ofensividade é a outra face do princípio da insignificância e também decorrente do princípio da intervenção mínima. Segundo preleciona, a incidência da norma penal exige que haja, no caso, uma lesão que ofenda significativamente ao bem jurídico penalmente tutelado. Daí decorre a necessidade de, quando da elaboração da lei por um legislador, deixar claro no texto legal a ofensividade da conduta.

Este princípio é de fundamental análise para que exista o próprio crime. Em uma conduta típica, haverá preenchimento de todas as elementares do crime, bem como eventuais qualificadoras. É a chamada tipicidade formal.

Contudo é necessária também a tipicidade material, ou seja, uma lesão significativa ao bem jurídico tutelado para que haja não só a forma de crime, mas também conteúdo de crime (fato materialmente típico).

Tal princípio alude à ideia da própria função da lei penal, pois quando o legislador associa algum bem jurídico à lei penal quer, em primeiro momento, fazer com que a sociedade reconheça o valor que aquele bem tem. Obviamente que, para uma análise que respeite ao próprio rol principiológico-penal, só se pode exigir que seja de conhecimento geral as leis que tutelam os bens mais importantes e que, além disso, façam parte do cotidiano comum dos indivíduos sob a égide do Código Penal, como a vida, a liberdade, a honra, o patrimônio, a integridade física, entre outros.

Evidenciando a inter-relação e interdependência entre princípios que regem a legislação penal, a análise ora feita remete ao próprio princípio da subsidiariedade, que estabelece o entendimento de que o Direito Penal trata de partes especiais do Direito e deve funcionar como um reforço às suas outras áreas. Isto significa que ele só é usado quando determinado bem jurídico merece tratamento especial por ser considerado de grande importância.

Feitas tais considerações, focando-se estritamente no menor púbere, é absolutamente admissível e incontestável que, conforme já argumentado, o atual contexto do desenvolvimento social do país, combinado à existência do Código Penal há mais de setenta anos, com poucas alterações na sua Parte Especial (que prevê os crimes em espécie), faz com que seja da diligência comum de qualquer ser humano com mais de dezesseis anos os bens que são de maior ou menor importância a um indivíduo.

A alusão à idade do Código Penal é de importância para a redução da maioridade penal porque, consubstanciando-se no princípio da reserva legal, que estabelece o entendimento de que não há infração penal sem lei anterior que a defina, nem sanção penal sem prévia cominação legal (artigo 5º, XXXIX, Constituição Federal e artigo 1º, Código Penal), as infrações penais que fazem parte de um rol de conhecimento geral e comum do povo vigem perante a sociedade por tempo suficiente para que não restem dúvidas acerca da importância dos bens jurídicos e, especialmente, para que restem poucas dúvidas sobre a consciência da ilicitude de determinadas condutas.

Por outro lado, algumas leis relativamente novas, como a Lei nº 11.343/06 (Lei de Drogas) e a Lei nº 10.826/03 (Estatuto do Desarmamento), preveem condutas de tamanha reprovabilidade que, ainda que possam ser consideradas um tanto quanto recentes, se comparadas ao Código Penal, faz-se razoável que se presuma que os crimes de tráfico de drogas, de associação para tráfico e de posse de arma de fogo de uso restrito, por exemplo, sejam de conhecimento geral.

Note-se que a importância de determinados bens jurídicos já permeia a sociedade de maneira tão preponderante que, mesmo que algumas normas penais incriminadoras fossem revogadas da legislação, os valores dos bens jurídicos tutelados pelas normas retiradas de vigência continuariam a ser reconhecidos culturalmente.

Sem prejuízo, em observância ao princípio da fragmentariedade, como o Direito Penal é considerado a ultima ratio, entende-se que a deflagração da ação penal em desfavor do menor púbere deverá ocorrer somente depois de ter sido beneficiado por todas as possíveis medidas previstas na legislação penal, como a composição civil (nos delitos de ação penal pública condicionada à representação) transação penal (nas infrações de menor potencial ofensivo) e a suspensão condicional do processo (para os delitos cujas penas máximas não excedem a um ano), assim como se aplicam aos maiores de dezoito.

Busca-se, aqui, um sistema que ofereça ao menor a oportunidade de redimir-se da infração cometida (compreendendo crimes e contravenções) e também de eventual lesão causada a terceiro. Além disso, entende-se por bem dar a ele uma oportunidade de não reincidir na prática delitiva, o que, se ocorresse, teria como resultado a instauração de inquérito policial ou termo circunstanciado em seu desfavor.

Diante da análise principiológica, realizada tomando-se por base os princípios de maior importância no Direito Penal, torna-se fácil visualizar e compreender motivadamente que o maior de dezesseis anos já se encontra em possibilidade de ser punido pelas infrações penais que comete, seja na forma de crime, seja na forma de contravenção.

Continuando, o artigo 5º, inciso XLVI da Constituição Federal, que estabelece o princípio da humanidade, determina que a lei regulará a individualização da pena e abre a possibilidade de o legislador estipular outras penas, que sejam mais razoáveis naquele momento concreto, proporcional à infração cometida, e que não fira ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Sob este aspecto, pode-se argumentar que a redução da maioridade penal é inviável devido ao fato de que os estabelecimentos prisionais em geral no Brasil estão superlotados, em péssimas condições de saneamento e que, por este motivo, estão impossibilitados de receber mais condenados. Tal argumento, contudo, é destituído de validade porque não guarda relação com a necessidade evidente de se reduzir a maioridade penal face ao contexto histórico-social em que se insere a sociedade.

Não se pode retirar a responsabilidade do Poder Judiciário, que deve ser ao máximo eficiente na análise das ações e execuções penais existentes nas cadeias e penitenciárias, de modo que nenhum preso fique aguardando a morosidade do Judiciário para que possa, por exemplo, progredir de regime ou ter reconhecido um terminado tempo de remição de pena.

Contudo, a grande maioria dos juristas que estuda com maior profundidade a tripartição dos poderes e a harmonia que guardam entre si reconhecem que o problema da superlotação de estabelecimentos penais é, salvo exceções, um problema infraestrutural, o qual cabe ao Poder Executivo solucionar, e a análise ora feita é concernente aos Poderes Legislativo (que deve editar lei reduzindo a idade mínima para que se responda penalmente) e Judiciário (que deve, motivadamente, reconhecer a constitucionalidade dos dispositivos legais que reduzirem referida idade penal).

2.4. A proposta do novo Código Penal

Está tramitando no Congresso Nacional desde 18 de outubro de 2011, e com maior ênfase de discussão desde o ano de 2012, a proposta do novo Código Penal, que estabelecerá, dentre outras disposições, novos tipos penais incriminadores.

Segundo a análise feita e considerando as mudanças na legislação pretendidas para a redução da maioridade penal, entende-se que um futuro Código Penal, juntamente com uma Emenda Constitucional que reduzissem a maioridade penal para dezesseis anos (a constitucionalidade dos dispositivos serão analisados oportunamente), seriam o caminho ideal para que os criminosos pudessem ser considerados imputáveis a partir desta idade.

Assim é possível entender em decorrência de uma série de fatores. Em primeiro lugar, a mudança da legislação penal definitivamente não vai alterar de forma substancial os tipos penais. De tal maneira, o conhecimento genérico da proibição estabelecida pela norma permanecerá praticamente inalterado. Em outras palavras, a tipificação do homicídio, lesão corporal, furto, roubo, aborto, estelionato, falsificação de documento, corrupção, formação de quadrilha, por exemplo, ainda que sofram modificações, continuarão a estabelecer as proibições genéricas de matar, ofender a integridade física de outrem, furtar ou roubar, falsificar documento, abortar, entre outros, as quais já são conhecidas amplamente pela sociedade.

Em segundo lugar, observando-se a primeira proposição sob outra ótica, os delitos considerados “novos” e os de difícil conhecimento do “homo medius” não contribuem para o argumento da inimputabilidade do menor de dezoito anos, mas sim para a imputabilidade de todos os maiores de dezesseis, combinada com a falta de potencial consciência da ilicitude, ocasião em que o foco de análise mudar-se-ia de forma a, também, afastar a punibilidade do agente, mas mediante outro argumento.

O que se conclui dessa análise é que, ainda que uma nova legislação criminal começasse a viger a partir de determinado momento, os argumentos apontados buscando reduzir a maioridade penal com base, dentre outros, na potencial consciência da ilicitude, não serão destituídos de eficácia jurídica e prática.

3. Defesa em face da constituição federal

Ao se tratar de um tema que é conteúdo constitucional, ineficaz é uma análise que se pauta exclusivamente em princípios e regras da legislação infraconstitucional. Devido a isto, necessária se faz a argumentação à luz da Lei Maior do país.

3.1 Fundamentalidade formal e a igual hierarquia dos direitos fundamentais

Para que os direitos fundamentais sejam assim considerados, é indispensável a verificação da característica da fundamentalidade formal (SARLET, 2005, p. 86). Segundo esta característica, para que um direito seja considerado fundamental, deve estar revestido da supremacia necessária à sua efetivação em todo o sistema jurídico vigente.

Dessa forma, e tendo em vista o sistema normativo brasileiro, é possível concluir que a característica da fundamentalidade de um direito só se faz presente se ele estiver previsto na Constituição, pois sua hierarquia normativa e rigidez o revestem totalmente com a supremacia constitucional.

Esse entendimento permite que se chegue a três conclusões: em primeiro lugar, a fundamentalidade formal dos direitos fundamentais faz com que qualquer direito humano previsto na Constituição seja também fundamental, mesmo que tenha alcance reduzido e relevância social mínima. Assim, estes direitos podem ser vistos como sinônimos de “direito humano que tenha força constitucional”.

Em segundo lugar, a característica em análise não permite que simples normas com conteúdo de direito fundamental sejam assim consideradas se não estiverem previstas na Constituição, ou seja, “não se pode contentar com a fundamentalidade material”, conforme entende Gustavo Amaral (2001, p. 90). Faz-se válido o entendimento porque é inadmissível a ideia de que o legislador ordinário possa criar um Direito Fundamental, revogável por qualquer maioria de votos do Congresso Nacional, pois, por mais que seu conteúdo seja totalmente fundamental e relevante, não possui a rigidez e a abrangência necessária para que seja considerado como Fundamental.

Assim, conclui-se definitivamente que, como todos os direitos estão previstos no mesmo texto, qual seja, a Constituição, não há hierarquia entre eles e, por conseguinte, não há um direito fundamental que prevaleça sobre o outro.

3.2. Cláusulas pétreas do artigo 60, §4º, e o artigo 228

Quando da elaboração do texto constitucional, a Assembleia Nacional Constituinte optou por criar uma Constituição que fosse rígida, isto é, com um critério de alteração mais rigoroso do que a legislação infraconstitucional e, além disso, com o objetivo de que fossem protegidos especialmente os valores e conquistas humanos de forma a torná-los impossíveis de serem abolidos ou revogados do ordenamento jurídico. A estes valores deu-se o nome de cláusulas pétreas.

São cláusulas que, por determinação constitucional, possuem importância e força legal de maneira a servirem como limitações materiais à possibilidade de reforma do texto Constitucional por meio das emendas constitucionais que tenham como objeto a abolição de uma dessas cláusulas.

Da mesma forma, qualquer lei hierarquicamente inferior à Constituição que disponha contrariamente a ela é declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, que o faz através do controle de constitucionalidade, seja na forma concentrada, seja na forma difusa, as destituindo a aplicabilidade.

A importância da proteção ao texto constitucional é tão grande que é admissível que qualquer órgão do Poder Judiciário, seja ele singular ou colegiado, reconheça a inconstitucionalidade de determinado dispositivo legal através do controle difuso de constitucionalidade.

As cláusulas pétreas são encontradas nos incisos do §4º do artigo 60 da Constituição Federal. São elas: I – a forma federativa de Estado; II – o voto direto, secreto, universal e periódico; III – a separação dos Poderes; IV – os direitos e garantias individuais.

É importante consignar que, a despeito de o inciso IV fazer referência aos direitos e garantias individuais, não se pode entender como irrevogáveis apenas e tão-somente os direitos ora referidos.

Deve-se interpretar este dispositivo da forma mais ampla possível, de modo que estejam incluídos neste rol de irrevogabilidade, não só os direitos e garantias individuais, mas também os difusos e coletivos, afastando a ideia de que há hierarquia entre os direitos fundamentais, isto é, que há um grupo de direitos que podem ser abolidos e, portanto, são enfraquecidos dentro do próprio texto constitucional, e um grupo de direitos irrevogáveis, superiores ao restante dos direitos constitucionalmente previstos.

Por meio de uma interpretação extensiva, deve ser expressa a ideia de que o inciso IV não se refere somente aos direitos e garantias de natureza individual, mas sim a todos os direitos fundamentais.

Feita tal análise, é possível prosseguir no entendimento de que a determinação do inciso IV do artigo 60, §4º da Constituição Federal é o que influencia preponderantemente toda a legislação penal, estabelecendo limitações, determinações e orientações que atuam desde a elaboração normativa de um determinado crime até a forma de aplicação e execução da pena. Em suma, não se pode pensar em Direito Penal e em Direito Processual Penal sem a observância dos direitos e garantias fundamentais.

Em decorrência dessa orientação hierárquico-normativa, a legislação penal se subordina à disposição do artigo 228 da Constituição Federal, que preenche os requisitos de fundamentalidade formal, e que estabelece inimputabilidade absoluta aos menores de dezoito anos, conforme se depreende, in verbis: “são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”.

Assim sendo, tendo em vista o seu conteúdo formal e material de direito fundamental, assim é considerado e, por consequência, irrevogável por qualquer espécie normativa.

Devido a estes motivos, as disposições constitucionais do artigo 60, §4º, inciso IV e do artigo 228, em tese, entram em conflito material com qualquer dispositivo legal que tenha por objetivo diminuir a maioridade penal.

Pedro Lenza relativiza o que se entende por impossibilidade de revogação:

“O texto apenas não admite a proposta de emenda (PEC) que tenda a abolir o direito e garantia individual. Isso não significa, como já interpretou o STF, que a matéria não possa ser modificada. O que não se admite é a reforma que tenda a abolir, repita-se, dentro de um parâmetro de razoabilidade.

Reduzindo de 18 para 16 anos o direito à inimputabilidade, visto como garantia fundamental, ele não deixará de existir, e eventual modificação encontrará, inclusive, coerência com a responsabilidade política de poder exercer a capacidade eleitoral ativa (direito de eleger) a partir do 16 anos” (LENZA, 2010, p. 470).

Portanto, necessária se faz a diferenciação da utilização dos termos “abolir” e “limitar” ou “restringir”. Considerando-se que não haverá abolição desse direito individual, mas sim apenas sua modificação, e também que, aumentando a capacidade de punição do Estado, estar-se-ia também aumentando a tutela jurídica sobre os direitos fundamentais de toda uma coletividade, é evidente que, no que tange à matéria, o conteúdo da proposta de emenda constitucional que diga respeito à redução da maioridade penal não é materialmente inconstitucional.

Conforme explica Lenza, a modificação deve encontrar-se dentro de um parâmetro de razoabilidade, o que se considera um critério subjetivo, mas de verificação bastante precisa quando se trata de menor entre dezesseis e dezoito anos. Isso significa que, face ao quadro nacional, seria razoável e constitucional que a maioridade penal diminuísse para os dezesseis anos, mas não para menos.

3.3. Da necessidade de se defender um bem jurídico de maior valor social em detrimento de outro de menor valor social à luz do Princípio da Proporcionalidade

Segundo “o critério de proporcionalidade como método para a justificação de intervenções em direitos fundamentais e para a solução de suas colisões” (DIMOULIS; MARTINS, 2011, p. 167), não existem direitos absolutos, que prevalecem sobre todos os outros, especialmente devido ao fato de que todos encontram-se em mesmo nível hierárquico, qual seja, o constitucional e, mesmo que não expressamente previstos por ele, adotados conforme seu artigo 5º, §2º.

Assim, todos são equivalentes entre si no que diz respeito aos valores normativos, mesmo que os valores principiológicos e sociais neles defendidos sejam diferentes em grau de importância, eficácia e abrangência.

Portanto, os direitos constitucionalmente previstos, tais como a vida, a liberdade, a dignidade, o patrimônio, a igualdade, a integridade física, a saúde, a alimentação, possuem a mesma força normativa, não sendo nenhum superior ao outro.

Ainda segundo esta teoria, aliada à fundamentalidade formal, outros direitos, simplesmente pelo fato de estarem constitucionalmente previstos, mesmo que não estejam intrinsecamente relacionados à própria existência do ser humano, como o direito ao devido processo legal, à ampla defesa, ao contraditório e à educação, são tão importantes quanto os direitos personalíssimos.

Dessa forma, diante de um conflito de interesses, cabe à doutrina jurídica e à jurisprudência dos tribunais determinar quais vão prevalecer em detrimento de outros. A dúvida se faz presente no momento de se avaliar até em que medida um bem vai prevalecer sobre o outro.

Como se extrai da Parte Geral do Código Penal, especificamente em seu Título V – Das Penas, Capítulo II, as penas aplicáveis para os crimes previstos na Parte Especial do Código Penal são, em suma, privativas de liberdade (reclusão e detenção), restritivas de direitos (prestação pecuniária, perda de bens e valores, prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana) e de multa.

Assim, o legislador pune os delitos cometidos contra a pessoa, contra o patrimônio, a propriedade imaterial, a organização do trabalho, o sentimento religioso e o respeito aos mortos, a dignidade sexual, a família, a incolumidade pública, a paz pública, a fé pública e contra a administração pública com a restrição da liberdade, privação de direitos ou com multa.

Diante dessas considerações, o que se pode concluir é que toda a gama de delitos encontrada na Parte Especial do Código Penal, e também nas legislações penais especiais é punida da mesma forma, diferindo apenas na quantidade de pena a ser aplicada.

Tais considerações mostram sua importância quando se trata da punibilidade aos menores de dezoito anos e maiores de dezesseis porque se aplicam a eles da mesma forma que se aplicam a uma pessoa de maior idade. Isto é, as penas definidas pela legislação não são de maior intensidade para os menores púberes em relação aos maiores porque são variáveis em quantidade (variação que está contida nos preceitos secundários de todas as infrações previstas na legislação), na exata medida da culpabilidade do agente. A simples condição de menor não torna a pena mais grave, ou sua execução mais gravosa, ao contrário, é circunstância atenuante, conforme o artigo 65, inciso I do Código Penal.

No que diz respeito à liberdade a ser privada, devido ao fato de ter se tornado um direito fundamental, somente se visualiza reforma constitucionalmente possível e razoável se a referida liberdade for confrontada com outro direito garantido pela Constituição Federal, pelo regime e princípios por ela adotados e pelos tratados internacionais aprovados pelo Congresso Nacional por maioria qualificada de votos (que têm força de emendas constitucionais).

3.4. O Princípio da Isonomia e os parâmetros de igualdade

Um dos argumentos utilizados em desfavor da redução da maioridade penal é aquele que considera os menores entre dezesseis e dezoito anos psicologicamente imaturos se comparados aos maiores de dezoito (ainda que um menor esteja às vésperas de atingir a maioridade) e, por isso, merecem receber tratamento diferenciado.

O que se observa da legislação nacional é que a lei considera diversas situações específicas, e elenca alguns pontos de discriminação que sejam relevantes de modo geral para o país (etnias, idades, classes sociais, entre outros), para estabelecer uma forma de diferenciação dessas situações, a fim de que se obtenham efeitos jurídicos e sociais semelhantes em todas elas.

Para que a redução da maioridade penal seja possível, portanto, é indispensável que se demonstre, mediante critérios bem estabelecidos, que existem condições evidentes de igualdade entre todos os que forem maiores de dezesseis anos.

Aponta Celso Antônio Bandeira de Mello, num estudo que fez sobre o princípio da igualdade, que são três os requisitos que devem ser avaliados para que se possam determinar as situações em que há condição de igualdade ou desigualdade entre os agentes:

“Parece-nos que o reconhecimento das diferenciações que não podem ser feitas sem quebra da isonomia se divide em três questões:

a) a primeira diz com o elemento tomado como fator de desigualação;

b) a segunda reporta-se à correlação lógica abstrata existente entre o fator erigido em critério de discrímen e a disparidade estabelecida no tratamento jurídico diversificado;

c) a terceira atina à consonância desta correlação lógica com os interessas absorvidos no sistema constitucional e destarte juridicizados” (MELLO, 2011, p. 21).

Assim sendo, segundo o entendimento do autor, é possível estabelecer a seguinte ordem lógica: a) deve-se atentar para o fator de discriminação; b) deve-se estabelecer uma correlação lógica entre o fator de discriminação e a desequiparação prevista legalmente; c) deve-se avaliar a consonância da discriminação com os interesses protegidos na Constituição.

Passando à análise do primeiro elemento, parte-se do fato de a Constituição ter determinado, de forma absoluta, que a maioridade penal se inicia aos dezoito anos. Este é o efetivo fator de discriminação a ser analisado.

Não se pode avaliar qual foi o fundamento jurídico, psicológico, social e político utilizado pelo legislador quando determinou esta idade como limite. Porém, considerando todo o conteúdo sociológico anteriormente exposto, certo é que a sociedade, desde 1988, passou por evoluções consideráveis, as quais permitem que seja incontestável que o maior de dezesseis anos possa tomar conhecimento da ilicitude de determinadas condutas e tenha efetiva condição intelectiva e volitiva de agir conforme este entendimento. A maturidade é atingida mais cedo em razão dos diversos fatores já apontados.

Dessa forma, e passando para o segundo elemento da análise, figura como resultado lógico do primeiro elemento a inexistência de correlação lógica entre o fator de discriminação e a desigualdade estabelecida legalmente. Isto porque, tendo em vista o quadro social como um todo, em especial no que tange às condutas delituosas praticadas, não há uma situação de igualdade de tratamento entre os menores de dezesseis a dezoito anos e os maiores de dezoito, estabelecida em abstrato pela lei, embora haja igualdade de condições concretas para o cometimento dos delitos.

Assim se afirma porque a lei desiguala a punibilidade dos menores de dezoito anos em relação aos maiores, ainda que a criminalidade se encontre em igual nível (em especial no que se refere à potencial consciência da ilicitude e à exigibilidade de conduta diversa), vez que possuem traços parecidos para qualquer indivíduo maior de dezesseis anos de idade.

É importante frisar que não se está afirmando que há um mesmo número de menores criminosos do que maiores, mas sim que eles se encontram em iguais possibilidades de cometer crimes e contravenções.

Supondo-se a prática de extorsão mediante sequestro, da qual tenha resultado uma morte violenta da vítima (artigo 159, §3º, do Código Penal), praticada por um menor às vésperas de fazer dezoito anos, o máximo que lhe poderá ser aplicado é internação, cujo período não pode exceder a três anos, conforme o artigo 121, §3º do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90). Por outro lado, uma pessoa com dezoito anos completos, se praticar o mesmo crime na forma simples (artigo 159, caput, do Código Penal), sem que resulte em resultados graves para as vítimas, sua pena será de, no mínimo, oito anos de reclusão.

Até mesmo o autor de um furto, que é um crime cometido sem violência e grave ameaça contra pessoa, pode ser condenado a até quatro anos de reclusão.

Evidencia-se, assim, a tamanha desigualdade de tratamento entre os autores de atos infracionais e de crimes e contravenções. Ainda que o grau de reprovabilidade do primeiro seja substancialmente maior do que nos outros dois fatos hipotéticos, a sansão determinada pelo ordenamento jurídico traz consequências muito díspares, o que acaba por ser, no primeiro caso, uma medida ineficiente em seu objetivo.

Já foi dito que o texto constitucional busca estabelecer uma proteção uniforme sobre todos os bens jurídicos abrangidos por ele. Assim sendo, o que se observa da análise do segundo elemento apontado por Celso Antônio Bandeira de Mello é que não há consonância entre a diferença estabelecida pelo artigo 226 da Constituição Federal e o restante de seu conteúdo.

Tal conclusão é possível porque se tem relativizado a proteção sobre bens jurídicos relevantes para o quadro social, e faz isso em detrimento do direito de liberdade e da esperança de recuperação de uma pessoa que, ainda que tenha possibilidades de se recuperar e se inserir na sociedade de maneira saudável, causou, com sua atitude livre, consciente e voluntária, um resultado que lesionou a um bem jurídico penal e constitucionalmente relevante. Por isso, é passível da punição que a lei penal lhe prevê.

A previsão constitucional de imputabilidade somente após os dezoito anos já se tornou antiquada, face aos mais de vinte e cinco anos de idade da Constituição, e à evolução social evidente no território brasileiro. O artigo 226, inclusive, sendo consagrado como uma cláusula inalterável, afronta a dinamicidade do Direito como um todo, que não pode ficar estagnado no tempo.

Faz-se válido o apontamento de Konrad Hesse (1991) quando diz que o texto constitucional não pode ser um elemento passivo no ordenamento jurídico, ou seja, um mero retrato social. Deve, sim, tomar por base a realidade fática do país ao qual rege para, considerando aquilo que realmente é, determinar tudo o que deve ser.

Em outras palavras, deve ser um elemento ativo, norteador de todo o ordenamento, e proteger, embora genericamente, todos os valores jurídicos relevantes, o que, por si só, permite concluir que a redução da maioridade penal é socialmente adequada e constitucionalmente possível.

3.5. Da restituição do menor à sociedade

O último ponto fundamental que deve ser levado em consideração quando a redução da maioridade penal está em análise é a forma como o menor será preparado para voltar ao convívio em sociedade, no caso das penas privativas de liberdade. O Brasil enfrenta um grave problema nesse sentido, pois é evidente o despreparo do preso para o retorno social.

Tal problema é substancialmente mais preocupante no caso do menor. Isto porque, justamente pelo fato de encontrar-se com pouca idade, sem dúvida lhe restarão muitos anos de convívio social, o que deve ocorrer de forma positiva, isto é, deve ser capaz de manter relações saudáveis de trabalho, financeiras, comerciais, sentimentais, culturais, entre outras, como qualquer outro cidadão que não conta com histórico criminal, de tal modo que não seja impelido a reincidir no cometimento de uma conduta criminosa.

Dessa forma, é razoável concluir que, ainda que o menor seja absolutamente capaz de compreender com clareza o caráter ilícito e antijurídico de sua conduta, que esteja livre para agir conforme ou contrariamente a este entendimento, que tenha condições físicas e psicológicas de cometer o crime para, de tal modo, ser considerado imputável e, por consequência, culpável, ainda que o contexto global contribua para sua formação aos dezesseis anos, a maioridade penal não deve ser reduzida se o sistema prisional não for capaz de restituí-lo à sociedade de forma eficaz.

Assim é entendido porque se admite a possibilidade de uma pessoa entre dezesseis e dezoito anos poder se recuperar da criminalidade. O que é preciso, portanto, não se resume na chance de retornar à sociedade, o que é permitido a qualquer pessoa pelo simples fato do total cumprimento da pena, mas sim um meio que aumente em grande monta a probabilidade de recuperação e integração do indivíduo preso ao meio social.

A inércia estatal, contudo, faz com que não haja meios possíveis e com a devida qualidade para que a restituição assim ocorra. Assim se entende devido a uma superficial análise feita sobre a progressão de regime de cumprimento de pena e a quantidade de vagas disponíveis para esse fim.

Se o condenado, inserto no regime fechado, e em regra após um sexto de seu cumprimento, pedir transferência ao semiaberto, não pode desfrutar de um direito legal por não existirem vagas em estabelecimentos prisionais destinados a esta modalidade.

Assim, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça têm autorizado a transferência ao regime aberto, como se extrai de forma dominante na jurisprudência:

“CRIMINAL. HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO PARA REGIME SEMIABERTO. AUSÊNCIA DE VAGA NO REGIME INTERMEDIÁRIO.  MANUTENÇÃO EM REGIME FECHADO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.

II. Entretanto, é pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que, na falta de vagas em estabelecimento compatível ao regime fixado na condenação, configura constrangimento ilegal a submissão do réu ao cumprimento de pena em regime mais gravoso, devendo o mesmo cumprir a reprimenda em regime aberto, ou em prisão domiciliar, na hipótese de inexistência de Casa de Albergado.

III. Deve ser permitido à paciente o desconto de sua reprimenda em regime aberto ou prisão domiciliar, até que surja vaga em estabelecimento adequado ao regime semiaberto, exceto se por outro motivo estiver presa em regime fechado” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Quinta Turma. Recurso de Habeas Corpus n. 210.448. Relator: Gilson Dipp. Julgado em: 19 abr. 2012. Publicado em: 24 abr. 2012).

O problema se verifica no fato de que, como não existem Casas de Albergado em demasia, na maioria dos casos a progressão ocorre para a prisão domiciliar o que é entendido como sinônimo de impunidade, considerando-se que não há fiscalização precisa e eficiente por parte do Estado. Assim, pode-se afirmar que a falha da pretensão executória da sentença penal condenatória funda-se especificamente na omissão do próprio interessado na execução da pena, ou seja, do Estado.

Se houver, então, meios eficazes que contribuam para a ressocialização e para a própria mantença em sociedade, estão preenchidos todos os requisitos para que um menor púbere seja culpável por um fato típico e antijurídico cometido por ele, ou com sua participação.

Admitindo a imputabilidade ao menor entre dezesseis e dezoito anos, combinado com a capacitação para que seja restituído em sociedade, o Estado estaria tutelando interesses variados, quais sejam, o da coletividade, que conta com uma resposta positiva à ofensa a um bem jurídico constitucionalmente protegido e com um esforço para que a reintegração do preso seja possível, e também o interesse do próprio preso, que contará com o auxílio do Estado na sua restituição à sociedade. Dessa forma, o risco de lesão a um valor social ao qual a norma busca proteger será, progressivamente, menor.

Por fim, conclui-se que, se houver possibilidade de se demonstrar a total capacidade do menor, tal como é a capacidade do “homo medius”, bem como a possiblidade do Estado de atuar para o retorno sadio do menor púbere ao meio social, aplicam-se as disposições do Código Penal no que se refere à resposta do Estado a uma conduta delitiva. Do contrário, se restar comprovada a inimputabilidade do menor, ou se for levada em consideração a impossibilidade de atuação para que o menor seja devolvido ao convívio social, devem-se aplicar as medidas do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Considerações finais

Partiu-se da ideia de que, conforme a fundamentalidade formal, proposta pela doutrina constitucionalista, todos os direitos fundamentais elencados na Constituição Federal são hierarquicamente iguais, isto é, que todos possuem o mesmo valor normativo. Deste modo, cabe à sentença ou acórdão determinar qual vai prevalecer em detrimento do outro.

Diante de tal exposição, após uma análise cuidadosa dos princípios que regem o ordenamento jurídico, bem como um estudo sociológico do contexto social dos menores púberes, faz-se uma síntese de ideias que resultam em um único ponto de vista, que é o finalmente defeso por este trabalho, qual seja, a possibilidade de uma redução da maioridade penal ser material e formalmente constitucional.

A partir do momento em que um menor púbere comete um crime cujo objeto jurídico representa um direito fundamental constitucionalmente erigido, parte-se para a aferição de sua sanidade mental e, caso fique comprovado o seu entendimento sobre a ilicitude da conduta e a possibilidade de agir conforme ele, em um primeiro momento, haveria incidência do Estatuto da Criança e do Adolescente, tendo em vista que o Direito Penal é a ultima ratio.

Após, se esgotadas todas as medidas socioeducativas previstas naquele Codex, haveria incidência direta da legislação material e procedimental penal.

A resposta, a partir daí, será semelhante aos maiores de dezoito anos, excepcionalmente pelo fato da aplicação da atenuante genérica do artigo 65, inciso I do Código Penal. Assim, a liberdade do menor que será privada ocorrerá por tempo proporcional ao valor bem jurídico lesionado por ele, e da gravidade da lesão.

Se restada comprovada a impossibilidade de compreensão do menor, ou ainda enquanto o Estado não dispor de meios eficazes à restituição social, entende-se por razoável a continuidade da incidência apenas e tão-somente do Estatuto da Criança e do Adolescente, como forma especial de punição (assemelhando-se à medida de segurança imposta ao maior de dezoito anos), no primeiro caso, e como forma subsidiária e de maior eficácia, na segunda hipótese.

Dessa forma, fica possível que se caminhe conjuntamente com o princípio da dignidade da pessoa humana, com a cláusula pétrea, com todos os valores salvaguardados pelo texto constitucional, defendendo a todos os direitos fundamentais nele elencados, sejam ele inerentes à própria existência humana ou não.

O Direito deve ser visto como um todo perfeito, sob uma perspectiva de várias áreas de estudo, mas todas complementares entre si. Deve-se enxergar o Direito sob a visão de uma multiplicidade de disciplinas, de uma unidade coerente e de complementariedade essencial. Assim, o Direito Civil e Eleitoral complementam o Direito Penal e vice-versa.

Com efeito, resta comprovada a possibilidade de redução da maioridade penal nos termos da Constituição Federal, redução esta compatível com todo o ordenamento jurídico, bem como com as necessidades sociais. Comprova-se, desta forma, a necessidade, utilidade e retributividade desta redução.

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Informações Sobre o Autor

Felipe Moraes Rolim dos Santos

Formado em Direito pelas Faculdades Integradas de Ourinhos em 2014. Pós-graduando em Direito do Estado pela Projuris Estudos Jurídicos


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