Resumo: O presente trabalho tem por escopo fazer uma análise acerca da redução da maioridade penal na República Federativa do Brasil. Para tanto, serão sopesadas correntes doutrinárias e jurisprudenciais sobre o tema. A Redução da Maioridade Penal será vislumbrada enquanto “medida” encontrada pelo Estado ante a cobrança da sociedade na repressão e combate dos crimes e contravenções penais praticadas por indivíduos com idade inferior a 18 anos, e que se perfaz no ordenamento jurídico contemporâneo com a proposta de Emenda Constitucional nº 171/93. Afinal, qual a viabilidade dessa redução da maioridade penal de 18 anos para 16 anos, quando o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a aplicação de medidas socioeducativas a partir dos 12 anos? Essa proposta não viria a ferir as cláusulas pétreas e os Direitos Fundamentais elencados na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988? Neste aspecto, poderíamos considerar que a melhor solução para o problema seria modificar as normas do Estatuto da Criança e do Adolescente referentes às medidas socioeducativas?
Palavras- chave: Imputabilidade Penal. Emenda Constitucional. Estatuto da Criança e do Adolescente. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Abstract: This work has the scope to make an analysis on the reduction of legal age in the Federative Republic of Brazil. For this, they weighed up doctrinal and jurisprudential currents on the subject. The reduction of Criminal Majority is envisioned as a "measure" found by the State before the collection of the society in criminal prosecution and combating crimes and misdemeanors committed by individuals under the age of 18, and that makes up the contemporary legal system with the proposed Constitutional amendment No. 171/93. After all, what the feasibility of reducing the legal age of 18 years to 16 years, when the Statute of Children and Adolescents provides for educational measures from 12 years? This proposal was not to hurt the foundation stones and the fundamental rights listed in the Constitution of the Federative Republic of Brazil in 1988? In this respect, we would consider that the best solution to the problem would be to modify the rules of the Statute of Children and Adolescents concerning educational measures?
Keywords: Criminal Liability. Constitutional amendment. Child and Adolescent Statute. Constitution of the Federative Republic of Brazil 1988.
Sumário: Introdução. 1. Maioridade Penal e o Projeto de Emenda Constitucional nº 171/93. 1.1 Emenda Constitucional e o seu poder de reforma. 1.2 Maioridade Penal, Imputabilidade penal e a PEC 171/1993. 1.2.1 A Proposta de Emenda Constitucional nº171/93. 1.2.1.1 A Aprovação da Emenda Aglutinativa nº 16 e a Norma do Artigo 60, §5º, da Constituição da República Federativa do Brasil. 1.2.2 Algumas Reflexões sobre a Imputabilidade Penal e a Maioridade Penal. 1.2.3 Os Fundamentos da Proposta de Emenda Constitucional Nº 171/1993. 2.A Redução da Maioridade penal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 2.1. O Menor infrator e o Estatuto da Criança e do Adolescente. 2.1.1 Breve Retrospecto Histórico da Maioridade Penal Brasileira. 2.2 A criança e o adolescente na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 2.3 A “Imputabilidade” dos jovens infratores no Estatuto da Criança e do Adolescente. 3. A redução da Maioridade penal na República Federativa do Brasil: uma medida constitucional ou inconstitucional? 3.1 Apontamentos sobre a constitucionalidade da redução da maioridade penal na República Federativa do Brasil. 3.2 A inconstitucionalidade da redução da maioridade penal: das cláusulas pétreas e Direitos Fundamentais. Conclusão. Referências.
Introdução
A criminalidade juvenil é hoje uma realidade que aflige a sociedade e o Estado sem parecer oferecer uma saída adequada que priorize a segurança dos cidadãos e os direitos dos jovens delinquentes.
E pensando mais nessa proteção a segurança da sociedade e aos interesses do Estado envolvidos na solução do problema é que essa discussão acaba por trilhar caminhos voltados á modificações nas legislações brasileiras penais, sobretudo, numa possível redução da maioridade penal de 18 anos para 16 anos.
E embora o tema envolva uma série de questionamentos de ordem constitucional e legal, também vem salientar a existência de inúmeras falhas da família, do Estado e da sociedade no tratamento dispensado a esses jovens, mostrando ser o problema também social.
Neste aspecto, o presente trabalho sem a intenção de esgotar a sua problemática, ou, estabelecer uma ideia absoluta, se voltará à análise do tema, valendo-se para tanto de três capítulos.
No primeiro deles, abordando o conceito e definição de maioridade penal e o projeto de Emenda Constitucional nº 171/93, recém desarquivado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC), bem como da compreensão acerca da imputabilidade penal. Ainda, sob o enfoque constitucional abordar a questão da inconstitucionalidade ou não da aprovação da Emenda Constitucional 171/93, pela Câmara dos Deputados um dia após a sua rejeição, comumente chamada de “Emenda Aglutinada”.
No segundo capítulo, considerando a proteção conferida as crianças e os adolescentes analisar o Estatuto da Criança e do Adolescente e o contexto histórico no qual se fundou esse tratamento desde os mais remotos tempos. Outrossim, esclarecer alguns pontos sobre a doutrina de proteção integral da criança e do adolescente e a forma de tratamento dos atos infracionais cometidos.
E no terceiro e último capítulo, versando sobre os aspectos constitucionais e inconstitucionais da redução da maioridade penal expor os argumentos tecidos pelas doutrinas e jurisprudências brasileiras sobre o assunto.
Enfim, quais os benefícios de uma redução da maioridade penal na República Federativa do Brasil de 18 anos para 16 anos? E, em contrapartida, quais os efeitos maléficos? Seria uma medida (in) constitucional? E frente ao Estatuto da Criança e do Adolescente, incorreria em uma ilegalidade?
1. Maioridade penal e o projeto de emenda constitucional nº 171/93
1.1. Emenda constitucional e o seu poder de reforma
Considerando que nossa pretensão se volta à discussão dos pormenores que compõem a enigmática Proposta de Emenda Constitucional nº 171, de 19 de Agosto de 1993, convêm, anteriormente, que esclareçamos alguns pontos sobre a Emenda Constitucional e o seu poder de reforma na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Conquanto historicamente a pretensão á imutabilidade das Constituições tenha sido um sonho de alguns iluministas do século XVIII, cegos de confiança pelo poder que se constituía, tal pensamento, diante da natureza das Constituintes seria duramente criticado, a exemplo, do que fora feito por Abadie de Siéyes, idealizador da doutrina do Poder Constituinte. (BONAVIDES, 2014, p. 200-201).
Não obstante que inicialmente tenha sido atrelado á particularidades políticas, esse poder de reforma das Constituições ao decorrer dos séculos seria aprimorado e, em um aspecto jurídico, na República Federativa do Brasil permeado por regras e quóruns especiais elucidaria uma forma de acompanhar o progresso e a evolução humana.
E exteriorizado por um Poder Constituinte Reformador, limitado por aspectos temporais, circunstancias e materiais, que discutiremos com mais profundidade ao debater as posições favoráveis e desfavoráveis a redução da maioridade penal, seria a emenda constitucional o caminho normal que a lei maior teria estabelecido para a introdução de novas regras e preceitos no texto da Constituição. Instrumento do processo legislativo apropriado para manter a ordem normativa superior adequada com a realidade e as exigências. (BONAVIDES, 2014, p. 212).
Para José Afonso da Silva:
“[…] emenda constitucional é a modificação de certos pontos, cuja estabilidade o legislador constituinte considerou tão grande como outros mais valiosos, se bem que submetida a obstáculos e formalidades mais difíceis que os exigidos para alteração de leis ordinárias. Trata-se do processo formal de mudanças das constituições por um procedimento específico. (SILVA, 2005, p. 132).”
Em outras palavras, frente à necessidade de modificações no texto constitucional, a Emenda Constitucional e o seu poder de reforma elucidariam que o Constituinte Originário já na data de sua criação teria a concebido como uma ordem que deve estar em constante interagir com o homem e a evolução da sociedade, fixando para tanto que só poderia haver propostas, quando observados os requisitos previstos na norma do artigo 60, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Desta feita, Emenda á Constituição é um procedimento solene tendente a realizar modificações no texto original das Constituições para adequá-la as pretensões sociais e estatais, considerando pontos essenciais que não podem ser suprimidos, embora a doutrina moderna afirme que se possam ser reduzidos e implementados os seus conteúdos, residindo, nesse ponto, a problemática da redução da maioridade penal.
1.2 Maioridade penal, Imputabilidade penal e a PEC 171/1993
1.2.1 A Proposta de Emenda Constitucional nº171/93
Analisado o conteúdo da Emenda Constitucional e de seu poder de reforma, já temos substratos necessários para compreender as pretensões da Proposta de Emenda Constitucional nº 171, preliminarmente, de suas particularidades primárias.
Como um projeto que pretende realizar modificações no texto constitucional para adequá-lo as pretensões sociais e estatais que se inserem no ordenamento jurídico, seria proposto em 19 de Agosto de 1993, pelo então Deputado Benedito Domingos com a intenção de alterar o dispositivo do artigo 228, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Referente à imputabilidade penal, fixada aos 18 anos completos, consoante redação de que: “são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos ás normas da legislação especial”, o projeto, embora fosse idealizado pela sociedade já descrente na recuperação dos menores infratores, devendo por isso, ser reduzida para idade inferior, a ser fixada aos 16 anos completos, não surtiria a época os efeitos por ele idealizados.
Arquivado e modificado diversas vezes, ficaria em pauta durante mais de vinte e dois anos, tal como num círculo vicioso, e em 31 de Março de 2015, diante de um posicionamento da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC), reaberta seria a discussão sobre a sua viabilidade, divergências e críticas, sobretudo, as ligadas a Convenção sobre os direitos da Criança e do Adolescente, o Pacto de San José da Costa Rica, o infringir as cláusulas pétreas e à diminuição em termos numéricos dos fatos delituosos.
Assim, a proposta de Emenda Constitucional nº 171/1993, seria um projeto expoente da necessidade social e estatal de se modificar o entendimento acerca da imputabilidade penal dos jovens infratores para adequá-la a realidade contemporânea.
1.2.1.1 A Aprovação da Emenda Aglutinativa nº 16 e a Norma do Artigo 60, §5º, da Constituição da República Federativa do Brasil
Comentados alguns aspectos da proposta de Emenda Constitucional nº 171/93, importa tratar de um recorrente episódio que muito tem impressionado os doutrinadores; o uso das emendas aglutinativas pelo Poder Legislativo para aprovar emendas rejeitadas na mesma sessão legislativa.
Contudo, antes de adentrarmos a discussão do tema, convém que façamos uma breve análise de seu conceito e definição, bem como da assertiva de que o instituto encontra-se previsto apenas no Regimento Interno da Câmara dos Deputados, constituindo matéria “in corpore”. Ainda, um breve retrospecto dos acontecimentos até a aprovação da Emenda Aglutinativa nº 16, de autoria dos deputados Rogério Rosso e André Moura para, posteriormente, debatermos os posicionamentos da doutrina acerca da constitucionalidade ou inconstitucionalidade da medida, em relação à redação do artigo 60, §5º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Prevista no artigo 118, parágrafo terceiro, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, as emendas aglutinativas são descritas como aquelas que resultam da fusão de outras emendas, ou, destas com o texto, por transação tendente a aproximação dos respectivos objetos.
Em outras palavras, trata-se de uma espécie de emenda á proposição que no momento das votações em plenário, se propõe a fundir textos de outras emendas, ou, textos de emendas com texto da proposição principal.
Segundo nos explica o professor Carlos Horsbach (2015, s/p), tendo por base o procedimento utilizado para a aprovação das emendas aglutinativas, previsto no artigo 122, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, essa simplificação da deliberação com a reunião de várias propostas num único texto, trata-se de uma racionalização do processo legislativo, visto que nossa Constituinte é pouco detalhada nesse sentido, sobretudo, no campo das emendas constitucionais.
Isso porque as emendas aglutinativas podem ser apresentadas ao Plenário para apreciação em turno único, por quórum de um décimo dos membros da casa ou líderes que representem esse número, inclusive, fazendo retirar as emendas das quais resulte, quando apresentadas por seus autores.
E considerando que a redução da maioridade penal é um tema intrigante e por sua natureza alvo de atenção por parte dos parlamentares, atentos ao jogo político, inúmeros projetos e emendas foram realizados em face da proposta inicial apresentada pelo deputado Benedito Domingues. E tendo em vista tal cenário, o Poder Legislativo votou preliminarmente um texto substitutivo da proposta, que como sabemos foi rejeitado pelos pares por não ter alcançado o quórum legal.
Se nossos representantes previam ou não tal desenlace, esse não é no momento o foco central de nossa discussão, mas ocorre que, diante dessa rejeição, tivemos no dia seguinte a votação de uma emenda aglutinativa, cujo resultado foi positivo pela expressão de seus 323 votos favoráveis. (HORSBACH, 2015, s/p).
Apenas para esclarecer os fatos, as emendas substitutivas são previstas no artigo 118, §4º, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados e constituem propostas acessórias apresentadas como sucedâneas a parte de outra proposição, quando alterarem substancial ou formalmente em seu conjunto. Ainda, consoante redação do artigo 191, do referido regimento, diante da rejeição do texto substitutivo da Comissão Especial, a proposição inicial e principal deve ser votada, não olvidando que ainda há precedência na apreciação das emendas apresentadas, tornando possível a formalização de uma emenda aglutinativa.
Neste aspecto, observe que a rejeição da emenda substitutiva não pode gerar a rejeição igualmente do texto principal, pois é ela uma proposição acessória, enquanto que aprovação de uma emenda aglutinativa importa como não poderia deixar de o ser, no seu prejuízo. (HORSBACH, 2015, s/p).
Para o professor Leonardo Sarmento (2015, s/p), no tocante a discussão do tema, a aprovação da PEC 171 é válida, e o parlamento se utilizou do instrumento que possuía, embora, nunca tenhamos o colocado para ser enfrentado em face da falta de previsão constitucional por ser uma matéria interna “in corpore”.
Neste diapasão, convém elucidar o posicionamento da jurisprudência que tem se firmado em sentido semelhante, a saber, no julgamento do Mandado de Segurança nº 22.503, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, ressalta-se:
“[…] tendo a Câmara dos Deputados, apenas rejeitado o substitutivo e não o projeto (…), não se cuida de aplicar a norma do artigo 60, parágrafo 5o, da Constituição Federal. Por isso mesmo, afastada a rejeição do substitutivo, nada impede que se prossiga na votação do projeto originário. O que não pode ser votado na mesma sessão legislativa é a emenda rejeitada ou havida por prejudicada e não, repito o substitutivo que é uma subespécie do projeto originariamente proposto. (MS 22.503/DF. Tribunal Pleno. Rel: Marco Aurélio, Julgado em: 08/05/1996 e publicado no DJ em 06/06/1997).”
Ainda, no campo jurisprudencial o ministro Sepúlveda Pertence, citado por Carlos Horbach, no artigo denominado de “Por que a aprovação da PEC da maioridade penal é constitucional”, salienta:
“Nem é razoável, com todas as vênias – embora feito com muita habilidade e inteligência […] espiolhar coincidências de conteúdo entre o substitutivo rejeitado, seja com a proposta original, seja com a emenda aglutinativa. A admissão dessa linha de raciocínio, a pretexto de dar aplicação ao artigo 60, parágrafo 5o, da Constituição, levaria à total inviabilidade do processo legislativo, sempre que se tratasse de proposições complexas. Basta pensar na elaboração de um Código: é óbvio que sempre haveria, no substitutivo acaso preferencialmente rejeitado, numerosas coincidências com o projeto inicial. É manifesto que não é com esse sentido que se pode, num mesmo processo legislativo, a respeito de uma única proposta de emenda constitucional, aplicar-se o questionado artigo 60, parágrafo 5o. O processo legislativo é um mecanismo, em suas diversas fases, em seus diversos incidentes, é um esforço de alcançar a maioria necessária, mediante transações e acomodações recíprocas entre correntes parlamentares, nas quais, muitas vezes, alterações pontuais, em alguns dispositivos, mudam politicamente o destino de uma proposta complexa. (…). (PERTENCE Apud HORBACH, 2015, s/p).”
Como se percebe, a prática é reiterada no campo legislativo, tendo ocorrido semelhantemente na PEC nº 2.098, e inúmeras outras, e consoante a doutrina e a jurisprudência autorizada pela Constituição por conta de seu texto que permite amplo espaço para a interpretação daqueles a quem as normas do processo legislativo são dirigidas, ou seja, ao parlamento. (HORBACH, 2015, s/p).
Contudo, também devemos alertar o leitor de que tal posicionamento não é unânime e tem provocado constantes discussões no plano jurídico e legislativo para aqueles que afirmam a inconstitucionalidade de tal medida. Para além dos vícios formais e materiais, constituiria o ato legislativo no que vulgarmente foi denominado de “pedalada legislativa”.
Em outras palavras, entende-se que se a matéria foi rejeitada na votação do substitutivo a votação não poderia ocorrer. Ainda, por violar o quórum de proposta e, sobretudo, o direito das minorias parlamentares.
Assim, evidente ou não a violação ao parágrafo 5º, do artigo 60, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, já é possível prever que o tema continuará a gerar grandes debates no cenário jurídico.
1.2.2 Algumas Reflexões sobre a Imputabilidade Penal e a Maioridade Penal
Feitas as considerações iniciais acerca das particularidades do projeto de Emenda Constitucional nº 171/93, assenta, antes de abordarmos seus fundamentos, apresentar algumas reflexões sobre a imputabilidade penal e a maioridade penal.
Segundo Fernando Capez, a imputabilidade penal:
“é a capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento. O agente deve ter condições físicas, psicológicas, morais e mentais de saber que está realizando um ilícito penal. Mas não é só. Além dessa capacidade plena de entendimento deve ter totais condições de controle sobre sua vontade. Em outras palavras, imputável não é apenas aquele tem capacidade de intelecção sobre o significado de sua conduta, mas também de comando da própria vontade, de acordo com esse entendimento. (CAPEZ, 2008, p. 307-308).”
Na concepção de Pereira (2012, p. 19), trata-se, da qualidade atribuída ao agente que possui condição intelectual para determinar a sua conduta mentalmente e é capaz de compreender a ilicitude ou não de sua conduta e ainda assim, agir em conformidade com esse entendimento.
Como se denota, o conceito de imputabilidade penal compreende dois aspectos essenciais para a sua configuração, um de caráter volitivo, expresso pela vontade e controle da mesma; e outro, intelectivo, consistente na capacidade de entender o fato delituoso.
Como um instrumento de política criminal, a maioridade penal, por outro lado, como frisa Pereira (2012, p. 12), corresponderia á idade em que o indivíduo passa responder integralmente pelos seus atos criminosos perante a lei penal, sendo esta fixada na República Federativa do Brasil aos 18 anos completos.
Observe que, enquanto uma fixa a idade correlativa em que o indivíduo passa a ser responsável de forma integral por seus atos, embora, deva se frisar que o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a responsabilidade penal juvenil a partir dos 12 anos, como será melhor exemplificado, quando do tratamento dos argumentos desfavoráveis a proposta de Emenda Constitucional nº 171/93, a outra, refere-se uma qualidade de compreensão acerca do fato tido como ilícito ou não e de uma vontade.
Desta feita, como institutos essenciais á compreensão da ideia de redução da maioridade penal na República Federativa do Brasil, a imputabilidade penal é a capacidade de entender o fato delituoso e comandar sua vontade e a maioridade penal, um dado etário fixado por uma política criminal tendente a realizar os objetivos do Estado em que se coloca.
1.2.3 Os Fundamentos da Proposta de Emenda Constitucional Nº 171/1993
Tecidas algumas considerações sobre a imputabilidade penal e a maioridade penal, passaremos a exposição dos principais fundamentos da Proposta de Emenda Constitucional 171/1993.
Constituindo-se com base em elementos de ordem social que podem ser facilmente vislumbrados no interesse estatal na diminuição da violência e dos crimes praticados por esses menores, bem como no oferecimento de uma pronta resposta aos apelos sociais, sobretudo, os das vítimas, o projeto de Benedito Domingues acaba por se voltar ao direito fundamental á segurança dos cidadãos assegurado na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Isto porque, segundo consta em sua redação é preciso levar em conta que a realidade em que se teria fixado a faixa etária para fins de responsabilidade penal aos 18 anos na década de quarenta, período em que havia sido promulgado o Código Penal de 1940, é totalmente distinta da que presenciamos na contemporaneidade.
Frise-se que, que aquele jovem não desfrutava das mesmas possibilidades e conhecimentos que hoje se colocam a disposição dos adolescentes e não se trata apenas do uso de tecnologias, mas de uma infinidade de fatores e padrões éticos, sociais e estruturais, inclusive, os que compõem a família.
Ademais, pelo aspecto jurídico ressaltam suas linhas mestras que as Convenções e Tratados a que a República Federativa do Brasil se submete, a exemplo, da principal delas a “Declaração Universal dos Direitos da Criança e do Adolescente”, não prevêem a possibilidade de não se punir os menores de 18 anos, mas pelo contrário como forma de protegê-lo, dada a sua função, a punição pelo mal praticado seria nesses casos uma forma de proteção.
Outrossim, pela hermenêutica constitucional moderna, cujos adeptos entre nós somam-se á expoentes figuras do meio jurídico, a exemplo, dos ministros do Supremo Tribunal Federal, as emendas constitucionais, embora não possam excluir algumas particularidades tidas como essenciais pelo Constituinte Originário, chamadas de “cláusulas pétreas”, poderiam, entretanto, ser diminuídas ou até mesmo melhoradas para se adequarem a realidade jurídica e social e neste aspecto, favorável a redução da maioridade penal de 18 anos para 16 anos.(SARLET, 2016, s/p).
Assim, os fundamentos da Proposta de Emenda Constitucional nº 171/93, voltam-se a redução da maioridade penal como forma de por fim as mazelas que afligem a sociedade e desnorteiam o Estado, quando não se visualizam outros meios de resgatar aquele jovem delinqüente do mundo do crime.
2. A redução da maioridade penal, o Estatuto da criança e do adolescente e a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
2.1. O menor infrator e o Estatuto da criança e do adolescente
2.1.1 Breve Retrospecto Histórico da Maioridade Penal Brasileira
Abrangidas as particularidades da proposta de Emenda Constitucional nº 171/1993, e de suas perspectivas sob a triste realidade que presenciamos na contemporaneidade, neste capítulo, passar-se-á a discorrer sobre o seu enfoque no plano jurídico, considerando os argumentos desfavoráveis e favoráveis.
Contudo, objetivando compreender os motivos que levam a adoção de uma ou outra decisão das doutrinas, importa que nesse primeiro momento façamos um breve retrospecto da maioridade penal na história brasileira.
Feitas tais ressaltas, denotaremos que nos primórdios de sua existência nosso país fora composto por uma população miscigenada, cujas regras de organização social eram dispostas de forma natural, quanto advinda de uma legislação positivada que se instalava junto com os portugueses.
E embora devamos alertar que as primeiras Ordenações, as Afonsinas e Manuelinas, nem se quer chegariam a ser expressivas no território brasileiro, sobretudo, em termos penais, no início do século XIX, com a edição do Código Filipino essa realidade mudaria e com ela criado um sistema penal de responsabilidade fixada a partir dos sete anos de idade, conquanto, trouxesse a existência de jovens adultos com idades entre dezessete e vinte e um anos, e capacidade plena aos vinte e um anos completos. (PEREIRA, 2012, p. 12).
Com a Proclamação de Independência e a promulgação da primeira Carta Política Brasileira, datada de 1824, inspirados por ideais liberais da Revolução Francesa, o ordenamento jurídico que aqui se colocava vigente também ganharia novas propostas, principalmente, com o enunciativo Código Criminal Brasileiro de 1830, ao adotar um critério psicológico na fixação da responsabilidade penal dos menores.
E, argumentando a necessidade de responsabilidade penal a partir dos catorze anos de idade e do recolhimento as Casas de Correção até a idade máxima de dezessete anos, fixaria em seu bojo a distinção entre quatro classes de menores, a saber: os menores de 14 anos, presumidamente irresponsáveis, salvo se provassem terem agido com discernimento; os menores de 14 anos, que tivessem discernimento, sujeitos que deveriam ser recolhidos a casas de correção pelo tempo em que o juiz dispusesse, contando que não excedesse o limite de idade até 17 anos; os maiores de 14 anos e menores de 17 anos, sujeitos as penas de cumplicidade, cabendo pena de dois terços da que caberia ao adulto e se ao juiz parecesse justo e, o menor de dezessete e menor de vinte um anos, que gozariam da atenuante da menoridade em caso de prática de algum ato delituoso. (PEREIRA, 2012, p. 12-13).
No ano de 1889, após a proclamação da República, um novo Código Penal seria elucidado pelo Poder Legislativo e com ele, muito embora se valesse igualmente do critério psicológico para fixação da responsabilidade penal dos menores, segundo sua norma do artigo 27, só seriam irresponsáveis os menores de nove anos, cabendo ao juiz diante dos fatos concretos decidir os outros casos que lhe fossem apresentados. (PEREIRA, 2012, p. 13).
Como se denota, nesses primeiros ordenamentos jurídicos penais que se puseram a disciplinar a responsabilidade penal dos menores a preocupação do legislador foi voltada aos interesses particulares e patrimoniais, não havendo ainda noção de proteção das crianças e dos adolescentes como indivíduos em desenvolvimento.
Entre os anos de 1921 e 1927, diversas modificações foram realizadas no ordenamento jurídico brasileiro, sobretudo, com a edição da Lei 4.242/1921, que eliminou o critério no qual se fixava a responsabilidade penal e incluiu o da imputabilidade penal, institutos que seriam essenciais na concepção dos futuros códigos penais. (PEREIRA, 2012, p. 14).
No ano de 1927, em razão do Decreto Lei 17.943-A, surgiria o “Código de Menores” ou comumente conhecido “Código Mello Mattos”, organizado por José Cândido Albuquerque Mello Mattos, que criando diversos estabelecimentos de assistência e proteção para o menor, como frisa Pereira (2012, p. 14), versaria sobre os infratores e menores abandonados. Nascia pela primeira vez na história brasileira o rompimento com as normas penais e a ideia de um Estado com o propósito de prestar assistência, educação e amparo.
Semelhante ao que fora feito no Código de 1830, o Código Mello Mattos estabeleceria uma classificação de menores delinqüentes em três classes: a primeira delas, a respeito dos menores de 14 (catorze) anos, que não eram sujeitos a qualquer processo. A segunda, aos menores de 18 (dezoito) anos e maiores de 14 (catorze), que não eram sujeitados ao Processo Penal, mas a um processo especial, cuja sanção era a imposição de uma medida de internação de três a sete anos. E, a terceira, referente aos maiores de 16 (dezesseis) e menores de 18 (dezoito), que com a prática de crimes graves ou a denominação de indivíduos perigosos eram por permissão judicial encaminhados para estabelecimentos ou prisão comum, onde ficariam separados dos adultos. (PEREIRA, 2012, p. 15).
Para Frota (2002, p. 61), o referido Código era destinado aos menores de 18 anos de idade em situação irregular, ou seja, aos delinqüentes e abandonados moral ou materialmente, incluindo-se também nesta última categoria os que se encontrassem eventualmente sem habitação, nem meios de subsistência devido à indigência, enfermidade, ausência, ou, ainda prisão dos pais e guardiões.
Note que até os que tinham pai, mãe ou guardião e que se entregassem a prática de atos contrários á moral e aos bons costumes podiam ser recolhidos e remetidos a um lar, quer seja o seu próprio ou outro escolhido pelos juízes.
Com o Decreto Lei 2.848/1940, frente à necessidade de modificações na legislação penal surgia no cenário brasileiro à figura de um novo Código Penal, cuja raiz encontra-se em vigor até os diais atuais; o Código Penal de 1940.
Promulgado durante a vigência da Constituição de 1937, e de um período em que perdurava o Regime Militar, esse novo Código incorporaria bases de um direito punitivo democrático e liberal, consagrando uma natureza eclética e conciliatória entre o pensamento clássico e o positivismo. (ESTEFAM; RIOS, 2012, p. 64).
E aferindo uma imputabilidade penal a ser adotada por um critério puramente biológico, em que a maioridade penal é fixada aos 18 anos completos, juntamente com o emprego da expressão “inimputabilidade”, advindo da Lei 7209/1984, e da exposição de motivos da Parte Geral do Código de 1940, em seu item 23, nascia uma nova forma de responsabilidade penal dos menores, cujo fundamento da exclusão residia na imaturidade do indivíduo, seguindo a tendência da Declaração dos Direitos da Criança e do Adolescente de 1989. (FROTA, 2002, p. 62).
Fruto das modificações operadas pelo Decreto 3.799, de 1941, tal fixação não agradaria a todos os penalistas e parte da sociedade que já julgava a época ser uma medida perigosa aos interesses sociais e estatais. Neste aspecto, muitos projetos seriam idealizados na busca de modificações no patamar etário da maioridade penal, a exemplo, do que fora feito no ano de 1963, por Nelson Hungria, com a seguinte redação:
“o menor de dezoito anos é inimputável, salvo se, já tendo completado 16 anos, revela suficiente desenvolvimento psíquico para entender o caráter ilícito do fato e determinar-se de acordo com este entendimento. Neste caso a pena aplicável é diminuída de um terço a até a metade. (PEREIRA, 2012, p. 16).”
Ineficazes todos os projetos que se elucidavam, no ano de 1964, para uma melhor operabilidade das pretensões que se dirigiam aos menores seriam criados o Sistema FUNABEM (Fundação Nacional do Bem Estar do Menor), e a PNEBEM (Política Nacional do Bem Estar do Menor), e com eles órgãos executores as “FEBEMS” (Fundações Estaduais do bem estar do menor). (PEREIRA, 2012, p. 17).
Estabelecendo uma ordem penal tendente a disciplinar a responsabilidade penal dos menores e que se colocasse de forma compatível com os anseios do legislador penal, a Lei 6.697/1979, criaria um novo Código dos Menores, ao estabelecer medidas de advertência, liberdade assistida, colocação do menor em lar substituto e algumas medidas de caráter preventivo e de vigilância a serem impostas a todos os menores de 18 anos. (PEREIRA, 2012, p. 16-17).
Para Frota (2002, p. 64), tratava-se de um Código que faria vir à tona novamente a situação irregular dos menores, ao não fazer qualquer distinção entre menores infratores e abandonados, tão pouco como sujeitos de direitos, pois nenhuma menção é feita aos deveres do Estado, da sociedade ou de penalidades previstas para pessoas que cometessem violência contra esses menores, resguardando apenas espaço e tratamento para os atos considerados como infrações contra a assistência, proteção e vigilância de menores referentes a divulgação de imagens, dados, freqüência em determinados ambientes e o descumprimento de deveres inerentes ao pátrio poder por parte dos pais ou responsáveis.
Assim, como se pode perceber a realidade e forma de tratamento dos menores, incluindo aqui as crianças e os adolescentes, era de sobremaneira dotada de aspectos distintos e pontos que nos levariam a repensar as circunstâncias e a proteção que objetivaríamos para aqueles indivíduos no futuro.
2.2 A criança e o adolescente na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
Feitas as devidas considerações acerca da maioridade penal na história brasileira, convêm que antes de abordarmos alguns aspectos relativos ao tratamento dos menores infratores no Estatuto da Criança e do Adolescente que façamos breves comentários sobre a proteção conferida pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a esses indivíduos.
Levando em conta os compromissos assumidos pela República Federativa do Brasil na proteção das crianças e dos adolescentes, quando da adoção da Declaração Universal dos Direitos da Criança e do Adolescente e seu pré-texto,fixadas em 1989, tratou o Constituinte Originário de discipliná-los em nossa Constituição com o elenco no artigo 227, através da enumeração de importantes princípios, tais como o da: Dignidade da Pessoa Humana, Melhor Interesse da Criança e do Adolescente, Isonomia, Convivência Familiar, Liberdade, Afetividade e Solidariedade.
E muito longe de ser uma ação benevolente do Estado, a norma desse artigo seria o produto de uma longa batalha na busca da concessão de garantias especiais aos direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes. (HENRIQUES; HARTUNG, 2013, s/p), que como vistos eram desprezados pelo legislador e a sociedade.
E já não bastando à simples função de proteção, ao Estado incumbiria também a sua concretização no mundo fático e real. Nas palavras de Henriques e Hartung:
“(…) Algo de novo e transformador consolidou-se nas linhas do texto constitucional, determinando às crianças brasileiras um novo status e, portanto, um novo direito. Em uma junção única de palavras, inexistente em qualquer outro lugar na Constituição, consolidava-se, há 25 anos atrás, o direito da criança à Prioridade Absoluta. (HENRIQUES; HARTUNG, 2013, s/p).”
Significa dizer que se dirigindo não apenas ao Estado em um aspecto negativo, no qual este se abstém da prática de atos que venham a prejudicar os direitos, igualmente se faz necessária uma ação positiva no sentido de garanti-los. Comandos que de igual forma são dirigidos a sociedade e a própria família, pressupondo a necessidade de proteção á dignidade humana das crianças e dos adolescentes, uma proteção que leve em conta a:
“Qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existentes mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos (SARLET, 2001, p.60).”
Assim, a criança e o adolescente na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, consoante redação da norma do artigo 227, são tidos como indivíduos em desenvolvimento que dada a sua natureza peculiar receberam do constituinte originário a prioridade de proteção absoluta, elemento a ser contemplado pelo legislador infraconstitucional.
2.3 A “Imputabilidade” dos jovens infratores no Estatuto da Criança e do Adolescente
Tecidas as devidas considerações sobre o tratamento propiciado pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, as crianças e adolescentes, resta para completarmos a análise dos institutos jurídicos que versam sobre o assunto elencar alguns pontos sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Historicamente, como frisa Esther Arantes (2005, p.66), a época em que se precedia a idealização do Estatuto da Criança e do Adolescente seria marcada por diversas discussões no Congresso Nacional, a ponto até mesmo de se considerar uma reforma no então, vigente Código de Menores de 1979, citado anteriormente.
Com diversos projetos de leis com vistas a regulamentar o artigo 227, da Constituinte de 1988, favoráveis a criação de um novo instituto que estabelecesse um direito penal juvenil e outros, ao Código de Menores, com o estabelecimento de novas regras sobre a situação irregular dos menores, prevaleceria à primeira ideia e um novo instituto jurídico seria criado: o Estatuto da Criança e do Adolescente, comumente conhecido como ECA.
Instituído pela Lei Federal 8.069 de 13 de Julho de 1990, em substituição a integralidade do antigo Código de Menores e reservando-se ao tratamento de pessoas menores de 18 anos, tal comando normativo adotaria uma forma de proteção integral do menor priorizando a sua condição de pessoa em desenvolvimento.
E dividindo-se em dois livros, com vistas a garantir a absoluta prioridade elencada pelo constituinte originário, retrataria no primeiro deles os direitos sociais e a situação de risco pessoal e social de crianças e adolescentes, deixando ao segundo a tarefa de disciplinar as medidas específicas de proteção, englobando as medidas socioeducativas e pertinentes aos pais e responsáveis. (FROTA, 2002, p. 65).
Tal proteção presente também nos princípios da Declaração Universal dos Direitos da Criança e do Adolescente, além de ressaltar a atribuição de fazê-lo a família, a sociedade e o Estado, dado a sua situação de vulnerabilidade, também viria a elucidar alguns direitos, como á uma família que dê especial proteção para o seu desenvolvimento físico, mental e social, um nome, nacionalidade, alimentação, moradia, assistência médica, educação, lazer, proteção contra exploração e abandono, igualdade sem distinção de raça, cor ou sexo e, principalmente, o direito a uma vida digna.
Para Ishida (2010, p. 25), trazendo uma política de que é dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, o Estatuto da Criança e do Adolescente elucida uma forma de intervenção que atende aos interesses dos menores ao valer-se do ato de sensibilizar a sociedade sobre esse problema e obter participação para evitar que atos desumanos sejam praticados contra os mesmos.
Importando a nós realmente o conteúdo expresso pelo segundo livro, aquele no qual o Estatuto faz referência aos três sistemas penais dirigidos ao tratamento dos atos ilícitos praticados pelos menores, consoante exposição de alguns autores partindo daquela ideia de um direito penal juvenil estampado em seu bojo, seriam as medidas socioeducativas, por se constituírem de medidas restritivas de direitos, inclusive de liberdade, dotadas de um caráter penal. Característica essa que, segundo Arantes não pode ser disfarçada como fazia o Código de Menores em nome da proteção, pois embora sejam eles inimputáveis no Direito Penal, os adolescentes são imputáveis diante da lei especial, o Estatuto da Criança e do Adolescente. (ARANTES, 2005, p. 66).
Neste sentido reza a norma do artigo 112, do Estatuto da Criança e do Adolescente, in verbis:
“Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I – advertência; II – obrigação de reparar o dano; III – prestação de serviços à comunidade; IV – liberdade assistida; V – inserção em regime de semi-liberdade; VI – internação em estabelecimento educacional; VII – qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI”.
Neste diapasão, Saraiva comentando tal fato salienta que:
“(…) a discussão da questão infracional na adolescência está mal focada, com, muitas vezes desconhecimento de causa. Ignora-se, por exemplo, que o Estatuto da Criança e do Adolescente instituiu no país um direito penal juvenil, estabelecendo um sistema de sancionamento, de caráter pedagógico em sua concepção, mas evidentemente retributivo em sua forma, articulado sob o fundamento do garantismo penal e de todos os princípios norteadores do sistema penal enquanto, instrumento de cidadania, dos princípios do direito penal mínimo. Quando se afirma tal questão, não se está a inventar um direito penal juvenil. Assim como o Brasil não foi descoberto pelos portugueses, sempre houve. Estava aqui, na realidade foi desvelado. O direito penal juvenil está ínsito ao sistema do Eca. (SARAIVA, 2003, s/p).”
Como se observa diferente do que prega a mídia e os desconhecedores das leis, os menores não ficariam impunes aos atos praticados em discordância com a lei, mas pelo contrário seriam lhes atribuídos, por sua natureza de ser em desenvolvimento, um tratamento penal diferenciado, que embora não se mostre de todo o ideal as pretensões sociais, pode ser modificado para atingir tal fim.
Desta feita, o Estatuto da Criança e do Adolescente é um instituto jurídico que concilia espécimes de direitos que objetivam a proteção da criança e do adolescente, considerando a sua particularidade como indivíduo em desenvolvimento e não como a expressão de um sistema de normas que objetiva a impunidade desses indivíduos.
3. A redução da Maioridade penal na República Federativa do Brasil: uma medida constitucional ou inconstitucional?
3.1 Apontamentos sobre a constitucionalidade da redução da maioridade penal na República Federativa do Brasil
Transcritos os aspectos históricos e contextuais do tratamento do menor no ordenamento jurídico brasileiro, sobretudo, no plano constitucional de proteção integral considerando as particularidades de sua essência, enquanto indivíduo em desenvolvimento chega-se ao ponto central de nossa narrativa: a discussão da constitucionalidade ou não da redução da maioridade penal na República Federativa do Brasil, tal como objetivada pela Proposta de Emenda Constitucional nº 171/1993.
Neste aspecto, resguardaremos a esse primeiro momento os argumentos favoráveis a redução da maioridade penal e constitucionalidade da medida, embora se deva frisar que em termos numéricos seja ainda essa uma corrente minoritária.
Segundo alguns autores, a exemplo de Pereira (2012, p.55), o limite da imputabilidade penal estabelecido pelo artigo 228, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, estabelecido com base na Convenção sobre os Direitos das Crianças e Adolescente adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 20 de Novembro de 1989, e da qual a República Federativa do Brasil é signatária, não impede que sejam impostas penas privativas de liberdade ás crianças e adolescente, tão pouco que essa imputabilidade seja determinada abaixo dos 18 anos.
Neste sentido, citando alguns exemplos, o referido autor nos fala da atribuição da maioridade penal em diversos países, tais como na França aos 18 (dezoito) anos, com a possibilidade de se aplicar penas aos 13 (treze) anos; nos Estados Unidos da América aos 10 (dez) anos e em Portugal, aos 16 (dezesseis) anos. Ainda, em países subdesenvolvidos como a Índia, Paquistão, Tailândia, aos 7 (sete) anos e em outros países mais desenvolvidos como a Dinamarca, Noruega e Suécia aos 15 (quinze) anos. (PEREIRA, 2012, p. 55-56).
E mesmo que considerarmos que o legislador brasileiro tenha adotado o caráter biológico, no qual os menores de 18 anos são inimputáveis e tenha o consagrado como um direito fundamental, cujo desenvolvimento ficaria a cargo do Estado, mediante políticas públicas e programas sociais, não estaria ele consagrado na norma do artigo 5º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, da forma como veiculam os idealizadores de uma inconstitucionalidade na redução da maioridade penal, pois o direito ali consagrado como uma cláusula pétrea seria referente à segurança do menor e não a faixa etária. (PEREIRA, 2012, p. 19).
Em outras palavras, não se trataria assim de excluir a cláusula referente á essa segurança do menor, mas reduzir o quantum etário para se adequar a realidade, fato que seria permitido, segundo os argumentos da hermenêutica moderna.
Para Fernando Capez, em debate promovido pelo site Atualidades do Direito, no ano de 2014, muito além de se debater um quantum numérico, a redução da maioridade penal deve partir do conceito e finalidade do Direito Penal que hoje se apresenta como um ramo voltado à realização da justiça e a proteção da sociedade, consoante redação do artigo 5º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, sendo falsa a perspectiva de que apenas as leis reduzirão os crimes, pois o mal está na impunidade.
Neste diapasão, José de Oliveira Robaldo (2009,s/p), salienta que é sempre oportuno destacar que a simples mudança da lei por si só para reduzir a maioridade penal, ainda que constitucionalmente seja possível, não trará a contenção da violência que tanto nos intranquiliza, posto que antes de se modificar as leis, sobretudo as penais, devemos cumprir aquelas que já existem e disciplinam a realidade, a exemplo, da lei de execução penal e o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Note que muito além de ser um debate jurídico, a redução da maioridade penal também se insere no campo social, quando se volta à diminuição da criminalidade e a contenção da prática e “impunidade” desses indivíduos. Muito mais que uma mudança legal, seria ela uma necessidade social.
Dessa forma, a redução da maioridade penal na República Federativa do Brasil, sob os argumentos de seus adeptos não feriria as cláusulas pétreas dispostas no texto constitucional, mas apenas reduziriam o quantum etário fixado para se adequar a realidade e as pretensões sociais que atualmente almejam segurança.
3.2 A Inconstitucionalidade da Redução da Maioridade Penal: das cláusulas pétreas e Direitos Fundamentais
Discutidos e apresentados pontos que consideram a redução da maioridade penal na República Federativa do Brasil uma medida estritamente constitucional, passaremos agora a discussão sobre outro ponto de vista, relatando a sua inconstitucionalidade.
Corrente majoritária entre os estudiosos do assunto, a redução da maioridade penal seria segundo seus adeptos um ato que feriria as cláusulas pétreas, os direitos da criança e do adolescente e ainda provocaria um desrespeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Para Luiz Flávio Gomes (2007, s/p), reduzir a maioridade penal trata-se de uma tese “incorreta, insensata e inconsequente”, que além de não levar em conta a inconstitucionalidade que objetiva submeter o ordenamento jurídico, não considera também que o sistema prisional não tem condições para promover uma reinserção social desses jovens infratores. Ademais, o quão baixa estaticamente é a porcentagem de crimes por eles cometidos.
Começando a discorrer sobre o assunto pela inconstitucionalidade ensejada, observe que o artigo 228, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, ao se amparar nos direitos expressos na Declaração Universal dos Direitos da criança e do Adolescente e posteriormente, ser abrangido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, objetivou conferir aqueles indivíduos um tratamento diferenciado que levasse em conta a sua natureza de ser em desenvolvimento.
E como um direito que ali se consagrava no texto constitucional, conforme expõe José Robaldo, seria ele considerado pela doutrina e jurisprudência de nossos Tribunais como uma cláusula pétrea que não que pode ser alterada nem mesmo por meio de Emenda Constitucional. E mais evidente ainda, é que se não é possível modificar a norma por emenda constitucional, também não o será por lei infraconstitucional. (ROBALDO, 2009, s/p).
Para a Comissão de Direitos Humanos e Assistência Judiciária da OAB da Seção do Rio de Janeiro, consoante declaração no site do Conjur, reduzir a maioridade penal seria confrontar-se:
“(…) com o positivado tanto no ordenamento jurídico, quanto em Tratados e Convenções internacionais dos quais o Brasil é signatário, destacando-se a Convenção sobre Direitos das Crianças da ONU, que consagra o princípio da proteção integral. A Constituição de 1988, reproduz este princípio cujas diretrizes são consolidadas através do Estatuto da criança e do Adolescente. Direito fundamental, a redução da maioridade penal consiste em verdadeira afronta ao artigo 60, §4º, da CRFB/88, restando, portanto, a proposta eivada de inconstitucionalidade.”
Observe que a questão da criminalidade envolvendo crianças e adolescentes é tratada pelos adeptos da inconstitucionalidade com extrema destreza, não apenas pela afronta aos Direitos Fundamentais, mas igualmente por considerá-los incapazes de compreender e lidar com uma punição semelhante a que atribuímos aos adultos.
E não sendo apenas uma questão constitucional, reduzir a maioridade penal também seria descumprir as regras estabelecidas no Estatuto da Criança e do Adolescente, que como frisa Luiz Flávio Gomes (2007, s/p), ainda que não se leve em conta a razoabilidade no limite da fixação de internação, hoje fixado pelo tempo máximo de três anos, por não ter o legislador infraconstitucional se preocupado em ressaltar as diferenças entre roubos, mortes intencionais e crimes de semelhante valia, é preciso que tenhamos consciência de que ele é a legislação incumbida do tratamento de questões como essa, e que isso não justifica que recorramos semelhantemente ao Direito Penal Italiano e tantos outros a fixar a imputabilidade penal aos 14 (catorze) anos, pois sabemos da triste realidade de nossos presídios.
Neste aspecto, o promotor de Justiça José Heitor dos Santos aduz que:
“o Estatuto da Criança e do adolescente, ao adotar a Teoria da Proteção Integral, que vê a criança e o adolescente (menores) como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento, necessitando em conseqüência de proteção diferenciada, especializada e integral, não teve por objetivo manter a impunidade de jovens, autores de infrações penais, tanto que criou diversas medidas socioeducativas que, na realidade são verdadeiras penas, iguais aquelas aplicadas aos adultos. (SANTOS, 2002, s/p).”
Deixando de lado as questões legais, pois sabemos que o problema é real e preocupante e isso nos é denotado todos os dias nos noticiários e manchetes nacionais, salientamos haver uma falsidade no fato de se modificar a lei para reduzir a criminalidade, pois faticamente nenhuma delas nunca modificou a quantidade de crimes, nem reduziu-os.
Em verdade, o ponto central seria discutir o Estatuto da Criança e do Adolescente e a sua adequação em termos de tempo de recolhimento, considerada a natureza dos crimes, tal como ocorre na Europa e do mesmo modo, sobre o papel exercido pela educação na prevenção e combate aos crimes, quando a família, a sociedade e o próprio Estado vêem falhando em todas as oportunidades. Em outras palavras, é preciso desfazer aquela imagem ruim que temos de nosso país, na qual, fecham-se escolas para se construir presídios. (GOMES, 2007, s/p).
Ainda, é preciso desconstruir aquela premissa ensinada pela mídia, de que se o menor pode votar tem ele responsabilidade para assumir todos os seus atos tal como um adulto. E não estamos aqui á afirmar uma impunidade pelos fatos praticados, mas pra mostrar que os fatos devem sim ser punidos, mas considerada a responsabilidade juvenil fixada aos 12 anos no Estatuto da Criança e do Adolescente, que leve em conta as particularidades e necessidades desses indivíduos.
Por tal razão, salienta o promotor de justiça José Heitor dos Santos ser a redução da maioridade penal na República Federativa do Brasil uma discussão estéril que isenta os culpados de responsabilidade pelo desrespeito aos direitos e garantias fundamentais da criança e do adolescente, ao desconsiderar ser a responsabilidade penal juvenil fixada no Estatuto da Criança e do Adolescente aos 12 (doze) anos, inclusive em termos de penas e restrições de direitos aplicados aos adultos, que têm consubstanciadas nas medidas socioeducativas a função de recuperar e reintegrar o jovem á comunidade. Logo:
“a questão, portanto, não é reduzir a maioridade penal, que na prática já foi reduzida, mas discutir o processo de execução das medidas aplicadas aos menores, que é completamente falho, corrigi-lo, pô-lo em funcionamento e além disso, aperfeiçá-lo, buscando assim a recuperação de jovens que se envolvem em crimes, evitando, por outro lado, com esse atual processo de execução, semelhante ao adotado para o maior, que é reconhecidamente falido, corrompê-lo ainda mais. (SANTOS, 2002, s/p).”
Dessa forma, como uma proposta que busca encobrir as falhas do Estado, da família e da sociedade como se medida adequada fosse para conter a rebeldia desses indivíduos, sobretudo, por não levar em conta os Direitos Fundamentais e as cláusulas pétreas consagradas pela Constituinte de 1988, reduzir a maioridade penal de 18 anos para 16 anos, tal como idealizada pela proposta de Emenda Constitucional nº 171/1993, seria um retrocesso social.
Conclusão
Finalizamos o presente trabalho reafirmando que nossa pretensão não se voltou a esgotar o tema, mas apenas realçar aspectos que diante da constitucionalidade ou não da medida são deixados de lado.
O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê em suas normas o tratamento específico para os jovens infratores, ainda que tais instrumentos necessitem de aprimoramentos que resguardem de fato os direitos desses adolescentes e da sociedade de uma forma em geral.
Reduzir a maioridade penal de 18 anos para 16 anos, tal como propõe o projeto de emenda constitucional analisado é um retrocesso em termos de direitos humanos e um ato que não leva em conta o caos vivenciado pelo sistema penitenciário e social.
Modificações no instituto da pena por si só não trarão as mudanças que a nossa sociedade tanto almeja, é preciso antes de tudo que façamos essas “mudanças” no interior das escolas, dos lares e da educação ofertada pelo Estado. Reduzir por reduzir não adianta.
Informações Sobre o Autor
Bruna Conceição Ximenes de Araújo
Advogada. Graduada em Direito pelas Faculdades Integradas de Três Lagoas AEMS. Pós-Graduada em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera- Uniderp