A responsabilidade penal dos administradores nos crimes de fraude fiscal

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Luis Alberto Sampaio Correia – Advogado, Mestrando em Direito Público na Universidade Lusófona do Porto (Portugal), Pós-Graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo Instituto Damásio de Direito – e-mail:[email protected].

Resumo: A pesquisa pretende estudar a responsabilidade penal dos administradores nos crimes de fraude fiscal tanto em Portugal como no Brasil. Para tanto, utilizou-se o método hipotético-dedutivo, por meio da análise bibliográfica. Os crimes societários, em virtude da divisão de atribuições entre os integrantes da pessoa jurídica, apresentam dificuldade na identificação da figura responsável pela prática dos seus delitos. No intuito de encontrar um critério jurídico razoável para imputar o crime ao administrador, investigou-se as fontes da responsabilidade penal previstas na lei portuguesa, em especial a figura jurídica denominada “atuação em nome de outrem” e a responsabilidade das pessoas jurídicas. Outrossim, debruçou-se nos trabalhos desenvolvidos palas jurisprudências dos tribunais brasileiros para encontrar na figura do administrador o agente da sonegação fiscal. Ao final, concluiu-se que a responsabilidade destes gestores independe da assunção formal dos poderes de gestão e sequer é limitada pela utilização de terceiros que executam tarefas a eles delegadas, entretanto, a lei exige que a conduta seja devidamente individualizada, sob o prejuízo de prestigiar uma (inconstitucional) responsabilidade penal objetiva. Trata-se de tema de grande relevância, por abordar uma questão não consolidada na jurisprudência e envolver a análise do direito comparado como forma de auxiliar na compreensão da solução encontrada.

Palavras-chave: Responsabilidade penal; sócio administrador; responsabilidade do administrador; atuação em nome de outrem; responsabilidade penal das pessoas coletivas.

 

Abstract: The purpose of this research is to study the criminal liability of the administrators in the crimes of tax fraud both in Portugal and in Brazil. For that, the hypothetical-deductive method was used, through bibliographic analysis. Corporate crimes, due to the division of powers between the members of the legal entity, present difficulty in identifying the figure responsible for the practice of their crimes. In order to find a reasonable legal criterion for imputing the crime to the administrator, the sources of criminal responsibility provided for in Portuguese law were investigated, in particular the legal figure called “acting on behalf of others” and the liability of juridical entities. Furthermore, it looked at the work developed by the jurisprudence of Brazilian courts to find the agent of tax evasion in the figure of the administrator. In the end, it was concluded that the responsibility of these managers does not depend on the formal assumption of management powers and is not even limited by the use of third parties who perform tasks delegated to them, however, the law requires that the conduct be properly individualized, not to honor an (unconstitutional) objective criminal liability. This is a topic of great relevance, as it addresses an unconsolidated issue in jurisprudence and involves the analysis of comparative law as a way of helping to understand the solution found.

Keywords: Criminal liability. Managing partner. Administrator’s responsibility. Acting on behalf of others. Criminal liability of the legal entities.

 

Sumário: Introdução. 1. Breves comentários acerca da responsabilidade penal das pessoas individuais e jurídicas no direito português. 2. A responsabilidade penal prevista no Regime Geral das Infrações Tributárias português e as fraudes fiscais. 2.1. Como respondem os administradores?  2.2. Os administradores e a responsabilidade dos entes coletivos 3. As sonegações fiscais e a responsabilidade penal no Brasil. 3.1. Em que circunstâncias o administrador responde pelo crime de sonegação fiscal? 3.2. A resposta da jurisprudência no tocante às sonegações fiscais imputadas aos dirigentes das pessoas coletivas. Conclusão. Referências.

 

INTRODUÇÃO

A presente pesquisa pretende estudar a responsabilidade penal dos administradores nos crimes de fraude fiscal tanto em Portugal como no Brasil. A responsabilidade penal é um tema que envolve grandes debates na doutrina e jurisprudência, sobretudo no campo dos crimes cometidos no âmbito das pessoas coletivas.

Trata-se de um tema de considerável relevância no âmbito acadêmico, pois enseja um estudo voltado para a aplicação das garantias penais, notadamente quando se está a falar da autoria delitiva. Não raras são as hipóteses em que o administrador responde pelo crime sem ser verdadeiramente o culpado pela prática do delito, pretendendo a pesquisa contribuir para que esse problema seja solucionado pela escorreita utilização dos princípios e regras da responsabilidade penal (subjetiva).

Considerando a dogmática penal clássica e a aplicação do princípio da culpabilidade, torna-se trabalhoso não só responsabilizar o ente coletivo, como também esclarecer quando o administrador será o sujeito ativo do crime, como acontece com as fraudes fiscais praticadas no exercício dos poderes de gestão de uma sociedade.

Nesse contexto, em que circunstâncias os administradores dos entes coletivos respondem pelo crime de fraude fiscal? Isto é, quando a responsabilidade pela infração será exclusivamente dele ou quando será imputada em conjunto com a pessoa coletiva que administra?

A lei portuguesa estabelece uma divisão no tocante às fontes da responsabilidade penal, abarcando a responsabilidade individual (artigo 11º, nº 1 do CP), a responsabilidade coletiva (nº 2 do mesmo artigo) e a responsabilidade associada à atuação em nome de outrem (artigo 12º do CP).

De acordo com o Regime Geral das Infrações Tributárias (Lei n.º 15/2001, de 05 de junho), a responsabilidade pelas infrações ali previstas pode ser tanto da pessoa singular como da pessoa coletiva (artigo 7º), incluindo-se também a atuação em nome de outrem (artigo 6º).

Entretanto, a aplicação dos dispositivos legais, por si só, não é suficiente para esclarecer o problema da responsabilidade dos administradores, uma vez que o ente coletivo opera, em sua grande maioria, por intermédio de órgãos de direção, administração e execução, que podem confundir a investigação do verdadeiro culpado pelo ilícito penal.

No Brasil, a dificuldade é ainda maior, tendo em vista que não há a figura da “atuação em nome de outrem”, abrindo espaço para o aplicador do direito buscar outras fontes e teorias para imputar ao sócio administrador a prática do ilícito penal.

A hipótese que baliza a pesquisa é a de que a responsabilidade dos administradores ocorre mediante a aplicação da atuação em nome de outrem, quando prevista na lei, e que, via de regra, será conjunta com a pessoa coletiva por ele administrada.

O principal objetivo do trabalho é estudar o tratamento conferido à responsabilidade penal dos administradores nos crimes de fraude fiscal, considerando a aplicação do RGIT, da doutrina e da jurisprudência, nomeadamente no tocante à imputação do crime ao sujeito dentre todas as outras possibilidades disponíveis e, mais ainda, diante da necessidade de apurar a responsabilidade do ente coletivo.

Objetiva-se também traçar alguns paralelos envolvendo os crimes de fraude fiscal no Brasil e em Portugal e comparar a responsabilidade penal dos administradores em ambos os países a título de “mais valia” para a pesquisa, tendo em vista que o tratamento conferido pela lei brasileira difere daquele aplicado em terras lusitanas.

Várias obras foram consultadas no decorrer da pesquisa, com destaque para Susana Aires de Sousa (Os Crimes Fiscais: Análise Dogmática e Reflexão sobre a Legitimidade do Discurso Criminalizador); Jorge Figueiredo Dias (Direito Penal – Parte Geral, Tomo I); Germano Marques da Silva (Responsabilidade Penal Fiscal: Das Sociedades e dos seus Administradores e Representantes a Empresa Falida); Inês Fernandes Godinho (A actuação em nome de outrem em Direito Penal Econômico); e Helder Martins Leitão (Regime Geral das Infracções Tributárias: anotada e comentada).

 

1 BREVES COMENTÁRIOS ACERCA DA RESPONSABILIDADE PENAL DAS PESSOAS INDIVIDUAIS E JURÍDICAS NO DIREITO PORTUGUÊS

Existem vários princípios que fundamentam a responsabilidade penal, como o princípio da individualização da pena e o princípio da legalidade. No entanto, o princípio que mais se conecta com a essência do instituto é o princípio da culpabilidade.

A culpabilidade, em sua noção ampla, relaciona-se com o fundamento da pena e com os critérios para medição desta, como ensina Claus Roxin[i], mas também se refere à noção de responsabilidade penal subjetiva, sendo este o viés a ser abordado neste tópico.

O princípio da culpabilidade, em seu aspecto relacionado com a responsabilidade penal, compreende as noções de dolo e culpa, referindo-se que o sujeito somente poderá ser responsabilizado criminalmente se a conduta a ele imputada for praticada de forma dolosa ou culposa[ii].

Em suma, esta regra principiológica busca correlacionar o elemento subjetivo do tipo penal com a conduta praticada pelo agente e, por corolário, afastar a noção de responsabilidade penal objetiva[iii], resultando na expressão “não há crime sem culpabilidade” (nullum crimen sine culpa)[iv].

Para Muñoz Conde[v], a culpabilidade é um fenômeno que deve transcender a esfera individual e alcançar o nível social ou coletivo, sendo a correlação de forças da sociedade que define os limites daquilo que é ou não culpável.

Assim, a responsabilidade penal engloba a conduta (ação ou omissão), que deve ser dolosa ou culposa, o nexo de causalidade e a existência de dano ou perigo de dano ao bem jurídico tutelado pela lei criminal.

Para a doutrina penalista, o dolo e a culpa integram o elemento subjetivo ou o tipo subjetivo do ilícito e ajudam a identificar o autor da conduta, ou melhor, auxiliam na imputação do responsável penal[vi].

Nas palavras de Welzel[vii], o dolo é constituído pelo elemento intelectual, que consiste no conhecimento da ação desejada, e pelo elemento volitivo, que compreende a vontade de realizar esta ação.

Por outro lado, a “culpa é a inobservância do dever objetivo de cuidado manifestada numa conduta produtora de um resultado não querido, mas objetivamente previsível”[viii].

Com efeito, enquanto no tipo injusto doloso o Direito Penal se preocupa com a finalidade pretendida pelo agente do crime, o tipo injusto culposo pressupõe a necessidade de imputar uma conduta ilícita àquele que praticou um ato mal dirigido[ix].

Em ambas as situações, a responsabilidade penal se aproxima de uma conduta individualizada, que toca a personalidade e funciona como embasamento para a reponsabilidade individual.

Em Portugal, o legislador penal classifica o elemento subjetivo em dolo (artigo 14º) ou negligência (artigo 15º). Assim, o Código Penal estabelece que:

“Artigo 15º – Age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz:

  1. a) Representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime mas actuar sem se conformar com essa realização; ou
  2. b) Não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto”

Com efeito, observa-se que a estrutura clássica do Direito Penal se conecta o conceito das condutas praticadas por indivíduos com a capacidade de produzir ações ou omissões de maneira particular.

 

2 A RESPONSABILIDADE PENAL PREVISTA NO REGIME GERAL DAS INFRAÇÕES TRIBUTÁRIAS PORTUGUÊS E AS FRAUDES FISCAIS

O Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT) está previsto na Lei nº 15/2011, de 05 de junho, e estabelece ser considerada infração tributária “todo o facto típico, ilícito e culposo declarado punível por lei tributária anterior” (artigo 2º, nº 1).

A referida lei classifica as infrações tributárias da seguinte forma: crimes tributários comuns (artigos 87º a 91º); os crimes aduaneiros (artigos 92º a 102º); os crimes fiscais (artigos 103º e 105º); os crimes contra a segurança social (artigos 106º e 107º); as contraordenações aduaneiras (artigos 108º a 112º) e, por último, as contraordenações fiscais (artigos 113º a 127º).

A fraude fiscal, em particular, está prevista no artigo 103º do RGIT, que determina o seguinte:

“1 – Constituem fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. A fraude fiscal pode ter lugar por:

  1. a) Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável;
  2. b) Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária;
  3. c) Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas.”

Com efeito, o legislador pretendeu estabelecer uma conduta criminosa capaz de punir proporcionalmente aquele que atentar contra os cofres públicos, na medida em que deixa de recolher o tributo devido ou se beneficia de uma vantagem fiscal ilegal. O crime é considerado uma fraude porque ele é praticado mediante a ocultação ou a alteração de fatos ou valores, bem como mediante a celebração de negócio simulado.

Susana Aires de Sousa[x] estabelece que o crime é de execução vinculada, isto é, para preservar o princípio da legalidade e a segurança jurídica, o legislador preferiu condicionar a execução do crime a atividades específicas, não aceitando que outras sejam penalmente relevantes para o delito em questão.

No que se refere ao bem jurídico tutelado, o Tribunal de Coimbra considera que o “bem jurídico especialmente protegido com tal crime é a ofensa ao património ou erário público. São os interesses do Estado, na sua vertente vulgarmente denominada por Fisco ou Fazenda Nacional, entendido como um sistema dinâmico de obtenção de receitas e realização de despesas”[xi].

Para o legislador especial, não deverão ser puníveis como fraude fiscal a vantagem patrimonial ilegítima inferior a 15000 euros, pressupondo-se ser uma quantia penalmente irrelevante para a administração fazendária, por isso, a infração é punida como contraordenação.

Nas lições de Susana Aires de Sousa[xii] trata-se de “um limite negativo de incriminação, em razão do valor da vantagem patrimonial a obter mediante uma conduta capaz de diminuir as receitas tributárias, essencial para delimitar os contornos fronteiriços entre aquela norma e os ilícitos contra-ordenacionais (…)”.

Em relação à natureza da fraude fiscal, veja-se os termos do acórdão nº 1/05.2JFLSB.L1-3, de 19/07/2013, do Tribunal da Relação de Lisboa:

“O crime de fraude fiscal pode ser construído ou como um crime de dano contra o património, e logo como uma infração cuja consumação requer a efetiva produção de um prejuízo patrimonial, ou como uma infração que se esgota na violação dos deveres de informação e de verdade que impendem sobre o sujeito passivo da obrigação tributária. Mas os legisladores propendem, não raro, a adotar soluções compromissórias, ensaiando conjugar a proteção das duas ordens de valores: de um lado, o património, do outro a verdade/transparência. Foi essa a solução do legislador português, que preferiu delinear a factualidade típica da infração seguindo as linhas deste compromissório modelo”[xiii].

Para Susana Aires de Sousa[xiv] o delito em comento se aproxima da ideia de crime de aptidão. Em sua visão, para a sua consumação do artigo 103º do RGIT, basta a realização de condutas aptas a reduzirem as receitas tributárias ou fiscais, justamente por isso mencionou o termo “susceptíveis de causarem”.

Conforme outra decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, trata-se de “um crime de perigo em que o bem jurídico protegido é a ofensa ao Estado na rubrica que inclui as receitas fiscais destinadas à realização de fins públicos de natureza financeira, económica ou social”, além de ser “um crime de «resultado cortado», pois a obtenção de vantagem patrimonial ilegítima não é elemento do tipo”[xv].

O delito tipificado no artigo 103º do RGIT abrange tanto a conduta comissiva como a omissiva. Para o Tribunal da Relação de Lisboa, no mesmo acórdão supra, “a realização da conduta de modo ativo corresponde à alteração de factos ou valores que devam constar da escrita contabilística ou de declarações apresentadas à administração tributária ou ainda através da celebração de contrato simulado”.

Por outro lado, “a fraude por omissão tem lugar quando o agente oculta factos ou valores que devam constar da contabilidade ou de declarações tributárias, [alínea a)]; ou ainda quando o agente não declara factos ou valores com relevância tributária [alínea b)]”.

Em última análise, o crime em questão é punível apenas com dolo, por inteligência do artigo 13º do Código Penal, que somente admite a modalidade negligência quando houver expressa previsão legal, não sendo o caso do crime de fraude fiscal previsto no artigo 103º do RGIT.

 

2.1 Como respondem os administradores?

Na sociedade empresarial moderna, é comum que as tarefas estejam distribuídas em conselhos diretores, órgãos de administração e órgãos de execução. Para a presente pesquisa, considera-se administrador aquele que exerce os poderes de gestão da sociedade (artigo 64º do Código das Sociedades Comerciais), não se confundido com os diretores, membros dos conselhos fiscais, os seus representantes e nem os trabalhadores comuns que executam ordens.

O administrador nem sempre será o responsável direto pela execução do fato que deu origem ao ilícito penal, isto é, o simples fato de atuar em nome da pessoa coletiva não será suficiente para imputar-lhe a prática do delito. No presente tópico, objetiva-se focar nas condutas praticadas pelo administrador e a sua capacidade de transformá-lo em sujeito do crime de fraude fiscal.

Para encontrar o verdadeiro culpado pelo crime praticado no bojo de uma sociedade comercial, doutrina e jurisprudência se valeram da aplicação da teoria do domínio do fato, contudo, tal posição foi rechaçada logo em seguida, principalmente pelo próprio idealizador da teoria, Calus Roxin[xvi].

A tentativa de encontrar o culpado através da investigação daquele que emitiu a ordem e não do sujeito que a executou não se apresentou como justificativa válida, nomeadamente sob a perspectiva do princípio da culpabilidade. Nas palavras de Roxin, “numa organização que funciona no quadro do Direito só se pode esperar que instruções ilícitas não sejam seguidas”[xvii].

Sendo assim, dentro do rol de pessoas que atuam em nome da sociedade, a imputação da responsabilidade penal deve obedecer aos critérios da culpabilidade, sendo ilegal qualquer tentativa de criar uma responsabilidade objetiva. A depender do caso concreto, qualquer indivíduo que exerce poderes diante do ente coletivo pode ser o agente do crime, cabendo à pesquisa focar nos casos em que esse indivíduo é o administrador, ou seja, aquele que realiza os poderes de gestão.

De início, a responsabilidade do administrador poderia estar vinculada à aplicação das regras atinentes à responsabilidade individual comum, já que, no âmbito da fraude fiscal, “são plenamente aplicáveis as normas comuns dos arts. 26º e 27º do Código Penal. Todas as questões dogmáticas acerca dos agentes dos crimes valem de pleno para os crimes tributários”[xviii].

Entretanto, esse ponto não alcança o problema da responsabilidade dos sócios administradores, pois trata da responsabilidade das pessoas que atuam individualmente e em seu próprio nome, desconsiderando sua atuação no bojo de uma sociedade empresarial.

Desse modo, em um tratamento especial conferido pela lei penal, a responsabilidade penal daqueles que detém os poderes de gestão do ente coletivo tem como fonte o artigo 12º do CP e, mais especificamente no âmbito do crime de fraude fiscal, o artigo 6º do RGIT. O referido dispositivo preconiza o seguinte:

“Artigo 6º, 1 – Quem agir voluntariamente como titular de um órgão, membro ou representante de uma pessoa colectiva, sociedade, ainda que irregularmente constituída, ou de mera associação de facto, ou ainda em representação legal ou voluntária de outrem, será punido mesmo quando o tipo legal de crime exija:

  1. a) Determinados elementos pessoais e estes só se verifiquem na pessoa do representado;
  2. b) Que o agente pratique o facto no seu próprio interesse e o representante actue no interesse do representado.

2 – O disposto no número anterior vale ainda que seja ineficaz o acto jurídico fonte dos respectivos poderes.”

A doutrina ressalta que o artigo 12º do CP possui dupla finalidade: a primeira é “responsabilizar criminalmente os agentes dos crimes praticados no âmbito das actividades das pessoas colectivas, quando a lei não admitia ou não admita a responsabilização criminal dessas entidades”. A segunda função é autorizar a “responsabilização dos agentes individuais quando o tipo incriminador exige «determinados elementos pessoais e estes só se verificarem na pessoa do representado» ou «que o agente pratique o facto no seu próprio interesse e o representante actue no interesse do representado»”[xix].

Veja-se que as alíneas “a” e “b” do artigo 12º do CP foram reproduzidas pelo artigo 6º do RGIT e  permitem a responsabilização criminal dos titulares de um órgão ou representante de uma pessoa coletiva mesmo quando a lei penal exija elementos pessoais e estes só se verifiquem na pessoa do representado ou que o agente pratique o fato no seu próprio interesses e o representante atue no interesses do representado.

No primeiro caso, quis o legislador assegurar que o administrador responda pela conduta criminosa mesmo que eventualmente seja exigida uma condição especial para o sujeito ativo. Seria o caso, por exemplo, do delito de fraude fiscal exigir que o sujeito ativo seja necessariamente o responsável tributário (crime próprio).

Conforme o entendimento majoritário, “à expressão elementos pessoais atribui-se um conceito mais restrito, visando exclusivamente os crimes específicos próprios, ou seja, os crimes em que a responsabilização está dependente das qualidades especiais do autor ou o dever que sobre ele recai”. Isto é, “somente nestes crimes, os agentes do facto não têm as qualidades necessárias para se considerar agente do crime”[xx].

De outro modo, a segunda situação compreende os casos em que a lei penal exige o dolo específico para configurar o fato penal. Na ocasião, o legislador penal especial foi claro ao estabelecer que a atuação do representante no interesse do representado supre o fim específico de agir.

No bojo societário, Fernanda Palma[xxi] ressalta que o respectivo dispositivo considera “se tais comportamentos são praticados no exercício normal das funções do administrador ou no seu âmbito de poderes de representação. Assim, se o administrador não tiver agido no estrito interesse pessoal, dever-se-á considerar que o interesse é societário”.

Para legitimar esta “extensão da punibilidade”, a professora Inês Godinho apresenta as lições de Garcia Martin, que fundamenta a extensão no princípio da equivalência “defendendo que apesar de não reunir na sua pessoa as condições requeridas, a sua conduta, quando actua em nome de outrem, é equivalente à exigida ao autor conforme ao previsto no ilícito-típico”[xxii].

Ultrapassado este ponto, volta-se agora para a análise do nº 2 do artigo 6º do Regime das Infrações Tributárias. O referido dispositivo preconiza ser desnecessário que o ato de nomeação do administrador seja formalmente eficaz. Consoante Germano Marques da Silva[xxiii], esta determinação não suscita dificuldades, sendo que tanto a ineficácia stricto sensu como a lato sensu estão abrangidos pela norma.

O citado jurista aponta que a “eficácia do acto de nomeação não é necessária por considerarmos que o que se pretendeu acautelar foi que a existência de qualquer vício não excluiria a responsabilidade do agente que efectivamente exerça as funções como se fosse titular do órgão (…)”[xxiv].

Isto é, ao considerar até mesmo o ato de nomeação ineficaz, o legislador pretendeu assegurar que a pessoa responsável pela conduta criminosa é aquela que exerce efetivamente os poderes de gestão (administrador de fato), ou melhor, deve-se comprovar a “existência de uma verdadeira relação de facto entre o sujeito e o bem jurídico penalmente protegido, isto é, na função real que o sujeito desempenha e na sua relação típica com o interesse protegido”[xxv].

No que se refere à responsabilidade criminal por ação, não há muita discussão, tendo em vista que o administrador responderá, singularmente ou em coautoria (ambos com fulcro no artigo 6º do RGIT), quando praticar os atos ilícitos que exigem uma conduta comissiva, como a fraude fiscal por adulteração de documentos fiscais ou mediante a celebração de contrato simulado.

Por outro lado, em se tratando de conduta omissiva, a situação é um pouco mais complexa, pois não basta comprovar a omissão, mas também o dever de agir por parte do administrador.

A doutrina desenvolveu duas teses para fundamentar a posição de garante. A primeira delas é a que “admite que o dever de garante é consequência de um dever jurídico extrapenal, estando, portanto, dependente de um dever de actuar previsto na legislação extrapenal. Esta teoria doutrinária é considerada insuficiente face ao seu excesso de formalismo e amplitude (…)”[xxvi].

Nesse cenário, a mera conduta omissiva que produza um ilícito penal poderia ser imputada ao administrador, tendo em vista que este assumiu o dever legal de coordenar as ações da sociedade empresária e assumir os riscos oriundos do exercício destes poderes.

Por outro lado, a segunda orientação compreende que a entidade coletiva “é considerada fonte de riscos e perigos para terceiros, competindo aos titulares do poder de administração evitar esse perigo mediante um controlo de segurança, independentemente da origem desses perigos estar nas máquinas (potencial material) ou nas pessoas (potencial pessoal)”[xxvii].

Aqui, apenas a comprovada omissão no dever de controle e fiscalização será relevante para a esfera penal, não sendo imputável ao administrador responsabilidades por omissões oriundas de situações genéricas.

Nas lições de Germano Marques da Silva[xxviii], “o dever de agir imposto aos entes colectivos recai sobre a sua administração (…) em termos gerais, o governo dos entes colectivos pertence à sua administração, que o deve exercer com a diligência de um gestor criterioso e ordenado”, conforme determina o artigo 64º do Código das Sociedades Comerciais.

Sendo assim, “ao aceitar a nomeação para o cargo o administrador assume o dever de agir, sendo responsável pela omissão”[xxix], independentemente da comprovação da quebra do dever de vigilância e controle, podendo ser excluída apenas nos casos que em houver delegação de competência.

Contudo, o simples fato de alegar a delegação pode não ser suficiente, devendo ser apreciado com muito cuidado, pois o artigo 407º, nº 8, do Código das Sociedades Comerciais estabelece o seguinte:

“Artigo 407º, nº 8 – A delegação prevista nos nº 3 e 4 não exclui a competência do conselho para tomar resoluções sobre os mesmos assuntos; os outros administradores são responsáveis, nos termos da lei, pela vigilância geral da actuação do administrador ou administradores-delegados ou da comissão executiva e, bem assim, pelos prejuízos causados por actos ou omissões destes, quando, tendo conhecimento de tais actos ou omissões ou do propósito de os praticar, não provoquem a intervenção do conselho para tomar as medidas adequadas”.

Desse modo, é possível concluir que o fato de ser administrador não deve ser suficiente para atrair, por si só, a responsabilidade criminal, sendo necessária a comprovação do exercício dos poderes específicos (administrador de fato) e o implemento das condições preconizadas no artigo 6º do RGIT.

Além disso, tanto a comprovação de que não houve a quebra do dever de vigilância e controle como a delegação de competência podem excluir a responsabilidade do administrador, mas dependerão da análise de outras circunstâncias especiais, conforme destacado acima.

 

2.2 Os administradores e a responsabilidade dos entes coletivos

Inicialmente, a responsabilidade penal das pessoas coletivas não era admitida pela doutrina tradicional, nomeadamente Savigny e Feuerbach, que defendiam o brocardo “societas delinquere non potest”, estabelecendo que as pessoas coletivas não têm capacidade “natural” de ação e capacidade de culpabilidade[xxx].

Entretanto, com o avanço do Direito Penal e a necessidade de encontrar uma solução para as ilicitudes das corporações, a lei penal, em alguns países, passou a prever a possibilidade de imputar às pessoas coletivas o cometimento de crimes, como é o caso da legislação espanhola e a legislação portuguesa.

Tal situação foi e ainda é objeto de críticas, especialmente no que se refere à essência do Direito e a capacidade deste avanço gerar uma presunção objetiva de responsabilidade penal, que independeria do exame do tipo subjetivo da conduta para satisfazer o jus puniendi.

Muñoz Conde e García Arán[xxxi] escrevem que a responsabilidade penal das pessoas jurídicas não está adequada aos tipos penais existentes, tendo em vista que estes estão em relação direta com a culpabilidade das pessoas singulares, isto é, voltados para valorar as circunstâncias pessoais e correlacioná-las com o princípio da personalidade das penas, no qual apenas as pessoas que praticam o fato típico respondem criminalmente.

Apesar das críticas, a responsabilidade das pessoas coletivas ganhou força em um cenário de avanço significativo da dogmática penal, especialmente no que se refere às condutas criminosas e os delitos econômicos, exigindo-se uma postura eficiente e preventiva do Direito Penal que seja capaz de obstruir a criminalidade no âmbito das grandes corporações[xxxii].

Em síntese, argumenta-se que “as pessoas colectivas encerram um potencial de lesão a bens jurídicos que não mais se pode menosprezar, circunstancialismo que toma sérias proporções à medida que se foi constatando que a simples punição de agentes individuais”, desse modo, “não se afigura satisfatória ou eficaz na luta contra a criminalidade de empresa porque de escassos efeitos preventivos sobre a pessoa colectiva”[xxxiii].

Sobre o tema, Nieto Martín[xxxiv] aponta três modelos de responsabilização: a heteroresponsabilidade, que imputa à pessoa coletiva a responsabilidade pelos ilícitos praticados por seus agentes (transferência da responsabilidade); a auto responsabilidade, que imputa à pessoa jurídica condutas ilícitas praticadas por ela própria; e o modelo misto de responsabilidade penal, que engloba as características das duas primeiras vertentes.

O modelo de heteroresponsabilidade se aproxima daquilo que defende a maioria da doutrina portuguesa no tocante à responsabilidade vicarial, reflexa ou indireta das pessoas coletivas. Os principais nomes que defendem esta orientação são Figueiredo Dias, com a sua teoria do pensamento analógico, e Faria Costa, com a teoria da racionalidade dos lugares inversos.

No tocante à teoria defendida por Figueiredo Dias[xxxv], a responsabilidade das pessoas coletivas está vinculada à ideia de que essas organizações, ao serem constituídas por pessoas singulares, tornam-se “obras da liberdade” ou “realizações do ser livre”. É dizer, as condições que permitem a imputação jurídico-penal ao indivíduo como ser livre podem ser consideradas no campo da criminalidade coletiva, pois a sociedade nasce da liberdade do sujeito singular.

Trata-se, então, de um pensamento analógico, do qual “fica por esta forma aberto o caminho, do ponto de vista dogmático, para se admitir uma responsabilidade dos entes colectivos no direito penal”[xxxvi].

Por seu turno, na teoria da racionalidade dos lugares inversos, Faria Costa[xxxvii] defende que a responsabilidade das pessoas coletivas nasce do raciocínio inverso da irresponsabilidade (inimputabilidade) dos menores de idade. Segundo ele, enquanto neste último caso a lei penal “esquece, esmaga ou ficciona a inexistência de uma liberdade onto-antropológica – e por isso diz que o menor não ascende à discursividade penal”, na hipótese da responsabilidade dos entes coletivos o direito penal “liberta, cria, expande, aquilo que os órgãos das pessoas colectivas assumem como vontade própria e, por isso, tem legitimidade para responsabilizar penalmente”.

A autorresponsabilidade, por sua vez, se conecta com a teoria da responsabilidade direta ou autônoma das pessoas coletivas. Trata-se de um modelo que estabelece uma responsabilidade relacionada com a culpa autônoma da sociedade, diferente da culpa dos seus órgãos ou representantes[xxxviii].

A principal teoria que abraça a responsabilidade autônoma foi elaborada pelo jurista alemão Klaus Tiedemann. O referido autor sustenta que a sociedade empresarial é responsável pelos atos praticados pelos seus órgãos ou representantes em virtude de ser a pessoa responsável por evitar a prática de crimes dentro da estrutura do ente coletivo[xxxix].

Trata-se da teoria da culpa pela organização, que consagra uma culpa autônoma para a pessoa coletiva, independentemente de haver culpa na conduta das pessoas singulares, como diretores, administradores e representantes. Em suma, imputa-se ao ente coletivo a responsabilidade pela conduta criminosa, pois, embora tenha sido praticada por uma pessoa individual, só se concretizou porque a sociedade não foi capaz de se auto-organizar e criar obstáculos para que o delito não fosse cometido.

No Direito Penal Português, a responsabilidade penal das pessoas coletivas está prevista no artigo 11º, do Código Penal. Em vigor desde o ano de 2007, este dispositivo estabelece a possibilidade de punir as empresas pelos crimes taxativamente destacados na lei, quando cometidos “em seu nome e no interesse colectivo por pessoas que nelas ocupem uma posição de liderança” ou “por quem aja sob a autoridade das pessoas referidas na alínea anterior em virtude de uma violação dos deveres de vigilância ou controlo que lhes incumbem”.

Observa-se que o legislador penal português preferiu adotar o modelo de responsabilidade vicarial ou heterorresponsabilidade, quando imputa às pessoas coletivas os crimes praticados por pessoas que ocupam a posição de liderança e realizam o ato ilícito para satisfazer os interesses da corporação, sejam eles econômicos ou não[xl].

Da mesma forma, a responsabilidade indireta encontra respaldo quando o mesmo artigo imputa a responsabilidade penal às pessoas coletivas quando “um agente subordinado pratique um crime, contanto que o seu cometimento se tenha tornado possível ou não tenha sido evitado pelas já referenciadas pessoas que ocupam cargos de liderança na pessoa colectiva”, o que pressupõe a quebra dos deveres de vigilância ou controle exercidos impreterivelmente pelas pessoas que detêm o poder de liderança[xli].

Assim, entende-se que, no direito penal português, as pessoas coletivas “não agem por si mesmas, mas através de pessoas físicas, (sendo que) a sua qualificação como sujeitos activos do crime depende sempre da actuação de terceiros que com elas têm uma especial relação”[xlii].

Do rol de pessoas coletivas aptas a cometer um ilícito penal o legislador excluiu a pessoa coletiva correspondente ao Estado, as pessoas coletivas no exercício de prerrogativas de poder público e as organizações de direito internacional público, conforme nº 2 do artigo 11º.

A doutrina destaca que o código penal trazia um elenco de pessoas excluídas, no nº 3 do mesmo artigo, que foi revogado pela Lei n.º 30/2015, de 22/04. O dispositivo era objeto de críticas, especialmente no que respeita a exclusão das concessionárias de serviço público do rol de entidades com capacidade para cometer crimes.

Para Mário Pedro Meireles[xliii], tratava-se de “um manifesto exagero, sem qualquer justificação aparente, e redunda numa hiperbolização da arbitrariedade legislativa, com a agravante de o inalterado artigo 8º do Código Penal poder fazer indicar que em toda legislação especial (…) esta exclusão é igualmente aplicável”.

No que se refere ao nº 4 do artigo em comento, “entende-se que ocupam uma posição de liderança os órgãos e representantes da pessoa colectiva e quem nela tiver autoridade para exercer o controlo da sua atividade”. Victor Pereira e Alexandre da Silva[xliv] destacam que o dispositivo abrange como líderes os “administradores, gerentes, membros dos conselhos fiscais, representantes voluntários (v.g. procuradores) e, dependendo dos estatutos concretamente em causa, os diretores”.

Da mesma forma, a pessoa coletiva será criminalmente responsável pelos atos praticados por aqueles que agem sob a autoridade dos líderes citados acima, desde que as ordens ou instruções (verbais ou escritas) sejam claras e explícitas, tendo em vista que aquele que atua contra as ordens ou instruções não induz a responsabilidade da entidade[xlv].

Por fim, a legislação ainda estabelece que “responsabilidade das pessoas colectivas e entidades equiparadas não exclui a responsabilidade individual dos respectivos agentes nem depende da responsabilização destes”. Isso quer dizer que os agentes concorrem para a prática do crime juntamente com a pessoa coletiva que lidera ou representa, podendo ser autor ou coautor da infração penal[xlvi].

Germano Marques da Silva[xlvii] ressalta ser difícil imputar a responsabilidade das pessoas coletivas, em virtude da necessidade de encontrar a pessoa singular que está envolvida com a infração e, depois disso, da obrigação de analisar a qualidade do agente e as “suas funções na estrutura do ente colectivo que o crime é imputado”.

Mais difícil será diferenciar se o crime deve ser imputado à pessoa coletiva ou ao sujeito individual que praticou a conduta, uma vez que a lei não parece ter apontado uma solução fácil para tal problema.

No tocante ao crime de fraude fiscal não é diferente. Embora haja previsão expressa para a responsabilidade das pessoas coletivas (artigo 7º do RGIT), o legislador não revelou quando o administrador responde sozinho ou quando a pessoa coletiva será responsável exclusiva e, mais, quando haverá concorrência entre um e outro.

Em um primeiro instante, discutiu-se se a existência da responsabilidade do ente coletivo afastava a responsabilidade penal do ente singular, mas tal argumento foi logo rechaçado pelo legislador português no próprio texto original do RGIT.

Trata-se do princípio da responsabilidade cumulativa em matéria tributária, que está previsto no artigo 7º, nº 3 do Regime Geral das Infrações Tributárias e preceitua o seguinte: “A responsabilidade criminal das entidades referidas no n.º 1 não exclui a responsabilidade individual dos respectivos agentes”[xlviii].

Germano Marques da Silva[xlix] ressalta que a responsabilidade conjunta não é uma obrigatoriedade, podendo haver casos em que a pessoa coletiva responde isoladamente, em que apenas a pessoa singular responde ou que ambas as pessoas respondem. Em sua visão, tudo depende da existência de uma:

“causa de extinção da responsabilidade criminal que só aproveite aos agentes individuais ou à pessoa colectiva (…), por falta de culpa da pessoa colectiva ou dos agentes individuais e ainda quando não seja possível perseguir criminalmente o agente individual por razões processuais.”

Uma causa que exclui a responsabilidade da pessoa coletiva e coloca o administrador como único responsável pela fraude fiscal está previsto no nº 2 do artigo 7ª. Com efeito, “a responsabilidade das pessoas colectivas (…) é excluída quando o agente tiver actuado contra ordens ou instruções expressas de quem de direito”.

Desse modo, havendo meios aptos para evitar a infração na lei e impedir que crimes sejam cometidos no bojo da sociedade empresarial, a pessoa coletiva se exime de assumir a condição de sujeito ativo do crime.

A imputação da responsabilidade penal, como visto, não revela tarefa fácil para as autoridades competentes e muito menos para o órgão julgado. Desde a dificuldade envolvendo a responsabilidade das pessoas coletivas e àquelas atreladas aos agentes singulares, como os administradores, é preciso considerar que uma conduta não exclui a outra e que, em alguns casos, haverá certa dependência.

Ao mesmo tempo que a responsabilidade da pessoa coletiva dependente da conduta de terceiros, que pode ser claramente o seu administrador, a imputação pode ser exclusiva deste ou daquela, assim como pode ser conjunta, caso não haja causas viáveis de exclusão da responsabilidade.

 

3 AS SONEGAÇÕES FISCAIS E A RESPONSABILIDADE PENAL NO BRASIL

No Brasil, a fraude fiscal é conhecida como sonegação fiscal e pertence ao rol de crimes contra a ordem tributária, que estão previstos, em sua maioria, na Lei nº 8.137/1990. Trata-se de tipo penal que “pressupõe, além da supressão ou redução de tributo devido, também a fraude” – ausentes estes elementos, não haverá sonegação fiscal[l].

Nos artigos 1º e 2º da mencionada lei, o legislador penal brasileiro elencou as principais condutas que se amoldam ao tipo penal “sonegação fiscal”, a saber:

“Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:

I – omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;

II – fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;

III – falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;

IV – elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;

V – negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.

Art. 2° Constitui crime da mesma natureza:

I – fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo;”

A doutrina penal classifica o crime como comum, uma vez que qualquer pessoa pode ser o sujeito ativo deste tipo penal, mas essa tipologia não alcança as pessoas jurídicas, embora haja autorização na Constituição brasileira (artigo 173º, § 5º), conforme defendem Gonçalves e Baltazar Junior[li].

De outro modo, Bitencourt e Monteiro[lii] advogam “que o sujeito ativo do crime (de sonegação fiscal) é o sujeito passivo da obrigação tributária”, nos termos daquilo que estabelece o artigo 121º, do Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966), desta forma, segundo eles, trata-se de crime próprio ou especial por exigir determinada qualidade ou condição do agente.

Os autores alertam, no entanto, não ser possível imputar a prática do crime de sonegação fiscal ao responsável passivo tributário pelo simples fato de possuir esta obrigação, sob o prejuízo de violar o princípio da culpabilidade, isto é, a impossibilidade de estabelecer uma responsabilidade penal objetiva[liii].

Com efeito, o tipo penal em questão tem como elemento subjetivo o dolo – não há previsão da modalidade culposa -, devendo o órgão acusador demonstrar que a conduta do agente preencheu os pressupostos cognitivo e volitivo ao praticar as elementares do tipo (suprimir ou reduzir tributo)[liv].

Em que pese haver certa controvérsia jurisprudencial sobre o tema, o dolo previsto na lei é de natureza genérica, não havendo a necessidade de demonstrar que o sujeito agiu com o fim específico ou ânimo voltado para a sonegação fiscal[lv].

Gonçalves e Baltazar Junior[lvi] acrescentam ainda a possibilidade de o dolo eventual (dolus eventualis) ser suficiente para configurar a infração, como ocorre com “o contabilista que criava uma contabilidade falsa, embora houvesse indícios da falsidade dos lançamentos” e “dos empregados que emprestavam suas contas particulares para depósito de valores da empresa”.

Como visto, o tipo penal em análise foi desenhado no sentido de ser imputado apenas às pessoas singulares, ou seja, limita-se à responsabilidade individual e subjetiva. Nesse sentido, a sonegação fiscal estará configurada ainda que a pessoa jurídica seja o sujeito passivo da obrigação tributária, “mas somente serão puníveis criminalmente as pessoas físicas que, de fato, tenham voluntariamente atuado em nome, em representação ou em benefício da pessoa jurídica”[lvii].

A irresponsabilidade penal das pessoas coletivas é a regra geral no Brasil, de acordo com o disposto no artigo 5º, XLV, da Constituição, havendo apenas uma exceção, qual seja, os crimes ambientais previstos na Lei nº 9.605/98, nos termos do artigo 225º, § 3º da Lei Fundamental[1].

Sob esse modelo de previsão constitucional e regulamentação legal, Nucci[lviii] defende a possibilidade de se estabelecer no Brasil uma responsabilidade penal das pessoas jurídicas nos delitos contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular, por autorização já consagrada no artigo 173, § 5º, da Constituição e mediante regulamentação legislativa superveniente.

 

3.1 Em que circunstâncias o administrador responde pelo crime de sonegação fiscal?

Considerando que o sujeito ativo do crime de fraude fiscal é aquele que ostenta a condição de sujeito passivo da obrigação tributária – sem desconsiderar a importância do elemento subjetivo do tipo -, uma situação controversa surge diante desta explanação: quem deve ser responsabilizado criminalmente pelo crime tipificado no artigo 1º ou 2º da Lei nº 8.137/1990 quando a obrigação tributária é de responsabilidade de uma pessoa jurídica?

Isto é, quem deve assumir a responsabilidade criminal quando a supressão ou redução tributária, mediante fraude, ocorre no âmbito de uma pessoa coletiva e no interesse desta? A resposta inicial parece ser simples, bastando imputar o delito à pessoa singular que ostenta a posição de líder da corporação: o dirigente ou administrador.

Contudo, a resposta para o questionamento é por demais complexa, uma vez que demanda a análise doutrinária, a interpretação sistemática da norma criminal e, além disso tudo, o conhecimento da jurisprudência dos tribunais brasileiros.

Nos termos da lei dos crimes contra a ordem tributária, “quem, de qualquer modo, inclusive por meio de pessoa jurídica, concorre para os crimes definidos nesta lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida de sua culpabilidade” (artigo 11º). Com efeito, o legislador penal salvaguardou a hipótese aventada ao garantir que os crimes cometidos no âmbito societário continuem na esfera criminal.

Relativamente à responsabilidade pelo adimplemento da obrigação tributária, o ordenamento jurídico brasileiro também prevê a transferência da responsabilidade tributária nas hipóteses em que há comprovação de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, assumindo a condição de responsável tributário os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado (artigos 128º e 135º, III, do Código Tributário Nacional-CTN).

No artigo 137º, o mencionado diploma legal ainda é mais específico ao prever que haverá responsabilidade pessoal do agente nas infrações conceituadas por lei como crimes ou contravenções.

Desse modo, aplicando-se as normas do Código Tributário Nacional, os dirigentes ou administradores de pessoas coletivas assumem a responsabilidade pelos tributos da empresa e, em cotejo com o artigo 11º da Lei nº 8.137/1990, estão aptos para responder criminalmente pelas fraudes fiscais praticadas na condução da respectiva pessoa jurídica[lix].

Veja-se que o ordenamento jurídico brasileiro atribuiu resolução diversa daquela encontrada na lei portuguesa. Enquanto esta imputa aos administradores a responsabilidade penal mediante a atuação em nome de outrem, a lei brasileira optou por um trabalho mais complexo, necessitando-se substituir o responsável tributário para depois imputar ao administrador o crime fiscal.

No RGIT, o legislador fez questão de assegurar que condições especiais objetivas não afastariam a responsabilidade do titular de um órgão da pessoa coletiva. Portanto, ainda que a lei penal exija que o sujeito ativo do crime de fraude fiscal seja necessariamente o responsável tributário, como ocorre no Brasil, conforme alguns penalistas sugerem, esse fato não excluiria a responsabilidade por atuação em nome de outrem.

Outrossim, um traço marcante no tratamento conferido no Brasil é que o administrador aparece como a figura que assume as responsabilidades pelos atos da empresa, desconsiderando-se, inicialmente, figuras importantes como representantes, diretores, membros de outros conselhos e até trabalhadores executando ordens – ainda que a substituição da responsabilidade tributária alcance “os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado” (artigo 135º, III, CTN).

É preciso reforçar, como lembrado no tópico precedente, que a imputação não pode abrandar os limites impostos pelo princípio da culpabilidade, de modo que “não se presume a responsabilidade do agente pelo simples fato de integrar uma sociedade, sob pena de haver responsabilidade penal objetiva”[lx].

Com esse fundamento que o artigo 25º, da Lei nº 7.492/86 (disciplina os crimes contra o sistema financeiro nacional) foi vetado pelo órgão executivo. O dispositivo autorizava a responsabilidade penal do controlador e dos administradores de instituição financeira, assim considerados os diretores e gerentes, quando configurado o crime no âmbito de uma pessoa jurídica. Na ocasião, considerou-se que a norma era incompatível com a Lei Fundamental, que exige, além de tudo, a individualização das condutas[lxi].

Nessa perspectiva, Gonçalves e Baltazar Junior[lxii] definem em sua obra alguns padrões que permeiam a responsabilização dos dirigentes empresariais, a saber:

“a) a condenação não pode se basear apenas em dados formais, como a condição de administrador indicada no contrato social ou outro documento, devendo ser comprovado, ao longo da instrução, que o acusado, efetivamente, tomou decisões no sentido da sonegação;

  1. b) poderá ser condenado o administrador de fato, ainda que sem poderes formais de gerência, como no caso da existência de pessoas interpostas ou laranjas;
  2. c) a transferência de quotas sociais após os fatos é irrelevante do ponto de vista penal, âmbito no qual responderão aqueles que geriam a empresa à época da ocorrência das práticas ilícitas.”

Os mesmos autores esclarecem que estes padrões não são absolutos, tendo em vista que em muitas situações as elementares da sonegação fiscal são realizadas por um empregado comum ou um subordinado da pessoa jurídica. Nestas ocasiões, tem-se imputado ao dirigente a prática do crime, mesmo não sendo ele a produzir a materialidade delituosa, em razão da teoria do domínio do fato[lxiii].

Na prática atual, “não é comum que as denúncias sejam dirigidas a terceiros que não os administradores, a não ser quando efetiva e intensamente involucrados nas práticas criminosas”[lxiv].

Em tese, a solução apresentada é muito importante para o combate à criminalidade econômica, “porque geralmente não é o administrador quem pratica a conduta, embora tenha o domínio final sobre a decisão de praticar ou não a conduta delituosa”[lxv].

Entretanto, como já foi dito aqui, pode representar uma imputação inadequada, já que nem mesmo a teoria do domínio do fato se presta a auxiliar na busca pela culpabilidade (quem cometeu o crime), funcionando em uma fase posterior a aferição da culpa, ou seja, contribuindo apenas com a ponderação da participação delitiva[lxvi].

Por conta disso, revela-se necessário individualizar a conduta do administrador, que, no caso, reside na importância de demonstrar se ele agiu com dolo ao controlar a ação delituosa praticada por terceiro em benefício da pessoa jurídica que dirige. E, mais que isso, identificar no âmbito da sociedade comercial a figura que, de fato, realizou as elementares do crime fiscal, considerando-se que nem sempre o administrador opera todas as tarefas, podendo ser um dirigente, um titular de outros órgãos ou representantes.

No Brasil, a imputação do delito de fraude fiscal ao dirigente ou administrador de uma pessoa coletiva leva à discussão sobre a admissibilidade das acusações genéricas, isto é, aquelas que não conseguem identificar claramente a conduta de cada arguido no cometimento da infração penal[lxvii].

A priori, a doutrina penal não vê com bons olhos a permissão para o Ministério Público oferecer uma peça acusatória genérica[lxviii], acreditando-se que tal permissão seria capaz de ofender princípios basilares do direito e do processo penal, como a culpabilidade, a ampla defesa e até mesmo o modelo acusatório[lxix].

Relativamente à culpabilidade, a acusação que não apresenta esclarecimentos sólidos a respeito da conduta do arguido é capaz de concretizar a responsabilidade penal objetiva, provocando, assim, grave ofensa à ampla defesa, pois reduziria as teses defensivas e inverteria para o réu o ônus de provar a sua inocência e, ao final de tudo, violaria o modelo acusatório do sistema penal que integra os Estados democráticos de Direito[lxx].

Desta forma, é possível concluir que o dirigente ou administrador está apto para assumir a responsabilidade penal pelas fraudes fiscais que beneficiam a pessoa coletiva que dirige, nos termos da lei tributária e da lei penal brasileira, desde que comprovada a sua participação direta ou indireta (mediante pessoa interposta) na empreitada criminosa.

 

3.2 A resposta da jurisprudência no tocante às sonegações fiscais imputadas aos dirigentes das pessoas coletivas

Atualmente, a jurisprudência brasileira tem admitido a responsabilidade penal dos sócios administradores nas sonegações fiscais praticadas no bojo das pessoas coletivas, autorizando, inclusive, acusações genéricas (ou gerais) que revelem apenas alguns indícios da autoria delitiva sem necessariamente apresentar elementos individuais e pormenorizados da conduta.

Este é o caso da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que permite o oferecimento de denúncias genéricas nos crimes societários, impondo-se como limite apenas a necessidade de o Ministério Público comprovar a mínima relação de causa e efeito entre as imputações e a condição de dirigente da empresa, sob pena de se reconhecer a responsabilidade penal objetiva[lxxi].

Exigindo-se apenas a acusação de caráter geral, o STJ tem ratificado condenações que imputaram ao dirigente o crime de sonegação fiscal quando demonstrado que o sujeito praticou atos de gerência, isto é, que atuou como sócio administrador, e, por corolário, assumiu a responsabilidade “pela regularidade fiscal da empresa”[lxxii].

Para tanto, havendo prova da materialidade delitiva (fraude capaz de provocar supressão ou redução do tributo), a responsabilidade do administrador depende apenas da comprovação da existência de atos de gerência e direção que, por sua vez, pressupõem a assunção da responsabilidade fiscal da empresa, seja ela tributária, civil ou penal.

Nesse sentido, a culpabilidade, caracterizada pelo dolo de agir, estaria presente na conduta de gerir a empresa e assumir os prejuízos oriundos desta responsabilidade. Um vez comprovado que a empresa emitiu documentos fraudentos ou omitiu informações à autoridade fiscal, resultando na supressão ou redução de determinado tributo, o dirigente responderá por esta conduta, não pelo simples fato constar como gestor, mas por praticar atos de gerência e administração, não necessitando provar que ele efetivamente falsificou o documento ou omitiu as informações[lxxiii].

Por não haver uma obrigação de apresentar indícios razoáveis da conduta individualizada no que se refere às elementares do crime, a jurisprudência tem admitido a responsabilidade dos dirigentes até mesmo quando a materialidade delitiva foi produzida por terceiro mediante controle da gerência[lxxiv].

Na ocasião, o tribunal considerou aplicável a teoria do domínio do fato, por entender que a conduta dos empregados, na produção dos elementos que constituem o crime de fraude fiscal, era penalmente irrelevante, devendo o Direito Penal se preocupar com a conduta dos administrador, que controlavam e mediavam toda a prática delituosa.

Aprimorando a aplicação da teoria mencionada, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que a referida teoria não deve ser utilizada como argumento único para fundamentar a responsabilidade penal dos dirigentes, quando não restar comprovada a existência de condutas da pessoa jurídica voltadas para a prática delituosa[lxxv].

 

CONCLUSÃO

O tema da responsabilidade penal é por demais complexo e proporciona diversas dúvidas ao intérprete da lei e aos juristas em geral. Ainda que haja uma tentativa de esclarecimento no próprio Código Penal e na legislação especial, como o Regime Geral das Infrações Tributárias, o certo é que a responsabilidade do administrador não é tão simples de identificar.

Diante de tudo que foi analisado, percebe-se que o sujeito que exerce os poderes de gestão de determinada sociedade empresária, nos termos do Código das Sociedades Comerciais, é considerado administrador para todos os fins, inclusive os penais.

Nesse cenário,  ele será responsável pela fraude fiscal quando, considerando a divisão de atribuições da sociedade empresarial entre diretores, conselheiros e representantes, for ele quem praticar a conduta ilícita (princípio da culpabilidade), mesmo que se valha de terceiros para esconder suas ações, ainda que seja um administrador de fato ou que delegue suas atribuições sem a devida vigilância e controle.

Percebe-se, outrossim, que o fato de haver previsão de responsabilidade da pessoa coletiva não exclui a imputação direcionada ao administrador. Portanto, a regra é que tanto a pessoa coletiva como a pessoa singular responderão pelo crime fiscal, salvo nos casos em que fique comprovada alguma causa de exclusão da responsabilidade, como aquela prevista no artigo 7º, nº 2 do RGIT (atuar contra as ordens do ente coletivo).

Isto é, confirmou-se a hipótese de que a responsabilidade dos administradores ocorre mediante a aplicação da atuação em nome de outrem e que, via de regra, será conjunta com a pessoa coletiva por ele administrada.

Os objetivos traçados no início da pesquisa foram alcançados, na medida em que foi possível estudar o tratamento conferido à responsabilidade penal dos administradores nos crimes de fraude fiscal, considerando a aplicação do RGIT, da doutrina e da jurisprudência, assim como foi analisada a situação desencadeada pela legislação e jurisprudência brasileira a título de incremento teórico.

Por fim, foi reforçada a relevância social e jurídica da pesquisa, pois abrange um estudo voltado para a aplicação das garantias penais, notadamente quando se está a falar da autoria delitiva e da aplicação do princípio da culpabilidade.

 

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WELZEL, Hans – Derecho Penal: Parte General. Tradución de Carlos Fontan Balestra. Buenos Aires:  Roque de Palma Editor, 1956.

 

[1] No que se refere à criminalidade ambiental das pessoas jurídicas, é importante esclarecer que a doutrina penal brasileira não é uníssona quanto a sua possibilidade. Para alguns, o dispositivo constitucional (artigo 225º, §3º) não serve para mitigar a garantia prevista no artigo 5º, XLV, revelando uma verdadeira incongruência com a dogmática penal tradicional. Por outro lado, a maioria prefere crer na admissibilidade da denominada “ação delituosa institucional”, sobretudo após a edição da Lei nº 9.605/98, que define os crimes ambientais e regulamenta o modelo de responsabilização das pessoas jurídicas v. NUCCI, Guilherme de Souza – Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 8. ed, v. 2. Rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014. pp. 451-453.

[i] ROXIN, 1981, pp. 70-72.

[ii] SALIM e AZEVEDO, 2017, p. 67.

[iii] BITENCOURT, 2018, p. 90.

[iv] Ibidem. p. 88.

[v] MUÑOZ CONDE, p. 63.

[vi] BITENCOURT, 2018, pp. 519-520.

[vii] WELZEL, 1956, p. 73.

[viii] BITENCOURT, 2018, p. 543.

[ix] Ibidem. p. 543.

[x] SOUSA, 2009, p. 86.

[xi] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Proc. N.º 1208/08.6TDLSB.C1 de 28-11-2010, Relator Mouraz Lopes.

[xii] SOUSA, 2009, p. 305.

[xiii] A íntegra do acórdão pode ser consultada através do seguinte link: <http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/801de67a3093577580257be9003309a3?OpenDocument&Highlight=0,RGIT>.

[xiv] SOUSA, 2009, p. 76.

[xv] Acórdão nº 105/11.2IDCBR.C1, de 02/10/2013, Relator Jorge Dias. Link: <http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/3bc38ea3f5b559b980257bfd0034fcc5?OpenDocument&Highlight=0,RGIT>.

[xvi] ROXIN, 2005.

[xvii] ROXIN, 2005, p. 51.

[xviii] DA SILVA, 2013, p. 551.

[xix] Ibidem. pp. 551-552.

[xx] MATTA, 2001 apud COSTA, 2014, p. 32.

[xxi] PALMA, 1995, pp. 411 ss.

[xxii] GODINHO, 2005, pp. 226 e ss.

[xxiii] DA SILVA, 2013, p. 552.

[xxiv] Ibidem. p. 553.

[xxv] Ibidem. p. 553.

[xxvi] COSTA, 2014, p. 46.

[xxvii] Ibidem. p. 46.

[xxviii] DA SILVA, 2013, p. 554.

[xxix] Ibidem. pp. 554-555.

[xxx] Ibidem. p. 443.

[xxxi] MUÑOZ CONDE e GARCIA ARÁN, 2010, p. 631.

[xxxii] SILVA, 2017, pp. 25-27.

[xxxiii] Ibidem. p. 42.

[xxxiv] NIETO MARTÍN, 2008 apud BITENCOURT e MONTEIRO, 2013, p. 149.

[xxxv] DIAS, 2007, p. 298.

[xxxvi] Ibidem. p. 298.

[xxxvii] COSTA, 2012, p. 236.

[xxxviii] DA SILVA, 2013.

[xxxix] COELHO, 2017, p. 13.

[xl] SILVA, 2017, p. 55.

[xli] Ibidem. p. 56.

[xlii] DA SILVA, 2015. p. 57.

[xliii] MEIRELES, 2008, pp. 121 ss.

[xliv] PEREIRA e DA SILVA, 2014, p. 106.

[xlv] Ibidem. p. 107.

[xlvi] Ibidem. p. 107.

[xlvii] DA SILVA, 2015, p. 58.

[xlviii] LEITÃO, 2019, pp. 28-29.

[xlix] Ibidem. p. 556.

[l] GONÇALVES e BALTAZAR JUNIOR, 2017, p. 660.

[li] Ibidem. 661.

[lii] BITENCOURT e MONTEIRO, 2013, p. 72.

[liii] Ibidem. p. 73.

[liv] Ibidem. p. 73.

[lv] Conforme acórdão do Supremo Tribunal Federal na Ação Penal nº 516, publicado em 03/12/2010, relatoria: Carlos Ayres Brito. Disponível na internet através do seguinte link: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=627635.

[lvi] GONÇALVES e BALTAZAR JUNIOR, 2017, p. 673.

[lvii] BITENCOURT e MONTEIRO, 2013, p. 153.

[lviii] NUCCI, 2014, p. 452.

[lix] BITENCOURT e MONTEIRO, 2013, p. 72.

[lx] CAPEZ, 2017, p. 558.

[lxi] BITENCOURT, 2018, p. 450.

[lxii] GONÇALVES e BALTAZAR JUNIOR, 2017, p. 662.

[lxiii] Ibidem. p. 662.

[lxiv] Ibidem. p. 662.

[lxv] Ibidem. p. 662.

[lxvi] ROXIN, 2005.

[lxvii] NUCCI, 2016, p. 136.

[lxviii] LOPES JR., 2016, pp. 272-273.

[lxix] MENEZES e; PAULI, 2013, pp. 29-35.

[lxx] Ibidem. pp 29-35.

[lxxi] RHC 66.633/PE, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Rel. p/ Acórdão Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 03/05/2016, DJe 25/05/2016 e RHC 97.488/PR, Rel. Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 24/09/2019, DJe 02/10/2019. Disponível na internet: <https://scon.stj.jus.br/SCON/>.

[lxxii] AgRg no REsp 1673492/SP, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 03/12/2019, DJe 12/12/2019. Disponível na internet: <https://scon.stj.jus.br/SCON/>.

[lxxiii] AgRg no RHC 118.905/SP, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 19/11/2019, DJe 28/11/2019. Disponível na internet: <https://scon.stj.jus.br/SCON/>.

[lxxiv] TRF4, AC 20040401025529-6, Eloy Justo, 8ª T., m., 13/06/2007. Disponível na internet: <https://jurisprudencia.trf4.jus.br/pesquisa/pesquisa.php?tipo=%201>.

[lxxv] HC 136.250/PE, Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, 23/05/2017. Disponível na internet: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=13402591>.

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