A Ressocialização do apenado através do trabalho, em face do principio da dignidade da pessoa humana

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Resumo: A presente pesquisa é uma singela argumentação acerca da efetiva ressocialização dos encarcerados através do trabalho. Primeiramente, discorre-se sobre o princípio basilar da dignidade da pessoa humana, buscando com isso resgatar os valores humanos. Ocorre que, necessário se faz demonstrar o objetivo da aplicação das penas e as escolas penais existentes, as quais têm finalidades distintas. No entanto, no Sistema Penal Brasileiro utiliza-se o sistema progressivo de cumprimento de pena, o qual tem por finalidades: punir o indivíduo pelo ato praticado, prevenir a reincidência e ressocializar o apenado, sendo aplicada através da pena privativa de liberdade, da pena restritiva de direitos e da pena de multa. Todavia, o sistema carcerário atual encontra-se em processo de decadência total, não cumprindo com o principal objetivo do cumprimento da pena, qual seja a ressocialização do homem, em face aos inúmeros problemas do cárcere, dentre eles: a superlotação e a falta de condições mínimas de saúde, higiene e alimentação. Exemplo disso são as inúmeras reuniões nos últimos meses entre os juízes das Varas de Execuções Criminais, os membros do Ministério Público, da Defensoria Pública e os governantes na tentativa de encontrarem situações viáveis para a falência do sistema prisional no Estado. E assim a ressocialização tem como escopo principal o trabalho com a função precípua de amenizar os problemas da população carcerária, e auxiliar na reabilitação dos presos, bem como no convívio em sociedade, uma vez que, na atualidade, esta se caracteriza pela obtenção de lucros de maneira imediata, e em função disso incidem, principalmente, os delitos de furto, roubo, receptação e tráfico.[1]


Palavras-chave: dignidade da pessoa humana, cárcere, apenado, ressocialização, execução da pena.


Sumário: Introdução; Breves considerações acerca do princípio da dignidade da pessoa humana e a situação do cárcere brasileiro na atualidade; Histórico da pena e do sistema prisional, bem como das escolas penais e as respectivas penas existentes no direito penal brasileiro; A falência do sistema carcerário brasileiro e o desrespeito a lei de execuções penais de acordo com a análise da Comissão Parlamentar de Inquérito do Sistema Penitenciário; Do benefício legal da remição, da aplicação das penas alternativas e por fim a ressocialização do apenado através do trabalho; Conclusão; Referências.


Introdução


Importa salientar que o presente trabalho não pretende solucionar a crise do sistema penitenciário brasileiro, e sim demonstrar, através das iniciativas e das discussões, as quais no momento atual estão sendo amplamente debatidas, que existe a possibilidade de efetivar o processo de ressocialização do apenado através do trabalho de maneira digna.


A pretensão objetivada com a aplicação da pena ao indivíduo que cometeu um delito é punir, bem como prevenir a reincidência, e ainda possibilitar sua reabilitação na sociedade, assunto este que é abordado como tema principal na construção desta pesquisa.


Sendo assim, o objetivo do desenvolvimento deste estudo é demonstrar que há a possibilidade de ressocialização do apenado no meio social de maneira produtiva, pautando-se pelo princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.


Nesse contexto, demonstrar-se-á a realidade vivenciada dentro dos presídios, fruto da crise que se instalou na estrutura do sistema penitenciário brasileiro, arraigada pelo colapso moral dos indivíduos que compõe a sistemática carcerária.


Necessário, então, se faz enfatizar as péssimas condições que os apenados são submetidos quando do cumprimento da pena privativa de liberdade.


A apresentação deste, por uma questão de organização, e para uma melhor compreensão do público leitor se dará da seguinte maneira: primeiramente se evidência, de maneira breve, algumas considerações plausíveis acerca do princípio da dignidade da pessoa humana, tendo em vista que a dignidade do homem consiste em garantir condições adequadas e justas de sobrevivência à população encarcerada e, por extensão, aos seus familiares, suprindo suas necessidades materiais, inerentes ao status social atual, através do trabalho propiciando a reabilitação do presidiário.


Conseqüentemente, sem dignidade o indivíduo estaria renunciando à sua própria, e com isso ela estaria sendo graduada, constituindo-se numa total contradição, visto que é a dignidade do homem que os torna iguais, não podendo assim ser perdida e alienada.


E, por conseguinte, será arguida a situação atual de falência do sistema carcerário brasileiro, pois sequer é assegurado o oferecimento de condições mínimas de sobrevivência aos apenados, sendo a integridade, a intimidade e a identidade de cada presidiário tratadas como objetos de ingerência negligente do Estado.


No segundo capítulo, será apresentado um breve histórico do surgimento da aplicação da pena, uma vez que em função do homem viver em sociedade, se faz necessário a criação de regras para um convívio pacífico e ordenado. Ocorre que a sucessão de conflitos gera a necessidade da aplicação de pena.


E, ainda se fará uma abordagem linear das teorias que compõe o Direito Penal, dentre elas, a Absoluta, a Relativa e a Mista que é adotada no Brasil, bem como as espécies de penas existentes no Direito Penal Brasileiro.


No terceiro capítulo será demonstrado, através da análise das conclusões apresentadas pelo relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito do Sistema Carcerário Brasileiro do Congresso Nacional, a falência que se encontram os presídios no país, e o desrespeito com a Lei de Execuções Penais.


E por fim, será definido o instituto da remição, benefício legal previsto para o apenado que se encontra cumprindo pena, incentivando-o através do exercício laboral.


E, igualmente, será abordada a aplicação das penas alternativas na tentativa de diminuir a superlotação das casas prisionais, concluindo o capítulo com a descrição de penitenciárias brasileiras que têm reabilitado os seus detentos de maneira digna usando como filosofia o trabalho e a disciplina, sendo este o objetivo do presente estudo.


BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A SITUAÇÃO DO CÁRCERE BRASILEIRO NA ATUALIDADE


Desde já, importa elucidar que não figura como pretensão deste singelo trabalho buscar justificar a transcendência universal do princípio da dignidade da pessoa humana, mesmo porque tal iniciativa acabaria em afastar, por demais, a finalidade proposta neste trabalho. 


Interessa aqui, apenas a análise e a busca da compreensão do significado da dignidade da pessoa humana, o qual vem expressamente consagrado na Constituição Federal de 1988. Isso porque, conforme leciona Bonavides (p. 257, 1999)


“A dignidade da pessoa humana desde muito deixou de ser exclusiva manifestação conceitual daquele direito natural metapositivo, cuja essência se buscava ora na razão divina ora na razão humana, consoante professavam em suas lições de teologia e filosofia os pensadores dos períodos clássico e medievo, para se converter, de último, numa proposição autônoma, do mais súbito teor axiológico, irremessivelmente presa à concretização constitucional dos direitos fundamentais.”


O princípio da dignidade da pessoa humana é expressamente enunciado no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal de 1988[2], objeto de previsão no texto constitucional pátrio como lei fundamental, dessa maneira não contém apenas declarações de cunho moral e ético. Refuta-se que a moral é um princípio supremo como imperativo categórico, ou seja, uma ação necessária em si mesma.    


E em conseqüência disso, esse estudo baseia-se na análise do princípio da dignidade da pessoa humana, e na função norteadora de cunho interpretativo eminentemente constitucional, o qual é um dos pilares do Estado Democrático de Direito, em face do seu estabelecimento na Carta Magna o faz in locu hermenêutico na interpretação do dispositivo legal, visto que no modelo jurídico vigente no Estado, se faz necessário a interpretação do texto maior, observando sempre tal regramento, ou seja, o fundamento do Estado Brasileiro.


Tendo em vista, que os princípios constitucionais são valorados como “vigas mestras” do ordenamento jurídico, segundo ensinamentos de Espíndola, (p. 249, 2002):


“(…) além de servirem como parâmetro para solução de problemas jurídicos que exijam a sua aplicação normativa, ainda funcionam como critérios interpretativos para solução de outros casos, que não lhes solicitem, diretamente, aplicação jurídica. Esses casos podem ter em mira tanto normas constitucionais quanto infraconstitucionais. Ou seja, os princípios constitucionais, além de desempenharem a função de normas com diferentes graus de concretização, ainda funcionam como critério para interpretação de outras normas, não importando o nível hierárquico-normativo dessas.”


Sendo assim, é o princípio constitucional de maior hierarquia axiológica valorativa, por isso expressa um valor guia para todo o ordenamento jurídico. Ademais, por ser um princípio de suma importância, é de difícil conceituação, uma vez que possui entornos vagos e imprecisos; constitui-se em categoria axiológica aberta, embora seja real.


Salienta-se assim a conceituação do princípio da dignidade da pessoa humana, nas palavras do professor Sarlet (2001, p.60):


“(…) é a qualidade intrínseca e distintiva da cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, alem de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.”


Gize-se, desde logo, que embora se reconheça a importância das concepções do valor da dignidade humana, oferecidas pelas mais diversas correntes jusnaturalistas, também não se nega à afirmação de tal dignidade na cultura ocidental como conquista histórica.


A positivação do princípio da dignidade da pessoa humana é, relativamente, recente, ou seja, foi a partir da Segunda Guerra Mundial, ante as atrocidades desta, após os episódios de barbáries dos regimes nazistas e fascistas, que seu reconhecimento passou a ser expresso nas constituições dos países.


Sendo consagrado pela primeira vez na Declaração Universal dos Direitos do Homem, a qual teve aprovação na Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, tendo como fundamento originário a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789, decorrentes da Revolução Francesa.


Ressalta-se com a finalidade de breve compreensão do significado do magno princípio que estamos discorrendo, considerações acerca de sua eficácia jurídica, em função de tratar-se de direito fundamental autêntico e autônomo, sendo referência de aplicação e de interpretação, possuindo íntimo vínculo com os direitos fundamentais.


Reside, então, o seu núcleo no entendimento da doutrina majoritária na autonomia e no direito de autodeterminação do homem. Ocorre que é necessário considerar que a liberdade, bem como a autonomia são abstratas, por serem capacidades de autodeterminação da conduta humana.


Outrossim, o vínculo, ou melhor, a unificação do princípio da dignidade da pessoa humana com os direitos fundamentais, resulta nesses serem concretizações daquela linha norteadora. E por isso, sua função é legitimar o caráter implícito dos direitos fundamentais, os quais decorrem de acordos internacionais, expressos em tratados.


Cabe elucidar que os direitos à vida, à liberdade e à igualdade são exigências basilares da dignidade da pessoa humana, exemplo disso, é que o fundamento do texto constitucional sempre confirma tal princípio.


De acordo com o pensamento de Moraes (2003, p.1904), em comentários a norma constitucional, “(…) o direito à vida e à saúde, entre outros, aparecem como conseqüência imediata da dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil”.


Nessa seara, toda a atividade do Estado encontra-se vinculada ao princípio da dignidade da pessoa humana, porque se impõe como premissa o dever de respeito e de proteção ao homem, tendo como característica a obrigação estatal de abster-se de ingerências individuais, bem como no seu dever de proteger contra agressões de terceiros. Logo, são, ao mesmo tempo, limite e tarefa estatal.


Consequentemente, o Estado justifica sua existência em função do indivíduo, e não ao contrário, uma vez que o homem constitui-se em finalidade precípua, e não mero meio de atividade estatal.


Ademais, cabe ao Estado guiar as ações para preservar a dignidade existente, e criar condições que possibilitem o pleno exercício dela.  Mesmo porque, a dignidade é qualidade intrínseca do indivíduo, o qual simplesmente existe, nesse sentido é irrenunciável e inalienável. E, ainda, qualifica o ser humano, reconhecendo o respeito e a proteção, logo, é inerente ao homem.


Nesse ínterim, salienta-se que a dignidade humana consiste na garantia de condições adequadas e justas de vida ao cidadão e, por extensão, a sua família, principalmente, através do trabalho, como enfatiza a argumentação em comento, suprindo com isso as necessidades materiais inerentes à sociedade atual.


Por conseguinte, é inadmissível a imposição de restrições no que concerne ao princípio mestre da argumentação textual, pois sem dignidade o individuo age em forma de renúncia à sua própria, formando assim, um caráter insistente de graduação da dignidade, constituindo uma contradição, uma vez que é ela que torna as pessoas iguais e pertence a cada um, não podendo ser perdida, e sequer alienada.


Refuta-se que a dignidade do homem engloba o respeito, bem como a proteção a sua integridade física e mental, prova disso é a previsão no texto constitucional de proibição da pena de morte[3], de tortura e de cumprimento de pena perpétua. Mesmo porque, a Constituição Federal é adepta do princípio da proporcionalidade para a aplicação das penas, denotando assim a influência do importante doutrinador Beccaria (2003).


Sendo assim, o Estado coaduna da idéia de que tratamentos desumanos, bem como, torturas e demais maneiras de degradação do indivíduo, apenas causam desespero e medo, e conseqüentemente a insatisfação do povo causa insegurança, logo, não pode haver governo baseado no temor, conforme Rousseau (2004, p.13) elucidou “O estado será tão perfeito quanto sua vontade coincida com a vontade geral.”


Entretanto, o Estado está legitimado a utilizar os meios mais agressivos somente em estado de guerra, ocorre que a guerra é o fracasso do direito, por ser uma situação que escapa a ele próprio, a qual se justifica através da inculpabilidade, ou melhor, inexigibilidade de conduta diversa.


Ilustrando tal argumentação tem-se o pensamento do doutrinador Beccaria (2003, p. 52):


“A morte de um cidadão apenas pode ser considerada necessária por duas razões: nos instantes confusos em que a nação está na dependência de recuperar ou perder sua liberdade, nos períodos de confusão quando de substituem a lei pela desordem (…).”


Ademais, a pena de morte, no atual estágio de entendimento do Direito Penal, sequer sanção é, uma vez que não cumpre com qualquer função desta índole, havendo apenas uma supressão do homem, a qual se demonstra definitiva e irreversível.


Consequentemente, fala-se de simples impedimento físico, não se tratando assim de uma pena, como podemos exemplificar através da elucidação de amputar a mão de quem furta, com tal tratamento se deduz que a pena de morte não é atribuição do Direito Penal.


Igualmente, a Carta Maior repudia outras manifestações, assim como a pena de morte, qual sejam a privação perpétua da liberdade, os trabalhos forçados, o banimento e as penas cruéis, tendo em vista que tal previsão constitucional tem como indicador os princípios da humanidade e da racionalidade das penas.


Diante desses argumentos, pressupõe-se referendar o respeito e a autonomia ética, e nesse sentido, remetendo ao princípio da dignidade da pessoa humana, em virtude de ser inaceitável, num sistema democrático como o brasileiro, a fixação de penas, as quais importem incapacitação física ou psíquica ao indivíduo, ou até mesmo a proscrição de um cárcere perpétuo.


Em função disso, por mais grave que o delito seja, bem como sua consequência, o homem deve pagar estritamente por sua culpa, não perdendo dessa maneira sua condição de pessoa, porque com tal tratamento busca-se a inadmissível consideração do cárcere como referência de marcação ou redução do indivíduo à condição de marginal perpétuo.


Entretanto, na maioria das vezes tudo não passa de uma simples “carta de intenção”, em analogia a expressão utilizada por Fragoso[4] ao qualificar a legislação de execução penal.


Concomitantemente, as penas privativas de liberdade atravessam inúmeras dificuldades, haja vista a problemática da superlotação, prova disso é que os penalistas, e, atualmente, os Juízes das Varas de Execuções Criminais, os membros do Parquet”, os Defensores Públicos e os Governantes do Estado do Rio Grande do Sul numa ação conjunta, empreendem enormes esforços na tentativa de encontrarem alternativas viáveis para o colapso do sistema carcerário vigente.


Gize-se que a via defendida nessa pesquisa, é a ressocialização do apenado através do trabalho, ilustrando através do exemplo, que iremos discorrer posteriormente, a Penitenciária Privada Industrial de Joinville, no Estado vizinho de Santa Catarina.


Ocorre que o problema da superlotação do cárcere, embora esteja sendo tratado como uma intervenção branca, não ostensiva, está levando os juízes, os quais anteriormente agiam caso a caso, a atuarem além do que o uso da toga os compete, no sentido de encontrarem soluções práticas para o inesgotável contingente de indivíduos presos, para evitar a mais impopular das decisões – a libertação dos presos. Entretanto, tais soluções deveriam partir exclusivamente do ente Estatal.


A decisão mais comum nos dias de hoje, tomada pelos Juízes das Varas de Execuções Criminais, é relegar a população presa que está no regime semiaberto e aberto, e que possuam bom comportamento, a dormirem em casa, simplesmente em função de inexistir espaço físico nas penitenciárias.


Tal medida é justificada pela crítica as sucessivas gestões de governos no Estado, que se omitiram na construção de casas prisionais, em função de não terem uma política definida para tal segmento, bem como, por vezes, de maneira proposital, em face ao desinteresse da classe política em investir nessa área.


Salienta-se que o núcleo do sistema carcerário mundial são as penas privativas de liberdade, prova disso é que suas origens remetem aos séculos XVI e XIX. E com o advento do avanço das pesquisas no campo da medicina, principalmente no âmbito preventivo, a perspectiva de vida do homem aumentou, evidenciando dessa forma a problemática do recluso, e os efeitos da pena privativa de liberdade.


Todavia, é passível de se perceber a contradição entre o princípio da dignidade da pessoa humana e o sistema carcerário existente no país atualmente.


Gize-se não haver respeito pela vida dos encarcerados, uma vez que o complexo penitenciário brasileiro encontra-se em processo falimentar, pois as mínimas condições de sobrevivência não são asseguradas, e assim a integridade, a intimidade e a identidade de cada um dos apenados são tratadas como objetos de ingerência negligente do Estado.


Quanto ao plano sociológico da questão, o cárcere é fator criminógeno na maioria dos casos, porque a realidade de sua aplicação nega o plano teórico. Trata-se de uma espécie de seletividade da justiça, pois os atingidos são as pessoas que pertencem às camadas sociais menos providas financeiramente e intelectualmente, visto que são os menos aptos para a competição imposta pela sociedade capitalista.


É repugnante confessar que a realidade da população das Casas Prisionais é composta, em sua maioria, por pessoas provenientes dos setores supracitados, mesmo porque, por mais que se pretenda com a imposição do cumprimento das penas prepará-los para a vida livre, certamente, tal ambiente em nada propicia o alcance deste resultado, e sim a formação de uma escola do crime. Em função disso, os delitos patrimoniais são as principais massas de nutrição das prisões no nosso Estado.


Com isso, é necessário frisar que sequer há garantias mínimas para que sejam alçadas igualdades relativas aos indivíduos encarcerados, visto que são objetos de injustiças arbitrarias e disputas de poder, em função de ser a parcela excluída da sociedade, a qual não opina, ou melhor, não vota, e por isso não é passível de interesse.


E, por conseguinte, os apenados são tratados como homens objetos, e com isso tornam-se antíteses da noção do princípio da dignidade da pessoa humana. Insurge-se dessa forma o seguinte questionamento: até que ponto a dignidade é possível?


Logo, quando o homem é rebaixado, como ocorre no sistema penitenciário vigente, sendo tratado como objeto, mero instrumento, coisa, ou ainda, na ocorrência da total descaracterização do indivíduo sujeito de direito, a dignidade da pessoa humana é agredida e atingida.


E devido a essa problemática, o Direito Penal não pode ficar inerte a essa realidade, passando a reclusão do apenado a ser a incógnita mais árdua dos dias atuais, sendo considerada a chave mestre de uma futura reforma penal.


O problema em voga possui tom angustiante, com sintomas alarmantes na sociedade, relegando dúvida ao próprio destino do homem encarcerado. Ocorre que esta correção “mecânica” utilizada, ou melhor, a simples eliminação do sujeito praticante do delito, compõe um sistema falho, catastrófico.


Concluí-se que há a necessidade de práticas embasadas na cosmovisão, com fundamentação antropológica do direito penal, com resultados efetivos acerca da atual situação do apenado.


E com isso, difundir a tendência de uma corrente de aplicação de penas mais curtas, e no que concerne ao cumprimento de penas mais gravosas uma tecnicização dos estabelecimentos prisionais, tornando os apenados homens produtivos, dignos de um retorno à sociedade, sem a mácula da marginalização, efetivando-se assim a tão aspirada sociedade pluralista, a qual irá respeitar os indivíduos e concretizar o tão exaltado princípio da dignidade da pessoa humana que na atual conjectura das casas prisionais é totalmente desrespeitando.


HISTÓRICO DA PENA E DO SISTEMA PRISIONAL, BEM COMO DAS ESCOLAS PENAIS E AS RESPECTIVAS PENAS EXISTENTES NO DIREITO PENAL BRASILEIRO


A origem da pena é muito remota, tão antiga quanto à humanidade, uma vez que a prisão caracteriza-se pela amargura, tendo sido concebida na modernidade como um mal necessário.


Assim como destaca em sua obra Carnelutti (2008, p.72):


“Pode-se assemelhar a penitenciária a um cemitério; mas esquecem-se que o apenado é um sepultado vivo. (…) Ao invés do cemitério, deveria ser hospital (…) a penitenciária é verdadeiramente, um hospital, cheio de doentes de espírito em lugar de doentes do corpo.”


A história da civilização é caracterizada pela vida em sociedade, mediante a criação de alguns regramentos que possibilitem um convívio ordenado e pacífico. Entretanto, com o passar dos tempos os conflitos foram se formando, em razão da ruptura das regras que norteiam a vida em comum.


Dessa feita, surge a necessidade de aplicação de algumas penalidades, embora a pena imposta não possuísse o caráter atual, restringindo-se a uma forma de castigo ao indivíduo que rompesse com o ordenamento da época, através de sua possível expulsão da comunidade.


Originalmente, a pena tinha um caráter sacral, e assim os primeiros castigos, gize-se as penas eram adstritas às vinganças de sangue, segundo a visão Liszt, (p. 233, apud MIRABETE, 1994) acerca do assunto, o qual considerou a raiz da pena e, por conseguinte a célula da primeira manifestação jurídica na sociedade, haja vista ser a vingança a célula que atingia todo o grupo.


Após essas primeiras manifestações da pena surge a figura da vingança privada, ou a chamada composição, e posteriormente, a vingança pública denominada Lei de Talião, a qual é explicitada pelo ditado “olho por olho, dente por dente”, presumindo-se que as penas seriam proporcionais aos atos cometidos pelo indivíduo.


Outrossim, conforme destaca Nucci (2009, p.57) “[…] não é demais ressaltar que a adoção do Talião constituiu uma evolução no Direito Penal, uma vez que houve, ao menos, maior equilíbrio entre o crime cometido e a sanção destinada ao seu autor”.


Nas civilizações antigas predominava a pena de morte como sanção que traduzia a idéia de castigo, desconhecendo-se a figura da privação de liberdade. Ocorre que tais institutos galgavam além do patrimônio do infrator a repressão aos seus descendentes, contradizendo o atual posicionamento constitucional em que a pena não poderá ultrapassar a pessoa do autor do delito, conforme regulamento do princípio da individualização da pena, previsto no art. 5º, XLVI e XLVII, “b”, da Constituição Federal.


Logo, o encarceramento do delinqüente não tinha apenas um caráter de pena, como também de castigo, e por assim dizer, caráter sucessório, pois as penas não se esgotavam com a morte do réu, por vezes persistiam na sucessão familiar. Recorriam-se durante este período da história, na maioria das vezes, à pena de morte e às penas corporais, as mais cruéis certamente.


Já a lei penal no período do medievo, objetivava a provocação do medo coletivo, bem como é necessário salientar que ainda não era utilizada a idéia da pena privativa de liberdade. Havia um forte predomínio do direito germânico, tendo a pena, exclusivamente, finalidade de custódia, constituindo as mais variadas modalidades de mutilações em grandes espetáculos para o povo.


Salienta-se que foi na Idade Média que surgiram as denominadas prisões estatais, onde somente eram recolhidos inimigos do governo, tendo como principal exemplo o Presídio da Bastilha de Paris.


E, ainda, inegável foi a contribuição do Direito Canônico, o qual colaborou para o surgimento das prisões modernas, onde se difundiu o idealizador pensamento de reformar o delinquente.


Na Idade Moderna, mais precisamente entre os séculos XVI e XVII, na Europa, que se abateu uma grande crise, gerando com isso, muita pobreza e inúmeros casos de delinquência. A pena de morte não poderia mais continuar a ser a solução adequada para tal problemática, em função do enorme contingente de pessoas afetadas.


Foi então, que se iniciou um grande movimento de desenvolvimento transcendental das penas privativas de liberdade, onde foram criadas as prisões com o intuito de reformar os encarcerados através do trabalho e da disciplina, desestimulando com isso a vadiagem e o ócio.


Mas foi somente no século XIX que a idéia do aprisionamento se consolidou. É importante complementar o apogeu do sistema prisional com o instigante pensamento de Carnelutti (2008, p. 14) “Os apenados estão fechados nas prisões como os animais do jardim zoológico (…) parecem homens de uma outra raça”.


Por volta do ano de 1600, em países como a Holanda e a Inglaterra, que surgiram às chamadas workhouses, ou melhor, casas de trabalho, como na época ficaram conhecidas tais penitenciárias, as quais são os primeiros registros de prisões para cumprimento de pena. Essas casas de correção de infratores objetivavam a reforma do encarcerado baseando-se, exclusivamente, no trabalho e na disciplina.


Entretanto, somente no ano de 1681 foi considerado de fato implementado o sistema de cumprimento de pena em casas prisionais, com a fundação da Colônia da Pensilvânia, sistema este projetado por Guilhermo Penn.


Posteriormente, foram criadas outras colônias, as quais também utilizavam o Sistema Pensilvânico que consistia em isolar totalmente o apenado, fazendo uso da lei do silêncio e da proibição de visitas. Tendo como maiores críticas a severidade do sistema e, a consequente impossibilidade de readaptação social do indivíduo em face do isolamento.


Todavia, a decisiva influência do revolucionário pensamento no modo de tratamento penal nas prisões, se deu através da publicação das seguintes obras: “Dos Delitos e Das Penas” da autoria de Beccaria (2003), trazendo uma nova concepção da filosofia penal no ano de 1764, uma vez que ele entendia que a finalidade da aplicação das penas era regenerar o indivíduo, discordando inteiramente da aplicação de castigos, das penas de morte e das torturas, pensamento este que dominou a humanidade por um extenso lapso temporal; e a obra “Teoria das penas e das recompensas” do autor Jeremias Bentham no ano de 1818.


Por volta do ano de 1823 surge o sistema auburniano, no qual se mantinha o isolamento noturno da população presa, entretanto, estes indivíduos encarcerados eram submetidos ao silêncio absoluto enquanto trabalhavam. É importante acrescer que, primeiramente, o trabalho ficou adstrito a circunscrição da cela, e depois as atividades desenvolviam-se, à medida da reinserção dos indivíduos, nas áreas comuns do cárcere.


Frisa-se que a vulnerabilidade do sistema auburniano desencadeou-se em função da regra desumana do silêncio, originando assim o costume dos apenados desenvolverem um sistema de fala utilizando as mãos, ainda nas penitenciárias de segurança máxima, na atualidade, são encontrados resquícios dessa forma de comunicação.


Ademais, conforme se identifica acerca dos dois sistemas penitenciários supracitados, nas palavras de Nucci (2009), que os referidos sistemas adotaram a visão retributiva e punitiva da aplicação da pena.


No século XIX surge o Sistema Progressivo na Europa, mais precisamente, na Inglaterra, tendo como fundamentos o comportamento e o aproveitamento do apenado, os quais são demonstrados pela boa conduta e pelo trabalho.


Tal sistema tem a finalidade da diminuição dos dias-penas em razão do bom comportamento do apenado e do seu rendimento nas atividades laborais, introduzindo-se assim a inserção do instituto da liberdade gradual.


Em princípio o apenado submetia-se ao regime de isolamento, para posteriormente, ter o direito de desfrutar do instituto da liberdade vigiada com o início das jornadas de trabalho. Acresce-se que tal instituto assemelha-se ao da liberdade condicional.


Na Idade Contemporânea para explicar a finalidade da aplicação das penas, necessário se faz discorrer acerca das duas principais teorias existentes, sendo elas, a Teoria Absoluta ou Retributiva e a Teoria Relativa ou Preventiva.


Senão vejamos, Nucci (2009, p.54) discorre sobre o referente assunto explicitando:


“A pena, em primeira análise, tem por fundamento e finalidade reafirmar os valores impostos pelas normas vigentes, aquietando o espírito da vítima, para que não se volte contra o delinqüente, bem como voltando os olhos à justa punição, que, como já exposto, retribui, previne e busca a ressocialização”.


A Teoria Absoluta ou Retributiva tem como principal fundamento a sanção penal, sendo assim pune-se o indivíduo em função deste ter cometido o crime, atitude puramente compensatória, uma vez que a pena é conseqüência natural do cometimento do delito, uma retribuição jurídica pela prática do ato.


Segundo Kant[5] “(…) ao mal do crime impõe-se o mal da pena.” Nesse sentido, vislumbra-se que para a Escola Clássica a pena era puramente retributiva, não existindo ainda nenhuma forma de preocupação com o infrator.


Gize-se ainda que a aplicação da pena para tal teoria era adstrita ao dano causado pela prática do ato criminoso, tendo como fundamentos de justificação limiares subjetivos, a ética e a moral para a realização da idéia de justiça, uma vez que o embasamento legal tem previsão no artigo 59 do Código Penal, em face da análise da culpabilidade, dos antecedentes, da conduta social e da personalidade do agente. Além dos motivos, das circunstâncias e das conseqüências do crime, bem como do comportamento da vítima, tudo isso servirá para uma análise completamente subjetiva da fixação da pena pelo juiz.


Percebe-se então que o ponto vulnerável da Teoria Retributiva é a ausência total de preocupação com indivíduo, sendo a pena um fim em si mesma, como fundamento legitimador, não tendo serventia para nada, posto que torna obscuro até mesmo os pressupostos da punibilidade, não tendo portanto sequer cunho social.


A Teoria Relativa ou Preventiva objetiva prevenir a reincidência, bem como reabilitar o presidiário ao convívio em sociedade, para isso a aplicação da pena é entendida como prevenção as novas práticas delitivas, dando à sanção um sentido prático, tendo dessa maneira um entendimento contrário à aplicação da pena com o intuito punitivo. Conforme ilustra Beccaria (2003, p. 101):


“É melhor prevenir os crimes do que ter de puni-los; e todo legislador sábio deve procurar antes impedir o mal do que repará-lo, pois uma boa legislação não é mais do que a arte de proporcionar aos homens o maior bem estar possível e preservá-los de todos os sofrimentos que se lhes possam causar, segundo o cálculo dos bens e dos males da vida.”


Entende-se assim que o crime seria a ocasião perfeita para a aplicação da pena, e não o crime a causa da pena. Sendo a pena entendida pela sociedade como instrumento intimidatório, uma vez que o crime é um ato de violação do Direito, restando ao Estado impedir o indivíduo de tal pratica através da coação.


E para ilustrar tal argumentação indispensável se faz citar o nobre pensador Bentham (p.235 apud MIRABETE, 1994), “(…) a pena é um mal tanto para o indivíduo, que a ela é submetido, quanto para a sociedade, que se vê privada de um elemento que lhe pertence, mas que se justifica pela utilidade”.


Desse modo, a finalidade da pena possui dois sentidos: a prevenção geral, quando servir de intimidação para todos os componentes da sociedade, e de prevenção particular, para intimidar o criminoso que não pratique novos delitos, através da intimidação e da correção.


Outrossim, cabe ressaltar que a doutrina brasileira é adepta da Teoria Mista ou Unificadora, após as supracitadas conceituações abordadas, e até mesmo das críticas das demais teorias que explicitam o fundamento da aplicação da pena.


Observa-se que os juízes são adeptos de uma interpretação mista quando da utilização do art. 59 do Código Penal, inexistindo com isso uma hierarquia, ou quiçá, prevalência de fatores; há com certeza adição, porque os fatores de retribuição e prevenção coexistem harmonicamente.    


Interessa elucidar que no Brasil, hoje, se utiliza o Sistema Progressivo de cumprimento de pena, onde a liberdade do encarcerado é concedida de maneira gradual, possibilitando dessa maneira a sua reinserção na comunidade e protegendo-o da reincidência.


Logo, a pena deve pautar-se por um fim que coadune com os ditames legais, respeitando os princípios constitucionais, principalmente o princípio da dignidade da pessoa humana e as regras de um Estado Democrático de Direito. Caso contrário, qual seria a finalidade da pena?


Gize-se, as palavras do ilustre pensador Carnelutti (2008, p. 80):


“Na esperança de retornar ao convívio humano (…) de reassumir a condição de homem livre, de retornar ao seu lugar na sociedade, é o oxigênio que alimenta o encarcerado (…) O preso, ao sair da prisão, acredita não ser mais preso; mas as pessoas não. Para as pessoas ele é sempre detento; nesta fórmula está a crueldade e o engano. A sociedade fixa cada um de nós ao passado; e o devedor, porquanto tenha pagado a sua dívida, é sempre devedor.”


O mais viável para o Estado, em razão de ser sua função privativa aplicar a pena, seria recorrer a ela quando a ordem não possa mais ser contida por outros meios jurídicos efetivos, mesmo porque existem outras formas de reação à criminalidade vigente.


Ademais, as penas previstas no ordenamento penal brasileiro não são as mais justas ou as mais acertadas, mas nem tudo que se aplica efetivamente é o mais correto, citando Carnelutti (2008, p. 89), “(…) encarcerados somos todos, mais ou menos, entre os muros do nosso egoísmo”, em sua obra.


Pelo exposto, anteriormente, refuta-se que a aplicação da pena privativa de liberdade tem como escopos basilares: punir o indivíduo pela prática do delito, prevenir a reincidência criminal e reabilitar o apenado para possibilitar seu retorno ao convívio social.


Dessa maneira, de acordo com a respectiva tipificação que tem previsão na legislação penal brasileira, se estabelece a referida pena pelo juiz que deverá ser cumprida pelo infrator na casa prisional, seguindo os parâmetros temporais mínimos e máximos.


Ocorre que o Direito Penal Brasileiro acolhe três espécies de pena, sendo elas: a pena privativa de liberdade, a pena restritiva de direitos e a pena de multa. Sendo que a pena privativa de liberdade é aplicada das seguintes formas: reclusão, detenção ou prisão simples.


Entretanto, não há entendimento pacífico na doutrina no que concerne à distinção entre a conceituação de reclusão e de detenção. A linha majoritária entende que a pena de reclusão deve ser aplicada aos crimes considerados mais graves, estabelecendo-se o regime de cumprimento de pena no fechado, semi-aberto ou aberto. Já no que condiz a detenção, aplica-se aos crimes menos gravosos, sendo estabelecido o regime para cumprimento da pena: o semi-aberto ou o aberto.


Todavia, o regime inicial de cumprimento de pena é definido pelo magistrado, existindo, posteriormente, as figuras dos institutos da progressão ou da regressão do regime de cumprimento da pena. Convém explicitar que apenas nos crimes hediondos o regime inicial é definitivo[6], não cabendo alteração.


É importante frisar, que no Brasil, o limite máximo de cumprimento de pena é de trinta anos, independente do período de condenação ser superior aquele prazo, conforme se verifica no art. 75 do Código Penal.


O regime fechado é determinado pelo juiz quando a pena de prisão for superior a oito anos, já o regime semi-aberto quando o período for fixado entre quatro e oito anos, e o regime aberto quando a pena estiver em patamar inferior a quatro anos. A aplicação dos regimes aberto e semi-aberto estão consignadas a não reincidência do réu.


Por sua vez, a pena de prisão simples tem sua aplicabilidade prevista no Decreto-Lei de Contravenções Penais, mas tal modalidade é pouco usada com o advento da Lei nº 9.009/95 dos Juizados Especiais.


No art. 43 do Código Penal estão elencadas as penas restritivas de direito, também denominadas penas alternativas, as quais são aplicadas como prestação pecuniária – pagamento de determinada quantia que é arbitrada pelo juiz, entre um e trezentos e sessenta salários mínimos, à vítima ou aos seus familiares e ou a uma entidade social – perda de bens e valores, prestação de serviços à comunidade, interdição temporária de direitos, prevista no art. 47 do Código Penal e limitações de finais de semanas.


Existe também a possibilidade da pena restritiva de direitos ser convertida em pena privativa de liberdade, nas hipóteses constantes no art. 44, § 4º e § 5º Código Penal, quando o réu deixa de cumprir a restrição de maneira injustificada ou no curso do cumprimento da pena advier nova condenação, tendo como cumprimento de pena a modalidade privativa de liberdade.


Por fim, a última espécie de pena é a de multa, tendo como referência legal o art. 32, inciso III do Código Penal, onde está capitulado que a pena pecuniária deve ser paga pelo réu em dez dias após o trânsito em julgado de sua sentença condenatória.


A FALÊNCIA DO SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO E O DESRESPEITO A LEI DE EXECUÇÕES PENAIS DE ACORDO COM A ANÁLISE DA COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO


É irrefutável que o elemento fundante do presente trabalho é o indivíduo, mais precisamente na figura do apenado, pessoa essa que é condenada a cumprir uma pena, tornando-se alguém privado de usufruir de seu direito de ir e vir, sendo obrigado a vivenciar as mazelas do cárcere.


Em face disso, se têm as palavras de Beccaria (2003, p.107): “(…) para não ser um ato de violência contra o cidadão, a pena deve ser, de modo essencial, pública, pronta, necessária, a menor das penas aplicáveis nas circunstâncias dadas, proporcionada ao delito determinada pela lei.”


Outrossim, a população carcerária caracteriza-se basicamente de pessoas jovens, as quais são provenientes das classes menos favorecidas. Sendo assim, na maioria das vezes, sequer tiveram acesso à educação e à formação profissional, e por isso, tornam-se indivíduos excluídos do mercado de trabalho.


Igualmente, é de passível constatação que os delitos mais freqüentes possuem vinculação direta com o patrimônio, porquanto o imediatismo da sociedade capitalista leva o indivíduo a agir dessa forma, cometendo crimes como furto, roubo, receptação, tráfico de entorpecentes, e por vezes o contrabando[7], para a obtenção de dinheiro de maneira fácil.


Há também o estigma que essas pessoas sofrem em função de serem ex-detentos, não conseguindo assim se reinserir no mercado de trabalho, o que os leva a reincidir, gize-se a brilhante passagem de Carnelutti (2008, p. 80) para ilustrar a problemática:


“Certamente, ao retornar o serviço um ex-ladrão no próprio estabelecimento ou na própria casa, é um risco: poderia estar, mas também poderia não estar curado. O risco da caridade! E as pessoas racionais procuram evitar os riscos, assim o ex-ladrão fica sem trabalho. Logo, o ex-ladrão é marcado na face (…) A constituição o considera ainda inocente, mas um inocente que não tem mais o direito de ganhar o pão.”


A falência do sistema penitenciário brasileiro é resultado do colapso dos diversos aspectos que o compõe, uma vez que as condições de sobrevivência no cárcere são totalmente degradantes, atentando contra o basilar princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.


Nesse sentido, o sistema prisional ao longo dos tempos tem se demonstrado incapaz de cumprir as medidas básicas de reabilitação do apenado, ou seja, o crime cresce de maneira descontrolada e a ressocialização do preso é o que menos ocorre, visto que os índices de reincidência carcerária só têm aumentado.


Percebe-se, com isso, o imenso contraditório existente entre o que é previsto no texto constitucional e a realidade cruel e desumana do cumprimento das penas nas prisões brasileiras, pois o indivíduo é tratado de forma degradante.


Dessa maneira, o processo falimentar do sistema penitenciário no país é creditado à dimensão da população carcerária, e à falta de investimento nas casas prisionais, ora por falta de recursos do ente estatal e também por total falta de interesse deste em investir na melhoria da qualidade de vida dos apenados.


Prova disso, é que por cerca de um ano, entre os meses de agosto de 2007 e junho de 2008, a Comissão Parlamentar de Inquérito do Sistema Penitenciário[8], composta por vinte e dois deputados de diferentes partidos políticos oriundos do Congresso Nacional, visitou a maioria das Casas Prisionais Brasileiras objetivando através de imagens e entrevistas mostrar as condições de vida dos presos em todo país, e posteriormente embasar o seu relatório.


O desejo da referida CPI do Sistema Prisional, não é difundir impunidade, pois se estes indivíduos estão presos é porque, certamente, cometeram atos ilícitos, sendo, portanto merecedores de condenação. E sim, que o “Grito das Prisões” seja ouvido tanto pela sociedade quanto pelos principais detentores dessa possível mudança, o próprio Estado.


Assim, se usa como ilustração para o argumento supracitado as palavras de Carnelutti (2008, p. 75) “O amor pelo condenado não exclui totalmente a severidade da pena (…) A batalha não é pela forma da legislação, mas para a reforma do costume (…)”.


O primeiro registro de cadeia no Brasil se efetuou no ano de 1789, no Estado do Rio de Janeiro, na denominada Casa de Correção. Registra-se que atualmente um apenado custa ao Estado cerca de R$ 1.600,00 (um mil e seiscentos reais) por mês, nos ditos presídios comuns, já nas Casas de Segurança Máxima para a manutenção do mesmo indivíduo a cifra pode alcançar os R$ 4.000,00 (quatro mil reais), ou seja, custo altíssimo para os cofres públicos.


Nas referidas Casas de Segurança Máxima, ou Presídios Modelos, o cadastramento é digital, não há contato físico entre os presos, pois estes permanecem totalmente isolados. Todavia essa não é a realidade existente, porque são oferecidas em todo território nacional apenas quatro penitenciárias nesses moldes.


Concomitantemente, a CPI do Sistema Carcerário constatou que o custo do indivíduo preso certamente não é, em sua totalidade destinado como deveria, prova disso é que a falência do sistema gera lucro para alguém. E esse alguém, corrupto, é alimentado por esta fonte inesgotável de renda.


O Estado deveria fornecer aos encarcerados além de alimento, vestuário e condições mínimas de higiene e sobrevivência, o que em regra não ocorre, pois os presidiários não recebem uniformes, tomam banho frio, dormem no escuro, na tentativa de economizar energia elétrica, e precisam comprar alimento, em função da comida disponibilizada ser de péssima qualidade.


Demonstra-se, conforme foi salientado pela CPI do cárcere, que em determinadas casas prisionais, foi misturado aos alimentos dos apenados salitre, substância que proporciona sensação de saciedade, com o intuito de economizar nas despesas de alimentação dos presos, muito embora seja uma prática proibida.


Faz-se necessário referendar que insetos e roedores circulam no ambiente de preparo dessas refeições. Por isso, o contingente preso é obrigado a aderir ao comércio existente dentro das cadeias, com seus preços exorbitantes.


Pode-se afirmar que a corrupção age no interior do cárcere de forma coesa, através dos agentes penitenciários e dos policiais, em função da carência de remuneração fomentar essa prática, há a aceitação de suborno em troca de se manter abastecido o comércio de celulares e de drogas dentro das cadeias. 


Além disso, também é relevante abordar que há cobrança por parte dos agentes penitenciários, em determinados presídios, das visitas e das comidas trazidas pelos familiares dos presos, ocorrendo variação nos valores fixados em função do tamanho dos recipientes que armazenam o alimento.


Outro aspecto importante a comentar é o assédio sexual sofrido tanto entre os encarcerados, pois em muitas penitenciárias, homens e mulheres, dividem o mesmo espaço físico, como por esses em relação aos profissionais que prestam serviços dentro dos estabelecimentos prisionais, tendo em vista que presos são filmados sendo espancados, às escondidas, pelos agentes, os quais posteriormente se divertem com essas cenas.


Gize-se que com tais atos, as doenças sexualmente transmissíveis se proliferam de maneira incontrolável, assim como todos os demais tipos de problemas de saúde, uma vez que apenados sadios são colocados nas mesmas celas que presos doentes, expostos à ambientes úmidos, sujos e, por vezes, com instalações elétricas precárias, estimulando a incidência das mais variadas moléstias.


Ademais, os encarcerados em regra são tratados como animais, porque a sociedade construiu ao longo dos tempos um pensamento controverso, entendendo que investir no sistema prisional é propiciar regalias a essa população, entretanto é notável que tais investimentos são diretamente ligados ao setor de segurança pública.


A corrupção do sistema é notável abrangendo tanto as facções que tomam conta dos presídios, com a conivência do ente estatal, quanto os próprios funcionários que compõem os quadros profissionais do cárcere, porque conforme se desprende da análise do vídeo “O Grito das Prisões”, em entrevistas concedidas, os próprios diretores das penitenciárias confessam o domínio desse poder paralelo.


Exemplo disso, é que no Rio de Janeiro há o predomínio do Comando Vermelho, enquanto no restante das capitais brasileiras a dominação é do Primeiro Comando da Capital, vulgo “PCC”.


Consequentemente, a solução para essa problemática ainda encontra-se muito distante, tendo em vista que a superlotação é uma realidade gritante no sistema carcerário, visto que ainda há um contingente imensurável de mandados de prisões a serem cumpridos.


E ainda existe escassez de profissionais na área, pois faltam juízes, promotores, defensores públicos, policiais e agentes penitenciários, inexistindo por anos concursos para tais carreiras, bem como há alguns estados brasileiros que não contam com os serviços da Defensoria Pública, embora a população carcerária em sua maioria seja carente, não dispondo de recursos para o pagamento dos serviços de advogados particulares.


Com isso, vários indivíduos presos que já teriam a possibilidade de receber o benefício da progressão de regime, ou até mesmo estarem livres, em função de já terem cumprido suas penas, encontram-se abarrotando o sistema carcerário.


Importa referendar que o colapso no sistema prisional tomou medidas tão avultosas que até o presente momento deste ano de 2009 foram inúmeras as reuniões das principais autoridades, dentre elas, os juízes das Varas de Execuções Criminais, os membros do Ministério Público, os membros da Defensoria Pública e os representantes do governo do Estado do Rio Grande do Sul, na tentativa de encontrarem soluções viáveis para o tema.


Embora o responsável por encontrar as soluções desta problemática seja o próprio Estado, pois compete ao Poder Executivo, por regra legal, gerenciar a política criminal, o Judiciário desencadeou esta intervenção branca não ostensiva nos presídios gaúchos, em face da indignação, a qual resultou das várias décadas de protelação desse problema.


O governo do Estado não ergue há anos novas casas prisionais, e assim quase não são criadas novas vagas. E, por isso foi necessária a intervenção dos juízes das Varas de Execuções Criminais no sistema, interditando inúmeros presídios, obrigando o poder público a reformar e a construir novos prédios.


É pertinente informar que os magistrados não somente fiscalizam o cumprimento das penas, mas atualmente também são responsáveis pela forma de entrada e de saída do contingente preso.


Demonstra-se, com isso, mais uma vez a omissão do Estado no gerenciamento de seus deveres mínimos, os quais são previstos na Constituição Federal[9].


Em princípio, os juízes agiam de maneira isolada, caso a caso, entretanto essa realidade tem mudado, eles almejam com essas ações articuladas e práticas abrirem espaço, aumentando o número de vagas nos presídios, através da liberação dos apenados que possuírem bom comportamento para pernoitarem em suas residências.


Gize-se que há um total desrespeito a Lei de Execuções Penais, em virtude de os apenados estarem sendo tratados como animais, e em não existindo um bom tratamento a esses indivíduos, o mal é devolvido à sociedade. Sendo pertinente usar as palavras de Carnelutti (2008, pg. 82):


“As pessoas crêem que o processo penal termina com a condenação, mas, não é verdade, as pessoas crêem que a pena termina com a saída da prisão, e não é verdade; as pessoas crêem que a prisão perpetua seja a única pena perpetua, e não é verdade. A pena, para não dizer sempre, em nove vezes de cada dez casos não termina jamais. Quem pecou está perdido. Cristo perdoa os homens não.”


Assim o sistema penitenciário é sinônimo de inferno, uma vez que a sociedade se omite e o Estado não cumpre com seus deveres. É necessário transformar o lixo humano produzido atualmente, em cidadãos.


Dessa maneira ilustra-se a argumentação supracitada com o pensamento de Beccaria (2003, p. 16) “(…) se as luzes de nosso século já conseguiram alguns resultados, ainda estão muito distantes de ter dissipado todos os preconceitos que alimentávamos.”


Consoante ao argumento supracitado os direitos e os deveres dos apenados encontram-se previstos na Lei de Execuções Penais a partir do artigo 38 até o artigo 43. Entretanto, os deveres dos encarcerados resumem-se a evitar conflitos e a conviver de maneira pacífica dentro dos estabelecimentos prisionais.


Já no que diz respeito aos direitos dos apenados, os quais em realidade são totalmente desrespeitados, importa citar: recebimento de alimentação suficiente e adequada, recebimento de vestuário, tratamento médico e odontológico, oportunidade de trabalho com remuneração adequada, exercício de atividades educativas, artísticas, recreativas, esportivas e religiosas, tratamento nominal, mantença de contato com o mundo exterior, através de visitação e do envio e do recebimento de correspondências.


Nesse contexto de direitos e deveres elencados na LEP, frisa-se que os deveres dos encarcerados na maioria das vezes são realizáveis, embora as condições para o convívio pacífico se tornem insustentáveis, em virtude das péssimas condições de sobrevivência oferecidas.


Porém, os direitos são totalmente negligenciados, em face ao colapso que se encontra o Sistema Prisional no país, onde réus primários guarnecem em iguais redutos de reincidentes, assim como presos provisórios e definitivos também dividem o mesmo espaço.


Logo, o sistema trata os indivíduos encarcerados como animais, e em contradição a esta forma de tratamento espera-se, deles, um comportamento racional.


Contudo, é pertinente transcrever a passagem da sempre atual obra de Beccaria (2003, p. 26):


“À proporção que as penas forem mais suaves, quando as prisões deixarem de ser a horrível mansão do desespero e da fome, quando a piedade e a humanidade adentrarem as celas, quando, finalmente, os executores implacáveis dos rigores da justiça abrirem o coração à compaixão, as leis poderão satisfazer-se como provas mais fracas para pedir a prisão.”


Ante o exposto, importa referendar as idéias que se encontram contidas no projeto de reforma da Lei de Execuções Penais, que objetivam efetivar a reabilitação do encarcerado ao retorno do convívio em sociedade, de autoria do ex-deputado Marcus Rolim[10], as quais poderiam surtir efeitos extraordinários:


Primeiramente, a eliminação da exigência de laudos técnicos e exames criminológicos para todos os condenados à prisão pela prática de crimes sem violência. Com esta medida, as progressões de regime prisional seriam concedidas automaticamente cumprido o requisito temporal objetivo já exigido de 1/6 de cumprimento da pena e o requisito de boa conduta carcerária. (Para isso, seria também necessário que as sanções disciplinares fossem judicializadas não permanecendo pendentes, como hoje, do poder discricionário dos administradores prisionais) Os laudos continuariam sendo exigidos apenas para os casos de presos condenados pela prática de crimes violentos. Essa mudança, além de tornar mais simples e rápidas as progressões, liberaria um grande contingente de técnicos – hoje envolvidos burocraticamente na confecção dos laudos- para tarefas muito mais importantes vinculadas ao acompanhamento da execução e a individualização das penas.


Em segundo lugar, deveria ser introduzida a possibilidade do cumprimento de sentenças de restrição temporária de circulação – úteis também para condenados ao regime aberto – mediante monitoramento eletrônico à distância.


Em terceiro lugar, deveria se considerar o tempo de estudo para os efeitos de remição. A LEP estabelece que três dias de trabalho prisional assegure um dia de redução de pena. Um único estado brasileiro, o RS, vem adotadando já há alguns anos, por conta de decisão uniforme dos Juízes que atuam na área de execução, a prática de considerar também o tempo de estudo para o benefício. A medida estimula a frequência dos apenados a cursos e a aulas regulares e possui um evidente sentido ressocializador.


Por fim, a LEP deveria prever a instituição de uma cláusula obrigatória para limite de lotação. (…) Cada Juízo de Execução seria encarregado de estabelecer, observados os parâmetros legais, a lotação máxima das instituições sobre sua responsabilidade.”


Conclui-se após a análise do referido projeto de reforma da Lei de Execuções Penais que tem por objetivo principal reabilitar o encarcerado, que as mudanças estabelecidas serão salutares, não só a celeridade processual, como também aos apenados e a toda estrutura do cárcere.


Senão vejamos, todos os pontos da reforma encontram-se coligados, porque a finalidade é tornar o cumprimento da pena mais rápido e efetivo, instituindo de maneira obrigatória um limite de lotação na legislação; estimular a educação dentro do complexo prisional, ao estabelecer o instituto da remição para os dias de estudo, prática essa que já é utilizada no Estado do Rio Grande do Sul; eliminar os laudos técnicos para a concessão da progressão de regime aos crimes sem violência, tornando o procedimento automático, ou seja, simples e célere, bastando obedecer ao requisito temporal; a utilização de monitoramento eletrônico aos presos que se encontra no regime aberto, o que também em algumas casas prisionais no Estado de São Paulo já esta sendo experimentado.


DO BENEFÍCIO LEGAL DA REMIÇÃO, DA APLICAÇÃO DAS PENAS ALTERNATIVAS E POR FIM A RESSOCIALIZAÇÃO DO APENADO ATRAVÉS DO TRABALHO


A Lei de Execuções Penais destaca que o trabalho realizado pelo encarcerado antes de ser um direito, é um dever, visto que cumpre tantos com as funções educativas, quanto produtivas, estando esses elencados desde o artigo 28 até o artigo 37.


Convém ressaltar que o trabalho como um direito possibilita ao apenado incluí-lo no sistema progressivo de cumprimento da pena. Já no que concerne ao trabalho como dever, este se caracteriza como uma importante função que possibilita a reinserção do indivíduo no contexto social, dando-se início ao processo ressocializador.


Ademais, a Lei de Execuções Penais ainda prevê que o trabalho do apenado deve ser remunerado, e tal valor não pode ser inferior a três quartos do salário mínimo nacional. Concomitantemente, a estes indivíduos são garantidos os benefícios da Previdência Social.


Sendo assim, o desempenho das funções laborativas dos apenados são efetuadas tanto no ambiente externo, quanto no interno das casas prisionais. O trabalho no interior do cárcere se dá nas áreas como a enfermaria e a cozinha, caracterizando-se pela manutenção e conservação do local.


Dessa maneira, o trabalho desenvolvido pelos presos fora das penitenciárias poderá ser feito tanto em estabelecimentos privados quanto em públicos.


A LEP elenca em seu artigo 32 as condições para o apenado habilitar-se a realizar o trabalho interno no cárcere. Primeiramente, tais indivíduos devem estar cumprindo pena no regime fechado ou no semi-aberto, e posteriormente, dá-se ênfase a sua condição pessoal, bem como as oportunidades disponibilizadas no mercado de trabalho e as suas necessidades futuras.


Conforme o exposto, a jornada de trabalho dos apenados é estabelecida entre seis a oito horas diárias, com previsão de descanso semanal aos domingos e feriados. Há previsão de horário especial em casos determinados, onde as atividades são realizadas com o objetivo de manter e conservar a casa prisional.


Já no que concerne ao trabalho realizado fora do cárcere salienta-se que os presos condenados ao regime aberto de cumprimento de pena não necessitam se curvar ao requisito objetivo previsto na lei, qual seja, o encarcerado ter cumprido ao menos um sexto da pena para ter a concessão do benefício, uma vez que a fixação de tal regime já prevê algum tipo de atividade produtiva.


Consequentemente, o apenado que desenvolve atividade de trabalho externo encontra-se submetido ao regime semi-aberto ou aberto de cumprimento da pena. Todavia, a Lei de Execuções Penais também estabelece ao encarcerado submetido ao regime fechado que este somente será admitido trabalhar fora do sistema prisional quando a atividade for realizada em estabelecimentos públicos ou em privados que atuem coercitivamente na prevenção de fugas.


No entanto, a legislação prevê que a autorização para o trabalho externo compete à casa prisional embasando-se nos requisitos subjetivos, tais como a aptidão, a disciplina e a responsabilidade do apenado, e no requisito objetivo supracitado.


Subentende-se que o trabalho do encarcerado é requisito essencial para o processo de ressocialização, visto que o dever do trabalho coaduna com o dever do Estado de oportunizar a esses indivíduos o exercício de uma atividade produtiva, reinserindo-os na sociedade de forma digna.


Ocorre que há posições doutrinárias que entendem ser inconstitucional o trabalho do encarcerado de maneira obrigatória, devendo possuir um caráter facultativo, baseando-se na fundamentação prevista na carta constitucional, mais precisamente em seu artigo 5º, incisos XIII e XLVII, alínea “c”, o qual refere que é assegurada a liberdade de escolha de trabalho, e ainda é proibida a pena de atividades laborais forçadas.


Entretanto, embora a legislação estabeleça que o trabalho do apenado seja obrigatório, em caso de recusa, o Estado não poderá compeli-lo a desenvolvê-lo, contrariando o embasamento das penas de trabalhos forçados.


Em função do trabalho realizado pelo apenado é necessário conceituar o instituto da remição que se encontra disciplinado no artigo 126[11] da LEP. A remição é um direito do réu que cumpre pena no regime fechado ou no semi-aberto de ter sua pena privativa de liberdade reduzida, em razão do exercício de atividade laboral, existindo uma diminuição de um dia de pena para cada três dias de trabalho.


Tendo em vista, que o trabalho é requisito essencial para a concessão do benefício da remição, os indivíduos que estão cumprindo pena no regime aberto ou no livramento condicional não gozam de tal direito.


Interessa esclarecer que o objetivo principal do instituto da remição, ou melhor, do benefício desse direito, é auxiliar no processo de ressocialização do encarcerado, através do incentivo do bom comportamento do apenado no exercício da atividade laboral.


Destaca-se que o tempo remido conforme se verifica no art. 128 da LEP é computado objetivando a concessão do livramento condicional, ou ainda, para fins do indulto.


Ocorre que de acordo com o entendimento jurisprudencial atual a remição também é aproveitada para o encarcerado progredir de regime.


Face ao exposto, importa referendar acerca do assunto o posicionamento do ilustre jurista Mirabete (1994, p. 251), o qual destaca o entendimento predominante da jurisprudência de que o tempo remido deve ser computado em razão do tempo de pena privativa de liberdade já cumprida, assim não se abate do tempo total da condenação. 


Nesse sentido, interessa colacionar arrestos da Corte Gaúcha, uma vez que o benefício legal da remição tem como finalidade precípua a ressocialização do encarcerado, dessa maneira a jurisprudência tem feito uma interpretação extensiva do instituto para concedê-lo. Senão vejamos[12]:


“AGRAVO EM EXECUÇÃO. REGIME SEMI-ABERTO. EFETIVO TRABALHO EXTERNO. REMIÇÃO. O agravado cumpre pena privativa de liberdade no regime semi-aberto. Inexistência de colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar na Comarca. A lei não distingue a natureza do trabalho, interno ou externo, bem como se exercido de forma remunerada ou não, para fins de remição. Em face da concepção teleológica do instituto da remição, que visa à recuperação da dignidade e da reintegração do apenado na vida em sociedade, há que se considerar os dias trabalhados em serviço externo, para alcançar o benefício ao reeducando. Inviável a reforma da decisão hostilizada que deferiu a remição da pena. Agravo do Ministério Público a que se nega provimento”. (Agravo Nº 70020915617, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jaime Piterman, Julgado em 04/10/2007)


“AGRAVO EM EXECUÇÃO. APENADO EM REGIME SEMI-ABERTO. TRABALHO EXTERNO VOLUNTÁRIO. POSSIBILIDADE. CARÁTER RESSOCIALIZADOR DO BENEFÍCIO LEGAL. O trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva ¿ art. 28 da LEP. A ressocialização se constitui na finalidade maior do benefício legal, figurando, o trabalho, como ferramenta de inegável valor ao desenvolvimento do senso de disciplina, devendo a expressão finalidade produtiva¿, constante na norma, ser tida como afastamento do ócio decorrente do encarceramento, e não, exclusivamente, como atividade remunerada. Possibilidade de remição da pena que vem a afirmar o caráter educativo e disciplinador do trabalho do preso, e não apenas simples forma de ganho pecuniário. Interpretação extensiva, em benefício do segregado, dos artigos 29 e 41 II, ambos da LEP, e art. 39 do CP. Hipótese na qual o reeducando manifestou o desejo de prestar serviço voluntário junto ao Corpo de Bombeiros da cidade, sendo inegáveis os benefícios que lhe podem advir pela natureza dos serviços que aquela corporação presta à comunidade. Decisão deferitória mantida. AGRAVO EM EXECUÇÃO IMPROVIDO. (Agravo Nº 70020684023, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Fabianne Breton Baisch, Julgado em 12/09/2007)


Outrossim, convém mencionar que com o colapso do sistema penitenciário as penas alternativas de liberdade vem sendo aplicadas com maior freqüência, bem como são, atualmente, pauta de diversas discussões sobre o assunto, em razão de tornarem-se soluções paliativas do problema em questão.


As penas alternativas de liberdade são opções sancionatórias que a legislação penal prevê para evitar, com isso, a restrição da liberdade do indivíduo com a aplicação da pena restritiva de liberdade.


Nessa seara, importa salientar o que a doutrina refere acerca do tema, Bitencourt (2001, p. 64):


“É preciso tomar consciência de que, quando sustentamos e defendemos a necessidade e a legitimidade das penas alternativas, não estamos sustentando, nem defendendo a impunidade; ao contrário, queremos a efetividade do Direito, particularmente do Direito Penal. Quando defendemos a aplicação da pena alternativa, para penas de curta duração, isto é, para aqueles infratores menores, para aqueles indivíduos não-perigosos, buscamos preservar, resguardar as poucas vagas que o sistema oferece para aqueles indivíduos perigosos, para os autores de infrações graves, para aqueles que, enfim, não podem conviver em liberdade, sob pena de inviabilizar a nossa liberdade”.


Concomitantemente, a aplicação das penas alternativas objetiva efetuar o exposto no artigo 5º, XLVI, alínea “d”, da Constituição Federal, o qual pugna pela prestação alternativa social de cumprimento de pena.


Refuta-se que com a aplicação da modalidade de aplicação de pena alternativa para cumprimento de pena a superlotação das casas prisionais tende a diminuir, e assim possibilitaria a redução nos índices de reincidência, efetivando com isso a possibilidade de ressocialização no cárcere.


Necessário se faz esclarecer que as penas alternativas incidem sobre infrações ditas de menor potencial ofensivo, bem como em condenações com o prazo máximo de um ano e em contravenções penais de todas as espécies.


Todavia, também incidem em infrações de potencial ofensivo médio, nos casos em que a pena mínima aplicada não seja superior a um ano, e em crimes dolosos, nos quais a condenação aplicada não exceda quatro anos.


Frisa-se que a aplicação dessa modalidade de pena possibilita inúmeras vantagens a comunidade, tendo em vista que o infrator não é afastado do convívio familiar, e não se submete as mazelas do cárcere.


Nesse contexto, a ressocialização do individuo objetiva promover e incentivar a reintegração do apenado ao convívio social, durante e após o período de cumprimento da sanção condenatória.


Mais precisamente, a ressocialização é um processo de reabertura da vida em sociedade, entretanto para essa etapa de reinserção do encarcerado existem dois fatores fundamentais, com suas devidas parcelas de responsabilidade e de compromisso, quais sejam, o Estado e a sociedade com participações ativas.


Ocorre que o sistema carcerário brasileiro vive uma profunda e extensa crise, a qual vem sendo priorizada no momento atual, em face das proporções que alcançou, conforme as elucidadas referências já expostas neste trabalho.


Salienta-se que tal colapso tem como fundamento a incapacidade do sistema punitivo utilizado em propiciar a reabilitação do preso, e seu posterior reingresso social, em função da ressocialização sofrer com o óbice das restrições do cárcere anteriormente referendadas.


A atual conjectura do sistema penitenciário traz apenas devastação ao indivíduo, não se enquadrando na função destinada, tendo em vista que ao contrário de reabilitar, tal experiência apenas reforça valores degradantes e demonstra a conduta, por vezes, eivada de distúrbios do ser humano, trazendo assim efeitos desoladores ao apenado em sua vida pós-cárcere.


Trava-se com isso um paradoxo, uma vez que a privação da liberdade do homem estaria diretamente ligada a um momento de introspecção, com a finalidade de o encarcerado repensar suas atitudes e buscar seus valores, para uma posterior reabilitação.


Contrariamente, o que persiste no sistema carcerário é à saída de um indivíduo, na maioria das vezes, com valores completamente dissimulados do que quando de sua chegada na casa prisional, em razão de ser denominada popularmente como “escola do crime”.


É evidente que a conjectura de total desamparo, a qual os encarcerados do sistema prisional brasileiro estão submetidos têm como resultados expectativas ínfimas de reinserção social e índices alarmantes de reincidência.


Em razão da total discrepância existente entre a legislação penal e a realidade vivenciada no cárcere, comprovando a inaptidão do Estado no trato às pessoas que estão cumprindo penas privativas de liberdade, pois é digno de repúdio o Estado reduzir-se a segregar um homem, visto que este cometeu um ato criminoso, cumprindo a pena atualmente, à mísera função de segregar o indivíduo do convívio em sociedade.


Assim, é imprescindível a participação ativa do poder público no processo de reinserção social do apenado, juntamente com os entes privados para contribuírem com maiores números de vagas e melhores oportunidades de emprego para este contingente excluído da sociedade e relegado ao ócio nas penitenciárias, uma vez que o trabalho é o único meio de ressocialização do apenado, conforme a linha de pensamento que vem sendo defendida neste trabalho.


É salutar referir que o esforço estatal de reinserção do encarcerado torna-se inócuo sem a participação da sociedade, a qual desempenha o importante papel de acolhê-lo, após o cumprimento da pena.


A ampla discussão pela sociedade acerca da atual situação vivenciada no sistema prisional faz parte do processo de deliberação sobre o destino desse complexo, tendo em vista que a coletividade ao debater buscar dessa maneira soluções mais eficazes para a problemática em questão, porque a aplicação da pena privativa de liberdade não dever ser regra como ocorre hoje em dia, e sim a exceção.


Igualmente, o trabalho dos encarcerados também deve ser amplamente utilizado, assim como a presente obra vem arguindo, porquanto é o meio mais eficiente de reestruturar a vida do apenado em sociedade, bem como uma maior aplicabilidade das penas alternativas.


Mesmo porque, o indivíduo reflete o meio no qual se encontra inserido, e sendo assim se o presidiário for subjugado a viver em meio à violência e a sujeira, este nunca estará apto a reintegrar-se à coletividade.


O respeito pela dignidade do homem somente será alcançado no momento em que a pena de prisão tornar-se mais humana, através da redução entre as diferenças existentes no interior do cárcere e da vida em liberdade.


Ocorre que tal redução é um tanto quanto difícil, para não se dizer impossível, no contexto de hoje do reduto prisional, então necessário se faz amenizar essas diferenças.


É sabido que o exemplo mais viável de ressocialização do apenado é através do trabalho, dando-se assim início a luta para amenização das diferenças entre as realidades do cárcere e fora dele.


Em que pese os inúmeros argumentos contrários à privatização dos presídios no país, resta evidente, segundo o parecer da CPI carcerária, que casas prisionais nesses moldes são exemplos a serem seguidos, pois se vistas de longe, tais construções, em nada lembram o ambiente inóspito, ao qual na maioria das vezes presenciamos quando passamos por uma penitenciária.


Embora o ente privado vise à lucratividade, esse tem maiores chances de disponibilizar um serviço mais eficiente, diferentemente do ofertado pelo poder público até o presente momento, trabalhando com ética e zelo, sendo alvo de constante vigilância pelo Estado.


Todavia, resta evidente que o Estado com a implantação de casas prisionais voltadas para o trabalho do encarcerado permanece exercendo suas funções jurisdicionais, as quais são constitucionalmente indelegáveis, efetuando-se apenas uma espécie de parceria com o setor privado que se restringe a desempenhar atividades administrativas extrajudiciais.


Diante do argumento exposto evidencia-se o pensamento de Dostoiévski (2003) de que é possível julgar o grau de civilização de uma sociedade visitando suas prisões.


Ilustra-se a idéia supracitada utilizando-se os exemplos de penitenciárias brasileiras que através do trabalho dos apenados tornaram-se referências de ressocialização, dando fechamento a linha de pensamento defendida nesse trabalho.


A Penitenciária Industrial de Cascavel, no Paraná[13], foi inaugurada no ano de 2002, e desde então nunca foi registrada nenhuma fuga ou rebelião. São apenas três presos por cela, as quais são equipadas com rádio, televisor e banheiro.


O comércio dentro dessa casa prisional é totalmente impedido, pois os apenados são proibidos de fumar, bem como recebem quantidades restritas de materiais para a higiene pessoal, tudo isso na tentativa de evitar o mercado de trocas.


O resultado da filosofia aplicada no Presídio do Paraná é disciplina, porque os agentes penitenciários conquistaram melhores remunerações, e tratam os encarcerados com respeito, sendo a recíproca verdadeira.


Salienta-se que além do trabalho efetuado pelos presos, esses em sua grande maioria têm acesso a educação, através de uma biblioteca que compõe o complexo, aulas de alfabetização, chegando até ao ensino médio, e ainda são proporcionadas oficinas de arte, com a oferta de aulas de músicas.


A parceria desenvolvida entre o setor privado e o poder público é o segredo dos ótimos resultados do trabalho alcançado pela Casa Prisional de Cascavel, auxiliando na reabilitação do indivíduo preso. Junto ao complexo carcerário existem galpões onde as empresas privadas se instalam utilizando os apenados como mão de obra.


Atualmente, na penitenciária em comento, está montada uma fábrica de bolas que emprega cerca de sessenta indivíduos, com possível duplicação no número de vagas em breve.


Sendo assim os apenados aos se tornarem profissionais têm a possibilidade de remir a pena, em função dos dias trabalhados, no percentual de cada três dias trabalhados, um dia de pena é descontado, e de formarem uma espécie de poupança com a remuneração auferida.


Mesmo porque a empresa propicia aos trabalhadores o recebimento de um salário mensal, e desse valor 25 % fica para o presídio para ser reinvestido no prédio, enquanto o restante é destinado à entidade familiar ou será retirado no término do cumprimento da pena.


Outros exemplos positivos de parcerias entre os Estados e a iniciativa privada viáveis e que deram certo são encontrados nos Estados do Ceará, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais e Santa Catarina.


A Penitenciária de Joinville em Santa Catarina[14] possui seis empresas conveniadas possibilitando o trabalho do apenado dentro do complexo prisional, registrando índice mínimo de reincidência, se comparado a média nacional.


Na referida instituição os detentos são uniformizados, as celas estão sempre limpas, e bem iluminadas, a alimentação e os demais itens para a mantença da casa prisional são disponibilizadas por empresas terceirizadas.


No que concernem às visitas em tal estabelecimento importa referendar que quando são sociais, ocorrem no pátio coberto, onde estão disponíveis bancos; e se são visitas íntimas, há cerca de dez quartos, equipados com cama de casal, chuveiro quente, rádio e ventilador para os encarcerados disporem de momentos privados com o mínimo de conforto.


Concluí-se com tais exemplos demonstrados que a solução do colapso do sistema prisional brasileiro é composta de inúmeros fatores. Entretanto, o principal limiar segundo a linha de raciocínio apresentado e defendido no referido trabalho é a produtividade da população encarcerada, visto que somente assim esses indivíduos serão tratados com respeito e definitivamente reinseridos na sociedade, pois com isso a ressocialização digna tornar-se-á viável.


Conclusão


A presente pesquisa objetivou demonstrar a real situação do sistema carcerário brasileiro, apresentando exemplos de casas prisionais no país que reabilitam apenados através do trabalho.


Sendo assim com o desenvolvimento deste estudo se analisou as características, e os vários problemas que constituem o processo de falência do sistema penitenciário no Brasil.


Dessa maneira torna-se irrefutável que o elemento fundante dessa análise é o indivíduo, mais precisamente na figura do encarcerado, pessoa essa que é condenada a cumprir a sanção imposta, sendo privado de usufruir o seu direito de ir e vir, e obrigado a vivenciar os males do cárcere.


Primeiramente, concluiu-se através da busca pela análise do significado da dignidade do homem, a conceituação do princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado na Constituição de 1988, princípio esse de suma importância, mas de conceito vago e impreciso, em razão de constituir-se um axioma aberto.


Presume-se que a dignidade do indivíduo é uma qualidade intrínseca e distinta de cada homem, tornando-o merecedor de respeito e consideração pelo Estado.


Outrossim, o vínculo entre o princípio da dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais, resulta daquele ser uma espécie de concretização dessa linha norteadora. E assim, a função de tal princípio é legitimar o caráter implícito das ditas cláusulas pétreas.


Nesse contexto, toda a atividade do Estado vincula-se ao princípio da dignidade da pessoa humana, porque se impõe como premissa o dever de respeito e de proteção ao homem.


E, ainda cabe ao ente Estatal guiar as ações de preservação da dignidade existente, criando possibilidades para o seu pleno exercício, pois a dignidade é irrenunciável e inalienável, sendo inerente ao homem, e esse se constitui a finalidade precípua do Estado.


É preciso salientar que a dignidade da pessoa humana consiste na garantia de condições adequadas e justas de vida ao cidadão, estendendo-se, em regra, aos seus familiares.


Portanto, inadmissível a imposição de restrições no que concerne ao princípio mestre da argumentação textual, tendo em vista que sem dignidade o indivíduo estaria renunciando a sua própria dignidade, a qual não pode ser perdida ou alienada.


Refuta-se que a dignidade do homem consiste em respeitá-lo e protegê-lo, em sua integridade corporal e mental. Mesmo porque, a Constituição Brasileira é adepta tanto do princípio da proporcionalidade, quanto dos princípios da racionalidade e da humanidade para a aplicação das penas, não coadunando dos ideais de tratamentos desumanos, os quais apenas degradam o indivíduo, trazendo temor e insegurança para a população.


Todavia, por mais grave que um delito seja, o indivíduo deve pagar apenas por sua parcela de culpa, não perdendo assim sua condição de pessoa, porque com o tratamento atual no cárcere, o homem é relegado à condição de marginal perpétuo.


Diante do referido, as penas privativas de liberdade encontram várias dificuldades, em função do problema da superlotação, prova disso é que as autoridades competentes numa ação conjunta estão empreendendo enormes esforços para encontrarem alternativas viáveis para a falência do sistema carcerário.


Dessa maneira, os Juízes, que anteriormente agiam caso a caso, no momento atual desempenham atividades além das previstas em suas competências. Embora, tais soluções para o colapso no sistema prisional deveriam partir exclusivamente do Estado.


Ocorre que o Poder Público nunca teve uma política definida para esse segmento, assim os Juízes das Varas de Execuções Criminais têm optado por relegar a população presa que se encontra no regime semiaberto e aberto a pernoitarem em suas residências, em razão de inexistir espaço físico nas penitenciárias.


Percebe-se com tais decisões a contradição existente entre os temas abordados na primeira capitulação do presente estudo, em função de inexistir respeito pela vida dos encarcerados, uma vez que o complexo carcerário encontra-se falido, pois não são asseguradas as mínimas condições de sobrevivência à população presa, sendo essa tratada como objeto de ingerência negligente pelo ente Estatal.


Sendo o cárcere no plano sociológico um fator criminógeno, face aos atingidos serem pessoas pertencentes às camadas sociais desprovidas tanto intelectualmente, quanto financeiramente, assim se tornam menos aptos para a competição imposta pela sociedade de consumo.


É repugnante confessar que a realidade prisional propicia um ambiente em que nada auxilia para a reabilitação dos apenados, e sim a formação de um aprendizado das técnicas para a prática do crime, sendo na maioria dos casos os delitos patrimoniais que fomentam a população encarcerada.


Concluí-se que esta correção “mecânica” utilizada, ou seja, a simples eliminação do infrator compõe-se num sistema catastrófico, ou melhor, falho e ineficiente.


Há assim a necessidade de se aliar ao Direito Penal uma fundamentação antropológica, com resultados práticos, difundindo uma tendência de aplicação de penas mais brandas.


E se necessário for a aplicação de penas mais graves, essas devem estar aliadas a técnicas produtivas dentro das penitenciárias, para assim os indivíduos retornarem a sociedade de maneira digna.


Em segundo plano, salienta-se que a pena é um mal necessário, pois a vida em sociedade faz surgir alguns conflitos entre os homens, havendo a necessidade da aplicação de algumas penalidades, tendo a pena um caráter de castigo.


Concomitantemente, inegável a contribuição do Direito Canônico para o surgimento do reduto das prisões modernas, onde se difundiu a idéia de reformar o infrator. E, posteriormente, o intuito dessa reabilitação se fez através do trabalho e da disciplina, desestimulando-se com isso a vadiagem e o ócio.


Interessa observar que a doutrina brasileira é adepta da Teoria Mista ou Unificadora, onde os fatores de retribuição e prevenção dos atos coexistem de maneira harmônica, e assim a liberdade do presidiário é concedida de forma gradual, através do sistema progressivo de cumprimento de pena, reinserindo-o na sociedade e protegendo-o da reincidência.


Dessa forma, as penas aplicadas no ordenamento brasileiro, embora não sejam as mais justas ou as mais acertadas, são as previstas, mesmo porque, nem tudo que se aplica é o mais correto.


Em face disso, importa referir que a população carcerária é predominantemente jovem, e na maioria das vezes, não teve acesso à educação, inexistindo assim formação profissional, sendo excluídos do mercado de trabalho.


  Constata-se que os delitos mais freqüentes têm vínculo direto com o patrimônio, face ao imediatismo da sociedade de consumo, onde, por vezes, é mais fácil para a juventude furtar, roubar e traficar do que estudar e trabalhar.


É imperioso argumentar que há também a figura do estigma perpétuo desse indivíduo por ser um ex-detento, arraigado na cultura social, ocasionando uma imensa dificuldade de reinserção do apenado no mercado de trabalho.


Entretanto, continua sendo creditado o processo falimentar do sistema prisional brasileiro à dimensão da população carcerária, e a falta de investimento do Poder Público nessa área.


E em função disso a Comissão Parlamentar de Inquérito do Sistema Penitenciário Brasileiro do Congresso Nacional visitou por cerca de um ano a maioria das casas prisionais, tendo como objetivo principal fazer um levantamento das reais condições de vida dos presos em todo país.


Constatou-se com a referida expedição aos presídios nacionais que o custo do indivíduo preso certamente não é em sua totalidade investido como deveria, gerando lucro para a continuidade da corrupção dentro do sistema, uma vez que o Estado não fornece sequer as condições mínimas de sobrevivência ao encarcerado.


Em regra os presidiários são tratados como se fossem animais, em função da sociedade ter construído ao longo dos tempos o controverso pensamento de que os investimentos no sistema prisional apenas servem para propiciar regalias aos presos. Ocorre que tal pensamento é totalmente distorcido, em razão de esses investimentos estarem diretamente ligados a segurança da sociedade.


Por enquanto, a solução dessa problemática ainda demonstra-se distante, mas já se encontra em processo de iniciação através da aprovação de verbas para serem investidas no Estado na construção de novas casas prisionais e na reforma para a ampliação dos prédios já existentes, bem como com a disponibilização de inúmeros concursos públicos para o preenchimento de vagas no setor, dando continuidade a intervenção branca iniciada no Estado do Rio Grande do Sul.


Conforme se verificou com a presente pesquisa há um total desrespeito à Lei de Execuções Penais, no entanto prevê a referida legislação que o trabalho realizado pelo encarcerado tanto se constitui em dever, quanto em direito, pois cumpre com funções educativas e produtivas.


A produtividade laboral possibilita a reinserção do homem no contexto social, iniciando-se o processo ressocializador. Outrossim, é conveniente salientar que as penas alternativas de liberdade vem sendo aplicadas com maior freqüência, como soluções paliativas no colapso do sistema prisional.


Tendo em vista que com a modalidade de aplicação de pena alternativa para cumprimento da sanção, a superlotação das casas prisionais irá diminuir, possibilitando a redução nos índices de reincidência.


A ressocialização do indivíduo objetiva promover e incentivar a reintegração do apenado ao convívio social, tendo como fatores fundamentais a responsabilidade e o compromisso tanto da sociedade quanto do Estado.


Assim, imprescindível é a participação conjunta do Poder Público e das Entidades Privadas para contribuir com o aumento no número de vagas e melhores oportunidades de trabalho para a população presa que se encontra relegada ao ócio nas penitenciárias, porque a produtividade é a única forma de ressocialização do apenado, de acordo com a linha de pensamento defendida com essa pesquisa.


A sociedade, ao debater na busca de encontrar soluções mais eficazes para resolver o problema em comento, contribui com o processo de deliberação sobre o destino do complexo prisional brasileiro. Porque a ampla discussão é salutar, uma vez que a aplicação da pena privativa de liberdade deve ser exceção nos dias atuais.


Deve-se também utilizar amplamente o trabalho dos encarcerados como principal alternativa de reabilitação, pois o respeito à dignidade do homem somente será alcançado no instante em que a aplicação das penas tornarem-se mais humanas, através da amenização das diferenças entre a vida no interior e fora do cárcere.


E então, concluí-se que a opção mais viável é fortalecer essa espécie de parceria que vem sendo desenvolvida em algumas casas prisionais no país entre os setores públicos e privados, as quais foram demonstradas na presente pesquisa com o objetivo de difundir bons exemplos de reabilitação dos apenados através do trabalho, com enfoque em um tratamento mais digno, reinserindo-os efetivamente na sociedade.


 


Referências

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Notas:

[1] Trabalho acadêmico apresentado à Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Mário Ribeiro

[2] Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II- a cidadania; III- a dignidade da pessoa humana; IV- os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;V- o pluralismo político. Parágrafo único. Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

[3] Art. 5º, inciso XLVII, alínea “a” da Constituição Federal de 1988.

[4] Fragoso (Manual de Direito Penal Brasileiro – Volume 1 – Parte Geral, p. 686, apud ZAFFARONI, 2007)

[5] Kant (Manual de Direito Penal Parte Geral. p. 234 apud MIRABETE, 1994)

[6] O STF ao julgar o HC nº 82.959, em 23.02.06, em sua maioria decidiu pela declaração da inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º da Lei 8.072/90, determinando que o regime integralmente fechado para o cumprimento de pena imposta aos condenados pela prática de crime hediondo, viola a garantia constitucional de individualização da pena. Assim, nos crimes hediondos o regime inicial é sempre fechado, contudo, tal regime não é definitivo, uma vez que o apenado tem direito a progressão de regime.

[7] “É que os crimes que os homens não consideram nocivos aos seus interesses não afetam o suficiente para provocar a indignação do povo. Assim é o contrabando.” Beccaria (2003, p. 81)

[8]   “O Grito das Prisões”. Vídeo com imagens e entrevistas coletadas pela CPI do Sistema Penitenciário. Disponível em: <http://www.camara.gov.br>. Acesso em: 01 agosto 2009.

[9] Art. 5º, caput, da CF/88

[10]  ROLIM, Marcus: Prisão e Ideologia. Disponível em: <http://rolim.com.br/2006> Acesso em: 05 agosto 2009

[11]  “O condenado que cumpre pena em regime fechado ou semi-aberto poderá remir, pelo trabalho, parte do tempo de execução da pena”.

[12] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/>. Acesso em: 10 agosto2009.

[13] FERNANDES, Nelito. Nem Parece uma Cadeia. Disponível em: <http://www.revistaepoca.globo.com>. Acesso em: 09 agosto 2009.

[14] AMORIM, Francisco. Por Dentro de um Presídio Privado. Disponível em: <http://www.clicrbs.com.br/zerohora.com.br>. Acesso em: 22 março 2009.


Informações Sobre o Autor

Maria Julia Bittencourt de Oliveira

Acadêmica de Direito na FURG/RS


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