A saída temporária automatizada segundo o entendimento dos Tribunais Superiores

Resumo: O instituto da saída temporária automatizada tem rendido debates importantes no âmbito dos Tribunais Superiores, de modo que o presente artigo visa expor os argumentos favoráveis e desfavoráveis às teses já existentes.

Palavras-chaves: Saída Temporária. Calendário. Ressocialização.

Abstract: The institute of automated temporary exit has given important debates in the scope of the Superior Courts, so that the present article aims to expose the arguments favorable and unfavorable to the existing theses.

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Keywords: Temporary exit. Calendar. Ressocialização.

Sumário: Introdução; 1- Conceito de Saída Temporária; 2-Principais diferenças entre Saída Temporária e Permissão de Saída; 3- A análise do art. 124 da Lei de Execução Penal; 4-Posição jurisprudencial sobre a saída temporária automatizada; 4.1-Posição do Superior Tribunal de Justiça; 4.2-Posição do Supremo Tribunal Federal; 5- Conclusão.

Introdução

A Lei de Execução Penal traz em seu texto legal benefícios ao condenado, dentre eles tem-se a autorização de saída, que é considerado como gênero. Este gênero se compõe de duas espécies, quais sejam: permissão de saída e saída temporária.

A permissão de saída, prevista no art. 120 da Lei, se aplica nos casos em que condenados que cumprem pena em regime fechado ou semiaberto e os presos provisórios podem obter permissão para sair do estabelecimento prisional, mediante escolta, quando ocorrer falecimento ou doença grave do cônjuge, companheira, ascendente, descendente ou irmão; ou em caso de necessidade de tratamento médico.

Por outro se tem a saída temporária que é o objeto deste artigo e que será analisado conforme o entendimento dos Tribunais Superiores.

1-Conceito de Saída Temporária

A saída temporária é instituto que possui previsão na Lei de Execução Penal, especificamente em seu art. 122. A Lei traz um conceito taxativo do que se considera saída temporária, de modo que somente fará jus ao benefício o condenado que se encontra nas situações nela descritas. Diz o artigo em regência:

“Art. 122- Os condenados que cumprem pena em regime semi-aberto poderão obter autorização para saída temporária do estabelecimento, sem vigilância direta, nos seguintes casos:

I-visita à família;

II-frequência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução do 2º grau ou superior, na Comarca do Juízo da Execução;

III-participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social.”

2-Principais diferenças entre saída temporária e permissão de saída

Na saída temporária, diferentemente da permissão de saída, não há vigilância direta. O preso poderá se afastar do estabelecimento prisional sem que haja escolta. No entanto, nada impede a utilização de equipamento de monitoração eletrônica pelo condenado, quando assim definir o juiz da execução[1].

Outro fator diferenciador da permissão de saída é que neste benefício quem concede a autorização de saída é o diretor do estabelecimento onde se encontra o preso[2]. Em contrapartida, na saída temporária somente quem concede a autorização é o juiz da execução por ato motivado, devendo ser ouvido o órgão ministerial e a administração penitenciária, somando-se à satisfação de determinados requisitos cumulativos, quais sejam: comportamento adequado; cumprimento mínimo de 1/6 da pena, se o condenado for primário, e 1/4, se reincidente[3].

3-A análise do art. 124 da Lei de Execução Penal

A Lei de Execução Penal diz em seu art. 124, ippis litteris que a autorização será concedida por prazo não superior a 7 (sete) dias, podendo ser renovada por mais 4 (quatro) vezes durante o ano. Neste caso, a lei possibilitou a saída temporária ao condenado 05 vezes ao ano. No entanto, questiona-se a possibilidade de concessão do benefício automaticamente, criando-se um calendário para que o juiz da execução não necessite realizar um despacho para cada vez que o condenado for gozar do benefício. Esse questionamento dá origem ao que se chama de saída temporária automatizada.

Segundo a posição do brilhante autor Renato Marcão:

“Não é correto conceder em um mesmo despacho as 05 (cinco) autorizações possíveis ao longo do ano, pois o correto é que se avalie, a cada postulação da defesa, a concorrência dos requisitos legais exigidos. O preso pode ter bom comportamento na data da primeira postulação, mas deixar de se comportar bem posteriormente. Ademais, é preciso avaliar a real finalidade da saída e sua compatibilidade com os objetivos da pena” (p. 98, 2012).

Veja-se que o argumento utilizado pelo autor é plausível, pois o comportamento do condenado pode se modificar a todo o momento, fazendo com que a decisão do juiz possa também mudar, consequentemente. Neste caso, o benefício está sujeito à cláusula do rebus sic stantibus, de modo que estando ausentes os requisitos legais o condenado passará a não fazer jus ao benefício.

4-Posição jurisprudencial sobre a saída temporária automatizada

Na jurisprudência pátria a fixação de calendário da saída temporária conhecida como saída temporária automatizada rende debates profundos, de modo que o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal divergem ponto a ponto acerca do instituto. Vejamos os principais fundamentos:

4.1-Posição do Superior Tribunal de Justiça

Em consonância com o que diz o autor Renato Marcão, entende o Superior Tribunal de Justiça, inclusive em sede de entendimento sumulado, que não é possível a aplicação de calendário para a saída temporária.

Diz a súmula nº 520 que o benefício da saída temporária no âmbito da execução penal é ato jurisdicional insuscetível de delegação à autoridade administrativa do estabelecimento prisional.

Assim, segundo o entendimento deste Tribunal, o Juiz da execução quando decide em um único despacho todas as outras 04 (quatro) saídas temporárias que ocorrerão durante o ano, deixando o poder de decisão ao critério da administração penitenciária, pois esta é quem irá definir a situação do condenado nas demais saídas, ficando o Judiciário apenas acompanhando remotamente.

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Neste sentido vale a pena destacar o que diz o REsp 1166251:

“RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. EXECUÇÃO PENAL. CONCESSÃO DE SAÍDAS TEMPORÁRIAS. IMPOSSIBILIDADE DE DELEGAÇÃO DE FUNÇÃO JURISDICIONAL AO ADMINISTRADOR DO PRESÍDIO. LIMITE ESTABELECIDO EM 35 (TRINTA E CINCO) DIAS POR ANO. INTERPRETAÇÃO DO ART. 124 DA LEI DE EXECUÇÕES PENAIS EM CONSONÂNCIA COM O OBJETIVO DE REINTEGRAR GRADUALMENTE O CONDENADO À SOCIEDADE. LEGALIDADE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. DEVER DE OBSERVÂNCIA DO ART. 543-C, § 7.º, INCISOS I E II, DO CPC. 1. A autorização das saídas temporárias é ato jurisdicional da competência do Juízo das Execuções Penais, que deve ser motivada com a demonstração da conveniência de cada medida. 2. Não é possível delegar ao administrador do presídio a fiscalização sobre diversas saídas temporárias, autorizadas em única decisão, por se tratar de atribuição exclusiva do magistrado das execuções penais, sujeita à ação fiscalizadora do Parquet. 3. Respeita o limite imposto na legislação federal a conjugação dos critérios preconizados no art. 124 da Lei de Execução Penal, para estabelecer limite máximo de saídas temporárias em 35 (trinta e cinco) dias anuais. 4. Em atenção ao princípio da ressocialização, a concessão de um maior número de saídas temporárias de menor duração, uma vez respeitado o limite de dias imposto na Lei de Execuções, alcança o objetivo de reintegrar gradualmente o condenado à sociedade. 5. Assim, deve ser afastada a concessão de saídas automatizadas, para que haja manifestação motivada do Juízo da Execução, com intervenção do Ministério Público, em cada saída temporária, ressalvando, nos termos do art. 124 da Lei de Execuções Penais, a legalidade da fixação do limite máximo de 35 (trinta e cinco) dias por ano. Jurisprudência do STJ reafirmada. 6. Recurso especial conhecido e provido, com determinação de expedição de ofício, com cópia do acórdão devidamente publicado, aos tribunais de segunda instância (art. 6º da Resolução STJ n.º 08, de 07/08/2008), com vistas ao cumprimento do disposto no art. 543-C, § 7º, do CPC, bem como à Presidência desta Corte Superior, para os fins previstos no art. 5º, inciso II, da aludida Resolução. (REsp 1166251, Relator(a): Min. LAURITA VAZ, Terceira Seção, julgado em 14/03/2012)”

Os argumentos utilizados pelo Tribunal, além de ser pela vedação à delegação à administração penitenciária, baseia-se ainda no princípio da ressocialização. Este embasamento no princípio é interessante e faz sentido, pois a cada despacho autorizador o juiz da execução avaliará concretamente se a pena está surtindo o seu efeito ressocializador na vida do condenado.

4.2-Posição do Supremo Tribunal Federal

Em contrapartida, na visão do Supremo Tribunal Federal o instituto é perfeitamente cabível, não violando a reserva de jurisdição em analisar a concessão do benefício. Para o Tribunal, um único ato do juiz pode analisar o histórico do sentenciado e fixar um calendário anual de saída temporária, com a ressalva de que a autorização estará submetida à revisão em caso de eventual cometimento de transgressão disciplinar. Como dito acima, a análise é feita durante todo o período em que foi fixado o calendário, e não apenas no momento da concessão do primeiro benefício, obedecendo-se estritamente a conhecida cláusula rebus sic stantibus.

Sobre o tema, destaca-se o voto do Ministro Edson Fachin, que em rico debate ao julgar o HC 98067, diz o seguinte:

“Noto que a Lei estipula que, em observância à individualização da execução penal, a saída deverá ser concedida mediante decisão judicial fundamentada, ouvido o Ministério Público e a unidade prisional, com as limitações próprias. Em nenhum momento exige-se que cada saída seja analisada em decisão única, tampouco que as ocorrências que circundaram um benefício devam ser expressas e previamente analisadas como condição da nova saída.

Enfatizo que não se trata de delegar a saída temporária ao estabelecimento prisional. O calendário de saídas é estabelecido pelo Juízo da Execução Penal. A implementação da saída, em última análise, constitui simples cumprimento da decisão jurisdicional. Não se verifica poder decisório ou margem de discricionariedade ou análise de mérito a ser empreendida pela administração prisional. Na minha ótica, a crítica não prospera”.

No mesmo sentido do voto do eminente ministro, demonstra-se que a jurisprudência do Supremo é consolidada, possuindo outros precedentes sobre o tema. Vejam-se os seguintes julgados, sendo o primeiro o HC 98067 e o segundo o HC 128763:

“PRESO – SAÍDAS TEMPORÁRIAS – CRIVO. Uma vez observada a forma alusiva à saída temporária – gênero -, manifestando-se os órgãos técnicos, o Ministério Público e o Juízo da Vara de Execuções, as subsequentes mostram-se consectário legal, descabendo a burocratização a ponto de, a cada uma delas, no máximo de três temporárias, ter-se que formalizar novo processo. A primeira decisão, não vindo o preso a cometer falta grave, respalda as saídas posteriores. Interpretação teleológica da ordem jurídica em vigor consentânea com a organicidade do Direito e, mais do que isso, com princípio básico da República, a direcionar à preservação da dignidade do homem. (HC 98067, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 06/04/2010).”

“Habeas corpus. Direito Penal. Processo Penal. Execução penal. Saída temporária. Visita periódica à família. 2. Um único ato judicial que analisa o histórico do sentenciado e estabelece um calendário de saídas temporárias, com a expressa ressalva de que as autorizações poderão ser revistas em caso de cometimento de falta, é suficiente para fundamentar a saída mais próxima e as futuras. A decisão única permite participação suficiente do Ministério Público, que poderá falar sobre seu cabimento e, caso alterada a situação fática, pugnar por sua revisão. 3. Ameaça concreta de lesão ao direito do paciente. Dificuldades operacionais na Vara de Execuções Penais do Rio de Janeiro. Muito provavelmente, se cada condenado tiver que solicitar cada saída, muitas serão despachadas apenas após perderem o objeto. 4. Ordem concedida. Expedição do ofício ao Conselho Nacional de Justiça, ao Presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e à Corregedoria-Geral de Justiça do Rio de Janeiro, para que avaliem e tomem providências quanto à situação da execução penal no Estado do Rio de Janeiro. 5. Expedição de ofício ao Superior Tribunal de Justiça e à Procuradoria-Geral de Justiça do Rio de Janeiro, dando notícia do julgamento. (HC 128763, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 04/08/2015).”

Denota-se que o Supremo possui argumentos que visam a desburocratizar o instituto da saída temporária, evitando-se a sobrecarga do Judiciário. E veja que não há inconsistência alguma nos julgados, porquanto em momento algum há delegação da autorização à autoridade administrativa do estabelecimento, visto que o Judiciário continuará tendo a reserva jurisdicional de decidir em conceder ou não o benefício. O que há, de fato, na visão do Tribunal, é uma contribuição da administração penitenciária, o que, inclusive, já é previsto no próprio art. 123 da Lei, quando diz que serão ouvidos o Ministério Público e a administração penitenciária.

Conclusão

Do exposto, pode-se destacar que o instituto da saída temporária automatizada tem argumentos favoráveis e desfavoráveis, conforme apontado por ambos os Tribunais Superiores. Fatores como a ressocialização do preso e a desburocratização do Poder Judiciário podem ser utilizados como fatores preponderantes quanto à sua (in) admissibilidade, aquele servindo como fator desfavorável, e este como favorável à saída temporária automatizada. Assim, denota-se a importância do tema não apenas para fins práticos, mas também acadêmicos, que foi o principal objetivo deste trabalho.

 

Referências
1- HC 98067, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 06/04/2010. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=611531> Acesso em 30 ago, 2017.
2- HC 128763, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 04/08/2015. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/hc128763.pdf> Acesso em 30 ago, 2017.
3- Lei de Execução Penal (LEP). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7210compilado.htm> . Acesso em: 30, ago, 2017;
4-MARCÃO, Renato. Execução penal./ Renato Marcão.-São Paulo: Saraiva, 2012.- (Coleção saberes do direito;9)1. Direito penal.-Brasil I. Título. II. Série;
5-REsp 1166251, Relator(a): Min. LAURITA VAZ, Terceira Seção, julgado em 14/03/2012. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=20303921&num_registro=200902165121&data=20120904&tipo=5&formato=PDF> Acesso em 30 ago, 2017.
 
Notas
[1] Art. 122, parágrafo único. A ausência de vigilância direta não impede a utilização de equipamento de monitoração eletrônica pelo condenado, quando assim determinar o juiz da execução.

[2] Art. 120, parágrafo único. A permissão de saída será concedida pelo diretor do estabelecimento onde se encontra o preso

[3] Art. 123. A autorização será concedida por ato motivado do Juiz da execução, ouvidos o Ministério Público e a administração penitenciária e dependerá da satisfação dos seguintes requisitos: I – comportamento adequado; II – cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena, se o condenado for primário, e 1/4 (um quarto), se reincidente; III – compatibilidade do benefício com os objetivos da pena.


Informações Sobre o Autor

João Gabriel Cardoso

Advogado. Pós-graduado em Direito Administrativo pela Faculdade de Ciências Wenceslau Braz. Aprovado no concurso público de provas e títulos para o cargo de Delegado de Polícia Civil do Estado do Ceará


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