As Provas Ilícitas no Processo Penal e o Princípio da Proporcionalidade

Aline Pellenz – Bacharel em Direito pela Universidade de Caxias do Sul; pós-graduanda em direito público pela Escola de Magistratura Federal – ESMAFE.

Resumo: o presente artigo baseia-se em um estudo doutrinário, legislativo e jurisprudencial que visa analisar se as provas ilícitas podem ser aceitas no processo penal em casos excepcionais com fulcro no princípio da proporcionalidade. Esse exame parte das correntes doutrinárias da admissibilidade das provas ilícitas pro societate e inadmissibilidade das provas ilícitas pro societate, bem como admissibilidade pro reo. Foi feita pesquisa bibliográfica acerca das provas no processo penal, com ênfase nas provas ilícitas e provas ilícitas por derivação, bem como do princípio da proporcionalidade: seu significado, função e aplicação, além de seu uso na colisão de direitos fundamentais. Também, analisa-se casos céleres da jurisprudência que envolvem os temas, apontados pela doutrina. Ao final, foi estudado o significado da busca pela verdade real no processo. Restou evidenciado que a jurisprudência e doutrina são controversas no tocante à possibilidade de admitir prova ilícita pro societate.

Palavras-chave: Princípio da Proporcionalidade. Provas. Provas Ilícitas. Provas ilícitas pro societate.

 

Abstract: The present work is based on a doctrinal, legislative and jurisprudential study that aims to analyze whether illicit evidence can be accepted in criminal proceedings in exceptional cases based on the principle of proportionality. This examination starts from the doctrinal currents of the admissibility of the unlawful evidence pro societate and the inadmissibility of the unlawful evidence pro societate, as well as the admissibility of pro reo. Bibliographic research was conducted on evidence in criminal proceedings, with emphasis on illicit evidence and illicit evidence by derivation, as well as the principle of proportionality: its meaning, function and application, as well as its use in the collision of fundamental rights. Also, we analyze quick cases of jurisprudence that involve the themes, pointed by the doctrine. In the end, the meaning of the search for real truth in the process was studied. It was evidenced that the jurisprudence and doctrine are controversial regarding the possibility of admitting illicit proof pro societate.

Keywords: Evidences. Proportionality Principle. Unlawful Evidence. Unlawful Evidence Pro Societate.

 

Sumário: Introdução; 1. Princípio da Proporcionalidade; 1.1 Conceito de Princípio; 1.2. Funções dos Princípios; 1.3 Princípio da Proporcionalidade; 1.4 Colisão entre Princípios Fundamentais; 2. Provas Ilícitas; 2.1 Provas Ilícitas por Derivação; 2.2 Desentranhamento das Provas Ilícitas; 3. Admissibilidade e Inadmissibilidade das Provas Ilícitas; 3.1 Inadmissibilidade e nulidade; 3.2 Admissibilidade das provas iícitas pro societate; 3.3 Admissibilidade das provas ilícitas pro reo; 3.4 Inadmissibilidade das provas ilícitas; 3.5 Direito Comparado; 3.6 Busca Pela verdade Real; Considerações Finais; 4. Referências

 

Introdução

O presente artigo fará um estudo acerca das provas ilícitas e sua admissibilidade no processo penal pro societate à luz do princípio da proporcionalidade. Para isso, também será verificada a admissibilidade pro reo e inadmissibilidade pro societate.

O problema de pesquisa em análise é se as provas ilícitas podem ser aceitas no processo penal, em casos considerados de extrema gravidade, com fulcro no princípio da proporcionalidade. A hipótese principal é de aceitação da prova ilícita em favor do Estado, de acordo com a corrente da admissibilidade pro societate, em razão de haver colisão de direitos fundamentais, assim, estes devem ser ponderados entre si. A hipótese secundária é de aceitação da prova ilícita em favor do réu de acordo com a corrente da aceitação da prova ilícita pro reo. Também será analisada a hipótese de não aceitação, seja qual for o caso, em razão de ferir os direitos e garantias fundamentais, bem como em face do artigo 157 do Código de Processo Penal (CPP), que veda as provas ilícitas expressamente.

Primeiramente, necessária análise do que é um princípio e sua função no ordenamento jurídico. Após, será feita análise do princípio da proporcionalidade, seu surgimento, significado e utilização no caso de ponderação de direitos de igual hierarquia e será verificada a hipótese principal do trabalho de sua utilização para ensejar a aceitação de prova ilícita no processo penal em casos de gravidade.

Em seguida, serão pontuadas as provas ilícitas e provas ilícitas por derivação. Neste momento será levantada a hipótese secundária de não aceitação das provas ilícitas.

Após, serão pontuadas as três correntes: a corrente doutrinária da admissibilidade da prova ilícita pro societate, a qual defende que a prova ilícita, que levou à verdade dos fatos, deve ser aceita, com fulcro no princípio da proporcionalidade, para ensejar a punição do acusado, sem prejuízo da responsabilização dos agentes que a colheram em desacordo com a norma. A aceitação da prova ilícita pro reo defende que a prova ilícita só pode entrar no processo se for em benefício do réu, eis que isso caracterizaria legítima defesa ou estado de necessidade. Já a corrente da inadmissibilidade da prova ilícita pro societate argumenta que os agentes do Estado não se podem valer das provas ilícitas para ensejar uma condenação, diante do ferimento dos direitos e garantias fundamentais. Assim, será analisado como prosseguir nos casos de colisão. Também, verificar-se-á o direito comparado e casos em que as teorias foram utilizadas.

Procura-se pontuar também a busca da verdade real no processo. O processo e as provas têm o intuito de encontrar a verdade e, só assim, se terá uma sentença justa e punição ao responsável de acordo com os fatos ocorridos em cada caso.

Faz-se necessário a discussão eis que o tema ainda é discutido na atualidade e de bastante controvérsia.

 

  1. Princípio da Proporcionalidade

1.1 Conceito de Princípio

A ordem jurídica constitucional baseia-se em regras e princípios. Os princípios são normas com grau alto de generalidade e conteúdo abrangente. Eles servem como balizas informadoras para integração, interpretação e aplicação do direito positivado e têm o intuito de dar unidade ao sistema legislativo. Sobre os princípios, ensina Canotilho “os princípios são normas jurídicas impositivas de uma optimização, compatíveis com vários graus de concretização, consoante os condicionalismos fáticos e jurídicos”.[1]

No mesmo sentido é o ensinamento Braga: “as regras devem decorrer de circunstâncias fáticas ou jurídicas predeterminadas, apenas podem ser cumpridas ou não, e os princípios são mandamentos de otimização, pois preceituam o que pode ser feito, com ampla margem de atuação, em face de situações jurídicas e reais”. [2]

Do latim princpium significa o começo de vida ou da origem de algo. No sentido jurídico, é o dogma fundamental que tem a atribuição de conciliar o sistema normativo com a lógica e a racionalidade.

Os princípios não preveem fatos jurídicos determinados ou situações pré-estabelecidas, são direcionadores do ordenamento jurídico. Prudente destacar a denominação feita por Alexy em que chama princípios de “mandamentos de otimização”[3], eis que são normas as quais ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Os princípios trazem consistência ao ordenamento jurídico quando aplicados conjuntamente com as normas positivadas.

Ao qualificar os princípios como normas, ensina Alexy “tanto regras quanto princípios são normas por que ambos dizem o dever ser. Ambos podem ser formulados por meio de expressões deônticas básicas do dever, da permissão e da proibição. Princípios são, tanto quanto as regras, razões para juízos concretos do dever-ser, ainda que de espécie muito diferente. A distinção entre regras e princípios é, portanto, uma distinção entre duas espécies de normas”.[4]

Canotilho sugere ainda, para diferenciação entre princípios e normas, os critérios: a) grau de abstração: normas tem um grau de abstração baixo e os princípios possuem alto grau de abstração; b) grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto: os princípios são vagos e as regras tem capacidade de aplicação imediata; c) caráter de fundamentabilidade: os princípios tem papel fundamental no ordenamento jurídico; d) proximidade da ideia de direito: os princípios são padrões vinculantes da ideia de justiça e as regras podem ser vinculativas com conteúdo apenas funcional; e) natureza normogenética: os princípios servem de fundamento às regras.[5]

Também, os princípios podem ser explícitos ou implícitos. Os explícitos dividem-se em constitucionais, previstos no texto da Constituição Federal ou infraconstitucionais, previstos em Códigos e leis especiais como, por exemplo, o princípio da vedação provas ilícitas, no texto do Código de Processo Penal. Os princípios implícitos, por sua vez, cabem ao operador do Direito no exame da legislação encontrá-los e apontá-los, como, por exemplo, o princípio da proporcionalidade que será abordado no item 2.4.

Ensina Cristóvam[6] que os princípios constitucionais sustentam todo o ordenamento jurídico, com intuito de conferir integralidade ao ordenamento constitucional. Representam normas constitucionais de eficácia vinculante na proteção e garantia dos direitos fundamentais.

Válido ressaltar que os princípios sintonizam-se com os direitos e garantias fundamentais, os protegem e servem de estrutura. Argumenta Nucci:  “os princípios não afrontam direitos e garantias fundamentais; com eles sintonizam-se na essência. Aliás, como regra, os princípios protegem os direitos fundamentais e servem de estrutura para as garantias fundamentais. Ilustrando, o princípio da presunção da inocência não afronta o direito à segurança, nem privilegia de modo absoluto o direito à liberdade”.[7]

Nucci[8] defende que os princípios constitucionais explícitos ou implícitos devem harmonizar-se entre si e prevalecem sobre os infraconstitucionais, por serem vetores do Estado Democrático de Direito e servirem de estrutura às normas específicas. Não podem esses serem afastados para aplicação de norma específica ou legislação ordinária.

Os princípios infraconstitucionais, por sua vez, devem prevalecer sobre as normas específicas ou regras. Tem-se como exemplo o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) ao julgar inconstitucional os artigos 15 e 21 da Lei 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento) que vedavam a liberdade provisória. Nota-se que prevaleceram os princípios constitucionais da presunção de inocência, devido processo legal, ampla defesa e contraditório.

 

1.2 Funções dos Princípios

Importante verificar que os princípios podem ter funções distintas no ordenamento jurídico e faz-se necessário identificá-las.

            Os princípios têm função interpretativa, integradora, diretiva e limitativa. A função interpretativa auxilia e norteia a resolução de dúvidas acerca do significado de determinada norma jurídica ou em lacunas existentes nestas. São critérios auxiliares do interpretador da lei e pode-se reconhecer uma superioridade dos princípios constitucionais a uma disposição normativa em razão de que a lei deve ser sempre interpretada ou aplicada de acordo com os princípios e jamais contra eles. Há vinculação, portanto, entre as disposições normativas e os princípios.

A função integradora relaciona-se ao preenchimento de lacunas deixadas pela lei. O princípio oferece um critério para auxiliar na interpretação da lei com lacuna deixada pelo legislador. Interessante ressaltar que surge um paradoxo quanto a esta função. Parte-se do pressuposto que os princípios são normas válidas dotadas de força normativa, no caso da ausência de norma, regra ou princípio a lacuna subsistirá. Contudo, se houver princípio aplicável, não há que se falar em lacuna, eis que este também é norma.

A função diretiva, por sua vez, orienta a atividade legislativa ou os operadores do direito na interpretação e aplicação da norma. A limitativa, por fim, coloca limites de competência ou de eficácia de certo regulamento.

 

1.3 Princípio da Proporcionalidade

Necessário o estudo acerca do princípio da proporcionalidade, eis que é o fundamento para a aceitação da prova ilícita no processo em casos de extrema gravidade.

O princípio da proporcionalidade tem sua essência na ideia de equidade, bom senso, moderação, proibição do excesso e direito justo. É o sacrifício de um direito em detrimento de outro. É de extrema importância na colisão de valores constitucionais, onde há relação implícita entre duas grandezas, idênticas ou não. Quando um direito não se sobrepõe a outro, mas entra em conflito (iguais em matéria de importância e aplicação) a saída viável é utilizar a proporção para buscar o justo.

Aristóteles, discorre sobre o proporcional e o justo dizendo “o justo é, pois, uma espécie de termo proporcional (sendo a proporção uma propriedade não só da espécie de número que consiste em unidades abstratas, mas do número em geral). […] Eis aí, pois, o que é o justo: o proporcional; e o injusto é o que viola a proporção”.[9]

Sarmento et. al., por sua vez, explica o princípio como “não se trata, assim, de um parâmetro aplicável a todo e qualquer caso, mas sua utilização pressupõe a existência de uma finalidade que é perseguida, de um meio que visa a implementá-la e de uma relação de causalidade entre eles. O princípio da proporcionalidade serve para analisar a relação entre interesses e bens que estejam em confronto, podendo ser qualificado, portanto, como um critério estrutural para determinação de conteúdo constitucionalmente vinculante dos direitos fundamentais”.[10]

Em caso de conflito, os princípios são sopesados de acordo com o caso concreto e prevalece o que tiver maior importância. Para isso, utiliza-se o princípio da proporcionalidade. A proporcionalidade atribui legitimidade à restrição de princípios fundamentais ou equilíbrio à concessão destes.

É o ensinamento de Mendes et. al. quanto à função da proporcionalidade “no âmbito do direito constitucional, que o acolheu e reforçou, a ponto de impô-lo à obediência não apenas das autoridades administrativas, mas também de juízes e legisladores, esse princípio acabou se tornando consubstancial à própria ideia de Estado de Direito, pela sua íntima ligação com os direitos fundamentais que lhe dão suporte e, ao mesmo tempo, dele dependem para se realizar. Essa interdependência se manifesta especialmente nas colisões entre bens ou valores igualmente protegidos pela Constituição, conflitos que só se resolvem de modo justo ou equilibrado fazendo-se apelo ao subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito, a qual é indissociável da ponderação de bens e da necessidade, compõe a proporcionalidade em sentido amplo”.[11]

A doutrina traz a proporcionalidade ora como princípio, ora como subprincípio.  Em sede de conhecimento, a proporcionalidade tem três dimensões. Para sua aferição, deve se perceber se atende seus subprincípios: idoneidade, necessidade, proporcionalidade em sentido estrito. A idoneidade, exige que toda restrição aos direitos fundamentais seja íntegra, hábil a atender um fim constitucionalmente legítimo e consubstancie um meio adequado para esse fim. O subprincípio da necessidade impõe que a medida adotada para restrição de um direito fundamental seja a menos lesiva aos direitos para atingir a finalidade buscada. O subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito expressa a ponderação em que uma restrição a direitos fundamentais só pode ser justificada pela relevância do equilíbrio e escolha de um em detrimento de outro.

Denota-se que, em sentido amplo, a proporcionalidade significa a proibição do excesso. Já em sentido estrito representa equilíbrio, onde os benefícios devem ser maiores que os ônus. Será utilizada a terminologia proporcionalidade para referir-se à definição mais abrangente (dividido em três subprincípios), que visa o meio termo, o justo.

Não há lugar e época definido para o surgimento do princípio da proporcionalidade, vários são apontados pela doutrina. Nesse trabalho destacam-se as épocas e locais em que o princípio teve relevante importância ao longo dos tempos e que contribuíram para sua conceituação como se conhece atualmente.

Inicialmente o princípio da proporcionalidade teve grande importância no Direito Alemão, no cenário pós 2ª Guerra Mundial. Na Alemanha, o regime nazista corrompeu as disposições da Constituição de Weimar, documento que governou República de Weimar de 1919 a 1933. A nova constituição do Império Alemão, de mesmo nome da que precedeu, vigorou de 1933 a 1945, durante o Terceiro Reich. Essa aproveitou-se do fato de não estabelecerem limites ao Poder Legislativo em relação aos direitos individuais. Assim, após a 2ª Guerra, os juristas alemães preocuparam-se em impor limites ao legislador, para não permitir que este interferisse nos direitos fundamentais. Nesse momento, o princípio da constitucionalidade se sobrepôs ao da legalidade e o princípio da proporcionalidade se solidificou. Passou a ser reconhecida a necessidade de controle de leis com base na proporcionalidade da restrição imposta, dessa forma, a proporção passou a ser norma constitucional não escrita.

Na Europa, o princípio da proporcionalidade é considerado princípio geral do direito. Também, de acordo com o artigo 10 da Convenção Europeia de Direitos Humanos de 1953, a liberdade de expressão está garantida e poderá ser restrita, apenas em mínima intensidade, unicamente se for indispensável ao interesse da sociedade democrática.[12] Verifica-se, portanto, o princípio da proporcionalidade já que há restrição de um direito em detrimento de outro.

Na Inglaterra há certa resistência à utilização do referido princípio. Isso decorre da ideia de que o Judiciário não pode substituir às escolhas veiculadas nos atos legislativos e administrativos, pois isto envolveria o controle de mérito. A jurisprudência tem se posicionado das seguintes formas: nas decisões relativas às leis da Comunidade Europeia, o critério da proporcionalidade é utilizado. Quando não está envolvida matéria comunitária: ora é afastada a proporcionalidade, explícita ou implicitamente, ora é analógica ou explicitamente empregada.[13]

Na França, a técnica da ponderação custo-benefício reflete o uso da proporcionalidade, ainda que o Conselho de Estado e o Conselho Constitucional não a usem expressamente.

Já na Itália, é denominada ragionevolezza (razoabilidade – tradução livre) e ainda é confundida com razoabilidade, porém presente na jurisprudência no sentido de proporcionalidade como conhecemos no direito brasileiro.

O Direito Português a prevê expressamente em sua constituição, no artigo 266, item 2º “os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e a lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa- fé” [14] (Grifo nosso).

No Direito brasileiro, a doutrina aponta diversas ocasiões quanto ao surgimento. Em sua maioria, apontam que o princípio da proporcionalidade nasceu no direito administrativo para limitar o poder de polícia. Após, foi incorporado ao direito constitucional e irradiou-se por outros ramos até ser considerado princípio geral do Direito.

O entendimento majoritário da doutrina é de que o princípio da proporcionalidade não está explícito na Constituição Federal, mas entende-se implícito na norma pátria. O fundamento desse princípio é o estado democrático de direito, o devido processo legal, o princípio da legalidade, o catálogo geral dos direitos fundamentais e a Constituição Federal. Destaca-se o artigo 5º, inciso LIV, cláusula do devido processo legal, e o artigo 102 e seus incisos, ambos da CF88, em face do controle jurisdicional dos atos da Administração e das leis produzidas pelo Legislativo.

Sarmento et. al., nesse tocante “a despeito do inegável prestígio que o princípio da proporcionalidade assume no direito contemporâneo, grande parte dos textos constitucionais não o mencionam expressamente. Assim ocorre na Alemanha, onde o princípio foi originariamente concebido, e também no Brasil”.[15]

A proporcionalidade só se legitima se indispensável para o caso concreto e deve ser adequada para atingir o objetivo visado. Também, se vê tal princípio na retribuição punitiva proporcional ao delito cometido. Nesse sentido, se tem de exemplo o furto famélico, que não é apenado, pois tem como intuito apenas saciar a fome do infrator, há assim proporção entre delito e pena. Ainda, existe o caso de valor econômico irrelevante, onde não se priva a liberdade do infrator pois desproporcional à conduta cometida. Nos casos referidos, a condenação do réu seria desproporcional à conduta praticada por este, ainda que tenha ferido direito de outrem.

Como ensina Braga[16], somente poderia ser privado de determinado direito, o infrator, na medida em que tivesse privado outro de idêntica proporção. Também se vê a proporcionalidade nos casos de legítima defesa, em que se sacrifica um bem em razão de uma ameaça injustificada, e no caso de estado de necessidade, em razão de perigo que conflite vários bens jurídicos.

Tal princípio também está demonstrado em alguns dispositivos normativos, tais quais: artigo 2º, VI, da Lei 9.784/99 (lei que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal) que preceitua “a administração pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. Parágrafo único: Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de: VI- adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público”.

No Código de Processo Penal (Lei 3.689, de 3 de outubro de 1941) no artigo 156 que disciplina “a prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida” (Grifo nosso).

Bem como no artigo 282, I e II da mesma norma legal “as medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a: I – necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais; II – adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado” (Grifo nosso).

E, ainda, no artigo 438, parágrafos 1º e 2º, também do Código de Processo Penal “a recusa ao serviço do júri fundada em convicção religiosa, filosófica ou política importará no dever de prestar serviço alternativo, sob pena de suspensão dos direitos políticos, enquanto não prestar o serviço imposto. § 1º Entende-se por serviço alternativo o exercício de atividades de caráter administrativo, assistencial, filantrópico ou mesmo produtivo, no Poder Judiciário, na Defensoria Pública, no Ministério Público ou em entidade conveniada para esses fins. § 2º O juiz fixará o serviço alternativo atendendo aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade” (Grifo nosso).

O princípio tem por função a exigência de racionalidade dos atos do Poder Público, limite à violação de direitos fundamentais e proibição de excessos legislativos.[17]

Cabe destacar que a doutrina confunde razoabilidade e proporcionalidade. No passado, havia posições no sentido de que um está inserido no outro ou, ainda, como sinônimos. Atualmente, a doutrina distingue ambos conceitos.

A razoabilidade tem origem norte-americana, e fundamento no due processo of law (devido processo legal – tradução livre). De acordo com Steinmetz[18] é no due processo of law em sentido substantivo que se fundamenta o controle de razoabilidade das leis e dos atos normativos de todos os Poderes Públicos.

Braga[19] diferencia ambos conceitos e argumenta que a razoabilidade é aplicada pelos juízes norte-americanos como virtude do homem prudente, a procura da solução mais razoável. A proporcionalidade, por sua vez, traz ideia de simetria e harmonia, e possui forte conteúdo subjetivo, guiada pelo senso comum.

Silva[20], também diferencia ambos conceitos, e ensina que ambas visam coibir excessos, porém, sua origem e estrutura são distintas. A razoabilidade possui critérios predefinidos: adequação e necessidade. Já a proporcionalidade, por sua vez, não possui critérios e tem caráter subjetivo. Assim, nem todo ato desproporcional será também considerado desarrazoado. A desproporção (ou proporção), valoração de um bem em detrimento de outro aplicado ao caso concreto que traga justiça, não pode ser considerada desarrazoada.

Na jurisprudência brasileira, a primeira vez que se utilizou o princípio da proporcionalidade como fundamentação foi no recurso extraordinário nº 18.331, do relator Ministro Orozimbo Nonato. No caso, o Município de Santos aumentou o imposto de licença sobre cabines de banho em 1.000%. Marques & Viegas, sob alegação de que esse aumento inviabilizaria a sua atividade econômica, ingressaram em juízo arguindo inconstitucionalidade da majoração. O juiz de primeiro grau acolheu o pedido, mas a sentença foi reformada pelo Tribunal de São Paulo (TJ-SP). Levado o caso ao Supremo Tribunal Federal (STF), este referiu-se expressamente à doutrina da Suprema Corte norte-americana de que “o poder de taxar é o poder de deixar vivo” e reconheceu que há limites constitucionais ao poder de tributar.[21]  A discussão foi no sentido de que havia desproporção entre o tributo cobrado e capacidade contributiva do comerciante, assim era necessária a proporcionalidade entre o direito de taxar e a liberdade de trabalho. A decisão foi em favor do fisco.

Antes da Constituição Federal de 88 (CF88), também, o STF, ainda que por vezes em confusão entre razoabilidade e proporcionalidade, abordou o tema em seus julgados. Buchele escreveu “não parece divergir da doutrina Pátria ao considerar pioneira, na aplicação da razoabilidade como critério de controle de constitucionalidade, a decisão prolatada no Recurso Extraordinário 18.331 (rel. Min. Orozimbo Nonato, 21.09.51). Ali, o Pretório Excelso julgou excessiva a majoração do imposto sobre cabines de banho, perpetrada por lei do Município de Santos/SP. […] a partir desse julgado, a Suprema Corte Brasileira passou a produzir outras decisões em que a ideia de proporcionalidade ou da razoabilidade era manejada como parâmetro de controle da constitucionalidade de atos administrativos e legislativos. Assim, por exemplo, os importantes acórdãos lavrados no RMS 16.912, de 31.08.67 (Rel. Min. Victor Nunes Leal, RTJ 45/530) e no HC 45.232), os quais, em plena ditadura militar, representaram algum alento na defesa dos direitos e garantias individuais contra a opressão do regime”.[22]

Como se vê, as alegações desarrazoadas foram o embasamento para decretação de inconstitucionalidade de lei ou ato administrativo.

 

1.4 Colisão entre Princípios Fundamentais

            O princípio da proporcionalidade é de suma importância quando há colisão de direitos/princípios fundamentais constitucionais. É o meio pelo qual se operacionaliza a ponderação entre os direitos conflituosos. No tocante às correntes da admissibilidade e inadmissibilidade da prova ilícita, há divergência entre direitos fundamentais da vítima e do acusado, assim, necessário o entendimento de como proceder em casos como este.

Os princípios são a base do direito positivo e os direitos ou garantias fundamentais referem-se especificamente ao rol exemplificativo disposto no artigo 5º da CF88. Entende-se que os direitos ou garantias fundamentais estão submetidos nos princípios. Por exemplo, o princípio da dignidade da pessoa humana traz diversas garantias/direitos, tais como a não auto incriminação, a liberdade, a vida, dentre outros. Ambos são fundamentais e em igual grau de hierarquia. A doutrina utiliza tais terminologias (princípios fundamentais e direitos ou garantias fundamentais) e, por vezes as confunde ou utiliza como sinônimos. A intenção neste trabalho não é diferenciar ambos, mas analisar seu confronto e ponderação. Como referido que os direitos estão inseridos nos princípios, será utilizada a terminologia “princípios fundamentais” para abrangência dos dois.

Alexy, discorre sobre a proporcionalidade no caso de colisão “limite de satisfação do princípio referente ás suas possibilidades jurídicas é o objeto do subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito. Quando dois princípios válidos colidem, há duas ordens de otimização inconciliáveis entre si. A satisfação de um princípio depende da desestimação do outro. A realização de um se faz às custas do outro. Torna-se imprescindível apurar qual dos dois princípios tem maior peso para a solução do problema. Está determinada, então, a ponderação. A máxima da proporcionalidade em sentido estrito é a ponderação”.[23]

O confronto de princípios fundamentais dá-se horizontalmente, entre indivíduo e indivíduo, como, por exemplo, liberdade de comunicação versus direito à intimidade; e verticalmente, entre indivíduo e Estado, por exemplo, liberdade de comunicação versus segurança pública.

Canotilho[24] exemplifica que a verificação da necessidade de ponderação dos bens ocorre em duas etapas: primeiramente é necessário a verificação de dois direitos que não podem ser realizados em toda sua potencialidade em razão da existência de outro. Em segundo lugar, a inexistência de regras que viabilizem verificar a predominância entre estes. E, por fim, para efetuar a ponderação, é indispensável a justificação da regra de prevalência que deve ir ao encontro dos princípios da igualdade, justiça e segurança jurídica.

Essa divergência, além de ocorrer entre princípios diferentes, pode se dar também entre idênticos ou entre individuais contra coletivos (inviolabilidade do domicilio e direito à vida, por exemplo).

Mendes et. al., argumenta que não há colisão entre princípios fundamentais, mas sim, momentos de tensão hermenêutica “no campo da aplicação dos princípios, ao contrário, a maioria entende que não se faz necessária a formulação de regras de colisão, porque essas espécies normativas – por sua própria natureza, finalidade e formulação – parece não se prestarem a provocar conflitos, criando apenas momentâneos estados de tensão ou mal-estar hermenêutico, que o operador jurídico prima facie verifica serem passageiros e plenamente superáveis no curso do processo de aplicação do direito.”[25]

Nesse diapasão, é necessário diferenciar ponderação de interpretação. A ponderação tem existência autônoma e cabe para equilibrar os direitos no caso concreto. À interpretação, de outra banda, cabe para atribuir significado ao texto da norma.

Ressalta-se novamente a diferenciação entre princípios e normas. Os princípios não preveem situações concretas, são abstratos, apesar de também possuir força normativa. As normas por sua vez, tratam de situações específicas. Pontua Mendes et al. sobre o confronto de normas “…] em se tratando de regras de direito, sempre que a sua previsão se verificar numa dada situação de fato concreta, valerá para essa situação exclusivamente sua consequência jurídica, com o afastamento de quaisquer outras que dispuserem de maneira diversa, porque no sistema não podem coexistir normas incompatíveis”.[26]

A ponderação entre direitos surgiu na Alemanha, no caso conhecido por “caso Luth”, em 15 de janeiro de 1958, na decisão do 1º Senado do Tribunal Constitucional, quando o cidadão americano Eric Luth interpôs recurso constitucional após ser condenado por tribunal estadual pelo fato de ter se manifestado, publicamente e por diversas vezes, para convocar um boicote aos filmes de Veit Harlan (diretor de cinema alemão), sob alegação de ser em face de seu passado nazista. Eric foi condenado e restou proibida a sua manifestação e incitação a novos boicotes contra o diretor, com fundamento no Código Civil alemão, eis que o boicote seria contrário à moral e aos bons costumes. Contudo, a decisão foi reformada pelo Tribunal Constitucional, o qual argumentou que o direito fundamental à liberdade de opinião sobrepunha-se ao direito ordinário (no caso o Direito Civil). Colidiram-se o direito fundamental à livre manifestação de opinião e proteção da atividade industrial. Como se vê, houve a ponderação de normas fundamentais diante de análise do caso concreto.

Conclui-se que, para a ponderação de bens com fulcro no princípio da proporcionalidade, deve-se analisar a colisão de princípios fundamentais constitucionalmente protegidos e não haver diferença hierárquica entre eles – normas que não se sobrepõem uma a outra.

 

  1. Provas Ilícitas

O direito à prova é constitucionalmente assegurado, contudo, não é absoluto e encontra limites, como, por exemplo: impedimentos para depor de pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão devam guardar segredo (art. 207 do CPP); recusa de depor consentida aos parentes do acusado (art. 206 do CPP); restrições à prova estabelecidas na lei civil quando se trate do estado das pessoas (art. 155, parágrafo único do CPP), dentre outros.

Avolio, descreve as provas ilícitas como as que foram colhidas com ofensa ao direito material “por prova ilícita, ou ilicitamente obtida, é de se entender a prova colhida com infração a normas ou princípios de direito material – sobretudo de direito constitucional, porque, a problemática da prova ilícita se prende sempre à questão das liberdades públicas, onde estão assegurados os direitos e garantias atinentes à intimidade, à liberdade, à dignidade humana”.[27]

O doutrinador referido ressalta que o debate quanto a prova ilícita veio vagarosamente, eis que o princípio do livre convencimento do juiz era conquista recente e, também, uma visão autoritária e burocrática da função jurisdicional buscava conferir uma posição de proeminência à busca da verdade.[28]

A vedação das provas ilícitas é princípio constitucional explícito na norma pátria, especificamente no inciso LVI do artigo 5º “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. Também, a Lei 11.690/2008 que alterou o CPP em seu artigo 157 estabeleceu que “São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais”. Assim, se compreende que o princípio a inadmissibilidade da prova ilícita limita o princípio da liberdade da prova.

Tal vedação é inerente ao Estado Democrático de Direito. Além de princípio, trata-se de garantia constitucional do indivíduo. As garantias constitucionais são naturais, abstratas, imprescindíveis, inalienáveis e universais. Naturais, pois pertencem a natureza humana; abstratos, eis que pertencem a todos, independentemente de nacionalidade; imprescritíveis, vez que não se perdem com o tempo; inalienáveis porque o homem não pode abrir mão; e universais, pois podem ser exercidos por cada um, independentemente da coletividade.

A ilicitude é o gênero, do qual se disseminam vários tipos de ilegalidade. Pode essa ser em decorrência de infração de normas constitucionais, como, por exemplo, invasão de domicílio sem ordem judicial, o que infringe o inciso XI do artigo 5º da norma pátria, que dispõe que a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela pode penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial; ou infração de norma legal, como, por exemplo, subtração de algo para servir de prova, o caracteriza furto (artigo 155 do Código Penal), formar laudo pericial não oficial com um único perito, que fere o artigo 159 do CPP o qual dispõe que o exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior.

Cabe ressaltar ainda a diferença entre prova ilícita, ilegítima e irregular. A prova é ilícita quando há ofensa ao direito material, como, por exemplo, violação ao domicílio (art. 5º, XI, da CF88), das comunicações (art. 5º, III da CF88) e as colhidas com violação à intimidade (art. 5º, X, CF88). A prova é ilegítima quando há ofensa ao direito processual, como a oitiva de pessoas que não podem depor, ou como o advogado que não pode compartilhar informações que obteve no exercício da sua profissão (art. 207 do CPP). As irregulares, por sua vez, são as colhidas em desacordo com as formalidades legais exigidas, tal qual o depoimento de testemunha parente de umas das partes sem a advertência de que não está compromissada a dizer a verdade.

As Mesas de Processo Penal, (citadas na doutrina de Grinover e Avolio) em que se debateu temas de processo penal, do Departamento de Direito Processual Penal da Universidade de São Paulo (USP), sob coordenação da processualista Grinover, abordaram o tema nas súmulas “Súmula 48 – Denominam-se ilícitas as provas colhidas com infringência a normas e princípios de direito material; Súmula 49 – São processualmente inadmissíveis as provas ilícitas que infringem normas e princípios constitucionais, ainda quando forem relevantes e pertinentes, e mesmo sem cominação processual expressa; Súmula 50 – Podem ser utilizadas no processo penal as provas ilicitamente colhidas, que beneficiem a defesa”.

A polêmica referente a prova ilícita decorre da controvérsia quanto a sua aceitação ou não no processo penal, especificamente em casos de maior gravidade, onde se percebe a encruzilhada entre a busca pela verdade real em defesa da sociedade e o respeito às garantias fundamentais do indivíduo asseguradas constitucionalmente.

Castro[29], por sua vez, preceitua que o Estado é o promotor da persecução criminal, assim, deve assegurar o bem estar de seus cidadãos. Sob esse prisma se inclui a questão da prova ilícita, em que há uma colisão de interesses de punir do Estado, para assegurar a promoção da justiça e, de outro, o limite à intromissão estatal na esfera privada.

 

2.1 Provas Ilícitas por Derivação

Ainda, tem-se outro tipo de prova ilícita, denominada de prova ilícita por derivação. Trata-se das provas ilícitas decorrentes de prova originária afetada pela ilicitude.

As provas derivadas das ilícitas também são ilegais, em razão da teoria dos frutos da árvore envenenada. Essa teoria surgiu na Suprema Corte Americana, e dispõe que a ilicitude da prova se transmite às suas derivações e estas devem ser igualmente banidas. No direito brasileiro, se encontra a referida corrente no artigo 157 do Código de Processo Penal que diz “são também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras” (Grifo nosso).

No tocante as provas derivadas das ilícitas, a doutrina e jurisprudência não chegaram a um consenso, quer seja no Brasil ou no direito comparado. Grinover entende que “a posição mais sensível às garantias da pessoa humana e, consequentemente mais intransigente com os princípios e normas constitucionais, é a que professa a transmissão da ilicitude da obtenção da prova às provas derivadas, que são, assim, igualmente banidas do processo”.[30]

A teoria doutrinária do fruto da árvore envenenada surgiu a partir de decisão proferida no caso da Suprema Corte dos Estados Unidos da América (EUA), conhecido como Silverthorne Limber Co vs. United States, em 1920, no qual Silverthorne tentou se esquivar do pagamento de impostos. Agentes federais apreenderam ilegalmente livros fiscais de Silverthorne e criaram cópias dos registros. Assim, as cortes passaram a excluir a prova derivada da ilícita, com base nesse precedente. Acreditava-se que isso desencorajaria a polícia a proceder com buscas e apreensões ilegais. O entendimento passou a vigorar no Brasil pelas modificações introduzidas no CPP, especificamente no artigo 157 já citado anteriormente.

Tem-se como exemplo desse entendimento doutrinário o mandado judicial de busca e apreensão domiciliar, em que a autoridade policial apreende um computador, que armazena em arquivo movimentação financeira utilizada para prática de crime de lavagem de dinheiro. Contudo, se a diligência for realizada mediante interceptação telefônica do investigado não autorizada judicialmente, esta será considerada prova derivada da ilícita. A obtenção da prova em si é licita, eis que em casos como este os investigadores se utilizam de mandado judicial. Todavia, o mandado foi expedido com base em uma prova obtida de forma ilícita. Evidencia-se, portanto, o nexo de causalidade entre uma e outra prova e, assim, entende-se que a prova está contaminada.

A legislação em vigor nega a caracterização da contaminação em duas situações no artigo 157, parágrafo 1º do CPP: quando não evidenciado nexo de causalidade e quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras. A primeira situação preceitua que de qualquer forma se chegaria à prova, quer o ato ilícito tenha sido praticado ou não. A segunda, preceitua que há uma fonte independente, que permitiria chegar a mesma prova, além da fonte ilícita. Em suma, a descoberta seria inevitável.

Grinover et al. critica o legislador quanto aos parágrafos do artigo 157 do CPP. Argumenta que o parágrafo 1º é desnecessário, em razão da redundância “[…] era perfeitamente desnecessária a previsão normativa, na medida em que o conceito de prova derivada supõe, por si só, a existência de uma relação de causalidade entre a ilicitude da primeira prova e a obtenção da segunda. Se o vínculo não estiver evidenciado, é intuitivo que não se trata de prova derivada”.[31]

Também, critica o parágrafo 2º do referido artigo “mais grave parece ter sido o equívoco da lei ao consagrar a exceção da fonte independente. Aqui o legislador afastou-se da noção original fixada na jurisprudência americana, que supõe que o dado probatório possua efetivamente duas origens, uma ilícita e outra lícita, subsistindo como elemento de convicção válido, mesmo com a supressão da fonte ilegal”.[32]

Avolio[33] cita em sua obra precedente do STF, anterior à CF88, insinuando a prevalência da posição que inadmite a prova ilícita por derivação no processo. A decisão é de 18 de dezembro de 1986 em que a corte determinou o desentranhamento de gravações clandestinas feitas por particulares, bem como o trancamento do inquérito policial.

Ademais, houve divergência quanto ao tema em julgamento do Supremo Tribunal de Federal, ocorrido em 30 de junho 1993, onde a Ministra Spúvelda Pertence afirmou em seu voto que “essa doutrina é a única capaz de dar eficácia a garantia constitucional da inadmissibilidade da prova ilícita, porque vedar que se possa trazer ao processo própria degravação das conversas telefônicas, mas admitir que as informações nela sejam aproveitadas pela autoridade, que agiu ilicitamente para chegar a outras provas, que sem tais afirmações não colheria, evidentemente, é estimular e não reprimir a atividade ilícita da escuta e da gravação clandestina de conversas privadas”.[34]

Em discordância, argumentou o Ministro Sydney Sanches, com um exemplo, segundo o qual “[…] a polícia, através, de uma interceptação ilícita, toma conhecimento deum homicídio e passa a investiga-lo, logrando encontrar o corpo do delito e obter o depoimento de testemunhas presenciais, além da confissão do próprio autor do crime”.[35]

O Ministro[36] não via como não ensejava-se uma condenação com esse conjunto probatório pelo fato de “o fio da meada ser uma prova ilícita”. Ainda, disse que a conclusão seria a impunidade da poderosa rede de traficantes. O tribunal rejeitou a aplicação da doutrina nesse caso concreto.

 

2.2 Desentranhamento das Provas Ilícitas

Caracterizada a obtenção ou produção da prova ilícita, o legislador ordena seu desentranhamento conforme artigo 157 do CPP. A sanção é sua inadmissibilidade em juízo. Primeiramente, não se pode deixar que essa ingresse no processo mas, caso ingresse, deve ser sanada tal irregularidade.

A efetividade do desentranhamento ainda é questionada, pois não há como afirmar que o juiz não teve conhecimento desta e afetado sua convicção. A hipótese de afastar o juiz do caso quando adentrasse prova ilícita no processo foi objeto de veto presidencial.

A norma existente preceitua que deve ser a prova ilícita inutilizada por decisão judicial e, com o fim dos recursos para impugnar tal decisão, ocorre seu desentranhamento, sua destruição física. Há crítica da doutrina quanto a destruição física da prova, no sentido de que pode haver eventual prejuízo à defesa no caso de pretender utilizar a prova, ainda que ilícita, em benefício do réu. Nesse caso adentra-se na corrente doutrinária da admissibilidade da prova ilícita pro reo, que será pontuada a frente. Em suma, a corrente defende a utilização da prova ilícita caso utilizada em favor do réu, com fulcro no princípio da liberdade e dignidade humana. Tal flexibilização pode ser utilizada em decorrência do princípio da proporcionalidade, estudado em capítulo anterior.

 

3. Admissibilidade e Inadmissibilidade das Provas Ilícitas

A admissibilidade ou inadmissibilidade das provas ilícitas é tema controverso na doutrina. Há corrente doutrinária no sentido de que as provas ilícitas podem ser admitidas no processo, com fulcro no princípio da proporcionalidade, em face do princípio da busca da verdade real, em que se entende que violação processual não deve prevalecer sobre o interesse da coletividade. Nessa corrente, há dois subgrupos: defende-se a admissibilidade da prova ilícita pro societate e pro reo. Necessário entender que o termo latino pro societate traduz-se por “em favor da sociedade” e pro reo “em favor do réu”.

Em sentido contrário, a corrente da inadmissibilidade das provas ilícitas, a qual defende que não podem ser admitidas no processo provas geradas ilicitamente, eis que violam o Estado Democrático de Direito. Passa-se à análise de ambas correntes.

 

3.1 Inadmissibilidade e Nulidade

Inicialmente, necessário diferenciar inadmissibilidade e nulidade. A admissibilidade está referida à questão de validade e eficácia dos atos processuais. O processo deve seguir o modelo traçado pelo legislador, assim, somente o ato perfeito pode conferir efeitos. Do contrário, pode levar à invalidade e ineficácia do ato.

O processo é formal, repleto de regras para garantir a padronização da movimentação do feito, por meio de procedimentos e atos solenes que visam garantir a igualdade entre as partes. Os vícios em face do descumprimento destas regras acarretam na nulidade. É o ensinamento de Nucci “as falhas e os vícios decorrentes do descumprimento de certas regras conduzem ao campo das nulidades. Noutros termos, conforme o vício gerado, pode ser sanado e se aproveita o ato processual, tal como produzido. Entretanto, tratando-se de vício grave, não se pode aproveitar o ato, devendo-se refazê-lo”.[37]

As provas passíveis de anulação podem ser aproveitadas, se assim decidir o magistrado. O artigo 563 e 566 do CPP dispõem que “nenhum ato será declarado nulo se da nulidade não restar prejuízo para acusação ou defesa” e “não será declarada nulidade de ato processual que não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa”. Respectivamente, nesses artigos, percebe-se o princípio da duração razoável do processo, já o que legislador possibilitou a desconsideração, ao invés de seu refazimento em todos os casos e abriu espaço para ser sanada a irregularidade, quando não houver prejuízo às partes. Por exemplo, a prova testemunhal sem que se tenha dado oportunidade a uma das partes fazer seus questionamentos pode ser declarada válida, caso não tenha ocorrido prejuízo à parte. A declaração da nulidade não é automática, e deve ser alegada pela parte interessada no primeiro momento que couber falar nos autos, sob pena de preclusão.

Conclui-se que a nulidade ocorre em momento posterior ao ato, no qual se reconhece sua irregularidade e, em consequência, sua invalidade e ineficácia ou validade e saneamento. A admissibilidade ou inadmissibilidade, por sua vez, decorrem de apreciação anterior ao ato, para impedir que a irregularidade se consume e, em consequência, impede a produção de qualquer efeito válido. Por exemplo, a confissão utilizada como prova de materialidade é proibida pelo artigo 158 do CPP, sendo portanto, inadmissível.

Percebe-se que a admissibilidade da prova é conceito de direito processual, de valoração feita pelo legislador, com intuito de evitar que certas provas ingressem no processo e sejam consideradas pelo juiz no julgamento da demanda.

A provas ilegais não são passíveis de saneamento nem refazimento, bem como não se sujeitam à preclusão. Constatada a ilicitude da prova, essa deve ser considerada inadmissível e ser desentranhada do processo.

 

3.2 Admissibilidade das Provas Ilícitas Pro Societate

A admissibilidade das provas ilícitas pro societate, ou seja, aquelas utilizadas para embasar uma sentença favorável ao Estado, ocorre com fulcro no princípio da proporcionalidade, analisado anteriormente no item 2. Para utilizar o princípio da proporcionalidade dois direitos de valor igual devem estar presentes. Serve de exemplo o direito à vida em confronto com o direito à intimidade, em que é necessário invocar o referido princípio.

A corrente da admissibilidade pro societate defende que nos casos de gravidade extrema, a inadmissibilidade de uma prova, por ser ilícita, geraria injustiça, ainda que essa leve à verdade real dos fatos e à condenação do autor do delito. Serve de exemplo a esta situação uma busca ilegal na residência do acusado em que se chega ao corpo de uma vítima. A corrente defende a utilização da prova ilícita para ensejar a condenação do acusado, sem prejuízo a sanção cabível ao que gerou tal prova.  Tal aceitação da prova ilícita no processo se daria com base no princípio da proporcionalidade, que pesa os dois valores em análise – no exemplo citado o direito à vida em confronto com o direito à inviolabilidade do domicílio.

A CF88 disciplina garantias individuais e coletivas em seu artigo 5º, entre elas, a vedação da prova ilícita. Contudo, como nenhuma garantia é absoluta, abre-se espaço para a admissibilidade da prova ilícita, com base no princípio da proporcionalidade, implícito na norma pátria em situações em que se tenha a necessidade de proteção de outra garantia igualmente importante.

A doutrina da admissibilidade argumenta que deve-se analisar o caso concreto e fazer a ponderação de ambas grandezas. A proporcionalidade só pode ser invocada, no que tange à admissibilidade da prova ilícita, em casos de extrema gravidade (tráfico de drogas, tortura, terrorismo e crime organizado, entre outros), onde a injustiça pela inutilização da prova que levou a verdade do fato não seria aceitável.

Segundo Rangel[38], esse entendimento prestigia a prova produzida, apesar de punir o responsável pelo ato ilícito praticado na sua produção, seja penalmente, administrativamente ou civilmente. Nessa seara, entende-se que não se pode culpar a sociedade por violação do Poder Público, e o responsável pela produção ilícita deve ser responsabilizado.

Prudente analisar o entendimento de Grinover que, discorre sobre o assunto e afirma ser necessária a verificação de que a introdução da prova no processo é consentida “o problema jurídico da admissibilidade da prova não diz respeito à maneira pela qual uma determinada prova foi obtida: o importante é verificar se a sua introdução no processo é consentida, em abstrato, sendo irrelevante a consideração dos meios utilizados para concebê-la”.[39]

Interessante também citar o questionamento de Capez, claramente adepto da corrente da admissibilidade “seria mais importante proteger o direito do preso ao sigilo de sua correspondência epistolar, do qual se serve para planejar crimes, do que desbaratar uma poderosa rede de distribuição de drogas, que ceifa milhões de vidas de crianças e jovens? Certamente não. Não seria possível invocar a justificativa do estado de necessidade?”[40]

Válido ressaltar os primórdios desse entendimento doutrinário. No seu surgimento, o jurista alemão Adolf Schonke sustentava que o interesse da coletividade deveria prevalecer sobre mera formalidade antijurídica. No mesmo sentido, o jurista espanhol Jaime Guasp, dizia eficaz a prova ilícita, sem prejuízo da aplicação [41]das sanções cíveis, penais e disciplinares cabíveis. Na doutrina norte americana, Fleming defendia que a prova ilicitamente produzida não deveria ser afastada como meio de punição à polícia pelo mau comportamento. John Henry Wigmore, ressaltou que mais perigoso que admitir a prova ilícita seria o próprio assassino sem castigo.[42]

Quanto aos juristas brasileiros, autores como Yussef Cahali e Washington de Barros Monteiro sustentam que é irrelevante o meio pelo qual a prova foi obtida e deve ser aproveitado seu conteúdo. José Rubens Machado de Campos sustenta que, no conflito entre direito à intimidade e os meios ilícitos de prova não se admite uma proteção absoluta às liberdades públicas, e deve-se ceder quando em conflito com a ordem pública e as liberdades alheias.

Em análise à jurisprudência, vê-se que são casos pontuais citados pela doutrina no tocante a admissibilidade.  No acordão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), de 2010, que embora não explícito o princípio da proporcionalidade para aceitação da prova, a justificativa utilizada foi o “crime muito grave”, no caso tráfico de drogas, em prevalência ao direito de intimidade “prova ilícita – Filmagem da ação em local público – Não ocorrência – Crime muito grave – Proteção da sociedade contra os males da droga que deve predominar sobre a privacidade e intimidade dos traficantes”.[43]

No acordão do Tribunal de Justiça de Goiás nº 32910-0/213, prova obtida em razão de interceptação telefônica que foi iniciada anteriormente a decisão judicial foi considerada lícita e utilizável no processo. O argumento do relator foi o princípio da proporcionalidade para ensejar condenação do acusado, verdadeiro autor do fato, e acrescentou ainda que não se pode deixar formalismos exacerbados anulem todo o processo em nome da obediência cega a preceitos legais “I – prova obtida de interceptação telefônica, produzida no curso de investigações preliminares e só depois trasladada para o inquérito policial que serviu de base para o oferecimento da denúncia, não caracteriza como prova emprestada, e tampouco enseja reconhecimento de nulidade por ofensa ao art. 5º, inc. XII da CF e ao art. 1. Da lei n. 9.296/96. Depois, mesmo que o monitoramento das comunicações telefônicas tenha perdurado por mais de dois meses, o supremo tribunal federal já pacificou entendimento no sentido de que fatos revestidos de complexidade permitem investigação diferenciada e continua, sem qualquer ofensa as disposições da lei n. 9.296/96 (hc n. 83.515-rs, pleno, min. Nelson Jobim, DJ de 04.03.2005). II – os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade informam a atividade judicante, impedindo que formalismos exacerbados anulem todo um processo em nome da obediência cega a preceptivos legais. Por fundamentar a sentença outras provas apontando a autoria e a materialidade do tráfico ilícito de entorpecentes (testemunhas, auto de busca e apreensão, laudo de exame toxicológico, etc.), nenhuma nulidade há de ser reconhecida pela ausência de transcrição do inteiro teor das gravações interceptadas. Ofensa ao art. 5., incisos lIV e lV da CF e ao art. 6., da lei n. 9.296 não caracterizada. III – não resta evidenciada nulidade da busca e apreensão domiciliar, se os autos revelam razoes suficientes para a suspeita da pratica de crimes, ainda mais em se tratando de tráfico de drogas, cuja natureza e permanente, tornando desnecessária, inclusive, a expedição de mandado de busca e apreensão para a realização da diligencia, efetivada nos estreitos lindes do art. 5., inc. Xi da cf. Precedentes: STJ, RHC 16.792, rel. Gilson dipp. IV – licita a prova que culminou na prisão em flagrante do autor do fato, e também revestida de legalidade as interceptações telefônicas produzidas no curso de investigações preliminares, só depois trasladadas para o inquérito policial que serviu de base para o oferecimento da denúncia, não há que se falar em ilicitude de provas e, por conseguinte, em aplicação da teoria dos frutos da arvore envenenada”[44] (Grifo nosso).

Válido ressaltar o julgamento do Recurso Especial (RE) nº 251.445/GO[45] que julgou caso de estupro contra menores em que as fotografias que constituam prova do delito foram subtraídas do consultório dentário onde o acusado exercia profissão, na fase investigativa, por agentes policiais. Há controvérsia foi no sentido da admissibilidade das imagens como prova no processo em face da inviolabilidade do domicilio. A discussão resultou a inadmissão da prova.

Opinou Medeiros sobre o caso “[…] a violação de direitos fundamentais (à segurança, à proteção da incapacidade, à intimidade e outros tantos) de vários menores não mereceu a aplicação do princípio da proporcionalidade, preferindo-se manter a proteção do domicílio do acusado, já que, como se sabe, é essa (inviolabilidade do domicílio) uma garantia individual expressa (art. 5º, XI, da CF).[46]

Em outro julgamento, o STF no Habeas Corpus 70.814/SP[47], admitiu a violação da correspondência dos presidiários pela administração penitenciária, sob o fundamento que o direito ao sigilo não pode ser invocado para a prática de infrações pelo preso. Percebe-se que houve a ponderação de interesses (proporcionalidade), utilizou-se de prova obtida ilicitamente pro societate.

Outro caso que aborda o tema é a Reclamação nº 2.040/DF[48], em que o STF que envolveu a extradição de uma artista mexicana em que esta alegou ter sido estuprada no interior das dependências da Polícia Federal. O Tribunal deferiu produção de exame de DNA na placenta da gestante, recolhida sem a autorização desta, após parto, com fundamento em uma necessária ponderação, entre valores constitucionais contrapostos, e admitiu-se, então, a aplicação da proporcionalidade na produção da prova. Na reclamação, houve discussão sobre a colisão de dois valores fundamentais. De um lado, o direito elementar que tem a pessoa de conhecer sua origem genética e a dignidade sexual e, de outro, a intimidade, a vida privada, e a honra. Utilizou-se o princípio da proporcionalidade e venceu, na ponderação, o primeiro.

Apesar de mostrados julgados posteriores à CF88, a corrente era de aderência preponderante antes de sua promulgação. Com a CF88 e, posteriormente, a entrada em vigor do artigo 157 do CPP que vedou expressamente as provas ilícitas a corrente da admissibilidade, apesar de ainda trazida pela doutrina, está gradativamente, desaparecendo da jurisprudência. Atualmente, o direito brasileiro caminha para a aceitação da corrente da inadmissibilidade das provas ilícitas.

 

3.3 Admissibilidade da Prova Ilícita Pro Reo

Existe, também, a corrente da admissibilidade da prova ilícita pro reo, que defende que as provas ilícitas só podem ser aceitas se forem em detrimento de beneficiar o réu, ainda que colhida com infringência a direitos fundamentais seus ou de terceiros.

A corrente é de aceitação praticamente unânime entre a doutrina. Tem por base o princípio do favor rei, que defende a liberdade do acusado quando colocado em confronto com o direito de punir do Estado, ou seja, na dúvida, sempre prevalece o interesse do réu bem como o critério da proporcionalidade. Ademais, também aceita-se a prova ilícita colhida pelo próprio acusado, pois entende-se que a ilicitude é eliminada por tratar de legítima defesa e/ou estado de necessidade, conforme dispõe o artigo 23 do Código Penal “não há crime quando o agente pratica o fato:  I – em estado de necessidade; II – em legítima defesa”. Ainda, conforme artigos 24 e 25 do Código Penal “Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se” e “Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”.

A aceitação da prova ilícita pro reo também tem fulcro na liberdade e dignidade humana, como argumenta Filho “[…] no confronto entre uma proibição de prova, ainda que ditada pelo interesse de proteção a um direito fundamental, e o direito à prova da inocência parece claro que deva este último prevalecer, não só porque a liberdade e dignidade da pessoa humana constituem valores insuperáveis, na ótica da sociedade democrática, mas também porque ao próprio Estado não pode interessar a punição do inocente, o que se poderia significar a impunidade do verdadeiro culpado”.[49]

Em suma, o direito de provar a inocência deve prevalecer sobre o interesse de proteção que inspira a norma proibitiva, vez que não pode interessar ao Estado a condenação de um inocente.

Como já visto, as Mesas de Processo Penal da USP se manifestaram favoravelmente à corrente da admissibilidade pro reo na Súmula 50 “podem ser utilizadas no processo penal as provas ilicitamente colhidas, que beneficiem a defesa”

Para visualizar a doutrina na prática, Avolio[50] cita jurisprudência em que o TJ-SP, em 16 de setembro de 1992, em processo que versava sobre lesões corporais graves, foi admitida uma fita que continha gravação de conversa entre a acusada e a vítima, realizada pela própria acusada, em que esta não foi condenada pelo fato. Entendeu-se que o direito à intimidade não tinha caráter absoluto quando em confronto com outros direitos de igual hierarquia, no caso, o da ampla defesa. Apesar de não explícito, palpável o critério da proporcionalidade.

 

3.4 Inadmissibilidade Das Provas Ilícitas

            A doutrina predominante no Brasil, atualmente, é a contrária à admissibilidade das provas ilícitas e a jurisprudência caminha para o mesmo sentido. A corrente argumenta que, em nenhum caso, pode a prova ilícita ser aceita, eis que violaria o Estado Democrático de Direito e os direitos e garantias fundamentais do ser humano.

Anteriormente ao artigo 157 do CPP, os defensores da vedação da prova ilícita encontraram, durante muito tempo, fundamentos nas normas de legislação processual que preveem a inadmissibilidade de determinadas provas, como: no CPP, o testemunho de pessoa que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão deva guardar segredo, quando não desobrigada pela parte interessada (artigo 207); a produção de cartas particulares, interceptadas ou obtidas por meios criminosos (artigo 233). No Código de Processo Penal Militar reproduz as mesmas vedações (artigos 355 e 375). A busca domiciliar tem requisitos quanto às hipóteses e quanto à forma (artigos 240, parágrafo 1º e 243, respectivamente), contudo, é dispensável o mandado nos casos taxativos do artigo 244 do mesmo diploma legal. A proibição da apreensão de documento em poder do defensor do acusado. Salvo quando constituir elemento do corpo de delito (artigo 243, parágrafo 2º do CPP). As hipóteses citadas referem-se, contudo, à prova ilegítima, como já diferenciado anteriormente, porque previstas expressamente na legislação processual e sujeitas às sanções determinadas pelo próprio sistema processual.

Outro argumento, em interpretação analógica, utilizado pelos defensores da corrente era a interpretação do artigo 332 do Código de Processo Civil (CPC) que dispõe serem hábeis para provas a verdade dos fatos todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos. Assim, a prova ilícita feriria a moral.

O fenômeno das provas ilícitas no ordenamento brasileiro deve se pioneiramente à Grinover em sua obra Liberdades Públicas e Processo Penal, escrita anteriormente à CF88. Na obra, Grinover expõe seu pensamento no tocante a inadmissibilidade das provas ilícitas “[…] sendo a ilicitude um conceito geral do direito, e não conceito especial de algum de seus ramos, o princípio de que o que é nulo é inválido é também geral: e assim, para sustentar-se a inadmissibilidade de uma prova em juízo, basta o fato de que tenha sido ela obtida ilegalmente, violando-se norma jurídica de qualquer natureza. Especialmente quando estas normas tenham sido postas para proteger direitos fundamentais, vulnerados através da obtenção, processual ou extraprocessual, da referida prova”.[51]

Inclusive, na mesma obra citada, dispõe”se no direito processual não se pode encontrar uma norma que imponha a exclusão de provas obtidas através de um ato ilícito, não há como rechaçar-se tal prova, uma vez que a qualificação de admissibilidade e relevância da produção probatória é formulada com base em critérios autônomos do processo, para além de qualquer referência aos paradigmas do direito substancial, inclusive do direito constitucional”.[52]

Percebe-se que a justificativa para admissão da prova ilícita era a falta de norma processual que a vedasse, o que foi suprido pelo artigo 157 do CPP, que as veda explicitamente.

Nucci compartilha do pensamento da corrente e argumenta que “os agentes do Estado não podem delinquir para obter provas, ainda que voltadas a apuração de crimes graves. Se o fizerem, devem ser punidos como qualquer outro delinquente. E o resultado obtido precisa ser ignorado pelo Estado-juiz. Somente assim as autoridades aprenderão o valor sublime dos direitos individuais”[53].

A CF88, consolidou tal entendimento e trouxe em seu artigo 5º, LVI “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. Em sequência, o CPP trouxe a regulamentação sobre desentranhamento das provas ilícitas e derivadas de ilícitas em seu artigo 157. Interessante ressaltar que, foi objeto de veto presidencial o parágrafo 4º do referido artigo que previa o impedimento do juiz tomar conhecimento do conteúdo da prova declarada ilícita.

            A jurisprudência acompanhou a tendência da admissibilidade para inadmissibilidade e passou a repudiar o resultado de buscas e apreensões ilegais.  Anterior a CF88 havia três decisões do STF que baniam as provas ilícitas, especialmente interceptações clandestinas. Conforme citado na doutrina de Grinover et al.[54]: primeira, de 11 de novembro de 1977, foi determinada o desentranhamento de fitas gravadas correspondentes a interceptação telefônica feita, pelo marido, sem autorização judicial, de sua esposa, para instruir processo de separação (RTJ/84/609). A segunda também foi referente a desentranhamento de gravações clandestinas de conversa telefônica, em processo cível de 28 de junho de 1984 (RTJ 110/798). Por fim, em 18 de dezembro de 1986, o STF determinou o trancamento de inquérito policial baseado em interceptações telefônicas clandestinas (RTJ 122/47).

Após a CF88, de acordo com a mesma doutrina supra de Grinover[55], percebe-se que a jurisprudência caminha para a inadmissibilidade total das provas ilícitas. Correição Parcial 92/90 do Tribunal Regional Federal da 3ª Região indeferiu correição parcial impetrada pelo Ministério Público contra ato de juiz da 12ª Vara Federal, e inadmitiu a juntada aos autos de degravações de interceptação telefônica clandestina. A 5ª Câmara Cível do TJ-RS, em 01 de novembro de 1990, no Mandado de Segurança (MS) 590.019.089, do Relator Lio Cézar Schmitt concedeu ordem para o desentranhamento de gravação de conversa telefônica feita sem autorização dos participantes. O STJ, no HC 2.132-2-BA, de 31 de agosto de 1992, do Relator Ministro Cernicchiaro também se manifestou em defesa à inadmissibilidade da prova ilícita. O STF, manteve a posição de 1993 de não admitir prova ilícita por manifestação unânime em preliminar do julgamento da ação penal 307-3-DF, do Relator Ministro Ilmar Galvão, de 07 de dezembro de 1994 (DJU 13/10/1995) em face do ex-presidente Collor e Paulo César Faria.

Atualmente, a jurisprudência caminha para a inadmissibilidade total da prova ilícita wis que a aceitação da prova ilícita pode causar insegurança jurídica, pois violaria os direitos fundamentais do ser humano e, a possibilidade de sua aceitação em alguns casos – seja de extrema gravidade ou não – legitimaria a sua produção.

 

3.5 Direito Comparado

            Apesar de o estudo basear-se na aceitação da prova ilícita ou não no direito brasileiro, interessante analisar as correntes doutrinárias no direito comparado, para melhor compreensão de sua aceitação ou repúdio.

No tocante ao direito comparado, serão brevemente analisados os países apontados na doutrina como relevantes à discussão do tema, quais sejam: Alemanha, Itália, Espanha, Argentina, Portugal, Inglaterra e Estados Unidos.

Na Alemanha, Beling, através da obra Die Beweisverbote Als Grenzen der Wahrheitserforschung im Strafprozess (A Proibição de Provas como Limites da Pesquisa da Verdade nos Processos Penais – tradução livre), de 1968, e do impulso do 46º Congresso dos Juristas Alemães de 1966 a prova ilícita e sua admissibilidade tornaram-se tema de debate. Atualmente, a tese da inadmissibilidade das provas ilícitas não é absoluta, e a jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão reconheceu o princípio da proporcionalidade ou razoabilidade em seus julgados no que toca a prova ilícita. Como já visto, o princípio da proporcionalidade teve berço no direito alemão.

Na Itália, caso célere no tocante a admissibilidade da prova ilícita é o Vigo versus Formenti. No caso, a Corte de Apelação de Milão não aceitou o apossamento feito por uma das partes de cartas de propriedade de outra pessoa para serem utilizadas como prova. Ou seja, resguardou o direito de propriedade. Após, a entrada em vigor da nova Constituição Italiana nada se referiu quanto a matéria, em face disso, os órgãos inquisitivos valorizavam a importância de objetivos como a busca da verdade real e defesa da sociedade, ainda que a doutrina rechaçasse a admissibilidade das provas ilícitas. Comenta Castro sobre a controvérsia na doutrina “a controvérsia doutrinária, em sua maior parte, não admitia a introdução, no processo, de provas ilícitas: entre os juristas partidários da tese da inadmissibilidade estão: Allório e Nuvolone. Nuvolone criticava a posição de Cordero, segundo a qual a ilicitude não a torna inadmissível exceto se a mesma for vedada ou se constituir violação de regra processual. E posicionou-se pela unidade do sistema jurídico’.[56]

Somente com a entrada em vigor do Código de Processo Penal Italiano que as provas ilícitas tiveram vedação expressa, em seu artigo 191. Tonini, jurista italiano, opinou: “[…] a inutilizabilidade é um tipo de invalidade que tem a característica de atingir, não o ato em si, mas o seu valor probatório. O ato pode ser válido do ponto de vista formal (por exemplo, não é eivado de nulidade), mas é atingido em seu aspecto substancial, pois a inutilizabilidade o impede de produzir o seu efeito principal, qual seja servir de fundamento para a decisão do juiz”.[57]

Apesar da vedação expressa, conforme ocorre no Brasil, a tese preponderante é a da inadmissibilidade das provas ilícitas, contudo, ainda há casos em que se aceita com base na proporcionalidade.

Na Espanha, a maior parte da doutrina se posiciona em favor da inadmissibilidade das provas ilícitas. O artigo 11 da Lei Orgânica do Poder Judiciário preceitua que as provas obtidas, direta ou indiretamente, em violação aos direitos fundamentais, não surtirão efeitos. A jurisprudência e doutrina espanhola reconhecem a aplicação do princípio da proporcionalidade quando se tratar de violação do segredo das comunicações telefônicas, observado o grau de lesividade.

Na Argentina, na jurisprudência e doutrina há predominância da inadmissibilidade das provas invalidas. Só é constitucional a prova que validamente for incorporada ao processo. A Corte já reconheceu que um agente encoberto para averiguação de um delito não viola garantias constitucionais, se este se comportar de acordo com o Estado de Direito.

Em Portugal, grande parte da doutrina e jurisprudência é a favor da inadmissibilidade da prova ilícita desde a entrada em vigor do Código de Processo Penal que introduziu as proibições de prova. Também, a Constituição da República Portuguesa, no item 6, trouxe expressamente a vedação “São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações”.[58]

Na Inglaterra prevalece o entendimento de que a finalidade é a descoberta da verdade e a ilicitude ocorrida para obtenção da prova não altera essa verdade. A polícia pode utilizar-se dos meios para esclarecer o fato e compete ao juiz a valoração de admissibilidade ou não de uma prova.

Os EUA trouxeram as doutrinas: exclusionary rule (regra de exclusão – tradução livre) e the fruit of the poisonous tree (o fruto da árvore envenenada – tradução livre). A primeira preceitua que as provas obtidas ilicitamente não podem sustentar uma condenação e devem ser excluídas, daí o nome. A segunda, diz que são inválidas as provas que sejam consequência das ilícitas. Tais provas trazem como consequência a nulidade. Contudo, não se trata de proibição absoluta. Há na jurisprudência da Suprema Corte hipóteses em que se admitiu a prova ilícita. A exclusão da prova como solução para prova ilícita teve início no caso Boyd versus United States, em que o tribunal possibilitou uma produção compulsória de documentos empresariais que foi considerado uma busca e apreensão, que fora excluída posteriormente com base na V Emenda, privilégio de não se incriminar e da IV Emenda, regra de exclusão de prova.

Como se vê ainda há bastante controvérsia diante das duas correntes doutrinárias, vez que nenhum país citado segue apenas uma delas.

 

3.6 Busca Pela Verdade Real no Processo Penal

A busca pela verdade real é o principal argumento para a aceitação da prova ilícita no processo em casos excepcionais. A função do processo é a busca pela verdade e, em consequência de seu descobrimento, se fará justiça. Somente com o saber da verdade dos fatos é possível aplicar, ou não, determinada sanção. Logo, mister entender seu significado.

Existe uma variedade de correntes filosóficas para definir o que é verdade, não há portanto uma definição absoluta. A palavra verdade, do latim veritate significa exatidão, conformidade, adequação.

A busca da verdade é inerente ao ser humano, que a busca incansavelmente, em todas as áreas do conhecimento. É a máxima romana: nihil est veritatis luce delicius – nada é mais doce do que a luz da verdade (tradução livre).

Ao entrar no enfoque jurídico, a busca da verdade é essencial para que haja a aplicação da lei de forma correta. Necessário descobrir a verdade dos fatos e oferecer subsídio para convencer o magistrado da existência ou não de determinado fato. O fim do processo é a justiça, e para que ela seja alcançada é imprescindível saber a verdade dos fatos. Ambas complementam-se.

É a argumentação Nucci, que discorre sobre o justo “o justo exige comportamentos elevados do ser humano, sob qualquer prisma, e não somente o respeito às normas jurídicas postas. Afinal, até mesmo para seguir fielmente o disposto pelo Direito deve-se agir com honestidade e retidão de caráter, a fim de não provocar mecanismos de tergiversação, contornando com astucia, o preceito normativo”.[59]

Mister destacar a diferença entre á a verdade de fato e a verdade de direito. A primeira ocorre quando o juízo de valor está de inteiramente de acordo com as provas existentes. A segunda, se verifica na aplicação da lei ao caso concreto, quando o juiz declara a regra que dá o verdadeiro sentido ao fato em conformidade com o pensamento do legislador.

No Direito brasileiro, os princípios são essenciais, como visto no item 2. A busca da verdade real é, também, princípio da norma jurídica. Esse, subdivide-se em princípio da verdade material e formal. A verdade material não está expressa na norma pátria. Mediante sua aplicação o juiz vela pela conformidade da postulação das partes com a verdade real, revelada pelas provas da instrução criminal. Pretende-se reproduzir o fato objeto da acusação para que se encontre a verdade material do fato ocorrido. Um exemplo é a testemunha que relata o que de fato presenciou, que prevalece sobre o que ouviu dizer, ouviu ter acontecido. Tal princípio era majoritário na doutrina até o século XX. Com o questionamento quanto à participação interativa do juiz na instrução processual, surgiu o princípio da verdade formal.

No princípio da verdade formal firmou-se a ideia de que a reprodução dos fatos esgota-se nas manifestações a provas trazidas aos autos, com participação mínima do juiz na produção da prova, e este deve contentar-se com a verdade projetada pelas partes. É também forma de favorecer o encerramento de litígios e abreviar a solução.

Tal princípio é predominante no processo civil. O legislador o aplicou em alguns casos, como no artigo 344 do CPC que diz “Se o réu não contestar a ação, será considerado revel e presumir-se-ão verdadeiras as alegações de fato formuladas pelo autor”. Também, se o juiz intima para depoimento pessoal a parte e essa não comparece ou se recusa a depor, aplica-se a pena de confissão (artigo 385, §1º do CPC). Ressalta-se que a verdade formal era aplicada no processo civil, enquanto a verdade material era aplicada no processo penal. Não obstante, atualmente ambos princípios encontram-se tanto no processo civil quanto no penal.

Ao adentrar a seara probatória no processo penal, sabe-se que a prova é um dos instrumentos da verdade real. Não é a verdade em si, pois a verdade se tem de um juízo, não de uma prova. Mas de extrema importância para a verdade, eis que o convencimento do juiz baseia-se em sua apreciação. Assim, a prova é requisito essencial para formação da verdade e necessita ser clara e dar segurança para a convicção da verdade.

No tocante a questão da admissibilidade ou inadmissibilidade das provas ilícitas na busca da verdade real, a inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos reflexos na apuração da verdade vez que a prova, se obtida ilicitamente, não pode ser utilizada para convicção do juiz, ainda que ela permita chegar a verdade real do fato delituoso. Perde-se, em parte, o sentido da prova, que é a convicção do juiz com base na verdade real para efetivação da justiça, que, por sua vez, é todo o motivo pelo qual o Direito existe.

O princípio da proporcionalidade é o meio o qual se possibilita o ingresso de provas ilícitas no processo, com intuito de buscar a verdade real. Em casos visivelmente excepcionais – em análise do caso concreto – os princípios constitucionais são flexibilizados ou ponderados entre si também através da proporcionalidade.

É de suma importância a fixação de critérios para os limites de sua incidência, com intuito de não se tornarem absolutos os direitos e garantias fundamentais, oponíveis a tudo e todos, vez que tal restringibilidade não se compactua com o estado de direito e não atende ao interesse público.

 

Considerações Finais

Através do presente artigo foi possível fazer uma análise das correntes doutrinárias da admissibilidade e inadmissibilidade das provas ilícitas no processo penal, em cotejo com o princípio da proporcionalidade. Conclui-se que a jurisprudência brasileira aceita a corrente da admissibilidade da prova ilícita (apesar direcionar-se majoritariamente à aceitação da corrente da inadmissibilidade), com fulcro no princípio da proporcionalidade, em razão de haver colisão de direitos fundamentais, e tem como principal argumento a busca pela verdade real no processo penal.

Também concluiu-se que os princípios são normas informadoras do direito positivo. Surgiram na teoria jusnaturalista, passaram pela positivista, até se consolidar a teoria da normatividade dos princípios. Atualmente, os princípios são normas informadoras do sistema positivo. Não preveem situações, em face de sua característica abrangente, mas tem função interpretativa, integradora e diretiva, e auxiliam na interpretação da lei, preenchimento de lacunas, e direcionam o legislativo no direito positivado.

O princípio da proporcionalidade não está expresso na CF/88, mas está implícito, conforme se depreende da doutrina e jurisprudência. A proporcionalidade é vista como princípio ou subprincípio. Alguns doutrinadores a qualificam em proporcionalidade em sentido estrido – com subprincípio da proporcionalidade. Em ambos, seu significado é equidade, bom senso, moderação, proibição do excesso e direito justo.

Vários são os locais apontados de seu surgimento na doutrina, mas se vê que nos primórdios teve grande importância no Direito Alemão, no cenário pós 2ª Guerra Mundial. A proporcionalidade passou a ser reconhecida a em face da necessidade de controle de leis com base na proporcionalidade da restrição imposta. No Brasil, em seus primórdios teve grande importância no Direito Administrativo, para conter o poder de polícia. Após, foi incorporado ao direito constitucional e irradiou-se por outros ramos até ser considerado princípio geral do Direito.

Ainda, a doutrina e jurisprudência confundia proporcionalidade a razoabilidade e por vezes as utilizava como sinônimos. Hoje se vê que são conceitos distintos. A razoabilidade possui critérios predefinidos: adequação, necessidade. A proporcionalidade, por sua vez, não possui critérios, e tem caráter subjetivo. A proporcionalidade é utilizada quando há colisão de princípios ou direitos fundamentais. Entende-se que os direitos ou garantias fundamentais estão submetidos nos princípios. Quando se colidem direitos de igual peso e hierarquia, o legislador não previu como deve o aplicador da lei agir em momento de confronto. Assim, a proporcionalidade vem para, em análise ao caso concreto, servir de instrumento de ponderação para valorar qual princípio se sobrepõe ao outro no referido caso.

O direito à prova é constitucionalmente assegurado, contudo, não é absoluto, e encontra limites, como é o caso da prova ilícita. A prova ilícita é aquela que ofende o direito material, como, por exemplo, violação ao domicílio (art. 5º, XI, da CF88), das comunicações (art. 5º, III da CF88) e as colhidas com violação à intimidade (art. 5º, X, CF88). O legislador ordena que as provas ilícitas devem ser desentranhadas do processo. A sanção é sua inadmissibilidade em juízo. As provas derivadas das ilícitas também são ilegais, em razão da teoria dos frutos da árvore envenenada, segundo a qual o vício da planta se transmite a todos os seus frutos. A teoria é proveniente da Suprema Corte Americana.

O legislador deixou em aberto a questão da admissibilidade das provas ilícitas por derivação. O artigo 157 do CPP traz as possibilidades em que não ocorre tal contaminação, são elas: quando não evidenciado nexo de causalidade e quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras. A primeira situação preceitua que de qualquer forma se chegaria a prova, quer o ato ilícito tenha sido praticado ou não. A segunda, preceitua que há uma fonte que se chegaria a mesma prova além da fonte ilícita. Ou seja, há mais de uma fonte (não ilícita) no processo que possibilitaria chegar a esta prova. Em suma, a descoberta seria inevitável.

No tocante a ilicitude da prova e sua aceitação em Juízo, adentramos a discussão da admissibilidade ou inadmissibilidade das provas ilícitas, tópico de bastante controvérsia doutrinário. Apesar de a admissibilidade das provas ilícitas em caso de beneficiar a defesa a doutrina ser unânime em sua aceitação, quanto a admissibilidade das provas ilícitas pro societate há discussão. Há duas correntes: admissibilidade pro societate e inadmissibilidade pro societate.

A corrente da admissibilidade das provas ilícitas pro societate defende que nos casos de gravidade extrema, a inadmissibilidade de uma prova, por ser ilícita, ainda que essa tenha levado a verdade real dos fatos – e a condenação do acusado – geraria grave injustiça. Assim, admite-se a prova ilícita com fulcro no princípio da proporcionalidade, para se fazer a ponderação entre o direito do acusado e o direto da sociedade e/ou vítima sem prejuízo das sanções para quem praticou a ilicitude no momento de produção da prova. A corrente era predominante antes da CF88 e do artigo 157 do CPP, que passou a vedar explicitamente a prova ilícita. Já a corrente da inadmissibilidade das provas ilícitas defende que não há possibilidade de sua admissão em juízo, seja qual for o caso concreto. Seu fundamento está no Estado Democrático de Direito. A doutrina argumenta também que o Estado não pode se valer dos meios ilegais para ensejar a condenação.

No Brasil, a jurisprudência caminha para à inadmissibilidade das provas ilícitas. Em análise ao direito comparado (Alemanha, Itália, Argentina, Portugal Inglaterra, Espanha e Estados Unidos), vimos que a maioria dos países acolhe a corrente da inadmissibilidade, apesar de haver casos em que se aceite a proporcionalidade.

Um dos principais argumentos para a admissibilidade das provas ilícitas pro societate e a busca pela verdade real no processo. A descoberta da verdade é necessária para que haja a aplicação da lei de forma correta. O fim do processo é a justiça, e para que ela seja alcançada é imprescindível saber a verdade dos fatos. Ambas se complementam.

Conclui-se que a hipótese principal, da admissibilidade das provas ilícitas pro societate foi confirmada, apesar da doutrina jurisprudência direcionarem-se para à aceitação majoritária da inadmissibilidade. A hipótese secundária, da aceitação das provas ilícitas pro reo foi confirmada, vez que a doutrina é uníssona em defender que o acusado pode se valer dessa prova por se tratar de legítima defesa ou estado de necessidade. Também, conclui-se que a hipótese de inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos, logicamente, tem reflexo na apuração da verdade vez que não pode ser utilizada para convicção do juiz, ainda que ela permita chegar a verdade real do fato delituoso.

 

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[8] NUCCI, Guilherme de Souza. Princípios constitucionais penais e processuais penais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2. ed. p. 43.

[9] ARISTOTELES. Ética a nicômaco, 4. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1991. Disponível em: <https://abdet.com.br/site/wp-content/uploads/2014/12/%C3%89tica-a-Nic%C3%B4maco.pdf>. Acesso em 11 set. 19. p. 101.

[10] SARLET, Ingo Wolfgang; SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais no supremo tribunal federal: balanço e crítica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 172.

[11] BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional, 5. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010. p. 181.

[12] Convenção européia dos direitos do homem. Disponível em: <https://www.echr.coe.int/Documents/Convention_POR.pdf.>. Acesso em: 22 out. 19. p. 8.

[13] BRAGA, Valeschka e Silva. Princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Curitiba: Juruá Editora, 2004. p. 82.

[14] Constituição da república portuguesa. Disponível em: <https://www.parlamento.pt/Legislacao/Paginas/ConstituicaoRepublicaPortuguesa.aspx>. Acesso em: 14 set. 2019.

[15] SARLET, Ingo Wolfgang; SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais no supremo tribunal federal: balanço e crítica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 172.

[16] BRAGA, Valeschka e Silva. Princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Curitiba: Juruá Editora, 2004. p. 70.

[17] BRAGA, Valeschka e Silva. Princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Curitiba: Juruá Editora, 2004. p. 90-91.

[18] STEINMETZ, Wilson Antônio. Colisão de direitos fundamentais e o princípio da proporcionalidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2001. p. 184.

[19] BRAGA, Valeschka e Silva. Princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Curitiba: Juruá Editora, 2004. p. 114.

[20] SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais, 2002. Disponível em: <https://revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/viewFile/1495/1179>. Acesso em: 11 set. 2019.

[21] COSTA, Alexandre Araújo. O princípio da razoabilidade na jurisprudência do STF: Século XX. Disponível para download em: <http://www.arcos.org.br/livros/o-principio-da-razoabilidade-na-jurisprudencia-do-stf-o-seculo-xx/>. Acesso em: 12 set. 2019.

[22] BUCHELE, Paulo Arminio Tavares. O princípio da proporcionalidade e a interpretação da constituição. 1997. Dissertação (pós-graduação em Direito) – Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 1997. Disponível em: <https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/106454/321102.pdf?sequence=1>. Acesso em: 11 set. 2019.

[23] ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales, Tercera Reimpresión. Madrid: Centro de Estudos Políticos y Constitucionales, 2002. p. 164. Tradução livre.

[24] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 4. ed. Editora: Livraria Almedina. p. 1202.

[25] BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional, 5. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010. p. 99.

[26] Idem. p. 97.

[27] AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas – interceptações telefônicas e gravações clandestinas. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p. 43-44.

[28] Idem. 44.

[29] CASTRO, Raimundo Amorim de. Provas ilícitas e o sigilo das comunicações telefônicas. Curitiba: Juruá Editora, 2007. p. 54.

[30] AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas Ilícitas – interceptações telefônicas e gravações clandestinas. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p. 76.

[31] GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; FERNANDES, Antônio Scarance. As Nulidades no Processo Penal. 12ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 134.

[32] Idem. p. 134.

[33] AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas – interceptações telefônicas e gravações clandestinas. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p. 76.

[34] RIO GRANDE DO SUL, Tribunal Pleno. HC  699120. Relator: Sepúlveda Pertence. Julgado: 30/06/93. Disponibilizado: 26/11/93.

[35] RIO GRANDE DO SUL, Tribunal Pleno. HC  699120. Relator: Sepúlveda Pertence. Julgado: 30/06/93. Disponibilizado: 26/11/93.

[36] Idem.

[37] NUCCI, Guilherme de Souza. Princípios constitucionais penais e processuais penais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2. ed. p. 354.

[38] RANGEL, Ricardo Melchior de Barros Rangel. A prova ilícita e a interceptação telefônica no direito processual penal brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2000. p. 79.

[39] GRINOVER, Ada Pellegrini. Liberdades públicas e processo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1982. p. 105.

[40] CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 307.

[41] AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas – interceptações telefônicas e gravações clandestinas. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p. 45-46.

[42] Idem. p.  46.

[43] SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. ACR 990.09.215151-7-SP, 16ª turma. Relator: Pedro Menin. Julgado em: 02/03/10. Disponibilizado: n/a

[44] GOIÁS, Tribunal de Justiça. ACR 32910-0/213. Relator: Sebastião Luiz Fleury. Julgado: 26/06/08. Disponibilização: n/a.

[45] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 251.445/GO. Relator: Ministro Celso de Mello. Julgamento: 21/06/00. Disponibilização: 03/08/00.

[46] MEDEIROS, Júlio César de. O mito da proibição de provas ilícitas “pro societate” no processo penal. Direitonet. 01/mar./2010. Disponível em: https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/5601/O-mito-da-proibicao-de-provas-ilicitas-pro-societate-no-processo-penal. Acesso em 14 ago. 2019.

[47] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 70814, 1ª turma. Relator: Celso de Mello. Julgamento: 01/03/94. Disponibilização: 27/06/94.

[48] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Questão de ordem na Reclamação 2040/DF.  Relator: Néri da Silveira. Julgamento: 21/02/02. Disponibilização: 30/06/03.

[49] FILHO, Antônio Magalhães Gomes. Direito à prova no processo penal. Editora Revista dos Tribunais: 1997, São Paulo. p. 49.

[50] AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas – interceptações telefônicas e gravações clandestinas. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p. 72.

[51] GRINOVER, Ada Pellegrini. Liberdades Públicas e Processo Penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1982. p. 109.

[52] Idem. p. 105

[53] NUCCI, Guilherme de Souza. Princípios constitucionais penais e processuais penais, 2. ed. Editora: Revista dos Tribunais, 2012. p. 355.

[54] GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; FERNANDES, Antônio Scarance. As nulidades no processo penal. 12. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 132.

[55] Idem. p. 132-133.

[56] CASTRO, Raimundo Amorim de. Provas ilícitas e o sigilo das comunicações telefônicas. Curitiba: Juruá Editora, 2007. p. 92.

[57] TONINI, Paolo. A prova no processo penal italiano. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p.76.

[58] Constituição da República Portuguesa. Disponível em: <https://www.parlamento.pt/Legislacao/Paginas/ConstituicaoRepublicaPortuguesa.aspx> Acesso: 14 set. 2019.

[59] NUCCI, Guilherme de Souza. Princípios constitucionais penais e processuais penais, 2. ed. Editora: Revista dos Tribunais, 2012. p. 41.

 

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