Resumo: Inúmeras questões controversas surgem quando se trata do crime de roubo, uma delas é sobre a causa de aumento, de 1/3 (um terço) até 1/2 (metade) prevista no artigo 157, §2º, I do Código Penal, se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma. Discussões surgem quando a arma empregada no crime está quebrada ou sem munição, principalmente quando se trata de arma fogo, em que seu pressuposto é poder disparar com eficiência, já que é uma arma própria- de ataque. Tanto a doutrina quanto a jurisprudência divergem sobre o assunto, tornando a situação de aplicabilidade da referida causa de aumento uma incerteza no ordenamento jurídico brasileiro.
Palavras-chave: roubo; emprego de arma; causa de aumento; poder vulnerante; lei de organizações criminosas
Abstract: Numerous controversial issues arise when dealing with the crime of robbery, one is about the cause of increase of 1/3 (one third) to 1/2 (half) under Article 157, § 2, I of the Brazilian Criminal Code, violence or threat is carried out with use of weapon. Discussions arise when the weapon used in the crime is broken or out of ammo, especially when it comes to gun fire in your assumption is able to shoot effectively, since it is an own-weapon attack. Both doctrine and jurisprudence differ on the subject, making the situation of applicability of that because of increased uncertainty in the brazilian legal system.
Keywords: robbery; use of weapon; aggravated form; threatening force; brazilian Law of criminal organization
Sumário: 1. Introdução; 2. Entendimentos doutrinários e jurisprudenciais; 3. Direito comparado; 4. Conclusão; 5. Bibliografia.
Introdução
Ver-se-á adiante, que em determinadas situações peculiares, a aplicação da causa de aumento no crime de roubo pelo emprego de arma, não é algo tão simples, devendo-se analisar com parcimônia o caso concreto, evitando-se de tal maneira, causas de aumento de pena injustas em relação à situações em que a arma empregada na demanda pelo agente não põe em verdadeiro risco a vida da vítima.
O professor Gustavo O. Diniz Junqueira (2012, p. 277) nos dá uma precisa definição de arma: “arma é instrumento com poder vulnerante.” Seja ela própria, fabricada para ataque ou defesa (ex. Espada; revólver e etc.), ou arma imprópria, que apesar de não ter como finalidade ataque ou defesa, pode ter poder vulnerante (pedra; barra de ferro e etc.).
1. Entendimentos doutrinários e jurisprudenciais
Ressalta-se que, não basta o agente estar portando a arma, é preciso que ela seja empregada na “grave ameaça”. Caso a vítima perceba que o agente está portando arma, mas sem que ele a empregue na ação, em hipótese alguma poderá incidir a causa de aumento.
Na jurisprudência admitia-se incidência da causa de aumento de pena do artigo 157, § 2º, II, quando o crime era praticado com emprego arma de brinquedo. O entendimento era pacífico no Superior Tribunal de Justiça o que ensejou a edição da súmula 174, já cancelada, que mesmo durante sua vigência, apresentava inúmeras decisões em contrário.
Em nossa opinião, em respeito aos princípios da proporcionalidade ou da razoabilidade, teratológico seria aplicar a mesma causa de aumento de pena a alguém que utiliza arma de fogo municiada e em perfeita condição de uso e ao rapino que emprega arma de brinquedo, quebrada ou até mesmo desmuniciada. Estas últimas ineficazes no aspecto vulnerante. E neste ponto vale uma observação: Não se pode confundir poder vulnerante (lesivo) com poder de intimidação. Poder de intimidação praticamente todas as armas têm, assim é com a arma quebrada, desmuniciada ou o simulacro de arma. Percebemos que pelo conceito supra, arma não é o objeto com poder de intimidação, e sim, com poder vulnerante, ou seja, de causar lesão à vítima.
Trazemos a propósito, o entendimento André Mauro Azevedo:
“No entanto, não é só o princípio da ofensividade que deve ser observado diante deste caso concreto. O princípio da isonomia também precisa ser analisado, eis que, ao impor uma pena mais grave ao agente que empregou num assalto uma arma inócua, estaria equiparando situações de gravidade e reprovabilidade absolutamente distintas. Noutras palavras, o agente que cometesse o crime de roubo empregando uma arma eficaz, com plena capacidade de matar ou ferir, teria a mesma pena daquele que utilizasse em tal crime uma arma inócua, cuja potencialidade lesiva teria sido descartada em perícia técnica. Clara estaria a distorção e a injustiça da decisão que eventualmente surgisse neste sentido. Não podemos nos esquecer, ainda, que, a prevalecer uma situação como esta, também o princípio da proporcionalidade estaria sendo violado, eis que condutas de diferentes gravidades seriam punidas com o mesmo grau de severidade, algo absolutamente inaceitável dentro do direito penal moderno e garantista.“
Discrepante é a doutrina neste sentido. Adotando posição contrária, José Carlos Pagliuca (2009, p. 131) baseia seus argumentos no poder de ameaça empregado pela arma, e considera como legítima a causa de aumento o uso de arma de brinquedo, desmuniciada ou quebrada, em razão da influência que apresentam na execução do delito.
Não discordamos totalmente de sua posição, é claro que o emprego desses artefatos influencia na execução do crime, mas injusto seria punir aquele que se fez valer de arma quebrada da mesma forma daquele que utilizou arma totalmente carregada, “pronta para matar”, se necessário. Entendemos que tratar da mesma forma quem usa uma arma de fogo pronta para atirar ao agente que utilizou um cabo de vassoura ou uma pedra na prática do crime, soa desarrazoado e desproporcional. Vemos a equívoca aplicação da causa de aumento nessas situações mencionadas, como um incentivo ao agente para que pratique crimes armado, preferencialmente com arma de fogo, já que a causa de aumento não faz qualquer distinção entre arma de fogo e a chamada arma branca: “compreendida como o instrumento ou objeto dotado de ponta ou gume e idôneo a matar ou ferir.” (MASSON, 2013, p. 411).
Rogério Greco trata sobre o tema da seguinte forma: “… entendemos que o fundamento da causa especial de aumento de pena relativa ao emprego de arma reside não somente no maior temor que é infundido à vítima, mas e principalmente na sua potencialidade ofensiva, isto, é, na maior probabilidade, no maior risco de dano que o seu possível uso trará para a vida ou a integridade física da vítima”. (GRECO, 2011, p. 446-447). Repare que Greco, considera preponderante para que haja incidência da causa de aumento o poder lesivo da arma, aquela que de fato lese ou crie perigo de lesão à vida, segundo objeto jurídico tutelado neste tipo penal plurionfensivo.
A jurisprudência diverge sobre a necessidade de perícia que comprove a potencialidade lesiva da arma. O STF vem adotando a posição de desnecessidade de perícia e de apreensão da arma para comprovação de seu poder lesivo, quando possível demonstrá-lo por outros meios de prova. O STJ possui julgados em diferentes sentidos sobre o tema. É mister mencionar, porém, que caso seja realizada perícia e constatada ausência de potencialidade lesiva, a causa de aumento deve ser afastada. Respondendo o agente por roubo simples, caso não esteja presente outra causa que aumente a pena provisória ou intermediária, é claro.
Problemática surge, quando tal arma, seja de brinquedo, seja real, não é encontrada para ser periciada, o que faz com que se presuma que ela era verdadeira e com poder vulnerante. Neste contexto, caso o rapino pratique o roubo, e ao se evadir do local dos fatos, joga a arma de brinquedo em um bueiro, se posteriormente preso, não sendo localizada a arma para ser periciada para atestar sua potencialidade lesiva (para aqueles que entendem tal perícia como necessária), o agente responderá pelo crime de roubo com a estudada causa de aumento. Dessa forma, o ônus recai totalmente para a defesa, que deverá provar de alguma maneira, a ineficiência da arma. Imprescindível ressaltar que, a doutrina e jurisprudência também divergem neste sentido. Para Paulo Rangel, 100% do ônus da prova, é da acusação, sendo exitoso o Ministério Público, o juiz, em respeito ao princípio do indubio pro reo, deverá, na dúvida, absolver o réu.
O simulacro de arma (quando o rapino ameaça a vítima com o dedo ou objeto por debaixo da camisa ou dentro de uma mochila e etc.), o aumento de pena é vedado, razão pela qual, a arma sequer existe. O crime é de roubo simples, pois a simulação do agente já caracteriza a grava ameaça exigida pelo tipo penal.
Ainda que não haja precedentes jurisprudenciais, a recentíssima lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013, que define organização criminosa, e dá outras providências, em que prevê em seu artigo 2º, § 2º, que, (curiosamente sem causa de aumento mínima) “As penas aumentam-se até a metade se na atuação da organização criminosa houver emprego de arma de fogo”. Repare que a recente lei não cometeu a mesma injustiça do arcaico Código Penal, e fez menção a expressão “arma de fogo”. Limitando, ainda que em partes, futuras discussões. O entendimento tende a ser o mesmo dos demais crimes praticados com o emprego de arma.
Difícil é na prática, uma organização criminosa que utilize no cometimento de seus crimes, armas quebradas ou desmuniciadas. Mas nada impede de que um membro dessa organização seja capturado inteiramente só, valendo-se do uso de arma sem poder vulnerante. Se realizada perícia, afastada dever-se-á a causa de aumento. É o nosso posicionamento.
2. Direito comparado
No direito comparado, mais especificadamente nos EUA, existe distinção também entre robbery (roubo com emprego de violência ou grave ameaça) e aggraveted robbery (roubo com emprego de arma considerada letal). O entendimento sobre a incidência ou não da causa de aumento guarda curiosa similitude com nosso ordenamento jurídico, onde não faz qualquer distinção entre arma de fogo ou arma branca, seja própria ou imprópria. Para o sistema estadunidense, basta nos casos em que não localizada a arma empregada na ação, que a vítima afirme que acreditava que se tratava de uma arma letal, que tenha ouvido disparos ou o engatilhar da arma. E da mesma forma, que em nosso direito penal, caso a vítima não tenha certeza ou mesmo não tenha visto a arma, a causa de aumento deve ser impreterivelmente afastada, respondendo o agente por roubo simples.
Conclusão
O emprego de arma de fogo desmuniciada ou quebrada não traz real perigo à vida da vítima, não podendo ser aplicada a causa de aumento pela análise subjetiva, ou seja, se causa intimidação à vítima. Hipóteses não podem ser vistas com bons olhos no direito penal, Cleber Masson, citando Hungria, comenta que, para o louvado mestre penalista, a vítima tem inúmeros motivos para acreditar na veracidade da arma empunhada pelo agente, pois a atividade criminosa praticada é também perigosa para ele. (MASSON, 2013, p. 417). Com todo o respeito ao posicionamento do ilustre jurista, parece vingança social achar que todo rapino que emprega arma de fogo no delito está disposto a atirar contra a vítima para obter sucesso em seu empreendimento.
Há de se salientar ainda, que no crime em que a arma falha em seus disparos, no vulgarmente chamado “picotar”, deve incidir a causa de aumento, pois ainda que exista falha nos mecanismos de acionamento do armamento ou por conta da munição defeituosa utilizada, a arma possui potencial lesivo, pondo concretamente em risco à vida e a integridade física da vítima, ou seja, quando se tratar de ineficácia relativa da arma, a causa de aumento deve incidir.
A jurisprudência do pretor STJ tem delineado o entendimento de que prescindível é a perícia realizada na arma, porém se realizada, e constatada sua ineficácia absoluta, afastada dever-se-á a causa de aumento do artigo 157, § 2º, I do Código Penal.
Informações Sobre o Autor
Diego Renoldi Quaresma de Oliveira
Bacharel em Direito pela Faculdade de Direto de Santos. Advogado