Controle penal das drogas e o crime de associação para o tráfico ilícito: Comentários ao Art. 35, da Lei 11.343/2006

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Sumário: 1.Introdução – A Inconveniência de Incriminação Especial de uma Conduta já Tipificada no Código Penal. 2. Crime de Quadrilha ou Bando e Associação Criminosa: Breve Histórico de uma Equivocada Criação Normativa. 3. A Nova Lei Antidrogas e a Reedição do Crime de Associação para o Tráfico com Reprimenda Própria. 4. Derrogação da Norma Punitiva Contida no Art. 8º, da LCH, em Relação ao Crime de Associação para o Tráfico. 5. Bem Jurídico Objeto da Proteção Penal. 6. Definição ou Descrição Legal do Tipo Penal de Associação Criminosa para o Tráfico. 7. Elemento Subjetivo do Tipo Penal: Propósito Delitivo dos Agentes Restrito à Prática de Crimes de Tráfico Ilícito de Drogas. 8. Requisitos da Descrição Legal do Tipo e Classificação Doutrinária: Crime Comum e Formal. 9. Autonomia Tipológica e Concurso de Crimes. 10. Elemento Normativo do Tipo: Permanência ou Estabilidade Temporal da Associação Criminosa. 11. Considerações Finais. 12. Bibliografia.

Resumo: A nova Lei Antidrogas trouxe consigo algumas mudanças no que se refere ao controle penal das drogas. As mudanças, em sua maior parte, restringiram-se a alterações de natureza quantitativa e meramente pontuais. Por isso, não se pode dizer que, com a nova lei, foi colocada em prática idéias e diretrizes de uma nova Política Criminal em matéria de prevenção e repressão ao tráfico ilícito de drogas. A nova lei manteve a incriminação da associação criminosa para o tráfico (art. 35) e deu-lhe a mesma redação típica positivada na lei anterior. Mas, a pena pecuniária foi significativamente majorada. Além disso, o controle punitivo foi reforçado com a presença de um desnecessário parágrafo. Por outro lado, o crime de associação criminosa para o tráfico conta agora com sanções penais próprias e não pode mais ser punido com as penas previstas, no art. 8º, da LCH, pois não é considerado crime hediondo. Neste artigo, examinaremos algumas questões técnicojurídicas desta figura penal, que tem despertado críticas de parte da doutrina. Entende-se equivocada ou inadequada a incriminação de um tipo penal de associação com apenas dois integrantes, ao lado do crime de quadrilha ou bando previsto no Código Penal, cuja descrição típica exige a presença de, no mínimo, quatro participantes para a configuração jurídicopenal desta figura delituosa, classificada como de concurso necessário.

Resumé: La nouvelle Loi Antidrogues a apporté quelques changements en ce qui concerne le control pénal des drogues. Les changements n’ont pas été radicaux. Dans la majeur partie, ces changements ont été d’ordre quantitatif et simplement ponctuels. Pour cela, nous pouvons dire que la nouvelle loi n’a pas mis en marche les idées et les directrices d’une nouvelle Politique Criminelle en matière de prévention et de repression au trafic de drogues. La Loi Antidrogues a maintenu l’incrimination de l’association criminelle pour le trafic de drogues (art. 35) et lui a donné la même redaction tipique positivée dans la loi antérieure (art. 14). Mais la peine pecuniaire fut sensiblement augmentée. Outre, le controle punitif fut renforcé par l’adoption d’un nouveau et desnécessaire paragraphe. Encore, le crime d’association criminelle pour le trafic dispose maintenant de peines propres et, en raison de ne pas être consideré une infraction pénale honteuse, ne peux pas être puni avec les sanctions prévues dans l’article 8º, de la LCH. Dans cet article, nous examinerons les questions juridiques plus importantes de cette figure pénale, qui a relevé des serieuses critiques doctrinaires. La doctrine entends que est une erreur l’incrimination d’une espèce d’association criminelle avec la participation de deux individus seulement, quand le Code Pénal établi le nombre minimum de quatre participants pour avoir le crime d’association des malfaiteurs, qui est classé comme une infraction de concours nécessaire.

Palavras-Chave : Associação Criminosa – Quadrilha ou Bando – Drogas – Tráfico Ilícito de Drogas.

Mots-Clef: Association Criminelle – Association de Malfaiteurs – Drogues – Trafic Illicite de Drogues.

1. Introdução – A Inconveniência de Incriminação Especial de uma Conduta já Tipificada no Código Penal

A Lei Nº 11.343/2006, aqui denominada Lei Antidrogas, trouxe inovações pontuais e de ordem meramente quantitativa em relação ao conteúdo normativo da Lei 6.368/76. Aumentou o patamar mínimo da pena privativa de liberdade prevista para o crime de tráfico ilícito.[1] Aumentou, também, de forma sistemática, os marcos mínimo e máximo das penas pecuniárias. Reagrupou ou desdobrou, em artigos e parágrafos, algumas das figuras delituosas, que orbitam em torno da figura nuclear que é o crime de tráfico propriamente dito.

A mudança de maior significado, a nosso ver, ficou por conta da descriminalização branca operada em relação à conduta de porte para uso pessoal de drogas. Com a nova lei, o enfrentamento deste tipo de conduta relacionado ao consumo de drogas passou a ser feito sem o recurso à prisão.[2]

Alguns tipos penais foram mantidos com a mesma descrição típica positivada no texto legal anterior. É o caso do crime de associação para o tráfico ilícito de drogas. Antes descrito no art. 14, da lei revogada, encontra-se agora positivado no art. 35, da nova Lei Antidrogas. Mesmo mantendo a incriminação específica desta conduta de associação criminosa, com a mesma quantidade de pena privativa de liberdade, houve mudanças pontuais em relação ao texto da lei antiga: aumento significativo da pena pecuniária, tanto em relação ao mínimo, quanto ao máximo de cominação em abstrato e a edição de um parágrafo único, que se reporta à associação para financiar ou custear qualquer das modalidades de crime de tráfico.

Como será visto neste estudo, lamentavelmente, não percebeu o legislador a inconveniência – em termos técnicojurídicos e da teoria do crime – de superpor uma segunda norma especial para estabelecer o controle penal de uma conduta que há muito já se encontra incriminada no art. 288, do CP.

É o que estudaremos a seguir.

2. Crime de Quadrilha ou Bando e Associação Criminosa: Breve Histórico de uma Equivocada Criação Normativa Bifurcada   

A conduta de, quatro ou mais pessoas, associarem-se para a prática de crimes está descrita no art. 288, do Código Penal – CP, como crime de quadrilha ou bando. Até 1976, não havia outra norma jurídica, no CP ou na legislação especial, fazendo referência a esta categoria tipológica, seja utilizando a mesma expressão jurídica ou outra semelhante, como associação ou organização criminosa.

No entanto, com o advento da Lei 6.368/76, nosso direito positivo conheceu uma segunda espécie deste tipo penal, aplicável especificamente aos crimes de tráfico de entorpecente. Bem mais severa, a lei repressiva especial havia criado um tipo penal assim descrito em seu art. 14: “Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 12 e 13 desta Lei”.

Apesar de não ter utilizado a expressão quadrilha ou bando, o tipo penal especial vinha descrito numa dicção muito próxima daquela que está positivada no art. 288, do CP, para definir essa forma de conduta criminosa contra a paz social. A nota de maior severidade ficou por conta da exigência de apenas dois ou mais agentes para a configuração do crime. E a diferença, em relação ao tipo penal do CP, ficou evidenciada pela especificidade do propósito delitivo, que devia estar dirigido apenas à prática do crime de tráfico ilícito de drogas e de suas modalidades típicas equivalentes.

Além disso, o art. 18, inciso III (primeira hipótese) desta mesma lei, havia criado uma causa de aumento de pena, aplicável ao crime de tráfico, em qualquer de suas modalidades, desde que praticado mediante associação criminosa. A majorante constituía um evidente repique punitivo em cima de uma mesma conduta, pois no contexto de um mesmo caso penal, o agente poderia responder pelos crimes de tráfico propriamente dito e associação para o tráfico, com a pena do primeiro crime sujeita à causa de aumento do art. 18, inciso II, desde que praticado mediante “associação”.

O dispositivo legal em apreço foi visto, por parte da doutrina, como uma hipótese de dupla punição[3] ou, no mínimo, como descolada da regra da taxatividade e, por isso, ofensiva ao princípio da estrita legalidade, que impõe ao legislador o dever de aprovar leis penais claras, objetivas e certas quanto à matéria de proibição.[4]

Isto poderia levar os tribunais a uma posição de rejeição à validade da norma, com base no princípio do non bis in idem. Mas, não foi esta a hermenêutica jurisprudencial aplicada aos casos concretos. Em muitos casos, os tribunais admitiram o repique punitivo, afastando a tese de invalidade jurídica da norma que havia criado essa redundante causa de aumento, assentada na figura da associação criminosa. O fundamento da hermenêutica jurisprudencial baseou-se no argumento de que a associação prevista no referido dispositivo, diferentemente daquela prevista no art. 14, era meramente ocasional.[5]

Portanto, a partir da promulgação da Lei 6.368/1976, nosso sistema penal passou a conviver com duas modalidades típicas de quadrilha ou associação criminosa e mais uma espécie de associação travestida de majorante especial.

O sistema normativo ficou ainda mais enredado e de difícil solução hermenêutica, com a vigência da Lei 8.072/90 – LCH, que criou uma outra forma típica de associação criminosa (art. 8º, caput). Esta é constituída do preceito incriminador previsto no art. 288, do CP e de um preceito sancionatório próprio e mais severo para os autores de crimes hediondos, aí incluído o crime tráfico, praticados por quadrilha ou bando.

A existência destas três normas incriminadora relativas à conduta de se associar para a prática de crimes hediondos, de tráfico ilícito de drogas ou os demais crimes, criou uma séria discussão doutrinária. Isaac Sabbá Guimarães reconhece que, neste ponto, a Lei 8.072/90 é “de má técnica” e que, em conseqüência, “a compreensão do crime de associação para fins de tráfico ficou confusa.”[6]

Do mesmo modo, os tribunais divergiram sobre a matéria. Mas, ao final, prevaleceu o entendimento jurisprudencial de que o crime de quadrilha definido na Lei de Tóxicos (art. 14) não era uma espécie de crime hediondo. Não havia previsão legal expressa e o princípio da legalidade não admite que se possa conferir esse rótulo por simples semelhança ou analogia.

No entanto, e contrariando posição defendida por parte da doutrina penal,[7] a jurisprudência dos tribunais superiores adotou o entendimento de que o art. 8º, da LCH, não havia derrogado o art. 14, da Lei 6.368/76. Este último dispositivo continuou aplicável, como tipo especial de associação criminosa, para sancionar a conduta de dois ou mais agentes que se associassem para o fim de cometer, especificamente, os delitos previstos nos arts. 12 e 13, da referida lei. Estranhamente, a jurisprudência dos tribunais superiores firmou o entendimento de que a pena aplicável, no entanto, seria aquela prevista no art. 8º, da LCH.[8]

3. A Nova Lei Antidrogas e a Reedição do Crime de Associação para o Tráfico com Reprimenda Própria

A nova Lei Antidrogas, corretamente, não reeditou a causa de aumento por associação criminosa, de caráter eventual, prevista no mencionado art. 18, inciso III, da lei revogada. Mas, conforme já assinalamos, manteve a figura da associação criminosa a partir da presença de dois ou mais agentes, como estava descrita na lei anterior. O art. 35, assim descreve a conduta incriminada:

Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, “caput” e § 1º, e 34 desta Lei:

 Pena – reclusão de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e duzentos) dias-multa.

Parágrafo único – Nas mesmas penas do “caput” deste artigo incorre quem se associa para a prática reiterada do crime definido no art. 36 desta Lei.

Assim, com a acertada abolição da majorante, resta apenas a crítica à inconveniência de se manter um tipo penal que pune a associação de, apenas duas pessoas, que se unem com o propósito de praticar o crime de tráfico, em suas distintas modalidades típicas. Na verdade, se associação para o crime tem o mesmo significado jurídicopenal de quadrilha ou bando, não parece adequado incriminar como associação criminosa a reunião de apenas duas pessoas, apenas porque se manifestam dispostas a praticar, no caso, qualquer uma das modalidades típicas do crime de tráfico ilícito de drogas.[9]

A nosso ver, o mais adequado teria sido a abolição, também, da figura criminosa em estudo e deixar a matéria relacionada à associação criminosa ser tratada no âmbito do espaço normativo disciplinado pelo art. 288, do CP. Isto simplificaria o sistema penal e o livraria desta inconveniente assimetria normativa causada pela superposição de leis sobre uma mesma situação fática.

Mesmo assim, é preciso reconhecer que o desaparecimento da inconveniente majorante simplificou, em parte, o sistema punitivo, que ainda é integrado por três normas penais que se cruzam no espaço jurídicopenal do controle das condutas relacionadas à associação criminosa: a norma prevista no art. 288, do CP; aquela contida no art. 8°, da LCH e a prevista no art. 35, da Lei Antidrogas.[10]

4. Derrogação da Norma Punitiva Contida no Art. 8º, da LCH em Relação ao Crime de Associação para o Tráfico

Cremos que, com a vigência da nova lei, já não há mais razão para se discutir sobre a possível incidência do art. 8º, da LCH, aos casos de associação criminosa para a prática de tráfico de drogas, como vinham decidindo os tribunais, em cima de um estranho hibridismo jurídicopenal: lançavam mão da matéria de proibição descrita no então art. 14 e completavam a prestação jurisdicional punitiva com a aplicação da pena mais severa prevista no referido art. 8º, da LCH. Com a nova lei, desapareceram as arestas criadas no sistema pela incidência dessas normas penais conflitantes ou assimétricas.

Primeiro, porque, sendo posterior, a Lei Antidrogas revogou disposições contrárias aos seus comandos prescritivos, previstas em normas anteriores, especialmente o referido art. 8º, da LCH. Parece-nos que este argumento elementar de hermenêutica jurídica é suficientemente forte para sustentar esta nossa leitura interpretativa do aparente conflito de normas.

Em segundo lugar, porque a nova Lei Antidrogas criou um subsistema penal e processual penal próprio. Com isto, retirou o crime de tráfico ilícito propriamente dito e os seus tipos equivalentes, equiparados e os associados ou relacionados ao tráfico ilícito de drogas,[11] do espaço normativo criado pelo subsistema punitivo da LCH. Se assim é, parece-nos que o crime de associação para o tráfico deve ser tratado apenas no âmbito das normas penais especiais integrantes da Lei 11.343/2006.

Leonardo Luiz de Figueiredo também ressaltou esta conseqüência jurídica decorrente da vigência da nova Lei Antidrogas. Para este autor, fica superada “a estrutura punitiva anterior, em que a descrição típica era fornecida pelo art. 14, da Lei nº 6.368/76, porém com as sanções do art. 8º, da Lei nº 8.072/90”. Com razão, assinala que, estabelecidas sanções posteriores e “específicas para a associação ao tráfico, fica derrogado o dispositivo da lei de crimes hediondos quanto a este delito”. O autor chama a atenção, ainda, para o fato de que “a modificação das penas da associação ao tráfico não interfere nas penas do crime de quadrilha voltada à prática dos demais crimes hediondos”.[12]

Desta forma, entendemos que, a partir da vigência da nova Lei Antidrogas, ficou definido o âmbito de incidência da norma sancionadora contida no art. 8°, da LCH, tão somente aos crimes hediondos cometidos em quadrilha ou bando, mas não aos participantes da associação criminosa descrita no art. 35, ora sob exame.

5. Bem Jurídico Objeto da Proteção Penal

Como os demais tipos penais positivados na Lei Antidrogas, o crime de Associação para o Tráfico visa proteger a saúde pública, erigida à condição de bem jurídico suficientemente relevante para merecer a tutela de última instância, materializada no controle penal.

É preciso reconhecer que o conceito de saúde pública apresenta-se como uma categoria éticopolítica e jurídica difusa e abstrata, mas que deve ser entendida como a projeção, no plano do coletivo ou social, da saúde geral das pessoas vivendo numa determinada comunidade. Numa linguagem mais simples e realista, deve ser entendida como a saúde do povo, erigida à categoria de direito republicano e universal de todos os cidadãos. No caso brasileiro e no que concerne à esfera prestacional do Sistema Unificado de Saúde, continua longe de ser um modelo razoável.

Nelson Hungria[13] ensina que o reconhecimento dessa classe jurídica dos crimes contra a saúde pública é devido ao clássico Filangieri que, já no final do século XVIII, afirmava que o direito à preservação da saúde pública nasce comum a todos os indivíduos, surgindo daí a idéia de direito social ou comum a toda a coletividade.

6. Definição ou Descrição Legal do Tipo Penal de Associação Criminosa para o Tráfico

Conforme já ressaltamos, embora tenha a mesma natureza jurídica do crime de quadrilha ou bando, o tipo penal ora sob exame apresenta duas particularidades em relação àquela espécie genérica de crime: número mínimo de dois participantes na empreitada delitiva e o propósito direcionado à prática específica dos dois tipos crimes de tráfico ilícito de drogas. Assim, um conceito jurídico do tipo penal em exame deve levar em consideração estes dois elementos descritos na própria lei positiva.

Desta forma, pode-se dizer que o crime de associação para o tráfico carateriza-se pelo fato de dois ou mais indivíduos estarem associados, por tempo indefinido, para o fim de praticar, em comum, os crimes de tráfico, de petrechos para o tráfico ou de financiamento ou custeio ilícito de drogas. Esta é a definição que decorre da dicção do texto do próprio art. 35, da Lei Antidrogas, acima transcrito, ao tipificar a conduta de associação criminosa para o tráfico.

Conforme já mencionamos, o legislador preferiu manter a pena privativa de liberdade com a mesma cominação legal (três a dez anos de reclusão), o que não surpreende, pois a sanção já era relativamente elevada, se considerarmos que se trata de crime subsidiário ou de controle penal preventivo.

No entanto, a pena de multa – agora fixada entre 700 e 1.200 dias-multa – foi objeto de aumento considerável. Este significativo incremento da sanção pecuniária foi aplicado aos demais tipos penais e expressa a nova proposta punitiva de reforçar o controle penal, ainda baseado na pena privativa de liberdade, com um complemento punitivo de natureza patrimonial. O objetivo parece evidente: desestimular o traficante em potencial, que atua na perspectiva de amealhar um grande patrimônio ilícito, a não prosseguir em seu projeto delinqüencial.

7. Elemento Subjetivo do Tipo Penal: Propósito Delitivo dos Agentes Restrito à Prática de Crimes de Tráfico Ilícito de Drogas

A descrição típica não restringe o propósito delitivo à prática, apenas, do tipo fundamental de tráfico ilícito de drogas, previsto no art. 33, caput, da Lei Antidrogas. Configura-se o crime de associação, também e obviamente, quando os agentes se reunirem para a prática das formas típicas equiparadas e previstas no § 1º e seus incisos, do mesmo dispositivo legal e para o cometimento dos crimes de petrechos e financiamento ou custeio do tráfico (arts. 34 e 36). Como se trata de crime de tutela penal antecipada, não há necessidade de que os crimes venham a ser efetivamente praticados.

Assim sendo, configura-se o crime de associação, agora positivado no art. 35, da Lei Antidrogas, quando dois ou mais agentes colocam-se de acordo para produzir, vender etc., drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal (art. 33, caput), ou quando os quadrilheiros se propõem a praticar qualquer uma destas ações com relação à “matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas” (inciso I).

Comete, também, o delito em exame os agentes que se associam para semear, cultivar, colher etc., “plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas” (inciso II). Há, ainda, a hipótese de associação criminosa com o propósito de destinar local, equipamento ou “bem de qualquer natureza” ao tráfico de drogas (inciso III).

Da mesma forma, pode ficar configurada esta espécie criminosa especial, no caso de associação para a prática do crime de petrechos para o tráfico ilícito de drogas.[14]

Finalmente, cabe mencionar que foi criada uma nova modalidade típica de associação. Está descrita no parágrafo único, do art. 35 e se configura quando os participantes tiverem o fim específico de “prática reiterada” do crime de financiamento ou custeio do crime de tráfico ilícito de drogas, que se encontra descrito no art. 36, da Lei Antidrotas. As penas são as mesmas cominadas para o crime definido no caput do artigo.

Neste ponto, a Lei Antidrogas inovou em relação ao direito anterior, que não havia incriminado, de forma direta e explícita, a ação de financiar ou custear o tráfico ilícito de drogas. Trata-se, esta última, de uma nova figura penal e, por se tratar de novatio legis in pejus, fica sujeita à regra da irretroatividade, conforme o art. 5º, XL, da CF.

A nosso ver, não havia razão para se incriminar uma forma de associação voltada para a prática específica do crime de financiamento ou de custeio do tráfico. Se agora a conduta de financiar ou custear o tráfico ilícito de drogas, encontra-se incriminada de forma autônoma, bastaria que a lei fizesse referência ao art. 36, como aliás foi feito em relação aos arts. 33 e 34. Do ponto de vista técnicojurídico, a dicção do dispositivo incriminador ficaria mais concisa, mais objetiva e melhor sistematizada.

A doutrina tem feito críticas a esta modalidade própria de associação. Conforme assinalou Leonardo Luiz de Figueiredo Costa, “a remissão em separado (entre o caput e o §1º, do art.35) não favorece a compreensão do tipo. Afinal, faz parecer que a associação deve ser feita pelos agentes com a finalidade de que ambos desejam praticar uma série de infrações idênticas. Assim, porém não o é. A associação entre os agentes pode ser feita de forma heterogênea, envolvendo aquele que ficará incumbido de realizar condutas que serão típicas do art. 33, caput ou do §1º, do art. 34, bem como o seu financiador estavelmente associado, na forma do art. 36”. [15]

Trata-se, portanto, de modalidade típica especial em relação ao tipo descrito no caput do artigo, com a particularidade de exigir que os agentes concordem com o plano de praticar, de forma reiterada e específica, o crime de financiamento ou custeio do tráfico de drogas. De forma reiterada porque, nesta hipótese típica, diferentemente do caput do dispositivo, a norma refere-se expressamente à prática repetida do crime de financiamento. E, específica, porque esta hipótese de associação fica restrita apenas ao cometimento desta espécie de crime de tráfico ilícito.

Neste sentido, já se escreveu que, pela dicção legal, mesmo que haja vínculo associativo estável e permanente entre duas ou mais pessoas com o fito de financiarem o tráfico, ainda será necessário que “este elemento subjetivo se concretize em diversas condutas de financiamento, demonstrando a reiteração da conduta delitiva”.[16]

Estas balizas normativas, direcionando necessariamente a vontade dolosa dos participantes da associação criminosa, constituem o elemento subjetivo do tipo penal em exame. Por isso, pode-se dizer que o tipo penal descrito no art. 35 e em seu parágrafo único, da Lei Antidrogas, demarca o espaço da matéria proibida em relação ao qual a manifestação de vontade dos malfeitores associados torna-se legal e antecipadamente incriminada. Demarca, também, o elemento volitivo diferenciador desta categoria delituosa em relação ao crime de quadrilha ou bando definido no CP e na LCH.

Portanto, fica claro que, se a associação funcionar para o fim de praticar qualquer outro crime que não seja um destes tipos penais, poderá ocorrer outro tipo de associação criminosa – o crime de quadrilha ou bando, previsto no art. 288, do CP, por exemplo – mas será inadmissível falar-se da infração penal descrita no art. 35, da Lei Antidrogas.

8. Requisitos da Descrição Legal do Tipo e Classificação Doutrinária: Crime Comum e Formal

Conforme ressaltamos acima, o tipo de associação criminosa em exame difere do crime de quadrilha positivado no art. 288, do CP, por exigir a participação de apenas dois indivíduos (ou mais, é claro!) para a sua configuração jurídicopenal. Assim, basta que dois agentes se reúnam e se manifestem de acordo, no propósito de praticarem os já mencionados crimes de tráfico ou equiparados.

É, portanto, um estranho tipo penal, criado na contra-mão do pensamento e da prática penal, que sempre trabalharam com a idéia de que associação, quadrilha ou bando de criminosos pressupõe a participação de, no mínimo, quatro malfeitores.

Segundo a doutrina, trata-se de crime comum e de perigo presumido: é passível de ser praticado por qualquer pessoa imputável e o fato de duas ou mais pessoas se associarem com o propósito de praticar as três espécies graves de crime relacionadas ao tráfico ilícito de drogas é suficiente para que o controle penal se exerça de forma antecipada.

É uma espécie de crime plurissubjetivo, de concurso necessário ou de condutas paralelas. Neste caso, não se pode falar de coautoria, mas de crime coletivamente (no mínimo, dois agentes) praticado em conjunto.

É classificado, também, como crime formal quanto ao modo de consumação (a nosso ver, trata-se de crime de mera conduta de perigo presumido) e uma das espécies de infração permanente.[17] Sendo formal, para a consumação deste tipo penal, é indiferente se os crimes pretendidos ou planejados não chegarem a ser praticados.

A lição de Nelson Hungria, embora tenha sido formulada como comentário ao crime de quadrilha ou bando, continua válida: “o momento consumativo do crime é o momento associativo, pois com este já se apresenta um perigo suficientemente grave para alarmar o público ou conturbar a paz ou tranqüilidade de ânimo da convivência civil.”[18] Por isso, já foi decidido que basta apenas a constatação da existência do bando formado com a intenção de praticar delitos em geral.[19]

9. Autonomia Tipológica e Concurso de Crimes

O crime de associação para o tráfico é tipo penal autônomo.[20] Em face do perigo presumido apresentado pela associação criminosa em si mesma, a lei incrimina e pune o simples comportamento de participar ou aderir a um grupo (dois agentes, no mínimo) de indivíduos dispostos a delinqüir.

Os malfeitores associados devem ser punidos pelo crime previsto no art. 35, da Lei Antidrogas, independentemente, da prática efetiva dos crimes de tráfico, de petrechos ou de financiamento ou custeio do tráfico ilícito. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que o crime de associação, previsto no antigo art. 14, da Lei 6.368/76, caracteriza-se “pela necessária participação, não eventual, de pelo menos duas pessoas, com vistas ao tráfico de entorpecentes, ainda que este não se concretize”.[21]

Em consequência, se o grupo de malfeitores cometer os crimes planejados, seus membros responderão por estes em concurso material com esta infração contra saúde pública. Na doutrina, prevalece este entendimento.[22]

Em sentido contrário, Fernanda Velloso Teixeira entende que o crime de associação (então previsto no art. 14 da Lei 6.368/76), somente tem existência jurídica se praticado de forma isolada. Em conseqüência, no caso de prática dos tipos penais planejados, não seria possível a incidência cumulativa, em concurso material, com o crime de associação criminosa, pois este somente deve ser punido “quando configurar delito autônomo e único”.[23]

No entanto, durante a vigência da lei anterior, a jurisprudência havia consolidado o entendimento de que é juridicamente admissível o “concurso material entre tráfico de entorpecentes e o de associação estável”, por ser este uma espécie de crime autônomo. Tanto que o STF decidiu que é de sua jurisprudência “ser possível ocorrer concurso material entre os crimes de tráfico e de associação para o tráfico de entorpecentes”[24] Resta esperar para conferir se esta posição continuará sendo trilhada pelos tribunais pátrios, na aplicação da norma agora contida no art. 35, da atual Lei Antidrogas.

10. Elemento Normativo do Tipo: Permanência ou Estabilidade Temporal da Associação Criminosa

A atual descrição típica do art. 35, da Lei Antidrogas, manteve a expressão “reiteradamente ou não”, já contida na lei anterior. Isto poderia induzir à interpretação equivocada de que uma reunião ocasional de dois ou mais indivíduos decididos à pratica do crime de tráfico, seria suficiente para que o crime em estudo esteja configurado. Mas, não é assim. Tanto a doutrina quanto a jurisprudência reconhecem a necessidade, além do acordo de vontades, da presença dos elementos normativos da estabilidade e da permanência temporal para a existência jurídica desta espécie de associação criminosa.

Para a sua configuração, o tipo penal exige estabilidade (certo nível de organização) e permanência temporal da associação. Uma simples reunião de duas ou mais pessoas que, de maneira eventual, resolvem praticar o crime de tráfico, não configura o delito de associação criminosa em exame. É preciso que o acordo de vontades estabeleça um vínculo entre os participantes e seja capaz de criar uma entidade criminosa que se projete no tempo e que demonstre certa estabilidade em termos de organização.

Daí a propriedade e atualidade da definição do mestre Nelson Hungria: “reunião estável ou permanente (que não significa perpétua), para o fim de perpetração de uma indeterminada série de crimes.” E complementa, observando que a norma repressiva visa coibir “o banditismo organizado, praticado por homens sem fé nem lei, que só conhecem solidariedade para o malefício e o crime”.[25]

Vicente Greco Filho leciona no mesmo sentido, afirmando que, para a configuração deste crime, há “necessidade de um animus associativo, isto é, um ajuste prévio no sentido da formação de um vínculo associativo de fato”.[26]

Andrey Borges de Mendonça e Paulo Roberto Galvão de Carvalho, com razão, tecem críticas ao legislador por ter mantido a expressão “reiteramente ou não”, no texto do novo dispositivo legal. Ressaltam que a expressão preservada pode induzir à uma interpretação equivocada do texto legal. Para estes autores, a interpretação correta deve considerar o conceito jurídico de associação, cuja “caraterística é a permanência e a estabilidade do vínculo, ainda que não venha a ser cometido qualquer crime planejado”.[27]

Leonardo Luiz de Figueiredo Costa tem a mesma posição e afirma que “o vínculo estável entre agentes com a finalidade da prática de uma série indeterminada de crimes consuma o delito independentemente da prática de qualquer realização concreta de tráfico ou financiamento ao tráfico de entorpecente, evidenciando o caráter autônomo e formal do delito associativo.”[28]

Conforme assinalamos acima, o elemento subjetivo do crime em exame exige a demonstração de uma vontade dirigida para o fim específico de praticar os crimes de tráfico, de petrechos ou de financiamento para o tráfico ilícito de drogas. Mas, é preciso que esta vontade delitiva seja manifestada no contexto de um associação estável, ou seja, dotada de certa permanência temporal. Não há necessidade de um acordo formal sobre o plano delitivo, mas é preciso que os participantes tenham consciência dos seus termos e manifestem objetivamente sua adesão ao propósito coletivo de delinqüir em conjunto e por um certo espaço de tempo.

11. Crime de Associação para o Tráfico e as Vedações Previstas no Art. 44 da Lei Antidrogas

Uma questão importante a ser discutida é a que se refere à incidência das vedações previstas no art. 44 da Lei Antidrogas ao crime de Associação criminosa para o tráfico ilícito de drogas. O texto é expresso em prever tal incidência:

“Os crimes previstos nos art.s 33, “caput” e § 1º, e 34 a 37 são inafiançaveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos.

Parágrafo único. Nos crimes previstos no “caput” deste artigo, dar-se-à o livramento condicional após o cumprimento de dois terços da pena, vedada sua concessão ao reincidente específico.”

Cabe ressaltar que o legislador – em termos de complementos punitivos penais e processuais penais – deu ao crime de associação o mesmo tratamento penal dado ao crime de tráfico propriamente dito e aos tipos equivalentes ou equiparados, que são legalmente considerados crimes hediondos ou a estes assemelhados. E, no entanto, conforme já ressaltamos, o crime ora sob exame não é considerado hediondo, nem pela jurisprudência, nem muito menos pela doutrina. Por isso, não parece razoável dar-lhe o mesmo tratamento penal dispensado aos crimes de maior gravidade.

Leonardo Luiz de Figueiredo Costa realizou um detalhado estudo acerca das proibições contidas no art. 44, da Lei Antidrogas e ressalta que, “por um basilar exame do princípio da proporcionalidade, salta aos olhos a inconstitucionalidade de aplicar-se as vedações típicas do crime hediondo a um outro crime que assim não é considerado. Ademais, se a Constituição trata como hediondo o delito de tráfico de entorpecente e drogas afins, mas não menciona neste dispositivo a associação ao tráfico, que dele se distingue formal e materialmente, não podemos compreender este delito como equiparado a hediondo”. [29]

A nosso ver, apesar de expressa, esta cláusula de proibição absoluta de benefícios penais, que hoje integram o sistema punitivo contemporâneo, representa um grave equívoco em termos de Política Criminal. Proibir benefícios como a fiança, a liberdade provisória, o sursis, o indulto etc. – verdadeiras conquistas do Direito Penal do Estado Democrático de Direito – contraria práticas penais já consolidadas, que têm contribuído para a humanização do sistema penal brasileiro ou, ao menos, evitado que o sistema se torne ainda mais desumano.

Basta lembrar a superlotação de nossos presídios e a situação de extrema penúria penitenciária a que está submetida a maior parte de nossa população carcerária. Neste ponto, a Lei Antidrogas revela-se intensamente mais severa do que a lei anterior, que não proibia expressamente a concessão destes benefícios penais. Por isso, podemos dizer que, em termos da mais elementar Política Criminal, a Lei Antidrogas retrocedeu no tempo penal.      

Cabe ressaltar, também que esta forma legal de vedação absoluta tem merecido a condenação da doutrina e, o que é mais grave, não tem sido respeitada pela jurisprudência. Já adotada no texto da LCH, muitas destas vedações não têm sido observadas pelos tribunais, no julgamento de casos concretos. Com fundamento nos princípios constitucionais penais maiores da dignidade da pessoa humana, da humanidade e da individualização da pena e da presunção de inocência, nossos tribunais têm concedido, com certa freqüência e contrariando o comando expresso da norma, alguns destes benefícios a condenados por crime hediondo.

Portanto, a persistir tal posicionamento hermenêutico – e não há razão nenhuma para reversão desta posição – esta nova norma proibitiva sofrerá exceções ainda em maior número. Afinal, o que é aplicável para beneficiar o autor de crime mais grave, também o será, e com maior razão, para o autor de crime menos grave.

Além dos princípios acima referidos, a norma proibitiva afronta, ainda, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, hoje considerados fundamentais para a construção de um sistema penal de maior legitimidade, no contexto do Estado Democrático de Direito. No caso sob exame, infringe o sentido de razoabilidade e se manifesta completamente desproporcional, tratar o autor de um crime de médio potencial ofensivo como o de associação para o tráfico, com a mesma escala punitiva prevista para o autor de graves crimes considerados hediondos. É evidente que, em relação a estes últimos, o desvalor da conduta impõe um juízo de censura de maior intensidade, sendo razoável cominar-lhes uma resposta punitiva proporcionalmente mais severa.

Assim sendo, igualar situações delitivas desiguais, torna a resposta punitiva estatal ética e juridicamente desproporcional e ofende o princípio da razoabilidade.

É preciso, porém, esclarecer que admitimos a legitimidade políticojurídica de se negar qualquer destes benefícios penais ao autor do crime de associação para o tráfico. Afinal, trata-se de conduta delituosa que apresenta um considerável grau de desvalor éticojurídico. A nosso ver, é preciso garantir ao juiz o indispensável espaço de poder discricionário, para examinar as circunstâncias de cada caso concreto e decidir, fundamentadamente, sobre a concessão ou não de qualquer um destes benefícios penais. Para tanto, deverá examinar se a concessão de fiança, liberdade provisória, sursis ou de outro qualquer instituto penal benéfico, deve preponderar sobre o princípio constitucional da segurança coletiva, que é tão importante e necessário quanto os demais princípios constitucionais acima referidos.

12. Associação Criminosa para o Tráfico não é Crime Hediondo

Já no regime repressivo da lei anterior, tanto a doutrina quanto a jurisprudência haviam consolidado a posição de que o crime de associação para o tráfico, então descrito no art. 14, da Lei 6.368/1976, não poderia ser considerado crime hediondo. O comentando esse dispositivo penal, agora revogado, Isaac Sabbá Guimarães escreve que os tribunais haviam pacificado esta questão e estabelecido o entendimento hermenêutico de que o crime sob exame não pode ser “categorizado como hediondo.”[30] No mesmo sentido, manifesta-se Luiz Flávio Gomes, sob o argumento de que a CRFB/88 “etiquetou, num rol taxativo, os crimes equiparados à hediondo” (sic). Por isso, não se pode ali incluir o delito de associação.

13. Considerações Finais

No Brasil e até 1976, somente o art. 288, do CP, incriminava a conduta de quadrilha ou bando. Inexistia, até então, qualquer outra norma referindo-se a este tipo penal, mesmo que com outra denominação, como associação ou organização criminosa.

Com a promulgação da Lei 6.368/1976, nosso sistema penal passou a conviver com duas modalidades típicas de quadrilha ou associação criminosa e mais uma espécie de associação travestida de majorante especial (arts. 14 e 18, inciso III, da referida lei).

O sistema normativo ficou ainda mais enredado com a vigência da Lei 8.072/90 – LCH, que criou uma outra forma típica de associação criminosa (art. 8º, caput), constituída do preceito incriminador previsto no art. 288, do CP e de um preceito sancionatório próprio e mais severo para punir os autores de crimes hediondos.

A nova Lei Antidrogas manteve a figura da associação criminosa a partir da participação de dois ou mais agentes, como estava descrito na lei anterior. No entanto, o mais adequado teria sido a abolição desta figura criminosa.

O crime de associação para o tráfico carateriza-se pelo fato de dois ou mais indivíduos estarem associados, por certo tempo, para o fim de praticar em comum e de forma específica, os crimes de tráfico, de petrechos para o tráfico ou de financiamento ou custeio ilícito de drogas.

Com a vigência da Lei Antidrogas, ficou completamente afastada a incidência do art. 8º, da LCH, aos casos de associação criminosa para a prática de tráfico de drogas. Desapareceu o estranho hibridismo jurisprudencial construído por nossos tribunais, que lançavam mão da matéria de proibição descrita no então art. 14 e completavam a prestação jurisdicional punitiva com a aplicação da pena mais severa prevista no referido art. 8º, da LCH. Agora, âmbito de incidência da norma sancionadora contida no art. 8°, da LCH, ficou restrito aos crimes hediondos cometidos em quadrilha ou bando.

Embora com a mesma natureza fáticojurídica do crime de quadrilha ou bando, o tipo penal aqui examinado apresenta duas particularidades: número mínimo de dois participantes na empreitada delitiva e o propósito direcionado à prática específica dos crimes de tráfico ilícito de drogas e seus equivalentes.

O legislador manteve a mesma quantidade da pena privativa de liberdade já cominada na lei anterior (três a dez anos de reclusão). No entanto, a pena de multa – agora fixada entre 700 e 1.200 dias-multa – foi objeto de aumento considerável, com o fim de desestimular o traficante em potencial.

O tipo penal examinado exige a presença de um elemento subjetivo, que é a vontade dirigida para o cometimento dos crimes indicados: o tráfico ilícito de drogas, propriamente dito e as formas típicas equivalentes ou equiparadas.

O crime de associação para o tráfico é tipo penal autônomo. Em face do perigo presumido apresentado pela associação criminosa em si mesma, a lei incrimina e pune o simples comportamento de participar ou aderir a um grupo de indivíduos (para a lei, dois agentes, no mínimo) dispostos ao cometimento de certos crimes especificados na própria norma incriminadora.

Para a sua configuração, o tipo penal estudado exige a presença de dois elementos normativos: estabilidade (certo nível de organização) e permanência temporal da associação. É preciso que o acordo de vontades estabeleça um vínculo entre os participantes e seja capaz de criar uma entidade criminosa que se projete no tempo e demonstre certa estabilidade.

Nosso sistema penal poderia ter sido simplificado se a nova Lei Antidrogas tivesse evitado a reedição deste tipo penal especial, deixando a incriminação da conduta de associação para o tráfico ser tratada apenas no âmbito do espaço normativo do art. 288, do CP.

Finalmente, podemos dizer que temos uma nova Lei Antidrogas, mas não uma nova Política Criminal em matéria de controle penal das drogas. Na verdade, a mudança de maior alcance ficou por conta da descriminalização branca,  ocorrida em relação ao tratamento penal reservado ao usuário de drogas, que não estará mais sujeito à prisão. As demais mudanças foram meramente pontuais e isto vale, com maior razão, para o tipo penal ora objeto desta investigação, cuja descrição típica foi literalmente repetida pelo novo dispositivo incriminador.

 

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Notas:
[1] Sobre o assunto, ver: LEAL, João José e LEAL, Rodrigo José. Nova política criminal e controle do crime de tráfico ilícito de drogas. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1435, 6 jun. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9948>. Acesso em: 18 set. 2007. Revista IOB de Direito Penal e Processual Penal, v. 43, 2007,  ISSN 1809-7804, p. 38-49.
[2] Sobre o assunto, ver: LEAL, João José. Politica criminal e a Lei nº 11.343/2006: descriminalização da conduta de porte para consumo pessoal de drogas?. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1213, 27 out. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9091>. Acesso em: 18 set. 2007
[3] VIEIRA, Fernanda Velloso. Da Impossibilidade do Concurso Material entre os Delitos de Tráfico de Entorpecentes e Associação. Boletim IBCCrim, nº 74, jan/1999, p. 4.
[4] DELMANTO, Celso. Tóxicos. São Paulo: Saraiva, 1982, p. 45.
[5] STF – HC 76.675-9, DJU 16.10.1998, rel. min. Moreira Alves; HC 75.489-9, DJU 20.02.1998, rel. min. Carlos Velloso; HC 70.930-3, DJU 24.03.1995, rel. min. Maurício Correa.
[6] GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Tóxicos..Comentários, Jurisprudência e Prática à Luz da Lei 10.409/02. Curitiba: Juruá, 2003, p. 84. Ver, também: GRECO FILHO, Vicente. Tóxicos. Prevenção. Repressão. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 103-06.
[7] LEAL, João José. Crimes Hediondos. A Lei 8.072/90 como Expressão do Direito Penal da Severidade. Curitiba: Juruá, 2003, p. 244-6. FRANCO. Alberto Silva. Crimes Hediondos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 325; TOLEDO, Francisco de Assis. Crimes hediondos. Livro de estudos jurídicos. Rio de Janeiro: Instituto de Estudos Jurídicos, 1991,  p. 211;  GRECO FILHO, Vicente. Tóxicos. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 108
[8] STF: HC 73.119-8, DJU 19.04.1996, rel. min. Carlos Velloso; HC 75.815-8, DJU 08.05.1998; HC 75.978-SP, rel. min. Sepúlveda Pertence, DJU 19.06.1998, p. 2; HC 75.046-0-SP, rel. Min. Moreira Alves, DJU 0108.1997, p. 33.467).
[9] Sobre esta questão, ver: LEAL, João José. Associação Criminosa para o Tráfico Ilícito de Entorpecentes: Análise da Divergência Doutrinária e Jurisprudencial. Revista dos Tribunais, v. 829, ano 2004, p. 473-86.
[10] Cabe lembrar que outras três leis penais, embora utilizando expressões diferentes, também fazem referência ao crime de associação criminosa. A Lei 9.034/95, que se propõe a definir e regular os “meios de prova e procedimentos investigatórios que versarem sobre crime resultante de ações de quadrilha ou bando (art. 1º), instituiu uma modalidade de delação premiada e  estabelece que, “nos crimes praticados  em organização criminosa, a pena será reduzida de um a dois terços, quando a colaboração espontânea do agente levar ao esclarecimento de infrações penais e sua autoria” (art. 6º).
Posteriormente, a Lei 9.080/95 alterou os textos da Lei 7.492/86, que define os crimes financeiros e da Lei 8.137/90, que define os crimes contra a ordem tributária e econômica para estabelecer, no caso de crime cometido em quadrilha, uma causa de redução de pena em favor do agente que “através de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa.
Mais recentemente, a Lei 9.613/98, que dispõe os crimes de “lavagem” de bens, direitos ou valores, instituiu uma causa de aumento da pena, no caso de infração cometida por intermédio de organização criminosa (art. 1º, § 4º).
[11] Consideramos tipos equivalentes ao crime de tráfico ilícito, as modalidades típicas descritas nos incisos I a III, do art. 33, da nova Lei Antidrogas. Já os crimes de petrechos para o tráfico (art. 34) e de financiamento ou custeio do tráfico (art. 36), denominamos de tipos penais equiparados ao crime de tráfico ilícito de drogas. Finalmente, denominamos de tipos penais associonados ou relacionados ao tráfico, aos demais crimes ali definidos.
[12] COSTA, Leonardo Luiz de Figueiredo. O crime de associação ao tráfico e as modificações introduzidas pela Lei nº 11.343/06. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1310, 1 fev. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9451>. Acesso em: document.write(capturado()); 02 set. 2007.
[13] Comentários ao Código Penal, v. IX, cit., p. 98.
[14] Sobre o crime de petrechos, ver nosso artigo: LEAL, João José; LEAL, Rodrigo José. Crime de petrechos para o tráfico ilícito e o controle penal das drogas: análise crítica do art. 34 da Lei nº 11.343/2006. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1518, 28 ago. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10332>. Acesso em: 04 set. 2007.
[15] COSTA, Leonardo Luiz de Figueiredo. O crime de associação ao tráfico e as modificações introduzidas pela Lei nº 11.343/06 . Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1310, 1 fev. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9451>. Acesso em: 02 set. 2007.
[16] MENDONÇA, Andrey Borges de e CARVALHO, Paulo Roberto Galvão de. Lei de Drogas Comentada Artigo por Artigo. São Paulo: Método, 2007, p. 111.
[17] STF: RTJ 116/515. Ver, também: RT 665/359 e 729/477.
[18] Comentários ao Código Penal, v.  IX, cit.,  p. 177.
[19] STF: RT 414.
[20] GRECO FILHO, Vicente. Tóxicos. Prevenção – Repressão, cit. p. 105; GOMES, Luiz Flávio (Coord). e outros. Nova Lei de Drogas Comentada, cit., p. 170.
[21] STJ, HC 11.440/RJ, DJU 19.02.2001, p. 245.
[22] GOMES, Luiz Flávio e outros. Nova Lei de Drogas Comentada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 170; MENDONÇA, Andrey Borges de e CARVALHO, Paulo Roberto Galvão de. Lei de Drogas Comentada Artigo por Artigo., cit.,, p. 108; GRECO FILHO, Vicente, Tóxicos, cit., p. 106.
[23] TEIXEIRA, Fernanda Velloso. Da Impossibilidade do Concurso Material entre os Delitos de Tráfico de Entorpecentes e Associação. Boletim IBCCrim, nº 74, jan/1999, p. 4
[24] STF: HC 74.738/SP, rel. min. Maurício Corrêa, DJU 18.05.2001, p. 432. Ver, também, RT 773/503.
[25] Comentários ao Código Penal, v. IX. Rio de Janeiro: Forense, 1959, p. 175.
[26] Tóxicos. Prevenção – Repressão, cit., p. 104.  Ver, também, GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Tóxicos, cit., p. 66.
[27] Lei de Drogas. Comentada Artigo por Artigo, ob. cit., 106. No mesmo sentido: GUIMARÃES, Isaac Sabbá, Tóxicos, cit., p. 66;
[28] COSTA, Leonardo Luiz de Figueiredo. O crime de associação ao tráfico e as modificações introduzidas pela Lei nº 11.343/06, ob. cit.
[29] O crime de associação ao tráfico e as modificações introduzidas pela Lei nº 11.343/06, ob. cit.
[30] GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Nova Lei Antidrogas Comentada. Crimes e Regime Processual Penal. Curitiba: Juruá, 2007, p. 65.

 


 

Informações Sobre os Autores

 

João José Leal

 

Livre Docente-Doutor – UGF/FURB. Professor dos Programas de Mestrado e de Doutorado do Curso de Pós-Graduação em Ciência Jurídica da UNIVALI – Itajaí – SC. Promotor de Justiça aposentado. Ex-Procurador Geral de Justiça de SC. Ex-Diretor do Centro de Ciências Jurídicas da FURB – Blumenau. Sócio do IBCCrim e da AIDP.

 

Rodrigo José Leal

 

Mestre em Ciência Jurídica – UNIVALI. Doutorando em Direito – Universidade de Alicante. Professor de Direito Penal – UNIVALI e UNIFEBE.

 


 

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