Os elementos subjetivos do tipo e os limites fronteiriços entre o dolo eventual e a culpa consciente

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Resumo: Capítulo referente a monografia apresentada à Universidade Federal do Rio Grande onde se estabeleceu os pontos principais que diferenciam o dolo eventual e a culpa consicente.

Sumário: 1 Dos elementos subjetivos do tipo penal e suas características. 1.1 Dolo 1.2. Culpa 2 Da tênue linha divisória entre dolo eventual e culpa consciente 2.1 Das teorias da probabilidade e do consentimento 2.2 Da diferenciação do dolo eventual e da culpa consciente segundo a teoria do consentimento


Neste trabalho, a fim de possibilitar uma melhor compreensão acerca da conduta dos agentes dos crimes de trânsito, faremos uma abordagem doutrinária no que tange aos elementos subjetivos do tipo, os quais estão inseridos na parte geral do Código Penal Brasileiro, conceituando-os. Para tanto, orientar-nos-emos através das obras de conhecidos e renomados autores, tais como Guilherme de Souza Nucci, César Roberto Bitencourt, Heleno Cláudio Fragoso, Paulo José da Costa Júnior, David Medina da Silva bem como Alexandre Wunderlich.


1.Dos elementos subjetivos do tipo penal e suas características


  A Teoria Geral do Delito define o tipo penal através de diferentes concepções, dentre elas, citamos algumas vertentes doutrinárias, tais como a analítica, a formal e a material. Sintetizando, podemos defini-lo, segundo Guilherme de Souza Nucci[1] como sendo a “conduta ilícita que a sociedade considera mais grave, merecendo, pois, a aplicação da pena, devidamente prevista em lei, constituindo um fato típico, antijurídico e culpável.”


O crime, objeto principal de estudo da referida teoria desmembrada na parte geral do Código Penal Brasileiro, é composto, por sua vez, por uma face objetiva e outra subjetiva.


Conforme é sabido, os elementos objetivos do tipo penal referem-se aos atos, e, na maioria dos crimes, à exteriorização da ação. Por outro lado, os elementos subjetivos do delito, demasiadamente mais complexos de serem explicitados que os primeiros, tratam da intenção do agente causador do mal injusto, ou seja, para identificá-los é necessário realizar uma análise psicológica da conduta do autor do fato, o qual está relacionado com o resultado pretendido.


Nesse sentido, são dois os elementos subjetivos do crime, quais sejam o dolo e a culpa.


1.1 Dolo


Para que possamos conceituar o elemento dolo, necessário se faz remetermos a algumas teorias da conduta, eis que esta tarefa conceitual exige uma análise doutrinária minuciosa. Para tanto, segundo o doutrinador Guilherme de Souza Nucci[2], são três as correntes conceituais do dolo.


De acordo com a visão finalista da conduta[3], a estrutura do dolo, também chamado pelos adeptos desta concepção de dolo natural, o elemento em estudo nada mais é do que a vontade consciente de praticar a conduta criminosa.


Entretanto, para os seguidores da corrente causalista, o dolo é considerado normativo, ou seja, além da vontade consciente de praticar a conduta criminosa, exige-se, para tanto, a consciência do agente de que ele está praticando uma ação ou omissão tipificada pelo Código Penal Brasileiro.


Por fim, tem-se o dolo axiológico, conforme exposto por Miguel Reale[4], o qual aduz que o dolo seria a vontade e a intenção de praticar a conduta criminosa, compreendendo o desvalor que a conduta representa.


De acordo com o art. 18, I do Código Penal, ocorre o dolo “quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo”. Portanto, o conceito adotado pela teoria finalista é o que mais se adeqúa ao dolo pretendido pelo legislador.


Contudo, as correntes referentes ao dolo serão mais bem abordadas em momento posterior, quando trataremos de diferenciar o dolo eventual da culpa consciente.


O elemento subjetivo em análise, de acordo com a teoria adotada, qual seja, a finalista, possui, conforme os ensinamentos de Cezar Roberto Bittencourt[5], dois elementos essenciais para sua concretização.


O primeiro elemento que deve estar presente na conduta do agente que praticou qualquer tipo penal doloso chama-se elemento cognitivo ou intelectual. O elemento cognitivo do dolo refere-se, por sua vez, à consciência do executor do evento e aduz que este conhecimento da prática da conduta típica deve ser atual, ou seja, no instante do cometimento do delito faz-se necessário o perfeito entendimento por parte do agente da conduta criminosa executada. Portanto, entende-se como elemento cognitivo ou intelectual do dolo a consciência atual do fato que constitui a ação típica.


Importante ressalvar, ademais, que:


“Mas a consciência do dolo abrange somente a representação dos elementos integradores do tipo penal, ficando de fora dela a consciência da ilicitude, que hoje está deslocada para o interior da culpabilidade. É desnecessário o conhecimento da configuração típica, sendo suficiente o conhecimento das circunstâncias de fato necessárias a composição do tipo.”[6]


O segundo elemento, outrossim chamado de elemento volitivo, faz menção à vontade do agente de praticar o fato típico almejando o resultado, e, existindo entre ambos, o nexo causal.


Assim, para a ocorrência do dolo, mister se faz, de plano, observar além da existência da consciência (elemento cognitivo), a existência da vontade do agente (elemento volitivo) de praticar a conduta tipificada no Código Penal Brasileiro.


Por conseguinte, acreditamos ser a melhor definição de dolo aquela exposta por Bettiol, o qual aduz que tal elemento subjetivo seria a “consciência e vontade do fato conhecido como contrário ao dever.”


Após entendermos como se verifica a existência do elemento subjetivo do dolo, trataremos, a seguir, de duas espécies de dolo, quais sejam o dolo direto e o dolo eventual.


O dolo direto, que não será objeto de exarcebado aprofundamento científico, haja vista sua fácil percepção pelos operadores do direito, pois este ocorre quando a vontade do agente é direcionada à realização do fato típico, ou seja, o autor se propõe à prática da conduta delituosa.


De outra banda, a segunda espécie de dolo, é o chamado dolo eventual, o qual, assim como o dolo direto, está previsto no art. 18, I do Código Penal. Acerca deste tema, realizando uma simples explanação, poderíamos defini-lo como sendo o resultado criminoso provável assumido pelo agente, ou seja, utilizando as palavras do legislador, o dolo eventual ocorre quando o agente assume o risco de produzir o resultado.


Como já se referia acerca do assunto Nelson Hungria[7], assumir o risco de produzir a conduta criminosa não seria apenas a consciência e a aceitação das conseqüências prováveis, mas, sim, consentir previamente o resultado.


Entretanto, devido à tênue linha divisória entre o dolo eventual e a modalidade da culpa consciente – cerne da nossa pesquisa – desmembraremos o assunto de forma mais detalhada em momento posterior, eis que faremos uma pesquisa mais detida acerca da diferenciação desses dois elementos subjetivos do tipo penal.


1.2. Culpa


Inicialmente, importante frisar que nos filiamos às idéias do doutrinador Guilherme de Souza Nucci[8], no que tange ao estudo do elemento subjetivo culpa, o qual aduz que este seria um elemento subjetivo do crime, embora se possa definir a natureza jurídica da culpa como sendo um elemento pisicológico-normativo.


Contudo, mister se faz esclarecer que este entendimento não é unânime dentre os doutrinadores penalistas, eis que, alguns, a exemplo Cezar Roberto Bitencourt, discordam que a culpa se enquadraria dentre os elementos subjetivos do crime, sendo, esta, um elemento normativo do tipo.


Entretanto, ao abordarmos o elemento culpa, o enquadraremos dentre os elementos subjetivos do tipo, juntamente com o dolo. Nesse diapasão, passemos então à análise científica da culpa.


Conceituando a segunda modalidade subjetiva do crime, o Código Penal Brasileiro, em seu art. 18, II aduz que “diz-se crime culposo quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.” Nesse sentido, o crime configura-se culposo quando o agente violando o cuidado ou a atenção a que estava adstrito, age voluntária e desatenciosamente, produzindo um resultado antijurídico previsível, supondo que este não iria ocorrer.


Nas palavras de Paulo José da Costa Jr:


“No crime culposo, não se censura o agente por ter feito aquilo que não desejava. A reprovação advém do emprego de meios inadequados e perigosos, que produziram o fim não desejado.”[9]


Assim, pode-se dizer que a culpa é a imprevisão previsível, segundo aduz o mesmo penalista. O agente não vislumbra o resultado ilícito, tampouco pratica a ação ou omissão almejando a configuração do fato antijurídico.


Com efeito, de acordo com Cezar Roberto Bitencourt, são três as modalidades da culpa, quais sejam: negligência, imprudência e imperícia. A negligência, também chamada culpa in ommittendo, é a modalidade negativa de culpa, onde existe a falta de precaução na conduta do agente. Nesta modalidade o agente deveria ter feito, contudo não fez. A imprudência ou culpa positiva in agendo, por sua vez, possui sempre caráter comissivo e remete o agente a uma conduta arriscada ou perigosa, ou melhor, o agente faz o que não deveria fazer. Por fim, a imperícia é a culpa técnica, em que o agente demonstra falta de capacidade para o exercício de determinada profissão, embora habilitado ou credenciado para tal.


Portanto, para que possa ser identificado o elemento culpa na conduta do agente, é essencial que o agente tenha praticado a ação ou omissão através de uma dessas três modalidades acima explicitadas.   


Outrossim, antes de passarmos ao estudo das espécies de culpa, devemos nos ater aos elementos essenciais da culpa a fim de identificá-la. Desta forma, para que a culpa seja observada na conduta do executor do delito, imperioso se faz que esta seja analisada no âmbito do comportamento voluntário do agente e não do resultado da conduta.  Destarte, em um segundo momento, tem-se que observar se houve a ausência da obrigação de cuidado objetivo, ou seja, se o agente deixou de praticar uma conduta exigível a qualquer pessoa da sociedade. Além disso, é imprescindível que o resultado danoso seja involuntário, bem como este deve ser previsível e apresentar nexo causal. Por fim, o elemento da tipicidade deve sempre estar presente, eis que o crime culposo deve estar expressamente descrito no Código Penal.


De acordo com a classificação feita por Cezar Roberto Bitencourt[10], existem três espécies de culpa, são elas: culpa consciente, culpa inconsciente e culpa imprópria.


As modalidades de culpa inconsciente e de culpa imprópria não serão objetos de aprofundada análise. Sintetizando, a culpa inconsciente – também chamada de culpa ex ignorantia – significa que o agente poderia ter previsto o resultado, contudo, no caso concreto não previu. Ocorre que, neste caso, houve a total ausência de previsão do resultado ilícito, ou seja, não houve nexo psicológico entre o agente e o resultado de sua ação. Por outro lado, a culpa imprópria é oriunda de erro de tipo evitável nas discriminantes putativas ou de excesso nas causas de justificação, conforme nos ensina Cezar Roberto Bittencourt[11]. Nesta modalidade de culpa o doutrinador refere-se ao erro culposo, ou seja, a vontade do agente está maculada por um vício que, por falta de cautela do autor, poderia ter sido evitado.


Finalmente, a modalidade de culpa mais presente nos crimes objeto de nosso estudo – os crimes previstos no Código de Trânsito Brasileiro – é a chamada culpa consciente. Esta espécie do elemento subjetivo do tipo em tela, outrossim chamada de culpa com previsão, ocorre toda vez que o agente não possui tão-somente a previsibilidade do resultado, ele de fato prevê o resultado, contudo, acredita fielmente que este não irá ocorrer.


Nesta hipótese, o agente deixa de observar a diligência a que deveria, bem como realmente prevê que o resultado ilícito poderá ocorrer, mas está convicto que devido a sua ação ou omissão o fato típico não irá se concretizar.


Nesse mesmo sentido, conforme sabiamente ensina Cezar Roberto Bittencourt[12]:


“na culpa consciente, segundo a doutrina dominante, a censurabilidade da conduta é maior do que na culpa inconsciente, visto que esta é produto de mera desatenção.”


2. Da tênue linha divisória entre o dolo eventual e a culpa consciente


Conforme demonstrado anteriormente, os elementos subjetivos do crime pode assumir duas formas, quais sejam o dolo e a culpa. Contudo, a delimitação entre o dolo eventual e a culpa consciente, que será o principal objeto de estudo deste trabalho científico, se mostra demasiadamente complexa para os doutrinadores e estudiosos do Direito Penal.


Para tanto, duas são as teorias que visam a diferenciar dolo eventual da culpa consciente. Fundamentalmente, são chamadas de teoria da probabilidade e teoria da vontade ou do consentimento.


2.1 Das teorias da probabilidade e do consentimento


A teoria da probabilidade remete-nos à complexidade existente em perceber o elemento volitivo do agente, ou seja, o querer o resultado. Assim, de acordo com esta teoria, a existência do dolo eventual baseia-se, tão-somente, na probabilidade do resultado, eis que o agente atua admitindo ou não a sua produção, não valorando, desta forma, o elemento volitivo.


Com efeito, entende-se que, se a probabilidade da ocorrência do resultado é grande observaremos a ocorrência do dolo, contudo, se esta mesma probabilidade for menor estaremos diante de culpa consciente.


Entretanto, até mesmo os grandes defensores da teoria em tela, também chamada de teoria da representação, há décadas superaram essa corrente doutrinária a fim de caracterizar e diferenciar, no caso concreto, o dolo e a culpa.


Nesse sentido, aduz o advogado ALEXANDRE WUNDERLICH[13]:


“Contra a teoria da probabilidade, que ainda é defendida por GIMBERNAT, se tem dito e repetido que ela exige apenas que o autor tenha decidido realizar um ato que provavelmente implicará lesão de um bem jurídico. Ocorre que esta representação da probabilidade de lesão não é suficiente para se acreditar que o autor realmente tenha assumido o risco de produzir um determinado resultado, uma vez que, embora a realização seja provável, poderá o autor, confiando em sua boa fortuna, acreditar que o resultado não se produzirá.”


Desta forma, observamos que, de acordo com a teoria da probabilidade, o agente causador do fato danoso incorrerá em dolo quando praticar uma mesma conduta que auferirá o mesmo resultado. Nota-se, ademais, que, aqui, não se faz presente o elemento volitivo do agente.


Entretanto, conforme demonstrado por Alexandre Wunderlich[14], está teoria sofreu inúmeras críticas, mormente pelo fato da não valoração do elemento volitivo do agente, levando-se em consideração, tão-somente o elemento intelectivo, esta não fora a teoria adotada por nosso Código Penal.


Assim, passemos para a análise da teoria do consentimento, ou da vontade, a qual sustenta que apenas a necessidade de representação por parte do agente da provável lesão ao bem jurídico não é suficiente para configurar o dolo eventual, mister se faz, outrossim, que o autor da provável lesão tenha anuído interiormente o resultado provável, e, conseqüentemente, a violação do bem jurídico protegido. Neste mesmo pensamento, haveria culpa consciente, de acordo com a teoria do consentimento, se o agente, convencido da probabilidade do resultado, desistisse da ação, entretanto, calcula mal e age produzindo o resultado.


Então, de acordo com a teoria da vontade – adotada pelo nosso Código Penal Brasileiro – o dolo far-se-á presente na conduta do agente toda vez que este tiver vontade de praticar a conduta típica, com o provável resultado e a conseqüente lesão.


Entretanto, mister se faz uma perfeita conceituação do termo “vontade”. Portanto, por vontade, conforme ensina David Medina da Silva, entendemos “ a energia que controla o comportamento”[15], ou seja, é a vontade que possibilita ao homem controlar seus impulsos e realizar condutas.


Portanto, superada a questão do entendimento do termo “vontade”, e tendo em vista a complexidade para a diferenciação doutrinária do dolo eventual e da culpa consciente, observa-se que esta complexidade faz-se ainda maior na aplicação do caso concreto. Note-se que, a teoria do consentimento ou da vontade adotada pelo legislador aborda o elemento volitivo, ou seja, para que o agente incorra em dolo eventual este deverá aceitar que o resultado danoso ocorra. Entretanto, o problema surge no momento da identificação deste elemento de vontade do agente do fato típico, ou seja, o querer efetivo do agente em lesionar o bem jurídico.


Com efeito, ainda Alexandre Wunderluch sustenta[16]:


“Sobre a teoria da vontade, destacamos também a segura orientação de MUÑOZ CONDE, trazida ao direito pátrio por Juarez TAVARES: ‘Para esta teoria não é o suficiente que o autor situe o resultado como de produção provável, mas é preciso que, além disso, diga: ainda que fosse certa a sua produção, atuaria’.”


Em que pese exista a dificuldade na percepção do elemento psicológico do autor, a teoria do consentimento vem sendo defendida e sustentada por grande parte da doutrina atual.


2.2. Da diferenciação do dolo eventual e da culpa consciente segundo a teoria do consentimento


Conforme já estudado anteriormente, o dolo eventual aproxima-se da culpa consciente, pois, em ambos, há a previsibilidade do resultado antijurídico. Entretanto, no primeiro, o agente, embora saiba da possibilidade da previsão do resultado, assume o risco e prefere prosseguir na ação. Na culpa consciente, por sua vez, o agente não aceita a concretização do resultado, ao contrário, ele repele mentalmente a realização do evento.


Sabiamente, Paulo José da Costa Júnior[17] sustenta:


“Caracteriza-se a culpa consciente porque, ao lado de uma previsão genérica positiva, se coloca uma previsão concreta negativa: o evento não se verificará. No dolo eventual, ao contrário, a previsão genérica positiva segue-se outra, de caráter parcialmente positivo: é possível que o evento se verifique. Inobstante tal previsão, o agente não se detém. Continua a agir, custe o que custar.”


Portanto, note-se que a essência para a percepção da ocorrência dos elementos subjetivos do tipo em tela poderá estar não somente no elemento volitivo do agente, mas sim, conforme demonstrado por Paulo José da Costa Júnior, na previsão concreta negativa ou positiva do resultado.


Contudo, entendemos que o dolo eventual significa que o sujeito tomou ciência da possibilidade do evento criminoso, pois se o agente não levar com seriedade esta possibilidade significa dizer que ele, por alguma razão, acreditava que o resultado não iria ocorrer, incorrendo, por sua vez, o autor, em culpa consciente. Para que seja caracterizado o dolo eventual o autor deve acreditar na possibilidade da realização, e, mesmo assim, agir, mesmo que não almeje diretamente a conclusão do resultado. Podemos dizer, outrossim, que o autor considera o resultado criminoso como sendo possível e se conforma com ele.


Conforme assevera Alexandre Wunderluch[18], os doutrinadores espanhóis ainda discutem a semântica do termo “intenção” utilizado pelo legislador a fim de conceituar o dolo eventual. Por razão desta discussão, fora possibilitada a elasticidade da figura do dolo eventual, sendo a palavra interpretada latu sensu. Contudo, tal interpretação, conforme aduz o advogado:


“a dilação do conceito ou a sua interpretação em sentido amplo, se não utilizado em benefício do agente, fere os princípios basilares do Estado Social Constitucional Democrático de Direito, bem como a teoria do garantismo, desembocando numa política criminal meramente repressiva.”


De acordo com o Código Penal, age dolosamente o agente quando: “o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo.” Importante salientar, aqui, que assumir o risco significa mais que ter consciência de correr o risco, significa consentir previamente o resultado, uma vez que este venha a ocorrer. Desse modo, conclui-se que o dolo eventual nada mais é do que a união da consciência com a vontade.


Então, conforme a teoria adotada por nosso Código, qual seja a teoria do consentimento, infere-se que o autor da conduta ilícita além de prever o resultado como possível de se concretizar, admite que o resultado possa vir a acontecer, embora não almeje diretamente atingi-lo.


Por outro lado, além da previsão, ou seja, além de assumir o risco do resultado ilícito, exige-se que o agente consinta esse resultado. Nas palavras de Alexandre Wunderlich[19]:


“resta evidente que na caracterização do dolo eventual não basta que o agente se comporte somente assumindo o risco de produzir o evento. Também, sob nossa ótica, é requisito obrigatório o fator volitivo: concordância, anuência ao advento do resultado. Não resta outra alternativa, senão aderimos a teoria do consentimento.”


Assim, tem-se que para a ocorrência do dolo eventual o agente não apenas concorda e anui com a ocorrência do resultado, ele deixa de renunciar a ação que ele acredita e sabe que poderá gerar uma conseqüência antijurídica.


Estaremos diante de culpa consciente, entretanto, quando o agente, embora tenha consciência de que sua ação poderá acarretar à um resultado criminoso (caso contrário estaríamos diante de culpa inconsciente), este, acredita que o resultado não irá ocorrer, eis que, acordo com seu elemento volitivo, o autor não almeja a realização do resultado, tampouco acredita que este virá a ocorrer.


Conforme aduz César Roberto Bittencourt[20]:


“há culpa consciente, também chamada culpa com previsão, quando o agente, deixando de observar a diligência a que estava obrigado, prevê um resultado, previsível, mas confia convictamente que ele não ocorra.”


Portanto, é notório que a linha divisória entre os elementos dolo eventual e culpa consciente é extremamente subjetiva, eis que, cabe ao julgador, interpretar, basicamente, o elemento psicológico do agente. Por esse motivo pesquisadores e doutrinadores penalistas visam a conceituar e diferenciar o tema de forma mais clara para que se possa aplicar a teoria ao caso concreto, contudo, esta é uma tarefa, conforme nosso entendimento, que ainda não fora possível.


Infere-se, por conseguinte, que, em ambos os casos (no dolo eventual e na culpa consciente), conforme já estudamos, ocorre a previsão do resultado gravoso, ou seja, o agente tem consciência de que o evento ilícito poderá acontecer em decorrência da conduta do agente.


Assim, percebe-se que, o cerne do problema para identificarmos o elemento subjetivo no caso em comento está na previsão do resultado, o qual está presente tanto no dolo eventual quanto na culpa consciente.


O ponto relevante para a diferenciação está nos termos “assumir o risco” e “anuir com o resultado”. Entretanto, analisando-se os termos, observa-se que ambos fazem parte do elemento volitivo do agente, sendo que, estes, portanto, para serem identificados, precisam ser exteriorizados de alguma forma pelo autor do fato.


Dessa forma, denota-se árdua a tarefa do magistrado no momento de identificar tais elementos, eis que, na maioria dos casos, da simples análise das provas colhidas na instrução criminal não é possível tal identificação. Contudo, é sabido que este momento de qualificação do crime como sendo culposo ou doloso traça, basicamente, a dosimetria da pena, futuramente, a ser aplicada ao réu sobrevindo condenação.


Assevera Guilherme de Souza Nucci[21] ao abordar o dolo eventual e a culpa consciente nos crimes a serem abordados neste trabalho científico, qual seja os crimes de trânsito:


“É tênue a linha divisória entre a culpa consciente e o dolo eventual. Em ambos o agente prevê a ocorrência do resultado, mas somente no dolo o agente admite a possibilidade do evento acontecer. Na culpa consciente, ele acredita sinceramente que conseguirá evitar o resultado, ainda que o tenha previsto.”


Dessa forma, percebe-se a complexidade do tema em estudo, eis que, a identificação do tipo subjetivo do delito pelo julgador, e posterior aplicação da pena, depende, mormente, além da previsibilidade do resultado – presente tanto no dolo eventual quanto na culpa consciente – da anuência do agente com a ocorrência deste.


Nesse mesmo pensamento, sustenta David Medina da Silva:


“De efeito, é importante salientar que só o autor do fato incriminado, senhor da própria subjetividade, sabe e pode saber com certeza absoluta se representou o resultado e se orientou para ele sua vontade. Mas não podem os operadores do direito criminal ficar reféns da palavra do acusado a respeito do elemento intencional, pois, como é cediço, o réu apenas raramente confessa. Disso resulta o hercúleo esforço argumentativo em torno de casos concretos, em que se deve buscar, nas circunstâncias do fato, indicativos de dolo e culpa.”


Portanto, a fim de ilustrar o presente trabalho, concluímos nosso pensamento de acordo com o Egrégio Tribunal do Estado de São Paulo:


“Enquanto no dolo direto o indivíduo age por causa do resultado, no eventual, age apesar do resultado. Na culpa consciente, entretanto, o agente não aceita o evento como verificável no caso concreto; repele-se embora inconsideravalmente.”


Por conseguinte, constata-se que a dificuldade de tal diferenciação está no fato de que a mente humana é ilimitada. Assim, o magistrado não possui capacidade de adentrar ao interior psíquico do agente a fim de encontrar a verdade absoluta, que se encontra, tão-somente, no elemento volitivo do autor do fato.


É evidente, então, que os elementos subjetivos do tipo estão relacionados mais à ciência da psicologia do que à ciência jurídica e “um fenômeno psíquico não pode ser definido legalmente de forma simplista e fechada.”[22]


Dessa forma:


“O fato é que, ao contrário do que a doutrina brasileira ainda costuma pensar, a lei não resolveu nada. Isso porque as palavras que a lei usa – o assumir o risco da produção do resultado – são ambíguas, podem ser compreendidas tanto no sentido de uma teoria meramente cognitiva, que trabalha tão-só com a consciência de um perigo qualquer, como no sentido de uma teoria da vontade, a qual pode ser a teoria da anuência, como qualquer outra.”[23]


Assim, note-se que uma linha muito tênue separa o dolo eventual da culpa consciente, pois em ambos os casos o possível resultado é conhecido e não é desejado pelo agente. A diferença reside no fato de que, na culpa consciente o agente sequer cogita a hipótese de tal resultado realmente vir a ocorrer, enquanto no dolo eventual aceita a possibilidade, simplesmente aceitando o risco que corre de produzir o resultado.


 


Notas:

[1] NUCCI, 2005, p. 162.

[2] NUCCI, 2005.

[3] Segundo a Teoria Finalista, a conduta é definida como sendo o comportamento orientado pela finalidade.

[4] NUCCI, Guilherme de Souza apud Miguel Reale, 2005, p. 195.

[5] BITENCOURT, 2000.

[6] BITENCOURT, 2000, p. 205.

[7] BITENCOURT, Cezar Roberto apud Nélson Hungria, 2000, p.118.

[8] NUCCI, 2005.

[9]COSTA JÚNIOR, 2008. p. 113

[10] BITENCOURT, 2000

[11] BITENCOURT, 2000.

[12] BITENCOURT, 2000, p. 228.

[13] WUNDERLICH, 1998.

[14] WUNDERLICH, 1998.

[15] MEDINA, David, 2005, p. 71.

[16] WUNDERLICH, Alexandre. 1998.

[17]COSTA JÚNIOR, 2008. p. 101.

[18] WUNDERLICH, Alexandre. 1998.

[19] WUNDERLICH, Alexandre. 1998.

[20] BITENCOURT, 2000, p. 227.

[21] NUCCI, 2005, p. 199.

[22] MEDINA, David. 2005. p. 114.

[23] MEDINA, David apud Luís Grecco. 2005. p. 115


Informações Sobre o Autor

Ana Maria Gautério Tavares

Acadêmica de Direito na FURG/RS


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