Sumário: 1 Apresentação; 2 Conceito de Norma Penal em Branco; 3 A Norma Penal em Branco e os Tipos Abertos; 4 Elementos Normativos do Tipo; 5 Classificação das Normas Penais em Branco; 5.1 As Normas Penais em Branco em Sentido Amplo; 5.1.1 Complementação Contida na Mesma Lei; 5.1.2 Complemento Contido em Outra Lei; 5.2 Normas Penais em Branco em Sentido Estrito; 6 Características das Normas Penais em Branco; 7 Considerações.
Palavras-chave: norma penal; norma penal em branco; princípio da legalidade
Resumo: Frente à complexidade da sociedade e as relações que compõe seus membros, frente às novas formas de organização econômica e aos ilícitos que se percebem, faz uso o legislador, cada vez mais, do uso de normas penais em branco. Este artigo aborda tais normas e as medidas do seu uso para que não venham a violar preceitos constitucionais.[1]
1 Apresentação:
Objetiva-se analisar se o emprego de normas penais em branco no Direito Penal Econômico promove algum tipo (e em que medida o faz, se esta ocorre) de violação ao princípio da legalidade.
Os Estados, usando como instrumento o direito penal, no afã de tornar-se efetivo frente aos ilícitos provenientes de atividades organizacionais de uma “economia viva” acaba por ameaçar princípios de ordem constitucional – dentre estes o da legalidade.
Esta discussão apresenta-se pertinente e atual pois aborda as políticas criminais (versando sobre um modelo de “direito penal de riscos”) adotadas pelos Estados frente a uma nova estrutura de sociedade centrada na globalização econômica, e ainda a redução ou perda de soberania pelos Estados e novos riscos advindos de uma sociedade de consumo gestada pela pós-modernidade.
Faz-se neste trabalho uma apresentação e análise do instituto das normas penais em branco, e sua relação com o princípio da legalidade.
2 Conceito de Norma Penal em Branco
A norma é um imperativo que deve resultar exclusivamente da primeira parte da lei penal, ou seja, sem o acréscimo da segunda parte (sanção), caso contrário, a proibição e a sanção seriam concomitantes, e, do mesmo modo, não teria sentido falar-se na sanção como conseqüência jurídica.
A norma tem a forma de um mandamento (um imperativo derivado da primeira parte da lei penal), enquanto o conteúdo é uma proibição ou comando; a designação de um ato que o indivíduo deve praticar ou abster-se.
As normas penais são todas as disposições jurídicas segundo as quais de um determinado delito resulta ou deixa de resultar um direito ou um dever de punir – são regras jurídicas que estabelecem a normatividade da formação, do conteúdo e do desaparecimento da obrigação de punir do Estado.
Sendo a norma o preceito jurídico que obriga primariamente, o dever de obediência acha-se em face do direito à observância desta, enquanto a lei penal, ao contrário, não é uma ordem, mas uma disposição que autoriza a punir e que, na verdade, estabelece e regula uma relação jurídica entre o criminoso e quem está investido do direito de punir, sendo a sua finalidade (da lei penal) estabelecer quais os delitos puníveis e como deverá ser graduada a respectiva pena.
O que o delinqüente infringe praticando a ação proibida ou deixando de realizar a ação exigida não é o artigo da lei penal, mas a norma implicitamente contida no artigo (o preceito imperativo ou proibitivo), pois a lei não formula, já neste particular, a norma, mas a declara de modo implícito. O criminoso não age em contrariedade à lei, mas à norma.
As normas penais em branco são lex imperfectas (Binding), pois determinam integralmente somente a sanção, sendo que o preceito, descrito de modo impreciso, remete-se a outra disposição legal para a sua complementação (a maioria das normas penais são completas e determinam o preceito e sua sanção – penas e medidas de segurança, que não podem ser incluídas aqui). No Brasil sanção é nomen iuris, nome próprio.
São normas penais incriminadoras (que podem ser incriminadoras e não incriminadoras).
São normas que fixam a cominação penal, mas que descrevem o conteúdo da matéria de proibição de maneira generalizada, remetendo expressa ou tacitamente a outros dispositivos de lei (formal), ou emanados de órgão de categoria inferior.
A norma penal compreende duas partes, a primeira define a matéria de proibição e a segunda estabelece a sanção aplicável. Na norma penal em branco a primeira parte (matéria de proibição) não se encontra disposta integralmente com precisão, remetendo-se a outros dispositivos para que se dê o preenchimento (norma de preenchimento).
As normas penais em branco são muito flexíveis, pois a matéria de proibição modifica-se facilmente segundo as vicissitudes que sofrem os acontecimentos a que se referem.
As normas penais em branco são tipos que necessitam de complementação.
As normas penais em branco passaram a se constituir em uma solução muito cômoda, pois, com a remissão a instâncias legislativas mais ágeis, possibilita-se a modificação da matéria de proibição – a cuja infringência vincula-se a pena – mais facilmente, de acordo com as vicissitudes que sofrem os acontecimentos a que se referem.
3 A Norma Penal em Branco e os Tipos Abertos
Os tipos abertos possuem uma ampla margem de liberdade semântica e com isto abrem ao juiz, obrigatoriamente, margens de espaço de decisão, dentro das quais ele deve se movimentar sem a instrução da lei – o complemento, em face da amplitude, é produzido pelo juiz por meio de um juízo de valor (valoração).
Na norma penal em branco o preenchimento do tipo é feito a partir de outras disposições, de modo que para sua realização remete-se a outras disposições jurídicas (remissão interna e externa) ou atos administrativos. Face à imprecisão do conteúdo do tipo, ou seja, para concretizar a norma, o intérprete precisa recorrer a estas, sem as quais não se torna possível, pois estas disposições limitam as margens de espaço de decisão.
4 Elementos Normativos do Tipo
Os elementos normativos do tipo são aqueles que contem, de fato, um elemento físico sensível da realidade que, porém, só é intelectualmente compreensível e que pode ser apresentado ou pensado apenas sob o pressuposto lógico de uma norma, p. ex. funcionário público, documento,…
Utiliza-se de outras normas legais de modo a valorar determinados elementos do tipo.
Podem ser culturais (ex. ato obsceno, mulher honesta, etc) e jurídicos.
Cria tensão em relação a lex certa.
5 Classificação das Normas Penais em Branco
As normas penais em branco se dividem em:
5.1 Normas Penais em Branco em Sentido Amplo: a sanção vincula-se a um tipo que precisa ser complementado por uma mesma lei ou por uma outra lei – originadas da mesma instância legislativas.
São duas as Hipóteses:
5.1.1 a complementação está contida na mesma lei (homovitelinas); remissão interna: remetem a outros dispositivos contidos na mesma lei.
Exemplos:
a) Lei 9.434/97 que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento.
Art. 16. Realizar transplante ou enxerto utilizando tecidos, órgãos ou partes do corpo humano de que se tem ciência terem sido obtidos em desacordo com os dispositivos desta Lei:
Os artigos que determinam como deve se dar os procedimentos são os artigos compreendidos entre o 1º e o 13, da mesma lei.
b) Lei 9263/96 que regula o §7º da CF, que trata do Planejamento familiar.
Art. 15. Realizar esterilização cirúrgica em desacordo com o estabelecido no art. 10 desta Lei.
5.1.2 O complemento está contido em outra lei, mas de mesma instância legislativa (heterovitelinas) – remissão externa. Remetem a outra lei formal mas de mesma instância legislativa.
Exemplo:
a) Código Penal. Art. 237 – Contrair casamento, conhecendo a existência de impedimento que lhe cause a nulidade absoluta:
“Código Civil. Art. 1.521. Não podem casar:
I – os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil;
II – os afins em linha reta;
III – o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante;
IV – os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive;
V – o adotado com o filho do adotante;
VI – as pessoas casadas;
VII – o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.”
5.2 Normas Penais em Branco em Sentido Estrito:
Há fonte formal heteróloga, pois remetem a individualização (especificação) do preceito a regras cujo autor é um órgão distinto do poder legislativo, o qual realiza o preenchimento do branco por meio de sua individualização, p. exemplo, via ato administrativo.
Nas normas penais em branco em sentido estrito a complementação necessária está incluída em uma lei de outra instância legislativa.
Exemplos:
1) Lei 8137/90 que define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo.
“Art. 6° Constitui crime da mesma natureza:
I – vender ou oferecer à venda mercadoria, ou contratar ou oferecer serviço, por preço superior ao oficialmente tabelado, ao regime legal de controle;
II – aplicar fórmula de reajustamento de preços ou indexação de contrato proibida, ou diversa daquela que for legalmente estabelecida, ou fixada por autoridade competente;
III – exigir, cobrar ou receber qualquer vantagem ou importância adicional de preço tabelado, congelado, administrado, fixado ou controlado pelo Poder Público, inclusive por meio da adoção ou de aumento de taxa ou outro percentual, incidente sobre qualquer contratação. Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, ou multa.”
A tabela oficial de preços é complemento administrativo necessário.
2) Lei 11.343/2006 que institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – SISNAD.
“Art. 66. Para fins do disposto no parágrafo único do art. 1o desta Lei, até que seja atualizada a terminologia da lista mencionada no preceito, denominam-se drogas substâncias entorpecentes, psicotrópicas, precursoras e outras sob controle especial, da Portaria SVS/MS no 344, de 12 de maio de 1998 (que fixa as substâncias entorpecentes ou que determinam dependência física ou psíquica).”
3) Código Penal, Art. 268 – Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa:
O poder público aqui pode ser o federal, estadual ou municipal.
4) Art. 269 – Deixar o médico de denunciar à autoridade pública doença cuja notificação é compulsória:
As doenças de notificação compulsória estão presentes na Lei 6259/75 (art. 7º, I e II):
“Art 7º São de notificação compulsória às autoridades sanitárias os casos suspeitos ou confirmados:
I – de doenças que podem implicar medidas de isolamento ou quarentena, de acordo com o Regulamento Sanitário Internacional.
II – de doenças constantes de relação elaborada pelo Ministério da Saúde, para cada Unidade da Federação, a ser atualizada periodicamente.”
6 Características das Normas Penais em Branco:
a) As normas penais em branco somente são aquelas que tipificam delitos;
b) São normas penais em branco aquelas que confiam a outro dispositivo a especificação da matéria de proibição.
c) O mais peculiar nas normas penais em branco é a técnica da remissão.
d) A remissão pode ser expressa ou tácita.
7 Considerações
O uso por si só, de normas penais em branco, aparentemente, como técnica legislativa, não viola o princípio da legalidade, porém deve-se, ao formulá-las, ter sempre em vista tal princípio (seus corolários), servindo de balize e dando a dimensão exata do alcance dessas leis e em completa conformidade com este.
Cabe ao princípio da legalidade, dar ao cidadão instrumentos para, em face de abusos e arbítrios do Estado, que normalmente tenta flexibilizá-lo frente às supostas necessidades, sejam momentâneas ou não, da sociedade. As garantias que tal princípio encerra são por demais valiosas para que o Estado venha a funcionar em prol dos seus cidadãos.
Notas
Informações Sobre o Autor
Almério Vieira de Carvalho Júnior
Mestrando em Direito Empresarial e Cidadania pelo Centro Universitário Curitiba (Unicuritiba). Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Curitiba. Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Salvador (Unifacs). Advogado