Resumo: Nesse trabalho será analisada a pretendida descriminalização, no RE 635.659, do uso pessoal da maconha a despeito de outras substâncias psicotrópicas descritas na Portaria de nº 344/98 da ANVISA. Nosso posicionamento aponta no sentido da descriminalização não só da maconha, mas de outras substâncias cujo potencial lesivo seja detidamente analisado e classificado como leve ou médio, pela via legislativa, deixando de lado psicotrópicos de alta nocividade.
Palavras chave: Descriminalização da maconha. Diferentes espécies de drogas. Política Criminal X Dogmática Jurídica. RE 635.659.
Abstract: This work will analyze the intended decriminalization, in RE 635.659, of the personal use of marijuana in spite of other psychotropic substances described in Ordinance No. 344/98 of ANVISA. Our positioning points towards the decriminalization not only of marijuana, but of other substances whose harmful potential is carefully analyzed and classified as light or medium, through legislation, leaving aside high-harmful psychotropic drugs.
Keywords: Marijuana decriminalization. Different species of drugs. Criminal Policy X Dogmatica Jurídica. RE 635,659
Sumário. 1. Introdução; 2. Política de drogas no Brasil, 2.1. Breve histórico sobre o tratamento das drogas no Brasil, 2.2. O usuário; 3. O caráter subsidiário do direito Penal; 4. Política Criminal na questão das drogas, 4.1. Descriminalização do uso pessoal de drogas; 5. Considerações Finais; 6. Referências Bibliográficas.
1. Introdução
A discussão acerca da descriminalização das drogas há muito permanece pujante tanto no meio jurídico, quanto em espaços comuns de convivência, onde não há necessariamente um conhecimento técnico jurídico a respeito do tema.
Sabe-se que o uso de substâncias psicoativas acompanha a humanidade desde seus primórdios, sendo certo que a ingestão de chás, infusões e elementos do gênero fazem parte do cotidiano.
Todavia, há uma diferenciação entre drogas ilícitas e lícitas, considerando a ponderação realizada aprioristicamente pelo legislador brasileiro sopesando-se a liberdade privada e a saúde pública. Nesse sentido, a criminalização do uso de determinadas substancias sempre causou e continuará a causar divergências, entre aqueles que defendem a ingestão de substancias psicotrópicas, alegando que não há dano a terceiros – principio da alteridade, e, de outro lado, aqueles que apontam um risco, muitas vezes superdimensionado, à saúde da coletividade.
Nesse diapasão, tramita perante a Suprema Corte Brasileira o RE de nº 635.659, interposto pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, que questiona a constitucionalidade da proibição do porte de drogas para consumo pessoal.
Antes de adentrarmos especificamente no tema, é oportuno analisar o tratamento legislativo dado hoje à questão das drogas, bem como a discussão acerca da política criminal dispensada sobre a matéria.
2. Política de drogas no Brasil
O modelo internacional de controle do uso e circulação de entorpecentes adveio da Convenção de Genebra de 1936, na qual se estabeleceu o desenho básico da política que ainda hoje subsiste: legislação restritiva da produção, do comércio e do consumo de entorpecentes, com a previsão de internação de usuários[1].
2.1. Breve histórico sobre o tratamento das drogas no Brasil
Inicialmente, a legislação brasileira tratava da questão das drogas no texto do próprio Código Penal de 1940. O delito estava previsto no artigo 281[2], que regulamentava toda a matéria[3], tonando mais fácil o acesso à informação sobre a lei. Nesse sentido, o citado artigo atendia ao princípio da codificação.
A Lei nº 4.451, de 4 de novembro de 1964, modificou o art. 281 do Código Penal. A temática sofreu nova alteração pelo Decreto-lei nº 385, de 26 de novembro de 1968. Já a Lei nº 5.726, de 29 de outubro de 1971, substituiu o referido Decreto-lei (que na época tinha força de lei) e regulamentou as medidas preventivas e repressivas ao tráfico e uso de substancias entorpecentes ou que determinem dependência física ou psíquica[4].
A mais recente Lei de Drogas, tombada sob o nº 11.343/06 avançou ao despenalizar o usuário, ou seja, ao impedir que àquele se apliquem penas de prisão, na forma do seu art. 28, que somente prevê medidas alternativas.
Tal legislação inovou também na positivação de princípios importantes, tais como o “fortalecimento da autonomia e da responsabilidade individual em relação ao uso indevido de drogas” (art. 19, III) e a reafirmação dos princípios da liberdade e da diversidade (art. 4º), além do reconhecimento oficial das políticas de redução de danos.
Por outro lado, como pontos negativos, destacam-se o aumento da pena mínima do crime de tráfico para cinco anos e a ausência de critérios precisos capazes de promover a necessária distinção entre usuário e traficante, além das diversas categorias de tráfico (pequeno ou varejista, médio e grande).
Tal deficiência legislativa não só causa insegurança jurídica, mas também reforça o preconceito social com que atuam as instâncias repressivas de controle social, levando à criminalização da pobreza. Isto porque, dependendo da classe social, ou da renda do suspeito, ele será identificado como traficante (se não tiver renda para sustentar o seu vício) ou usuário (se tiver renda e não precisar traficar para ter acesso à droga).[5]
Na citada norma, a despeito da retórica preventiva que subjazia ao afastamento da possibilidade de pena privativa de liberdade, manteve política ambígua com relação ao usuário: a manutenção da criminalização do usuário deu continuidade à lógica repressiva ao mesmo tempo em que esvaziou o próprio discurso preventivo.
A Lei 11.343/2006 trata o consumo de drogas, ainda como crime, em seu art. 28. Da analise do citado dispositivo, percebe-se que a designação do “usuário”, a despeito do traficante, dependerá da análise subjetiva do julgador, que se valerá das disposições previstas no parágrafo 2º do referido artigo[6].
Ressalte-se, nesse sentido, que há diferenciação no tratamento dado às condutas de portar drogas para consumo próprio e trazer consigo a substância para realização de narcotráfico. Na primeira hipótese, o acusado será processado junto aos Juizados Especiais, onde não se imporá medida restritiva da liberdade. Já na segunda conjectura, ao agente será imposta pena restritiva de liberdade, de 5 a 15 anos, cuja progressão de regime de cumprimento será regida pela Lei de Crimes Hediondos.
Para aferir a proporcionalidade do art. 28 da Lei de Drogas, vale destacar que a distinção entre usuário e traficante é extremamente frágil, gerando ampla margem de discricionariedade à autoridade policial responsável pela abordagem.
Outrossim, percebe-se que a grande maioria dos casos que envolvem porte de entorpecentes deriva de prisão em flagrante; onde não há um trabalho de investigação por parte da polícia para combater os esquemas de tráfico de drogas. Há, também, um perfil bem nítido de pessoas selecionadas nesses casos: jovens, pobres, negros e pardos e, em regra, primários. Na maior parte dos casos, a pessoa acusada portava pequena quantidade de entorpecentes.
Outro fator que chama a atenção é a circunstância de, em regra, a única testemunha do caso ser o policial (ou policiais) que efetivou a prisão, cuja palavra é supervalorizada pelo Judiciário e pelo Ministério Público por possuir fé pública.
Dito isso, todavia, cabe salientar que a norma penal não faz diferenciação entre as diversas espécies de drogas. É dizer, as condutas ilícitas acima descritas, previstas tanto no art. 28 (consumo pessoal) quanto no art. 33 (tráfico) da multicitada lei, se consumam quando o agente está na posse de qualquer das substâncias elencadas na Portaria nº 344/98 da ANVISA.
2.2. O usuário
Atualmente, tem-se a certeza de que o uso de substâncias químicas entorpecentes, malgrado possam ter início como prática de lazer, constitue circunstância a ser tratada pelo sistema de saúde, notadamente nos casos de dependência de substâncias de alta nocividade, a exemplo de cocaína[7] e heroína[8].
Nas palavras de Renato Marcão, “usuário deve ser considerado todo aquele que faz uso de produtos, substancias ou drogas ilícitas, que causem dependência física ou psíquica, sem estar submetido a essas, possuindo, ainda o completo domínio de suas vontades a atos” [9]. Já por dependente compreende-se aquele que está subordinado às substancias entorpecentes, de forma incontrastável.
Sabe-se, também, que o fenômeno da dependência compreende quatro manifestações distintas, a saber: psíquica, física; a síndrome de abstinência e a tolerância. As suas presenças e intensidades variam de acordo com a substância que as provoca e o grau de dependência[10].
Por “dependência psíquica” compreende-se o desejo compulsivo de estar e manter-se sob o efeito de uma determinada substancia entorpecente. Já a “dependência física” altera o funcionamento orgânico do toxicômano, sendo que sem a ingestão da droga, o organismo não consegue mais funcionar de forma adequada.
A “síndrome de abstinência”, por outro lado, constitui o conjunto de problemas que se estabelecem quando o indivíduo, já viciado, interrompe a administração da substância. Por fim, a “tolerância” é fenômeno por meio do qual o usuário regular de drogas necessita de maiores doses para alcançar os efeitos desejados.
3. O caráter subsidiário do Direito Penal
Sabe-se que o Direito Penal não deve intervir na ordem jurídica em primeira linha, devendo, sempre, ser utilizado em caráter subsidiário, considerando a gravidade das sanções que lhe são típicas. A esse respeito, pontua Paulo Queiroz que “o direito penal não cria um sistema exclusivo, próprio, de ilicitudes, fora ou além da ordem jurídica vigente, assinalando que a ilicitude jurídica é uma só, do mesmo modo que um só, na essência, e o dever jurídico” [11].
Em verdade, o direito penal seleciona e sanciona de forma mais agressiva fatos que já são ilícitos, de forma explicita ou não, pelo sistema jurídico, aqui compreendendo todas as formas de sanções jurídicas possíveis – civis, administrativas, ambientais etc.
Ainda partindo das lições de Paulo Queiroz, entende-se que a “subsidiariedade do direito penal dimana, primeiramente, da unidade lógica do direito, e, em segundo plano, de imposição político criminal, pois sendo o direito penal a mais enérgica manifestação da ordem jurídica estabelecida, segue-se que a sua intervenção somente deve ter lugar nas hipóteses de singular afronta a bens jurídicos fundamentais e para cuja repressão não bastem as sanções do ordenamento jurídico ordinário” [12].
Nessa conjuntura, percebe-se que a atuação do direito penal demanda um plus de gravidade proporcional ao tamanho da lesão e do dano social causado.
Assim, a aplicação da norma penal é a culminação e não o inicio da ilicitude, devendo ser usada, somente, única e exclusivamente, como reforço às sanções extrapenais, provenientes dos outros ramos do direito.
Com efeito, calha referir, ainda, que o nexo de subsidiariedade do direito penal decorre da Constituição Federal, sustentáculo de todo o ordenamento jurídico. Sendo assim, a proteção do bem jurídico e a ilicitude – mandados implícitos de criminalização – nascem jungidas na Carta Constitucional, trazendo efeito em leis infraconstitucionais. Por exemplo, ao garantir o direito à vida (art. 5º), o constituinte originário criou o ilícito referente à violação ao direito à vida, que veio a culminar com a inscrição no Código Penal do art. 121 proibindo “matar alguém”.
No tocante especificamente à questão das drogas, tem-se que a incriminação do consumo de substâncias ilícitas tem sido majoritariamente sustentada na proteção dos bens jurídicos “saúde pública” ou “saúde individual”. Outrossim, sabe-se que o Direito Penal somente pode tratar de condutas concretas, em respeito à exclusiva proteção dos bens jurídicos, o que conflitua com a tendência hodierna da criminalização de bens jurídicos de matriz coletiva.
Nesse sentido, questiona-se se essa tendência protege bens jurídicos reais ou se apenas aqueles artificialmente construídos, como segurança no trânsito, incolumidade pública, e, ao que nos interessa aqui, saúde pública[13].
Não se despreza a existência de bens jurídicos realmente coletivos, que devem ser protegidos pelo Direito Penal, todavia, devem-se respeitar traços fundamentais de identificação concreta. A este respeito, Cristiano Ávila Maronna entende que “parte da doutrina brasileira que tece duras críticas aos delitos de perigo abstrato não vislumbra problemas na tutela a bens como a saúde pública e a segurança no trânsito, quando, nestes casos, de forma muito mais grave, está-se a antecipar a própria lesão sob o suposto abrigo a um bem coletivo, ocultando-se intentos de tutela antecipada a bens individuais, prescindindo-se de uma relação de afetação in concreto, por meio de sanções de extrema gravidade” [14].
Continua o referido autor pontuando que “para se justificar a existência do bem jurídico “saúde pública” estudiosos referem-se à “garantia do conjunto de condições a possibilitarem saúde”. Esta definição não é, porém, idônea a ensejar uma tutela independente dos bens individuais que lhe são subjacentes. Tal constatação decorre do fato de que a “saúde pública” parece não configurar mais do que a soma das saúdes individuais, distintamente de autênticos bens coletivos.
A identificação daquele bem jurídico, que se afirma coletivo, mas que parece não o ser, aparta a discussão quanto à (i)legitimidade de tutela estatal da conduta individual de pôr em perigo ou lesionar a própria saúde. Quando se conclui que o desvalor do consumo de drogas pode radicar sobretudo na saúde daquele que escolheu consumi-las, torna-se mais complexa a defesa da solução criminalizadora, na medida em que a mesma se contrapõe à aceitação dominante da disponibilidade, pelo indivíduo, da sua integridade física e psíquica, em nome da defesa da autonomia pessoal[15].
4. Política Criminal na questão das drogas
Nas palavras de Diogo Evangelista Barbosa, a Política Criminal é “a reunião ordenada de princípios, segundo os quais deve ser conduzida a luta da ordem jurídica contra o crime, ou o conjunto sistemático de princípios baseados na investigação científica das causas do crime e consequências da pena, segundo as quais o Estado, por meio da pena ou mecanismos a ela análogos, deve conduzir a luta contra o crime” [16].
A respeito do tema, propõe Nilo Batista um conceito de política criminal como sendo “um conjunto de princípios e recomendações para a reforma ou a transformação da legislação criminal e dos órgãos encarregados de sua aplicação” [17].
Voltando os olhos especificamente à politica criminal referente às drogas no Brasil, Nilo Batista, ao debruçar-se sobre o tema, decidiu batizá-la de “política criminal com derramamento de sangue”. O autor destaca, que “a expressão política criminal deveria não apenas se referir, à ‘obtenção e realização de critérios diretivos no âmbito da justiça criminal’”, mas sim incluir “o desempenho concreto das agências públicas, policiais ou judiciárias, que se encarregam da implementação cotidiana não só dos critérios diretivos enunciados no nível normativo, mas também daqueles outros critérios, silenciados ou negados pelo discurso jurídico, porém legitimados socialmente pela recorrência e acatamento de sua aplicação” [18].
Nesse sentido, o mencionado autor defende a tese de que a política criminal é parte da política social, e tal conexão consistiria em um importante expediente metodológico para o esclarecimento de seus programas e objetivos.
Ainda no dizer de Batista, “quando a polícia mensalmente executa (valendo-se dos expedientes os mais diversos, da simulação de confronto ao chamamento à autoria de gangues rivais) um número constante de pessoas, verificando-se que essas pessoas têm a mesma extração social, faixa etária e etnia, não se pode deixar de reconhecer que a política criminal formulada para e por essa polícia contempla o extermínio como tática de aterrorização e controle do grupo social vitimizado – mesmo que a Constituição proclame coisa diferente” [19].
Salo de Carvalho também se manifesta sobre o tema, expondo todas as feridas abertas pela política criminal de drogas no Brasil, com seu arsenal sistêmico de morticínio e encarceramento em massa, impulsionado pelos equívocos ideológicos sobre as próprias substâncias psicoativas, pelos resquícios da ditadura civil-militar e de sua nefasta ideologia de segurança nacional, e, no plano normativo, pelas inúmeras “dobras de legalidade”, que legitimam o reino do arbítrio e do estado de exceção permanente no interior de nosso recente Estado Democrático de Direito formal. [20]
4.1. Descriminalização do uso pessoal de drogas
Existem duas formas de descriminalização. A Judicial, que está se operando perante o Supremo Tribunal Federal especificamente ao uso da maconha, e a Legislativa. Essa, nas palavras de Salo de Carvalho, constitui “a forma mais adequada de retirada de determinadas condutas da esfera do controle social formal” [21].
A descriminalização legislativa comportando três processos distintos, a saber: (1) descriminalização legislativa em sentido estrito, na qual se opera a ab-rogação da lei ou do tipo penal incriminados, caracterizando a abolitio criminis; (2) descriminalização parcial, substitutiva ou setorial, cujo processo é o de (2.1) transferência da infração penal para outro ramo do direito, por exemplo, o direito administrativo, conservando-se a ilicitude jurídica sobre a conduta ou (2.2) modificação dos critérios sancionatórios, como a modificação nos critérios de tipicidade, flexibilização das penas ou de sua execução, entre outros (reformatio in mellius).
O citado autor, sublinha, ainda, que “a descriminalização legislativa em sentido estrito, normalmente, é precedida pela descriminalização de fato”[22], sendo certo que alguns comportamentos sociais criminalizados, deixam, ao longo do tempo, de ser considerados danosos, passando a ser aceitos ou tolerados pela comunidade.
Nesses termos, entende-se, em verdade, que o Estado Brasileiro não vem adotando práticas adequadas no tratamento do uso de drogas pela população. Em verdade, percebe-se que se deve descriminalizar o uso de substancias psicotrópicas em respeito ao princípio da alteridade, sendo certo que, a princípio, não há violação de direitos de terceiros. A esse respeito diz Luiz Flávio Gomes que “só é relevante o resultado que afeta terceiras pessoas ou interesses de terceiros. Se o agente ofende (tão-somente) bens jurídicos pessoais, não há crime (não há fato típico)” [23].
O citado estudioso continua aduzindo que “em direito penal só deve ser relevante o resultado que afeta terceiras pessoas ou interesses de terceiros, e não há como se admitir (no plano constitucional) a incriminação penal da posse de drogas para uso próprio, quando o fato não ultrapassa o âmbito privado do agente”. O assunto passa a ser uma questão de saúde pública (e particular), como é hoje (de um modo geral) na Europa. Não se trata de um tema de competência da Justiça penal. A polícia não tem muito o que fazer em relação ao usuário de drogas (que deve ser encaminhado para tratamento, quando o caso)[24].
Dito isso, importa aduzir que já de há muito vem se discutindo na doutrina a respeito da constitucionalidade da criminalização do porte de drogas para uso pessoal. Também por conta disso, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo interpôs Recurso Extraordinário, tombado 635.659, de Relatoria do Ministro Gilmar Mendes, tratando da matéria.
No referido expediente processual, os Ministros Gilmar Mendes e Edson Fachin se pronunciaram acerca da descriminalização do porte para uso pessoal da Cannabis Sativa, frise-se, somente essa substância, apesar de o pedido do recurso apontar no sentido da declaração de inconstitucionalidade do art. 28 da Lei 11.343/2006, o que abarcaria, a toda evidencia, todas as substâncias de uso proscrito.
Discorda-se, entretanto, do posicionamento dos Ministros acima referidos, acreditando-se ser tal posicionamento discriminatório com os usuários das demais substâncias psicotrópicas, uma vez que a Lei que criminaliza a conduta não faz distinção entre as substancias proibidas.
Ou seja, não se pode fazer uso de argumentação no sentido da proteção da livre determinação e o respeito à privacidade do usuário de maconha, negando tal direito aos consumidores das demais drogas. Entende-se que tal posição viola o tratamento igualitário que a lei deve conceder aos jurisdicionados.
De outro lado, é preciso referir que não defende aqui a livre comercialização e uso de drogas com potencialidade lesiva expressiva, a exemplo de crack e heroína, notadamente quando o uso indiscriminado de substâncias expressivamente lesivas ao usuário pode causar, indiretamente, danos a terceiros, a exemplo de gastos públicos com tratamento de saúde, internação, cujo pagamento advém do erário, suportado, ao fim, pela coletividade.
5. Considerações finais
À vista das razões levantadas, chega-se à conclusão de que, por um lado deve-se, sim, descriminalizar o porte de drogas para consumo pessoal, e por outro, constata-se que a liberação total e irrestrita traria mais prejuízos do que benefícios, sendo por demais açodada.
Nesse lanço, acredita-se ser necessário, por via democrática primária, através do Poder Legislativo, e não pela via jurisdicional, que os legisladores façam ponderação apriorística, sopesando de um lado a saúde pública e de outro o direito à livre determinação do usuário, diferenciando quais drogas, hoje proibidas, poderiam ter o uso liberado.
Informações Sobre o Autor
Lauro Vinicius Rodrigues da Silva
Assessor Jurídico – Procuradoria Criminal – MP/BA Pós Graduado em Ciências Criminais – Universidade Católica do Salvador