Direito penal: dos critérios para a formação e evolução das normas penais

Resumo: A sociedade evolui a passos largos e a necessidade de segurança à qual o homem se subordina deve evoluir com ela. O Estado, através do Direito Penal, é o ente capaz de oferecer essa conveniência, contudo que observe as indagações que pairam ao seu redor. Esse é o objetivo do presente artigo, ensejar a discussão a respeito dos critérios para a formação e evolução das normas penais.[1]

Palavras-chave: Direito Penal. Normas Penais.

Abstract: Society evolves apace and the need of security at which mankind is subject evolves with it. The State, through the Criminal Law, is the entity able to offer this convenience, however noting the questions that hover around it. This is the objective of this article, give rise to discussion of the criteria for the formation and evolution of criminal law.

Keywords: Criminal Law. Criminal Provisions.

Sumário: Introdução. 1. Questões sócio-políticas e religiosas em torno da criação e modificação das normas penais. 2. Princípios intrínsecos na criação e manutenção das normas do ordenamento penal. 3. Competência para a criação das normas penais. 3.1 Normas penais em branco. Considerações Finais. Referências.

Introdução

 Aristóteles já dizia que o homem é um animal político que busca, naturalmente, a vida em uma Pólis (comunidade). Quem assim não o é, segundo ele, ou é um ser bruto ou um Deus. “Assim como o homem civilizado é o melhor de todos os animais, aquele que não conhece nem justiça nem leis é o pior de todos”[i].

Por sua vez, Hobbes, aos modelos de Aristóteles, descreve que “ (…) os gregos chamam isso de Pólis, ou seja, uma cidade, que pode ser definida como sendo uma multidão de homens unida como uma pessoa por um poder comum, em favor da sua paz, defesa e benefício comum”[ii]. A isso Thomas Hobbes define como Contrato Social, que visa à garantia do bem coletivo a partir do abandono do direito individual que vigorava no estado de natureza. Ou seja, o contrato social é uma doação a que se faz – o homem ao Estado – de parte de sua liberdade natural para a obtenção de segurança. Aí a liberdade natural se transforma na liberdade civil.

É com esse pensamento que é embasado este artigo, o homem, como um ser necessariamente inserido num modelo de contrato social, deve respeitar suas normas. O foco aqui está nas normas de natureza penal. Mas afinal, como se dá a formação e evolução das mesmas?

1.Questões sócio-políticas e religiosas em torno da criação e modificação das normas penais

 “A moral política não pode proporcionar à sociedade nenhuma vantagem durável, se não for fundada sobre sentimentos indeléveis do coração do homem.”[iii] Com essa afirmação Beccaria quis dizer que se uma norma advém pura e simplesmente da vontade insanável de um governo, ela não prosperará no todo. Ao contrário se é feita das razões intrínsecas no coração humano, pois “ninguém fez gratuitamente o sacrifício de uma porção de sua liberdade visando unicamente ao bem público.”[iv]

Para que uma norma tenha sucesso, então, é necessário avaliar o que o homem deseja no seu mais profundo íntimo e adequar essa condição ao Estado. Com isso se faz necessário a avaliação das questões sócio-políticas vividas à época da normatização e que dão ensejo à necessidade de segurança e, por que não, as questões religiosas que, independentemente da condição de Estado Laico, estão arraigadas na maioria dos seres.

Rogério Greco assevera que a finalidade do Direito Penal é a proteção dos bens mais importantes e necessários para a vida em sociedade, e, partindo da premissa religiosa, esses bens começam a ser desenvolvidos a partir dos Dez Mandamentos. Analisando cada um deles percebe-se a sua influência no ordenamento jurídico brasileiro, implícita ou explicitamente, como por exemplo, o do “lembra-te do dia de sábado para o santificar”, a tradição apostólica fixou o domingo como dia de adoração a ser observado como dia de descanso. Pode-se notar que a Constituição Federal de 1988 tomou isto como forte referência quando aduz que:

“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

(…) XV – repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;”

No ordenamento penal não é diferente, de forma clara é possível encontrar os mandamentos de “não matarás” (artigo 121, CP) e “não furtarás” (artigo 155, CP). Era possível encontrar também de forma explícita o “não adulterarás” no artigo 240, do Código Penal, porém este foi revogado pela lei de número 11.106/2005 pelo contexto sociológico em que a sociedade se encontrava. Desse exemplo é possível a distinção das questões sócio-políticas que envolvem tais normas. Como já dito acima, um ordenamento jurídico deve respeitar os anseios do homem que, dia após dia, é transformado. Em virtude dessa constante mutação, a criação e manutenção de normas fazem-se necessária para que o sentimento de segurança que o Estado se incumbiu de passar aos cidadãos seja mantido.

2.Princípios intrínsecos na criação e manutenção das normas do ordenamento penal

 Para que o Estado, com todo o poder que lhe foi concedido, não o pratique de forma indiscriminada – e aqui especificamente no âmbito penal -, ele deve-se pautar por quatro princípios essenciais para a criação e modificação dessas normas, tais quais os princípios da intervenção mínima, lesividade, adequação social e fragmentariedade. Esses princípios se relacionam de maneira profunda não só para conservar o desejo de segurança a que o homem incumbiu o Estado, mas também salvaguardar a necessidade de liberdade a qual lhe é inerente.

O princípio da intervenção mínima, dentre esses, é o cargo chefe, é o que aponta aos feitores de leis com quais bens devem preocupar-se para manter uma sociedade equilibrada, é o princípio limitador do poder punitivo do Estado. Segundo aduz Rogério Greco:

“O princípio da intervenção mínima, ou ultima ratio, é o responsável não só pela indicação dos bens de maior relevo que merecem a especial atenção do Direito Penal, mas se presta, também, a fazer com que ocorra a chamada descriminalização.” [v]

 Com isso quis dizer que o Direito Penal deve interferir o menos possível na vida em sociedade, apenas de modo a garantir a estabilidade desta e, quando não mais um bem tutelado antes necessitar de tal proteção, absolvê-lo do âmbito de defesa.

Corolário ao princípio da intervenção mínima se encontra o princípio da lesividade, que indica “a impossibilidade de atuação do Direito Penal caso um bem jurídico relevante de terceira pessoa não esteja sendo efetivamente atacado”[vi]. Ou seja, o Estado não deverá se preocupar com atitudes internas do ser, a conduta, para ser efetivamente tutelada pelo Direito Penal, além de possuir destaque importante para a vida em sociedade, deverá ultrapassar o âmbito do próprio autor e afetar bens de terceiros. Ainda complementando o princípio “chefe” citado, o princípio da adequação social impõe ao Estado determinada dinamicidade, quando intenta que uma conduta, mesmo sendo aparentemente típica, não seja punível por ser socialmente aceita.

E, por fim, suplementando todos esses, o princípio da fragmentariedade vem indicar que somente uma pequena parcela dos bens à que o Estado se preocupa será protegida pelo Direito Penal, pois se entende que o mesmo é o “mais violento instrumento normativo de regulação social”[vii].

Ao contrário disso tudo, em um estado de intervenção máxima o ius puniendi do Estado se torna ilimitado, suprimindo os direitos e garantias dos cidadãos. Este está inserido nos regimes totalitários, onde o poder político é baseado na extensão do poder do Estado a todos os níveis e aspectos da sociedade.

3. Competência para a criação das normas penais

 Depois de toda a parte teórica para adequar as normas penais às condições de existência de uma sociedade, chega a hora de pô-las em prática.  De acordo com o inciso XXXIX do artigo 5º da CR/88 e o artigo 1º do Código Penal, não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal. Esse é o princípio da reserva legal a qual o ordenamento penal se pauta. Porém, quem é o detentor do direito de criação de tais normas?

Respondendo a essa pergunta cabe dizer que o detentor da liberdade natural do homem também é a fonte de produção do Direito Penal, ou seja, ao Estado cabe a regulamentação dessas normas, conforme estabelece o inciso I do artigo 22 da CR/88: “compete privativamente à União legislar sobre direito penal”. Porém a União o fará através de lei ordinária, que surge da associação da força dos deputados federais e dos senadores, contando, ainda, com a sanção do Presidente da República. Isso implica dizer que, ao final, são a vontade do povo – indiretamente – e a vontade do Estado, conjugados, que estarão aptas a criar, extinguir e modificar o referente em matéria penal. Entretanto, lei complementar federal poderá autorizar os estados membros a legislar sobre tais normas, contudo, somente em questões específicas de interesse local.

3.1 Normas Penais em Branco

 Há hoje uma discussão em torno da complementação das normas penais em branco. Primeiramente, em caráter explicativo, normas penais em branco são aquelas em que, segundo Rogério Greco, “há necessidade de complementação para que se possa compreender o âmbito de aplicação de seu preceito primário. Isso significa que, embora haja uma descrição da conduta proibida, essa descrição requer, obrigatoriamente, um complemento extraído de outro diploma”[viii]. Ou seja, as normas penais em branco determinam a cominação penal de determinada conduta, mas essa conduta, por ser incompleta, remete o leitor à outras normas legais, regulamentares ou administrativas.

Contudo, o complemento necessário à norma pode vir de uma mesma fonte ou de fonte diversa. Atribui-se o complemento que tem por referência a mesma fonte (legislativa) de norma penal em branco homogênea, conquanto a norma penal em branco heterogênea extrai seu complemento de fonte diversa daquela que a editou. E, é nessa segunda hipótese que está inserida a polêmica. Rogério Greco entende que nas normas penais em branco em que seu complemento dependa de outra fonte que não a legislativa há ofensa ao princípio da legalidade, uma vez que o seu conteúdo “poderá ser modificado sem que haja uma discussão amadurecida da sociedade a seu respeito”.

Data venia, esse artigo e sua autora permitem-se a discordância do renomado doutrinador em questão. Como já foi dito anteriormente, o direito – em especial o direito penal – não pode se dar ao luxo de se manter estático frente às constantes evoluções sociais, necessitando assim de mudanças frequentes.

Contudo, a feitoria de leis (com exceção das medidas provisórias que aqui não se adéquam) são lentas e, por várias vezes, não conseguem acompanhar o montante de informação que é descoberta a cada dia e, mesmo que acompanhasse, os legisladores não teriam conhecimento necessário para opinar em determinadas matérias. E é por isso que aqui se defende a competência complementar extra legislativa, uma vez que não exclui do legislador a posse da conduta essencial, mas apenas transfere a sua complementação não ofendendo ao princípio da legalidade.

“A técnica das leis penais em branco pode ser indesejável, mas não se pode ignorar que é absolutamente necessária em nossos dias. A amplitude das regulamentações jurídicas que dizem respeito sobre as mais diversas matérias, sobre as que pode e deve pronunciar-se o Direito Penal, impossibilita manter o grau de exigência de legalidade que se podia contemplar no século passado ou inclusive a princípio do presente. Hoje, cabe dizer que desgraçada, mas necessariamente, temos de nos conformar com que a lei contemple o núcleo essencial da conduta”. [ix]

Considerações finais

 O Direito Penal, necessariamente, deve-se pautar não só pelas regras de criações de leis à qual a Constituição Federal lhe impõe, mas também pela vontade que emana de cada ser humano para se atingir um patamar de igualdade e justiça. As constantes evoluções sociais devem ser acompanhadas de modo a conferir dinamicidade a tal direito, só assim o homem terá plena consciência de que a doação de sua própria liberdade não foi em vão.

Referências
ARISTÓTELES. A Política.
HOBBES, Thomas. Elements of Law.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Edição eletrônica Ed. Ridendo Castigat Mores.
BECCARIA, Cesare Bonsana. Dos delitos e das penas. 1764.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral. Editora Impetus. 2013.
Notas:
[1] Artigo orientado pela Prof. Fernanda Antunes Guedes: Pós graduada em Direito Ambiental (CAD) e Regime Jurídico dos Recursos Minerais (Faculdade Milton Campos).

[i] Aristóteles, A Política, p. 6. http://www.hottopos.com/rih8/pfc.htm

[ii] 142 HOBBES, T. EL, 2002, Parte I, cap. XIX, p. 131. “(…) the Greeks call it {polis}, that is to say, a city; which may be defined to be a multitude of men, united as one person by a common power, for their common peace, defence, and benefit”. (HOBBES, T., Elements of Law. The English Works of Thomas Hobbes. Molesworth. Vol. I, Parte I, cap. XIX).
https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/99363/313749.pdf?sequence=1&isAllowed=y

[iii] BECCARIA, Cesare . Dos delitos e das penas

[iv] BECCARIA, Cesare . Dos delitos e das penas

[v] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal Parte Geral. Página 47.

[vi] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal Parte Geral. Página 53.

[vii] COPETTI, André. Direito Penal e Estado Democrático de Direito.

[viii] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal Parte Geral. Página 20.

[ix] MATEU, Juan Carlos Carbonell. Derecho Penal: concepto y princípios constitucionales.


Informações Sobre o Autor

Mariana Hohene Santos

Acadêmica de Direito


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