A Violação dos Direitos Humanos na Abordagem Policial

Autora: CARNEIRO, Sara Bruna Silveira. E-mail: [email protected]. Acadêmica do curso de Graduação em Direito na Universidade UNIRG. Gurupi/TO.
Orientadora: DANTAS, Wellson Rosário Santos. E-mail: [email protected]. Profº. Me. no curso de Direito na Universidade UNIRG, Gurupi/TO.
Resumo: Diariamente milhares de cidadãos são vítimas de agressões e abusos por parte da polícia. Essas ações injustas e preconceituosas ocorrem em todos os cantos do mundo, assim como no Brasil. Diante desse fato, o objetivo inicial desse estudo é discorrer sobre as abordagens policiais no Brasil. Em seguida, também se direciona a discussão sobre como essas medidas tem impactado os Direitos Humanos. Tenciona com a escolha dessa temática, enfatizar que a abordagem policial nos dias atuais não vem sendo efetivas no sentido de respeito aos cidadãos, onde muitas vezes é verificado um excesso na abordagem por meio do uso de violência física e moral. Também se discute as razões dessa ação e o enquadramento de um perfil de indivíduos que estejam mais vulneráveis a essas abordagens. Na metodologia, essa pesquisa se enquadra na revisão da literatura, baseada em artigos científicos, legislação atual e doutrinas jurídicas. Nos resultados, ficou claro que a abordagem policial afeta significativamente as pautas defendidas pelos Direitos Humanos. Na busca para solucionar essa questão, o caminho ideal encontrado é por meio da Educação, ou seja, na inclusão de cursos de aperfeiçoamento de práticas de abordagem, com enfoque no respeito à dignidade humana.
Palavras-chave: Abordagem policial. Direitos Humanos. Legislação.

Abstract: Every day thousands of citizens are victims of aggression and abuse by the police. These unfair and prejudiced actions occur in all corners of the world, as well as in Brazil. Given this fact, the initial objective of this study is to discuss police approaches in Brazil. Then, there is also a discussion on how these measures have impacted Human Rights. With the choice of this theme, he intends to emphasize that the police approach today has not been effective in the sense of respect for citizens, where there is often an excess in the approach through the use of physical and moral violence. It also discusses the reasons for this action and the framing of a profile of individuals who are most vulnerable to these approaches. In the methodology, this research fits into the literature review, based on scientific articles, current legislation and legal doctrines. In the results, it was clear that the police approach significantly affects the guidelines defended by Human Rights. In the search to resolve this issue, the ideal path found is through Education, that is, the inclusion of courses to improve approach practices, with a focus on respect for human dignity.

Keywords: Police approach. Human rights. Legislation.

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Sumário: Introdução. 1. A abordagem policial no contexto social. 2. Direitos Humanos: aspectos gerais. 3. Abordagem policial diante dos Direitos Humanos. Considerações Finais. Referências Bibliográficas.

INTRODUÇÃO
Tema bastante discutido na sociedade, na política e na esfera jurídica, assuntos relacionados à Segurança Pública sempre trazem a tona uma realidade cada vez mais latente: desestrutura do sistema de segurança e a extrema violência por parte daqueles que deveriam assegurar a segurança ao cidadão e a sociedade.
Importante destacar que na norma constitucionalista, a segurança pública é obrigação do Estado, direito e responsabilidade de todos os cidadãos, com o intuito de exercer a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio (BRASIL, 1988).
Por essa previsão legal, é possível verificar que o constituinte, na busca por manter a ordem pública, determinou que em determinadas situações órgãos policiais podem realizar abordagens policiais, revistas pessoais, de residenciais ou de automóveis, apenas com mandado judicial autorizando tal ato (MAGALHÃES, 2018).
Ocorre que em muitas dessas abordagens é possível notar um excesso de fiscalização, gerando muitas vezes em atos de agressão e de preconceito. São situações onde se percebe um abuso no exercício policial na abordagem aos cidadãos, muitos deles tendo o mesmo perfil: negros, pobres e com baixa instrução escolar.
Diante desses casos – que são expostos diariamente na mídia – é nítido observar que se está diante de um flagrante de violação dos Direitos Humanos, que no seu bojo busca proteger todos os indivíduos, sem distinção. Com isso, o presente trabalho possui o objetivo de discutir sobre a abordagem policial feita de forma abusiva e como esse ato fere os preceitos preconizados pelos Direitos Humanos.
Dessa forma, essa pesquisa tenciona apresentar as diferentes formas de abordagem policial, desde a que está prevista na legislação pátria até aquelas que são praticadas nas ruas. Soma-se a isso, a análise das causas que levam muitos policiais a excederem na abordagem, principalmente quando estão diante de um perfil bem unificado.
Por fim, também se faz importante analisar quais as penalidades que são impostas aos que praticam o abuso de autoridade policial e quais medidas preventivas pode ser implantadas na busca para solucionar esse problema.
Na metodologia, esse estudo trata-se de uma revisão da literatura. De acordo com Carvalho (2019) a revisão de literatura é parte essencial de um trabalho científico, pois contextualiza o cenário de pesquisa atual, aponta inconsistências conceituais e incita a realização de novos estudos, tudo a partir do resumo e da síntese de trabalhos já existentes.
Os meios de buscas empregados foram as doutrinas jurídicas encontradas em livros, artigos, sites, jornais, revistas, etc. Nos critérios de inclusão e exclusão os materiais utilizados nesta pesquisa são baseados na legislação brasileira e na jurisprudência. Todos os materiais serão adquiridos de forma gratuita, por serem leis vigentes no ordenamento jurídico brasileiro.

1. A ABORDAGEM POLICIAL NO CONTEXTO SOCIAL
A violência policial é um dos temas mais discutidos nas últimas décadas, uma vez que é perceptível o quanto a sociedade tem sido vítima de todo tipo de agressão e atos violentos por parte da polícia ou de outros integrantes da Segurança Pública brasileira. A mídia tem mostrado diariamente casos envolvendo violência policial, e as estatísticas mostram um crescimento no número desses casos a cada ano.
A violência policial é uma realidade fática no Brasil, passando a ser usada, sobretudo, como instrumento de controle social e mais especificamente como instrumento de controle da criminalidade. Esse fato acaba por gerar efeitos negativos, tanto para a estrutura policial como para a sociedade e pro Direito.
Como bem enfatiza Neto (2017), os casos de violência policial acabam por gerar uma ideia de descontrole e insegurança resultando numa ampliação nas formas de violência. A violência policial, principalmente quando os responsáveis não são identificados e punidos, é percebida como um sintoma de problemas graves de organização e funcionamento das polícias.
Importante citar que há uma diferenciação entre os policiais e os outros cidadãos. Nesse caso, o primeiro está legitimado para fazer uso da força física contra outra pessoa no cumprimento do dever legal (art. 144 da Constituição Federal de 1988), enquanto o cidadão não possui essa prerrogativa, exceto nos casos de legítima defesa, regulado pela norma.
Tão importante quanto discutir as formas de violência policial é tentar entender as causas que levam a essas ações. Na doutrina, encontra-se 3 (três) correntes que discorrem sobre essas causas; a saber:
Explicação estrutural: enfatiza as “causas” da violência policial, geralmente de natureza social, econômica, cultural, psicológica e/ou política. Este tipo de explicação dirige a atenção para características da sociedade — por exemplo, desigualdades sociais e particularmente econômicas, e políticas, culturas, personalidades e atitudes autoritárias —, cuja presença está positivamente associada à presença da violência policial;
Explicação funcional: enfatiza as “funções” da violência policial, geralmente do ponto de vista da preservação, mas possivelmente do ponto de vista da mudança de estruturas sociais, econômicas, culturais, psicológicas e/ou políticas. Este tipo de explicação dirige a atenção para problemas e crises em determinados sistemas — por exemplo, sistema social e/ou político, ou mais especificamente sistema de segurança pública —, em relação aos quais a violência policial seria um sintoma e uma resposta;
Explicação processual: enfatiza as “razões” ou “motivações” da violência policial, do ponto de vista das organizações policiais e/ou dos agentes policiais, geralmente de natureza instrumental mas possivelmente de natureza expressiva. Dentro deste tipo de explicação cabem as explicações segundo as quais a violência policial é praticada em benefício dos próprios policiais — e, portanto, sugerem a autonomia das organizações e dos agentes policiais —, tanto quanto as explicações segundo as quais a violência policial é praticada em benefício de um determinado grupo ou classe social ou mesmo de uma determinada sociedade ou Estado — e, portanto, sugerem o controle das organizações e dos agentes policiais por outros atores.
(NETO, 2017, p. 136)

Nota-se pelas correntes acima descritas, que as causas que geram a violência policial são variadas, a ponto de não haver apenas um único motivo ou condição. Nesse ponto, é possível entender que os policiais, no exercício de suas funções, praticam atos de violência em decorrência da desigualdade social (onde as vítimas geralmente são de baixa renda, negros e com baixa escolaridade); em resposta a um conflito político ou social ou até mesmo em causa própria (NETO, 2017).
De todo modo, é na abordagem policial que se encontra o contexto mais favorável para a existência de uma violência policial, haja vista que se é facilitado o contato com outros cidadãos, com base na lei.
A nomenclatura “abordagem” significa qualquer aproximação, com uma finalidade e objetivos delineados e definidos. Sanchez (2016, p. 01) explica que a abordagem policial pode ser entendida como aquele:
[…] ato administrativo, em que o policial, capacitado na autoridade que lhe foi conferida, interpela o cidadão, com base em fundadas suspeitas, interferindo assim em direitos e garantias individuais, em prol de um interesse público maior, qual seja, o de proporcionar segurança pública a toda à população.
Com base no conceito acima, a abordagem policial remete a ideia de acometer e tomar, de aproximar-se, de chegar, de interpelar. No caso, seria uma prática policial de aproximar-se de uma pessoa ou pessoas, a pé, montadas ou motorizadas, e que emanam indícios de suspeição; que tenham praticado ou estejam na iminência de praticar ilícitos penais, com o intuito de investigar, orientar, advertir, prender, assistir, etc. (ROSA, 2014).
Na abordagem, de maneira acautelatória e coercitiva, é autorizado durante a sua ação (de acordo com a legislação específica) fazer uma inspeção no corpo, vestes, bolsas, pertences, e tudo mais que esteja sob custódia da pessoa abordada, inclusive seu veículo.
De acordo com a legislação pertinente, a abordagem policial à um indivíduo exige, a princípio, um mandado judicial. Todavia, a abordagem será absolutamente legal quando basear-se em fundada suspeita de estar a pessoa em posse de um elemento apto a comprovar a concretude de um crime ou contravenção (CAROLINE, 2020).
Ocorre que essa ação frequentemente utilizada pelas equipes policiais é muito questionada, pois remete a relação Estado/cidadão a uma fronteira delicada, onde direitos são tolhidos em nome da coletividade e da paz social.
Na efetivação da abordagem pessoal, o Estado, que é convencionado e legitimado por seus cidadãos, adota a restrição de determinados direitos e liberdades civis, em proveito de uma ação que garantiria a segurança pública, um dos valores supremos da sociedade.
O ato da abordagem autoriza, portanto, o contato físico, pois sem ele não é possível encontrar os objetos que adornam o possível crime, como por exemplo, armas e drogas. Obviamente, os infratores que carregam consigo esse tipo de objetos, optam por escondê-los da melhor maneira (GAECO, 2020).
Dentro desse espectro, é plenamente possível flagrar ações extremamentes violentas de policiais nas abordagens: tortura, agressões físicas, verbais e morais, desrespeito, ameaças, extorsão e tratamento diferenciado em função de classe ou status social. Todas essas ações são praticadas em grande escala por policiais em suas abordagens, emergindo nitidamente um abuso de poder.
Com isso, o que se tem discutido nos últimos anos é o aumento de casos onde é possível verificar um excesso nas práticas de abordagem policial. Muitos desses profissionais aproveitam de sua função para praticar ações que fogem do intuito inicial da abordagem, o que configura nitidamente um desrespeito aos Direitos Humanos, ao qual será analisado no tópico seguinte.

2. DIREITOS HUMANOS: ASPECTOS GERAIS
Antes de aprofundar na temática proposta por esse estudo é preciso que se apresentem os principais pontos relacionados aos Direitos Humanos, uma vez que a abordagem policial será analisada sobre esse viés.
Percebe-se que há uma tendência mundial em resguardar os direitos do cidadão, respeitando sua integridade física e moral, com observância aos Direitos Humanos e demais princípios que buscam resguardar, garantir e proporcionar um estado de sossego igualitário entre os indivíduos. Resultado disso é o fato de que o cidadão contemporâneo está mais consciente de seus direitos e deveres, não aceitando imposições ou posturas truculentas de outrora, embora tais situações ainda sejam passíveis de acontecer.
Acerca do assunto, tem-se:
Os direitos e garantias fundamentais da pessoa humana decorrem da longa evolução histórica dos Direitos Humanos, consagrados na Declaração Universal de 1948 e que precedeu a criação dos sistemas protetivos internacionais dos direitos humanos. Assim, além dos sistemas de controle exercidos pela jurisdição interna dos países, existe o sistema internacional de controle convencional dos direitos humanos, tendência internacional fortalecida e positivada pelo processo de globalização (SIMIÃO, 2018, p. 19).
Em consequência de lutas e reivindicações em diversos momentos revolucionários, em meios a eles a Revolução Americana e Francesa, apoiadas nas influências das ideias do Iluminismo, que tinham como mote a razão e o homem no centro das coisas, culminou-se na criação de cartas, declarações e documentos que regulamenta a respeitos a direitos e as integrações dos indivíduos, assim como entre estes e o Estado.
Tais documentos dispõem sobre assuntos que tangenciam acerca da liberdade, dignidade da pessoa humana, igualdade entre os homens, oposição a arbitrariedades, segurança pessoal, entre diversos direitos e garantias, podendo mencionar os modelos Carta Magna (Inglaterra – 1215), a Bill of Rights (Inglaterra – 1689), a Declaração de Virgínia (EUA – 1776), a Constituição de Weimar (Alemanha – 1919), Declaração Universal dos Direitos do Homem (ONU – 1948), em meio a outras.
O professor Marcelo Novelino (2007, p. 151), acerca das expressões utilizadas em referência aos direitos humanos, dispõe o seguinte:
Muitas expressões, apesar de não possuírem o mesmo significado, tem sido utilizadas indistintamente para denominar os direitos fundamentais do homem. Dentre elas, direitos fundamentais, direitos humanos, direitos humanos fundamentais, liberdades fundamentais, liberdades públicas, direitos do homem, direitos públicos subjetivos, direitos civis e políticos.
Para esta pesquisa é interessante aludir que as expressões direitos fundamentais e direitos humanos possuem distinções entre si, sendo tal diferença conceituada também por Novelino (2007, p. 152) da seguinte forma: “Direitos Humanos são direitos relacionados aos valores liberdade e igualdade positivados no plano internacional”, enquanto que “direitos fundamentais são os direitos humanos consagrados e positivados, no plano interno, pela constituição”.
Conceitualmente os Direitos Humanos, com base nos dizeres da Organização das Nações Unidas, foram definidos como sendo uma “garantida fundamental e universal que visa proteger os indivíduos e grupos sociais contra as diversas ações ou omissões daqueles que atentem contra a dignidade da pessoa humana” (CASTILHO, 2018, p. 43).
No Brasil, dentre as várias Constituições brasileiras, desde a Constituição de 1824 até a Constituição atualizada de 1988, percebe-se a presença de dispositivos que expressam e declaram a garantia dos direitos fundamentais, consagrados no plano interno pelas referidas constituições, bem como observância dos direitos humanos, extraídos dos valores positivados no âmbito internacional.
Inicialmente pode-se observar o texto disposto no artigo 4º, inciso II, da Constituição de 1988, o qual preceitua que a República Federativa do Brasil reger-se-á nas suas relações internacionais por meio da prevalência dos Direitos Humanos. Perante esta normativa, observa-se que o Brasil adota os direitos e garantias individuais previstos nos documentos internacionais do qual é signatário.
Dentre os fundamentos consagrados pelo texto constitucional, valores importantes para a estruturação do Estado brasileiro, a “dignidade da pessoa humana”, retratada no artigo 1º, inciso III, é, segundo Novelino (2007, p. 134):
Valor supremo que irá informar a criação, interpretação e aplicação de toda a ordem normativa constitucional, sobretudo o sistema de direitos fundamentais. (…) A dignidade da pessoa humana, em si, não é um direito fundamental, mas sim um atributo inerente a todo ser humano.
Nesse sentido, maior atenção à dignidade da pessoa humana passou a ser verificada após o final da Segunda Guerra Mundial, com o intuito de deixar que as pessoas fossem tratadas como mero objeto, tendo em vista que neste período muitos foram alvo de escravidão, tortura e experiências.
No Brasil, não foi diferente, e, como decorrência desses fatos e a preocupação com a dignidade da pessoa humana consagrada na constituição se reconheceu que a pessoa não é “simplesmente um reflexo da ordem jurídica, mas, ao contrário, deve constituir o seu objetivo supremo, sendo que na relação entre o individuo e o Estado deve haver sempre uma presunção a favor do ser humano e de sua personalidade, uma vez que o Estado existe para o homem e não o homem para o Estado” (MORAIS, 2017, p. 135).
Tal pensamento vai de encontro ao raciocínio de que o indivíduo deve ser respeitado em sua integridade física e moral por parte do Estado, a qual cabe à proteção dos cidadãos. A pessoa torna-se cada vez mais importante e devera observar limites para as ações por parte dos agentes estatais, em especial os agentes de segurança pública.
O governo brasileiro é signatário de respeitáveis declarações e tratados internacionais de amparo aos direitos das pessoas, podendo mencionar como modelo a proteção Universal dos Direitos do Homem (1948), o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes (1984), o Pacto de San José da Costa Rica (1969) e o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH) que está em vigor no Brasil desde 1996.
Diante o exposto, verifica-se que a segurança, direito e garantia fundamental preconizada no artigo 5º da Constituição atual, possui estreita relação com os Direitos Humanos. É interessante enfatizar a existência de relação entre estes princípios vez que o Estado, por meio de seus órgãos de apoio, em especial a Polícia Militar e Civil, busca a preservação da ordem pública e bem estar da sociedade, carecendo para tanto, examinar e acatar os direitos do cidadão, em meio a eles a vida.

3. ABORDAGEM POLICIAL DIANTE DOS DIREITOS HUMANOS
Apesar de, infelizmente, não existirem dados concretos sobre o número de abordagens policiais inconstitucionais que ocorrem no Brasil todos os dias, tendo em vista o medo de represália das vítimas, é sabido que estas ocorrem com grande frequência, na maioria das vezes dentro de periferias, onde a impunidade pelos atos abusivos se torna muito maior (MAGALHÃES, 2018).
Apesar da ausência de números concretos sobre este assunto, não é difícil verificar que tais atos são extremamente regulares na sociedade brasileira. Os casos diários que chegam aos ouvidos da sociedade de abordagens policiais abusivas são assustadores e apesar das diversas previsões legais em proibição destes atos, verifica-se que tais atos continuam recorrentes devido à falta de fiscalização e punição de agentes que realizam tais atos em descumprimento da legislação pátria (MAGALHÃES, 2018).
Os atos praticados pelos policiais em abordagens quando se excedem na sua finalidade traz de imediato uma flagrante de violação aos Direitos Humanos. Nesse sentido, algumas ações que os policias fazem durante uma abordagem vai à contramão dos preceitos trazidos pelos Direitos Humanos. A título de exemplo, cita-se:
[…] há um liame que diferencia a abordagem legal, da abordagem ilegal, quando ocorre utilização indevida, por despreparo de alguns policiais, ou quando, dolosamente, marginais transvestidos de Estado se utilizam desse recurso legitimado pela sociedade para exercer condutas criminosas, depreciando a dignidade e os direitos individuais do homem e marginalizando um instrumento de disseminação da segurança, com o intuito de satisfazer seus sadismos, ou propagar a violência gratuita, através de agressões, abusos e humilhações físicas e morais, além de outras condutas inaceitáveis (CORREIRA, 2016, p. 02).
Com isso, nos poucos dados existentes sobre esse tema no Brasil, em todos eles apontam que as questões raciais, econômicas e de escolaridade como razões para que a abordagem policial seja imediata e truculenta. Perfis de indivíduos considerados negros, pobres e de baixa escolaridade, são mais vulneráveis a sofrerem uma abordagem policial do que em outros perfis.
Anunciação; Trad; Ferreira (2020, p. 02) explicam que essas razões se configuram no processo de filtragem racial ou racial profiling, termo empregado notadamente nos Estados Unidos para descrever as “práticas racialmente tendenciosas de identificação de suspeitos ou, mais especificamente, o fato de a cor da pele ser um fator determinante na decisão da abordagem policial”. Cabe enfatizar que estar-se tratando de uma forma de violência perpetrada pela polícia, um fenômeno pouco explorado no Brasil, e que tem tido como alvo preferencial a juventude negra da periferia urbana do país.
De todo modo, ao discutir essa temática, fica evidente observar na bibliografia pesquisada que a fundada suspeita, mecanismo que precede o ato de abordagem, compõe-se de duas dimensões interdependentes: a técnica-operacional, que corresponde à norma institucionalizada e que, em princípio, pauta-se em critérios objetivos; e a discricionária, que depende, claramente, do julgamento dos agentes e, portanto, tem um caráter mais subjetivo. Em uma sociedade democrática, na qual prevalece o Estado de direito, é de se esperar que a primeira dimensão prevaleça na fundamentação de suspeição. Não obstante, constatou-se que a dimensão discricionária, que reflete representações sociais, crenças e valores morais predominantes na sociedade, tem um papel decisivo na construção do perfil de suspeição (ALMEIDA, 2018).
Por conta disso, é nítido constatar que é majoritário um determinado grupo com mesmo perfil seja mais suscetível a abordagens truculentas da polícia. No geral são grupos formados por jovens negros (as) e pardo (as), pobres e com baixa escolaridade, além de muitos não possuírem emprego. Com isso, fica evidente que há uma segregação racial e econômica presentes na estrutura e dinâmicas relacionais da sociedade brasileira, assim como sua negação e/ou certa naturalização, influenciam a “tomada de decisão” e o modo de atuar da polícia frente à esses grupos.
Para melhor entendimento sobre esse contexto, a título de exemplo, cita-se nesse estudo o caso do Estado do Tocantins. Primeiramente é necessário citar que no Tocantins, no que diz respeito ao trabalho da polícia, encontra-se o Manual do Procedimento Operacional Padrão (POP) institucionalizado em 2015. Em seu prefácio deixa claro que este é um documento que objetiva reunir roteiros padronizados onde se busca amparar a atuação do policial militar e efetivar a excelência nos serviços prestados na instituição (BRASIL, 2015).
Numa abordagem policial, principalmente quando há o transporte de um infrator, é necessário que estes profissionais estejam atentos a integridade física e moral do mesmo. É importante ressaltar que a Lei nº 2.578/2012 que dispõe sobre o Estatuto dos Policiais Militares e Bombeiros Militares do Estado do Tocantins na seção II que discorre sobre a ética militar, em seu artigo 33 traz o seguinte texto:
Art. 33. O sentimento do dever, o denodo militar e o decoro da classe impõem, a cada um dos integrantes da Corporação, condutas moral e profissional irrepreensíveis, com a fiel observância dos seguintes preceitos e deveres da ética militar:
(…)
III – respeitar a dignidade da pessoa humana;
XXXVI- respeitar a integridade física, moral e psíquica da pessoa do condenado ou do criminalmente imputado;
XXXIX- agir com isenção, equidade e absoluto respeito pelo ser humano, não usando sua autoridade pública para a prática de arbitrariedades;
(BRASIL, 2012)

Com base nesse texto legislativo, aponta-se que os policiais militares tocantinenses devem, sobretudo, respeitarem a integridade física do indivíduo, em conformidade com a sua dignidade. Caso contrário, responderão às sanções impostas por essa Lei.
No art. 46 da retro norma, trazem o rol das transgressões de natureza grave e em seu inciso XIV traz o seguinte texto: “usar de força desnecessária ou de violência física ou verbal, em ato de serviço ou não, maltratando, humilhando, constrangendo ou infamando qualquer pessoa, ou deixar que alguém o faça” (BRASIL, 2012).
Na prática, assim como em outros estados da Federação, o Tocantins também possui casos de abuso na abordagem policial. Em jurisprudência pesquisada, encontrou-se o seguinte caso:
REEXAME NECESSÁRIO. ESTADO DO TOCANTINS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. POLICIAL MILITAR. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. ATO ILÍCITO CONFIGURADO. EXCESSOS COMETIDOS EM ABORDAGEM POLICIAL. AUTOR ATINGIDO POR QUATRO DISPAROS DE ARMA DE FOGO. DANOS MATERIAIS E MORAIS CARACTERIZADOS. JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. TERMO INICIAL. 1. O Estado do Tocantins tem responsabilidade de ordem objetiva pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, no termo do § 6º do art. 37 da CF. 2. O Estado demandado apenas se desonera do dever de indenizar caso comprove ausência de nexo casual, ou seja, prove a culpa exclusiva da vítima, caso fortuito, força maior, ou fato exclusivo de terceiro. 3. É fato incontroverso da lide, na forma do art. 334, II, do CPC, o incidente envolvendo o policial militar Edimar e o demandante, o qual foi atingido, injustificadamente, por quatro disparos de arma de fogo, fatos estes corroborados pela prova oral e documental colhida em Juízo. 4. As lesões decorrentes dos disparos de arma de fogo restaram devidamente comprovadas nos laudos insertos aos autos. Do mesmo modo, o próprio policial em seu depoimento pessoal admitiu ter atirado contra o demandante. 5. No caso em exame, restou devidamente configurada responsabilidade do ente público. Presente nos autos, a conduta ilícita do policial que provocou as graves lesões corporais do demandante. Da indenização por danos morais. 6. Reconhecida a responsabilidade do Estado e do policial militar pelo evento danoso, exsurge o dever de ressarcir os danos daí decorrentes, como o prejuízo imaterial ocasionado, decorrente da dor e sofrimento da parte autora, em razão das lesões corporais sofridas. […] (Reexame necessário nº 7003157806, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luiz Lopes do Canto, Julgado em: 28/10/2009).

No caso concreto acima mostrado ficou evidente o excesso de abordagem policial, chegando ao ponto de ter tido danos físicos à vítima. Outro ponto elucidado nesse julgado e importante destacar é a responsabilidade quando configurada excesso de abuso na abordagem policial. Como bem frisou o Magistrado, in casu, a responsabilidade objetiva é do Estado e a subjetiva do policial militar.
Buscando mudar a realidade encontrada nas abordagens policiais, o Estado do Tocantins tem tido como medida preventiva, a educação. Assim, o Estado tem realizados cursos educativos que mostrem as ações corretas a serem realizadas pelos policiais. Tão importante ter essas ações reguladas em lei é enfatizá-las na prática.
Nesse sentido, como exemplo, em 2019 a Superintendência de Administração do Sistema Penitenciário e Prisional do Estado do Tocantins (Sispen/TO), por meio da Escola de Gestão Penitenciária (Esgepen), realizou o Curso de Abordagem Policial. Os servidores selecionados por meio de edital participaram de três dias treinamento, que foram divididos entre aulas práticas e teóricas, realizadas na Esgepen, no Comando Geral da Policia Militar (QCG) e no Clube de Tiro e Caça do Cerrado (CTCC). (MORAES, 2019)
Para realização do curso, a Secretaria de Estado da Cidadania e Justiça (Seciju) contou com apoio da Policia Militar do Tocantins, que disponibilizou servidores da Companhia Independente de Operações Especiais (COE) para ministrarem as aulas. De acordo com Moraes (2019, p. 03) “é essencial sempre elevar o conhecimento técnico dos profissionais que atuam na segurança pública. […] é preciso focar nas bases, nos fundamentos de instrução tática individual, pois são essenciais para engrandecer as técnicas de abordagem e evitar o uso de força física”.
Com a medida supracitada pelo Estado do Tocantins, abre-se caminho para que as abordagens policiais que tanto desrespeitam os Direitos Humanos sejam cada vez mais raras. Além disso, é necessário que o Poder Executivo e o Judiciário sejam extremamente vigilantes, em cumprimento à legislação, a situações como estas em que indivíduos de bem são, quase que diariamente, submetidos a situações de completo terror e submissão, onde temem por suas vidas, de seus parentes e amigos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O tema envolvendo a violência é desde muito tempo recorrente. Diversos tipos de violência são praticados diariamente na sociedade e no espaço ambiental brasileiro todos os dias. Para delimitar esse tema, escolheu-se discutir um dos tipos mais comuns na sociedade: a violência policial. A violência praticada por esses profissionais se configuram principalmente na abordagem policial.
Inúmeros casos têm sido expostos pela mídia e pela sociedade em geral onde mostra a agressividade das abordagens policiais nos espaços urbanos. Muitas dessas agressões são traduzidas em forma de chutes, murros, tapas no rosto e/ou de maneira verbal. Frente a essa realidade, discutir sobre essa ação se tornou relevante.
Tão importante quanto analisar as formas de violência policial nas abordagens, é estabelecer as causas que levam a essas atitudes e principalmente ao público ao qual se destinam. Como mostrado no decorrer desse estudo, pode-se pensar que qualquer indivíduo pode ser vítima de uma abordagem policial mais agressiva. De fato é verdade, no entanto, dados estatísticos mostram que em alguns grupos de pessoas estão indivíduos que são mais suscetíveis de se tornarem vítimas.
As estatísticas disponíveis no Brasil sugerem que os critérios de suspeição aliam, ao lado da identidade racial, outros marcadores discriminatórios, como pertença de classe social ou territorial, bem como o perfil etário. Neste cenário, jovens negros, pobres e moradores de áreas favelizadas se encontram entre os grupos mais vulneráveis às ditas práticas.
Frente a esse contexto, fica claro o flagrante de desrespeito aos Direitos Humanos. Não se questiona o trabalho policial quanto a sua competência e objetivo no garantismo à segurança pública. A questão discutida durante a presente pesquisa é em relação à maneira como o trabalho policial, principalmente na sua abordagem, é realizada.
Ficou claro observar nos casos apresentados, que a polícia possui forte tendência a criminalizar erroneamente determinados “tipos” de cidadãos, como os citados acima. A abordagem policial para essa parcela da sociedade é cruel e desumana, afrontando a liberdade e dignidade da pessoa humana, princípios fundamentais na norma jurídica brasileira.
Diante de todo o exposto, é nítido dispor o quanto os Direitos Humanos são desrespeitados pelas abordagens policiais nas ruas e rodovias brasileiras. As cartilhas encontradas que regulam o exercício dos policiais na prática não são eficazes, haja vista que ainda é possível encontrar casos de violência excedida por esses profissionais.
Pelo cenário encontrado, uma das principais medidas ao qual esse estudo se baseia seria a aplicação mais enfática de medidas educacionais e de conscientização a esses profissionais, para que tenham consciência e não apenas o entendimento, sobre os limites de sua abordagem.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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