Resumo: Trata-se de um artigo de revisão, destinado a fazer um apanhado das previsões legais e políticas voltadas à manutenção e recuperação da saúde das mulheres em situação de prisão. O direito à saúde é um direito fundamental, previsto constitucionalmente, e que deve ser norteado pelos princípios do Sistema Único de Saúde. A população carcerária, especialmente a feminina, está exposta a um contingente variado de riscos à saúde, necessitando de uma atenção voltada para suas necessidades específicas. Além das previsões constitucionais, a Lei de Execução Penal é outra normativa que prevê assistência à saúde da mulher encarcerada. Aliado a isso, políticas da Organização das Nações Unidas direcionadas a regras de tratamento às mulheres presas, concomitantes a planos e políticas nacionais que observam as especificidades desse grupo população são ferramentas preciosas na promoção, prevenção e recuperação da saúde dessas mulheres. Entretanto, deve-se ter em mente que se faz necessário efetivo comprometimento do poder público e dos profissionais dos estabelecimentos prisionais para que esse direito à saúde seja, de fato, efetivado.[1]
Palavras-chave: Direito. Políticas. Saúde. Mulheres. Prisões.
Abstract: This is a review article, intended to make an overview of the legal provisions and policies aimed at maintaining and restoring the health of women in prison. The right to health is a fundamental, constitutionally provided, and should be guided by the principles of the Unified Health System. The prison population, especially women, are exposed to a varied contingent of health risks, requiring attention focused their specific needs. In addition to the constitutional provisions, the Penal Execution Law is another norm that provides health care to the incarcerated women. Allied to this policy of the United Nations rules for the treatment of women prisoners, concomitant with national plans and policies that observe the specificities of this population group are valuable tools in promotion, prevention and restoration of health of these women. However, one should bear in mind that it is necessary an effective commitment of the government and professionals of prisons to right to health be, in fact, effective.
Keywords: Law. Policy. Health. Women. Prisons.
Sumário: Introdução. 1. Desdobramento das previsões constitucionais do direito à saúde. 2. Direitos de saúde previstos na Lei de Execução Penal (LEP). 3. Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário – PNSSP. 4. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher – PNAISM. 5. Regras mínimas para o tratamento de mulheres presas (Bangkok Rules) (ONU, 2010). Conclusão.
Introdução
O direito à saúde está incluso dentro do rol dos direitos fundamentais previsto na Constituição Federal (CF) de 1988, representado como um desdobramento do direito à vida. A Constituição da Organização Mundial de Saúde (OMS) corrobora a importância desse bem constitucionalmente tutelado, referindo-se à saúde como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social”, não consistindo apenas na ausência de doença ou de enfermidade. Tal direito deve ser concedido a todo ser humano, independente de raça, sexo, credo, condição social e econômica.
Este trabalho visa apresentar um apanhado das previsões legais e das políticas direcionadas à atenção à saúde da mulher em situação de prisão, grupo populacional exposto a uma grande contingente de fatores de risco, e que, muitas vezes, é desassistido pelo poder público e pelos profissionais da saúde.
1. Desdobramento das previsões constitucionais do direito à saúde
A Constituição Pátria, já em seu artigo 1º, III, traz a dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado brasileiro. Esse fundamento, tamanha relevância, repercute no título II (Direitos e Garantias Fundamentais), artigo 5º, que afirma em seu caput:
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.
O Supremo Tribunal Federal (STF), a partir dessa concepção, afirma que o direito à saúde:
“além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas – representa consequência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional” (BRASIL, 2000).
O direito à saúde é objeto de notada importância dada pelo legislador durante o texto constitucional, direito esse positivado como um dos primeiros direitos sociais de natureza fundamental, como observa-se já no artigo 6º, quando afirma que “são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. Pelo artigo 5º, em seu parágrafo 1º, como direito fundamental social, a saúde constitui um direito de aplicação imediata. Em caso de necessidade, o cidadão precisa ser atendido imediatamente.
O tema saúde é mais amplamente discutido durante o título VIII da CF/88, que trata a respeito da Ordem Social (que objetiva o bem-estar e a justiça sociais, como visto no art. 193), em seu Capítulo II, Seção II.
O Artigo 196 nos traz o conceito constitucional de saúde. Diz que:
“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
Observa-se a previsão de políticas direcionadas à redução de riscos à saúde. Tais políticas são especialmente relevantes a grupos populacionais expostos a um número maior de riscos, dentro dos quais existe o grupo das presidiárias. Segundo Nicolau et al (2012, p. 387), em virtude da heterogeneidade do ambiente prisional, este oferece riscos físicos, psicológicos e biológicos, estando a mulher especialmente susceptível.
Já no artigo 198, explicita que:
“as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único”, estabelecendo como uma de suas diretrizes “o atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais”.
Diante dessa previsão, ressalta-se existir a necessidade, no estabelecimento prisional feminino, de atendimento prestado pela equipe de saúde multiprofissional (médico, enfermeiro, psicólogo, dentista…), direcionando-se tanto para atividades preventivas como para curativas (BRASIL, 2012).
2. Direitos de saúde previstos na Lei de Execução Penal (LEP)
A LEP é uma disposição normativa direcionada a estabelecer e efetivar os direitos e deveres dos indivíduos em situação de prisão, tanto no que diz respeito à classificação dos condenados, da assistência a eles dirigida, do trabalho, da disciplina, da aplicação de sanções, como também versa sobre os órgãos e estabelecimentos de execução penal e da execução penal em espécie (BRASIL, 1984).
Dentre as assistências direcionadas ao preso e ao internado previstas no Capítulo I da referida lei (material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa), este artigo se deterá à análise de sua seção II (Da Assistência a Saúde).
Segundo seu art. 14:
“A assistência à saúde do preso e do internado de caráter preventivo e curativo, compreenderá atendimento médico, farmacêutico e odontológico”.
Ratificando o que já fora previsto na CF, o caráter da assistência à saúde prestada deve ser tanto preventivo quanto curativo. Ou seja, o ideal é que os estabelecimentos prisionais disponham de profissionais capacitados para atuarem no campo da educação em saúde, enfatizando estratégias direcionadas à promoção da saúde e prevenção de doenças, seja por meio de dinâmicas, palestras, oficinas, consultas ou debates. Porém, não se pode parar por aí: nos casos em que a patologia já está instaurada, é necessário que profissionais qualificados estejam a postos para iniciarem os tratamentos necessários.
Em muitos estabelecimentos, porém, ainda não há todos os recursos de saúde necessários para a atenção integral das detentas. A mulher, nos seus variados ciclos vitais, necessita de atenção de saúde específica. Por exemplo, o câncer de mama e o câncer de colo de útero são os tipos de câncer mais prevalentes em mulheres (LESSA et al, 2012). Para o rastreamento e acompanhamento ideal dessas patologias, uma série de equipamentos é necessária: maca adequada, lâminas, fixadores para o material coletado, materiais informativos, mamógrafo, dentre outros. Para a abordagem das doenças sexualmente transmissíveis (DST), outro rol de materiais é necessário.
Diante disto, complementa a disposição do parágrafo primeiro do mesmo artigo: “Quando o estabelecimento penal não estiver aparelhado para prover a assistência médica necessária, esta será prestada em outro local, mediante autorização da direção do estabelecimento”.
É imperativo que real importância seja dada a esta disposição. Profissionais e gestores de estabelecimentos prisionais devem ter a consciência de que a atenção por eles dispensada a essa população continua enquadrada no Sistema Único de Saúde (SUS), portanto sendo necessário o correto funcionamento do sistema de referência e contrarreferência, em especial nas situações de urgência ou que necessitem de consultas especializadas, hospitalização e procedimentos de alta complexidade.
O terceiro e último parágrafo do artigo dispõe que “Será assegurado acompanhamento médico à mulher, principalmente no pré-natal e no pós-parto, extensivo ao recém-nascido”.
As rotinas penitenciárias são diversas quanto ao tempo de permanência máximo de crianças em suas instituições, porém o período inicial do pós-parto e de aleitamento é essencial. Portanto, os profissionais de saúde que atendem as detentas, devem extensivamente dedicar assistência ao recém-nascido, de modo que lhe seja assegurado acompanhamento no seu crescimento e desenvolvimento.
3. Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário – PNSSP
Instituído pela Portaria Interministerial nº 1777, de 09 de Setembro de 2003, o PNSSP surge como uma estratégia na definição e implementação de ações e serviços de saúde direcionados à atenção integral da população prisional, tanto masculina quanto feminina.
As linhas de ação prioritárias estabelecidas pelo plano foram: o controle e tratamento da tuberculose, bem como a proteção dos sadios; controle da hipertensão e do diabetes; busca, diagnóstico, cadastramento e tratamento supervisionado da hanseníase, bem como de outras dermatoses; atenção à saúde bucal e à saúde da mulher (BRASIL, 2003).
A atenção à mulher prevista no plano abrange a realização do pré-natal, controle do câncer cérvico-uterino e de mama. De forma complementar, é previsto ainda: diagnóstico, aconselhamento e tratamento de DST/Aids (desde atividades preventivas como distribuição de preservativos e elaboração de material educativo até ações de diagnóstico e tratamento segundo a estratégia de abordagem sindrômica); atenção em saúde mental (prevenção de agravos psicossociais, prejuízo a saúde decorrente do uso de álcool e outras drogas); imunizações; avaliação e orientação para planejamento familiar.
É importante destacar que, embora sejam ações complementares e, de certa forma, genéricas, são contribuições essenciais à manutenção e recuperação da saúde das mulheres, respeitando-se o princípio da integralidade, vendo a mulher presa como um ser biopsicossocial que necessita de atenção em todas as suas esferas de complexidade.
Como metas, o plano estabelece a implantação em 100% das unidades penitenciárias: ações para detecção precoce do câncer cérvico-uterino e de mama; diagnóstico e tratamento das DST/Aids; assistência à anticoncepção; assistência ao pré-natal de baixo e alto risco; imunização das gestantes; assistência ao puerpério; ações educativas sobre pré-natal, parto, puerpério, anticoncepção, controle do câncer cérvico-uterino e de mama, e DST; garantia de encaminhamento para tratamento das mulheres com câncer cérvico-uterino e de mama atendidas; acesso das gestantes para o atendimento de intercorrências e parto (BRASIL, 2003).
As metas demonstram uma preocupação do poder público em adequar o tratamento recebido pelas mulheres em situação de prisão ao seu ambiente e riscos específicos, atendendo ao princípio da equidade do SUS.
4. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher – PNAISM
Esta é uma política elaborada pelo Ministério da Saúde no ano de 2004, destinada ao atendimento das mulheres em seus variados ciclos vitais e culturas, com enfoque nas questões de gênero. Prezando pela promoção da integralidade na saúde, coloca a mulher no centro da discussão, enfatizando seus direitos sexuais e reprodutivos, seu papel de sujeito no planejamento familiar, atenção às condições inseguras de saúde às quais está sujeita, como, por exemplo, o abortamento inseguro e violência doméstica (BRASIL, 2004).
O grande ganho oriundo dessa política se encontra na delimitação de objetivos específicos que abrangem grupos populacionais femininos e temáticas muitas vezes desassistidas: atenção à saúde mental da mulher; saúde da mulher no climatério; saúde da mulher na terceira idade; saúde da mulher negra; saúde das trabalhadoras no campo e na cidade e, finalmente, da mulher em situação de prisão.
“Promover a atenção à saúde das mulheres em situação de prisão, incluindo a promoção das ações de prevenção e controle de doenças sexualmente transmissíveis e da infecção pelo HIV/aids nessa população: ampliar o acesso e qualificar a atenção à saúde das presidiárias” (BRASIL, 2004).
Enfatizam-se as situações precárias e de risco à saúde que a população carcerária se encontra exposta diariamente em seu ambiente de detenção ou reclusão, somado ao fato de que muitas nem sequer buscavam serviços de saúde antes de serem presas. Isso leva a um grande contingente de detentas admitidas em presídios com enfermidades crônicas não identificadas (como hipertensão arterial e diabetes mellitus) (MIRANDA; MERÇON-DE-VARGAS; VIANA, 2012).
Outro fator de relevância reside que muitas das mulheres que são presas, pelos mais variados crimes (tráfico ilícito de drogas, furto, roubo e homicídio, pra citar os mais evidentes), eram usuárias de drogas e/ou prostitutas, demonstrando especial risco e prevalência de DST/aids, tuberculose, hepatites e traumas.
5. Regras mínimas para o tratamento de mulheres presas (Bangkok Rules) (ONU, 2010)
Trata-se de uma resolução proposta pela Organização Mundial de Saúde (ONU), surgida a partir das regras adotadas em 1955 por essa mesma organização – “Normas das nações unidas sobre padrões mínimos para tratamento de prisioneiros”. Aquelas se diferenciam destas em virtude de necessidades específicas e realidade diferenciada vivida por mulheres no sistema prisional, uma vez que as normas da década de 50 não davam suficiente atenção às particularidades femininas. Entretanto, uma não anula a outra: trata-se apenas de uma especificação, abrangendo matérias mais direcionadas.
A regra 5 se direciona às questões de higiene pessoal da mulher. Nela, fica exposto que a acomodação das prisioneiras devem ter instalações e materiais necessários para a higiene feminina, incluindo toalhas sanitárias (disponibilizadas gratuitamente) e suprimento regular de água para o cuidado pessoal das crianças e mulheres, especialmente aquelas envolvidas nas atividades da cozinha, ou que estejam em período de menstruação, grávidas ou amamentando.
Os serviços de cuidado à saúde permaneceram, em sua maior parte, os mesmos previstos nas normas de 1955 (ONU, 1955). Para elucidação, serão trazidas aqui as regras e as mudanças.
A regra 22 (ONU, 1955) prevê que cada instituição deverá ter à disposição os serviços de pelo menos um profissional médico qualificado, e que este deve ter conhecimentos de psiquiatria, devendo incluir um serviço de psiquiatria destinado ao diagnóstico e, se for o caso, tratamento de estados de anormalidade mental.
Presos que se encontrem com o estado de saúde abalado e necessitem de atendimento especializado deverão ser encaminhados para estabelecimentos aptos ao tratamento (identifica-se plena concordância com o previsto no art. 14, § 1º, LEP). Prevê ainda atendimento odontológico a todos os presos.
A regra 23 (ONU, 1955) dispõe que nas instituições para mulheres deverão existir acomodações direcionadas para o acompanhamento de pré-natal, pós-parto e tratamento, enfatizando-se que, sempre que possível, o nascimento se dê fora do ambiente prisional. Porém, caso a criança nasça dentro da prisão, esse fato não deve ser mencionado em sua certidão de nascimento.
Nas instituições em que os lactentes são autorizados a permanecer, local específico deverá ser providenciado para o cuidado por pessoas qualificadas, nos períodos em que estiverem sem as mães. As crianças também devem receber avaliação e acompanhamento de saúde, de preferência por profissional especializado em saúde infantil (regra 9).
A regra 24 (ONU, 1955) estabelece que o profissional médico deverá examinar cada prisioneiro, o quanto antes, depois de sua admissão, e também posteriormente, se necessário, para identificação de doenças físicas ou mentais e tomar as medidas cabíveis. Também deverão ser tomadas as precauções em casos de presos que possuam alguma doença infecto-contagiosa, bem como avaliadas as capacidades de trabalho de cada umA resolução de 2010 faz complementações a essa regra, em sua regra 6. Traz que a avaliação de saúde das mulheres prisioneiras deve incluir uma abordagem abrangente para determinar os cuidados de saúde necessários além de: determinar a presença de DST ou outra doença de transmissibilidade sanguínea e, dependendo dos fatores de risco, ser oferecido teste para HIV, com aconselhamento pré e pós teste; cuidados em saúde mental, incluindo em transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) e risco de suicídio e automutilação; a história da saúde reprodutiva a mulher presa, incluindo número de gestações, partos e problemas de saúde relacionados; a existência de dependência de droga; histórico de abuso sexual e outras formas de violência que possam ter sofrido antes ou durante a prisão (nesse caso, deverá ser ofertado atendimento psicológico, conforme especifica a regra 7).
A regra 25 (ONU, 1955) delimita que o profissional de saúde deve realizar visita diária a todos os reclusos doentes ou que referem doença, e a qualquer prisioneiro que necessite, devendo reportar ao diretor da instituição aqueles casos em que a manutenção da prisão possa trazer prejuízos à saúde. O profissional deverá ainda estar atento a qualidade da alimentação; higiene e limpeza dos presos e ambiente prisional; saneamento, iluminação, aquecimento e ventilação; observância a pratica de atividades físicas e recreação.
A regra 8 dispõe sobre os direitos à confidencialidade de suas informações médicas, especialmente em não ter suas informações divulgadas ou ser obrigada a responder questionamentos de sua saúde reprodutiva, caso não queira.
A regra 10 traz que a atenção à saúde específica do gênero feminino deve ser no mínimo equivalente àquela prestada fora do ambiente carcerário. Caso as presidiárias solicitem que sejam atendidas por profissionais do sexo feminino, isso deve ser cumprido, exceto em situações de urgência. Caso um profissional do sexo masculino vier a realizar o procedimento, uma mulher da equipe deverá estar presente durante sua execução.
A regra 11 determina que apenas profissionais de saúde devem estar presentes durante a realização dos exames médicos, a não ser que estes opinem, em circunstâncias excepcionais, pela presença de um funcionário da prisão no local, para fins de segurança, ou então por solicitação da detenta. Nesse caso, o funcionário da prisão deve ser do sexo feminino e deve prezar pela privacidade, dignidade e confidencialidade das informações.
As regras 12 e 13 versam a respeito da assistência à saúde mental das detentas. O cuidado deve ser individualizado, sensível ao gênero, direcionado aos traumas informados, e abrangentes ao tratamento e reabilitação de presas que necessitem dessa atenção específica. Os funcionários da instituição devem ser informados sobre as situações de estresse ou angústia das mulheres, de forma que sejam sensíveis e garantam um ambiente de apoio adequado.
Programas e serviços de prevenção e tratamento contra HIV/Aids devem ser direcionados a essa clientela, observando-se necessidades específicas de atenção à mulher, como, por exemplo, o risco de transmissão vertical. As autoridades prisionais devem estimular iniciativas de educação, prevenção e tratamento dessa patologia (regra 14).
Segundo a regra 15, instituições prisionais deverão fornecer ou facilitar a atuação de programas de tratamento direcionados para mulheres toxicodependentes, levando em consideração as necessidades específicas de cada grupo (gestantes, mulheres com crianças, de diferentes culturas…).
A regra 16 traz que devem ser oferecidas consultas e serviços destinados ao bem-estar e cuidados de saúde e assistência social, com a finalidade de prevenção do suicídio e automutilação, direcionando apoio apropriado e especializado.
Por fim, as regras 17 e 18 tratam sobre temáticas de prevenção e promoção da saúde. As detentas devem receber informações, incluindo medidas de prevenção contra DST/Aids; realização de exames de mama e ginecológicos (Papanicolau), direcionados à prevenção do câncer de mama e câncer de colo de útero, respectivamente.
Conclusão
O SUS, sistema de saúde previsto em nossa Constituição e um dos mais avançados do mundo, prevê a atenção à saúde, em todos os seus níveis de complexidade, a todos os indivíduos. Essa universalidade no atendimento é o rege a elaboração de políticas públicas direcionadas à população prisional, com a finalidade que esta não seja posta à margem dos cuidados de saúde, direito fundamental do indivíduo.
Para que se efetive esse objetivo mor, são necessárias estratégias que abranjam a integralidade das esferas de tratamento: primária, secundária e terciária. Embora nos presídios não haja condições para tratamentos de saúde complexos, cabe aos profissionais de saúde e diretores destas instituições possibilitarem o encaminhamento para unidades de saúde especializadas, obedecendo ao sistema de referência e contrarreferência.
A população prisional, em especial a feminina, demanda uma atenção de saúde específica, devido suas condições de vida e ambiente. Muitas mulheres que hoje se encontram encarceradas já vivenciaram prostituição, violências dos mais variados tipos e uso abusivo de drogas. Portanto, carregam consigo repercussões físicas e psicológicas de uma vida exposta a diversos fatores de risco. Isso é facilmente identificado pela alta prevalência de DST/Aids, transtornos mentais (em especial TEPT), doenças infecto-contagiosas e traumas.
Nesse sentido, a equidade na atenção à saúde das mulheres presas deve levar em consideração as singularidades sociais e culturais da clientela, e isso vai determinar como devem ser realizadas as ações e desenvolvidas as políticas. Deve-se ter em mente que é prevalente a falta de conhecimento tanto de suas condições de saúde como dos direitos que possuem, sendo necessário um empenho multissetorial para dirimir tal empecilho.
As políticas até então elaboradas visando à melhoria nas condições de saúde das presidiárias são inegavelmente merecedoras de reconhecimento, pois estão atentas a questões que, de fato, são as mais alarmantes. Porém, o maior desafio é sua implementação. É necessário um esforço conjunto do poder público (provendo os estabelecimentos com todos os recursos necessários, previstos inclusive no PNSSP; formação de profissionais especializados para a lida com essa clientela; fortalecimento das redes de saúde para atenderem a esse público), aliado à conscientização dos profissionais de saúde, para que, enfim, essa população seja assistida de forma integral, com dignidade e respeito.
Informações Sobre os Autores
Augusto Everton Dias Castro
Acadêmico de Direito no Centro de Ensino Superior do Vale do Parnaíba. Acadêmico de Enfermagem na Universidade Federal do Piauí
Éricka Maria Cardoso Soares
Acadêmica de Enfermagem na Universidade Federal do Piauí.