Dimer Suegty Silva Mendonça[1]
Michael Lucas Coutinho Duarte[2]
Resumo: O escopo deste artigo é demonstrar as minúcias inerentes à legítima defesa, expondo seus conceitos de forma clara e objetiva, consoante o artigo 25 do Código Penal brasileiro, cuja previsão expõe alguns requisitos, que, embora claros, na prática causam dúvidas atinentes à sua aplicação, haja vista que estes, – o uso moderado, o meio necessário, a atualidade ou iminência da agressão – além das possibilidades relativas à justificação de uma agressão legítima, seja em direito próprio ou alheio, são questões que se assemelham a uma norma penal em branco, visto necessitar de maiores conceitos, que, por vezes, restam presentes em debates no cenário público brasileiro, notadamente quando voltados à segurança pública, motivo por que se faz de suma importância abordar este tema. Para este fim, utilizou-se a metodologia bibliográfica, consultando-se diversas bibliografias oriundas de renomados doutrinadores penalistas, buscando-se interpretar a mais provável intenção do legislador ao redigir na legislação pátria o casuístico texto basilar da legítima defesa, de cuja leitura ressai a hipótese de que se tem por fim legitimar ações típicas e até culpáveis, mas não antijurídicas – quando respeitado os critérios estabelecidos na norma penal.
Palavras-chave: Legítima defesa; Requisitos; Justificar; Código Penal.
Clarifications Inherent to the Constitutive Elements of the Legitimate Defense in the Brazilian Legal Order
Abstract: The scope of this article is to demonstrate the minutiae inherent to the legitimate defense, exposing its concepts in a clear and objective way, according to article 25 of the Brazilian Penal Code, whose prediction exposes some requirements, which, although clear, in practice cause doubts concerning the its application, considering that these, – the moderate use, the necessary means, the actuality or imminence of the aggression – in addition to the possibilities related to the justification of a legitimate aggression, whether in its own or someone else’s right, are issues that resemble a norm blank penal, since it needs greater concepts, which are sometimes present in debates in the Brazilian public scenario, notably when focused on public security, which is why it is extremely important to address this issue. For this purpose, the bibliographic methodology was used, consulting several bibliographies from renowned penal indoctrinators, seeking to interpret the most likely intention of the legislator when writing in the national legislation the basic text of legitimate defense, whose reading is highlighted by hypothesis that the purpose is to legitimize typical and even guilty, but not anti-legal actions – when respected the criteria established in the penal norm.
Keywords: Self-defense; Requirements; Penal Code; Right.
Sumário: Introdução. 1. A Origem e a Evolução Histórica da Legítima Defesa. 2. Legítima Defesa no Ordenamento Jurídico Brasileiro. 3. Os Requisitos Explícitos no Código Penal. 3.1. O uso moderado. 3.2. Os meios necessários. 3.3. A agressão injusta. 3.3.1. A relação entre a provocação e a agressão. 3.3.2. A agressão por omissão. 3.4. A atualidade ou iminência da agressão. 3.5. Da defesa do direito próprio ou alheio. Considerações Finais. Referências.
INTRODUÇÃO
O homem, como fruto de uma natureza animal, está sujeito às leis que vão além do que temos ou consideramos como ordenamento jurídico, e dentre estas, que regem a espécie, está o instinto de sobrevivência, de perpetuar a prole e lutar contra o injusto ou o ameaçador. E como fruto do homem, a justiça, as leis e o direito, não podem fugir dos reflexos basilares dos ideais humanos. Neste cenário, vê-se, juntamente a variados outros, fragmentos destes ideais, em que, no direito, pode-se citar a legítima defesa.
Diante disso, evidencia-se da história que a legítima defesa sempre se perpetuou presente na humanidade, mormente concernente às agressões e à integridade física. Por conseguinte, este instituto evoluiu com o decorrer dos séculos, aprimorando-se a cada ideia, a cada pensamento e implementação, tendo-a prevista em nosso atual Código Penal de 1940, com um texto que a explica e conduz à prática, traçando requisitos à sua aplicação.
É de suma importância destacar que o texto legal expressa estes requisitos, com o objetivo de fazer valer a intenção do legislador, evitando-se que, em vez de conferir à sociedade o sentimento de justiça para aprimorar o convívio social, acabe resultando num mau uso deste instituto, como meio de justificar condutas atentatórias ao direito, lesando-se bens jurídicos alheios de maneira indevida.
Destarte, em razão de o ordenamento jurídico ser o reflexo do que ocorre na prática do convívio social, é certo que numa situação em que há alguma agressão – que pode dar causa à legítima defesa -, inúmeras serão as variáveis desta celeuma, e por conseguinte, o mesmo ocorrerá na teoria. Assim, diversas correntes de entendimentos ressaem deste assunto, visões diferentes, relativas ao pensamento individual, orientado pela experiência de cada um em sociedade.
Todavia, em que pese inúmeros serem os entendimentos acerca da legítima defesa e seus elementos constitutivos, existem correntes majoritárias, que normalmente orientam o que será aplicado, ou seja, se de fato a legítima defesa estará configurada no caso concreto, de maneira que restem presentes os seus requisitos, que, apesar de serem claros na norma, merecem considerações mais profundas a fim de se compreender a justiça que se busca com esta excludente de antijuridicidade e como esta se aplicará a cada caso e suas peculiaridades.
Por conseguinte, o presente artigo foi divido em três capítulos.
No primeiro capítulo, será tratado a respeito da origem da legítima defesa, e de que forma esta progrediu na história até restar presente em nosso ordenamento jurídico.
No segundo capítulo, discorrer-se-á quanto à legítima defesa já aplicada ao ordenamento jurídico brasileiro, a fim de expor o seu objetivo como forma de se justificar o que seria um crime, pois, justamente em razão de ser uma justificante – também chamada de exculpante –, inexistirá crime em razão da falta de antijuridicidade.
No terceiro capítulo, o qual foi divido em subcapítulos, adentrar-se-á de fato nos requisitos que se veem presentes no artigo 25 do Código Penal, esclarecendo-os todos por meio das visões e entendimentos majoritários, a fim de expor cada questão, abordando-se o que se ocorrerá na prática.
Relativo ao método utilizado no presente artigo, forçoso dizer que se utilizou a análise e revisão bibliográfica, consultando-as e esquematizando-as de maneira lógica, apresentando, portanto, as percepções doutrinárias convergentes e divergentes acerca do tema abordado.
Portanto, esta pesquisa buscará expor as nuances inerentes ao instituto da legitima defesa em conformidade com as principais doutrinas da seara penal, notadamente relativas aos seus elementos constitutivos, tais como o que vem a ser uma agressão injusta ou iminente, bem como o que se tem por uso moderado ou meio necessário à legítima defesa, além de conceitos e possibilidades, haja vista que suas implicações não dissociam dos entendimentos inerentes à exculpante da legítima defesa.
- A ORIGEM E A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA LEGÍTIMA DEFESA
Inicialmente, verifica-se mister a conceituação do que vem a ser legítima defesa, a qual, nas lições do jurista e filósofo alemão Hans Wezel (2003, p. 141): “é aquela necessária para resistir ou neutralizar uma agressão antijurídica atual levada contra quem se defende ou contra um terceiro” ou, conforme Assis Toledo, citando-se Dreher e Trondle:
“A defesa necessária (legítima defesa) é uma causa de justificação que se baseia no princípio de que o direito não precisa retroceder diante do injusto” pelo que “a defesa vale, pois, não só para o bem jurídico ameaçado mas também, simultaneamente, para a afirmação da ordem jurídica” (1994, p. 192).”
Por conseguinte, ela corresponde a uma exigência natural, que leva o agredido a repelir a agressão de algum bem jurídico, resultando-se, em resposta, numa lesão ao bem jurídico do agressor (BETTIOL apud BITENCOURT, 2012, p. 910).
Assim, de acordo com Guilherme Nucci (2017, p. 175), ainda que não houvesse lei amparando a legítima defesa, esta seria identicamente utilizada, em que pese houvesse, posteriormente, a possibilidade de responsabilização do indivíduo perante o Estado. Na mesma esteira, acrescenta ainda uma passagem de um discurso de CÍCERO:
“Há, sem dúvida, Juízes, esta lei, não escrita, mas congênita, que não aprendemos, ouvimos ou lemos, mas participamos, bebemos e tomamos, da mesma natureza, na qual não fomos ensinados, mas formados, nem instruídos, mas criados: que se a nossa vida cair em algumas ciladas, e em insultos e armas de inimigos e ladrões, todo o modo de a salvar nos seja lícito. Porque as leis guardam silêncio entre as armas; nem mandam que as esperem, quando aquele que as quiser esperar primeiro há de pagar a pena injusta do que satisfazer-se da merecida” (ALMADA apud NUCCI, 2017, p. 175).
Consoante ensina o penalista pátrio brasileiro, Nelson Hungria (1978, p. 281), a legítima defesa nasceu no momento em que o Estado deixou de se conformar com a instintiva e ilimitada oposição da força contra a força, motivo pelo qual chamou a si o poder de proteção aos direitos individuais, oportunidade em que o Estado se viu na obrigação de abrir uma exceção, de maneira que se permitisse que o indivíduo o substituísse quando a debelação de injusto ataque aos direitos assegurados exigisse uma reação.
Vislumbra-se, portanto, que, por sua natureza, esta justificante é verificada em cenários antigos da humanidade, que foram retratadas à época e podem ser consultadas atualmente. Entretanto, esta, com a evolução da sociedade, por consequência também se aprimorou com o tempo, adequando-se a cada realidade social e política que lhe aplicara.
O seu fundamento é único, pois se baseia no princípio de que ninguém pode ser obrigado a suportar o injusto. Trata-se, assim, de uma situação conflitiva, na qual o sujeito pode agir legitimamente, porque o direito não tem outra forma de garantir o exercício de seus direitos, ou, melhor dito, a proteção de seus bens jurídicos (ZAFFARONI e PIERANGELI, 2006, p. 498).
Inclusive, neste sentido, houve pensamentos convergentes à ideia de que o reconhecimento da autodefesa constituiria uma delegação estatal ao indivíduo, ideia esta rebatida pelo jurista e ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça, Francisco Assis Toledo (1994, p. 192).
Na antiguidade clássica, os filósofos falavam da legítima defesa como um direito sagrado, afirmando-se, inclusive, em textos romanos, que repelir a violência pela violência seria permitido por todas as leis, razão por que os juristas de Roma tornaram a legítima defesa aplicável à proteção de todo bem jurídico (BRUNO, 2005, p. 232).
Já na idade média, sob a influência do direito canônico, a legítima defesa limitava-se à proteção do corpo e da vida, ao passo que os práticos do direito intermédio continuaram com a tradição romana, admitindo como legítima a defesa de bens patrimoniais (BRUNO, 2005, p. 233). Ainda no que tange ao direito canônico, este seguiu a trilha aberta pelo direito romano, mas imprimindo maior relevo ao requisito da moderação da repulsa e reconhecendo expressamente a indistinta defesa de terceiro, pois a defesa de outrem era considerada um autêntico dever (HUNGRIA, 1978, p. 282).
Insurge destacar que a doutrina da legítima defesa estava comumente ligada ao homicídio, sobretudo em razão de este ser considerado um dos mais relevantes ataques, visto que atentatório ao bem jurídico da vida.
Todavia, conforme ensina Aníbal Bruno (2005, p. 237), numa situação que enseje a legítima defesa, haverá por certo uma ameaça a algum bem jurídico, que pode ser qualquer. Assim, as restrições que se verificaram presentes em primitivas legislações, que reduziam a legitimidade do instituto apenas aos bens da vida e do corpo se perderam no tempo, ao passo que se tem, atualmente, que a justificante rege em mais larga amplitude de defesa todos os bens jurídicos, em que pese ainda haver discussões concernentes aos bens defendidos em si, quando em contraste com o bem do agressor que será lesado na defesa.
Portanto, frente ao que se considerou no decorrer da história a legítima defesa e o que se considera hoje, observam-se claras algumas mudanças em sua aplicação, inclusive no ordenamento jurídico brasileiro, enfatizando-se os requisitos, que serão aprofundados adiante.
- LEGÍTIMA DEFESA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Toda a aplicação e o entendimento oriundo das doutrinas e a jurisprudência dos tribunais brasileiros, notadamente devem se orientar pela legislação, que, neste caso, está previsto no artigo 25 do Código Penal Brasileiro, com o seguinte texto:
“Art. 25. – Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).
Parágrafo único. Observados os requisitos previstos no caput deste artigo, considera-se também em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019).”
Destarte, verificam-se presentes no texto legal alguns requisitos necessários à configuração da legítima defesa, que é uma causa legal de exclusão da ilicitude, conforme o comando do artigo 23 do referido código, cuja transcrição segue abaixo:
“Art. 23 – Não há crime quando o agente pratica o fato:
I – em estado de necessidade;
II – em legítima defesa;
III – em estrito cumprimento do dever legal.
Parágrafo único – O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.”
Observa-se, portanto, que a legítima defesa está consagrada no direito penal pátrio como uma causa da exclusão de ilicitude, ou, também chamada de exculpante – ou justificante.
É relevante destacar que ela está, conforme se vê dos incisos do artigo supracitado, presente, junto a outras excludentes, ressaltando-se, sobretudo, o estado de necessidade, que por vezes é confundido com a legítima defesa em razão de suas peculiaridades semelhantes.
Assim, verifica-se mister expor o ensinamento de Masson (2015, p. 508), que trata destas duas justificantes, comparando-as entre si:
“Estado de necessidade e legítima defesa são causas legais de exclusão da ilicitude (CP, art. 23, I e II). Além disso, ambos têm em comum o perigo a um bem jurídico, próprio ou de terceiros. Mas diferenciam-se claramente. Na legítima defesa, o perigo provém de uma agressão ilícita do homem, e a reação se dirige contra seu autor. Por outro lado, no estado de necessidade agressivo o perigo é originário da natureza, de seres irracionais ou mesmo de um ser humano, mas, para dele se safar, o agente sacrifica bem jurídico pertencente a quem não provocou a situação de perigo. Exemplo: “A”, para salvar-se de uma enchente, subtrai o barco de “B”. No estado de necessidade defensivo o agente sacrifica bem jurídico de titularidade de quem causou a situação de perigo. Exemplo: “A” mata um touro bravio de seu vizinho, que não consertou a cerca da fazenda, e por esse motivo estava o animal pronto a atacar crianças que nadavam em um pequeno riacho. A reação dirige-se contra a coisa da qual resulta o perigo, e não contra a pessoa que provocou a situação perigosa. Em alguns casos, contudo, a situação de perigo ao bem jurídico é provocada por uma agressão lícita do ser humano que atua em estado de necessidade. Como o ataque é lícito, eventual reação caracterizará estado de necessidade, e não legítima defesa.”
Portanto, observa-se que ambas se mantêm separadas, visto que no estado de necessidade se faz necessário um meio lesivo para evitar um mal maior, ao passo que, na legítima defesa, o meio lesivo se faz necessário para repelir uma agressão injusta.
Exposto sua colocação na legislação, convém salientar o objetivo da legítima defesa como causa de exclusão da antijuridicidade. Conforme ensina Hungria, citando Battaglini (1978, p. 288), a legítima defesa deve ser, ao lado da ameaça penal, um contra motivo de crime, pois quem se predispõe a delinquir deve ter em conta dois perigos igualmente temíveis: o perigo da defesa privada e o da reação penal do Estado. Isso se dá, pois, nas palavras de Hungria:
“A lei penal não pode exigir que, sob a máscara da prudência, se disfarce a renúncia própria dos covardes ou dos animais de sangue frio. Em face de uma agressão atual e injusta, todo cidadão é quase um policial, e tem a faculdade legal (além do dever moral ou político) de obstar o exercício da violência ou atividade injusta (1978, p. 288).”
Assim, Hungria (1978, p. 292) acrescenta ainda uma diferença em relação ao estado de necessidade, qual seja que pouco importa se restava oportuno ou eficaz o socorro de terceiros ou se havia a possibilidade de fuga, ainda que não humilhante.
No mesmo sentido é o entendimento de Pacceli (2016, p. 241), conforme transcrito:
“Todavia, não exige o direito penal que o agredido tenha que aceitar os efeitos, mesmo que parciais, da agressão, esquivando-se mediante uma “ fuga vergonhosa”. Tampouco a análise acerca da utilização moderada dos meios necessários pretende questionar o resultado obtido com a atitude defensiva, pois a necessidade deve referir-se à ação de defesa e não ao resultado da defesa. Assim, é possível estarmos diante de uma ação em legítima defesa mesmo quando for verificado que o agente poderia ter fugido, mas não o fez. Ou ainda nos casos em que a reação acarreta lesões diversas das que o agente havia previsto. Na linha traçada, portanto, é legítima a defesa que, de acordo com a intensidade real da agressão, utiliza, de maneira moderada, os meios menos lesivos à sua disposição a fim de, na medida do necessário, fazer cessar a injusta agressão. Constatada a desnecessidade dos meios ou a imoderação em sua utilização, o agente poderá ser responsabilizado pelo excesso praticado.”
Convergindo ao mesmo entendimento, lecionam Zaffaroni e Pierangeli (2006, p. 503) que não é necessário o alcance de êxito na defesa, isto é, a legítima defesa não depende de êxito, pois, ainda que fracasse, e não se consiga evitar a agressão, igualmente restaria presente a incidência da justificante.
- OS REQUISITOS EXPLÍCITOS NO CÓDIGO PENAL
Consoante exposto no título anterior, a própria norma penal, no artigo 25 do Código Penal, atentou-se a trazer de maneira expressa o conceito legal de legítima defesa, sobretudo, de maneira clara, o fez narrando o modus operandi que se pretende legitimar, razão pela qual convém comentar adiante a respeito de cada um destes requisitos normativos.
3.1 O uso moderado
A moderação dos meios necessários é figurado como o primeiro requisito a ser citado no texto legal, destacando-se que, caso haja o cenário de legítima defesa, e ainda que se use dos meios necessários, haverá a possibilidade de quem se defender incidir no excesso. Daí se tem a importância de entender o que vem a ser a moderação, que, nas palavras de Pacceli (2016, p. 241): “reflete a intensidade com a qual o meio é utilizado”.
Assim, consoante ensinado por Fragoso (2006, p. 229), empregar moderadamente os meios necessários significa usar os meios disponíveis na medida em que são necessários à agressão sofrida, tendo em vista a gravidade da agressão em consonância com as opções de que dispunha o agredido.
Insurge salientar que a moderação diz respeito à intensidade dada pelo agente no emprego dos meios na defesa, podendo ser estes quaisquer instrumentos, inclusive a própria força humana, destacando-se que nestes meios há uma possível escala de intensidade, de modo que se exige que aquele que estiver no exercício da defesa não permita que a reação cresça em intensidade além do razoavelmente exigido pelas circunstâncias do caso concreto (TOLEDO, 1994, p. 204).
Ressalta-se, nas lições de Masson (2015, o. 502-503), que, para aferir a moderação, no julgamento do caso, o magistrado deverá comparar o comportamento do agredido levando-se em conta o perfil do homem médio, ou seja, alguém com inteligência e prudência comum à maioria da sociedade, pois a análise da moderação não é rígida, baseada em critérios matemáticos ou científicos, mas sim, considerando-se a natureza da agressão, juntamente à relevância do bem ameaçado, além do perfil de cada um dos envolvidos e as características dos meios empreendidos.
Por conseguinte, a fim de que se verifique se o uso do meio necessário foi moderado, mister é que se analise o marco, qual seja, o momento em que o agente logrou cessar a agressão contra si praticada, de modo que o que se fizer após este marco, notadamente se terá por excesso (GRECO, 2017, p. 484-485).
Um conceito razoavelmente eivado de certo subjetivismo, mas que reflete uma eficaz maneira de se analisar o caso concreto, a fim de se verificar a moderação, é o mencionado por Zaffaroni e Pierangeli (2006, p. 501), quando lecionam que a defesa não pode ser condicionada de modo que afete mais a coexistência do que a agressão em si, restando-se assim, portanto, a moderação na defesa.
3.2 Os meios necessários
Outro requisito exposto no texto legal é a questão dos meios necessários. Verifica-se que não basta apenas usar de moderação, mas também requer que, na legítima defesa, os meios devam ser necessários, utilizando-se, como dito, de forma moderada.
Assim, tem-se que necessários são os meios suficientes e indispensáveis ao exercício eficaz da defesa (BITENCOURT, 2012, p. 241), ou seja, são aqueles que o agente tem à sua disposição para repelir a agressão (MASSON, 2015, p. 501).
Todavia, é certo que no caso de haver mais de um bem à disposição do agente, será tido como necessário o menos lesivo, desde que já suscetível a garantir a proteção do bem jurídico agredido, consoante o entendimento de Pacceli (2016, p. 241), azo em que acrescenta uma citação de Fernando Capez:
“A necessidade do meio não guarda relação com a forma com que é empregado. Interessa apenas saber se o instrumento era o menos lesivo colocado à disposição do agente no momento da agressão”, pois a maneira e intensidade com que foi utilizado.”
Neste ínterim, exposto o entendimento acerca dos meios necessários, surge a possibilidade tratada ainda por Pacceli (2016, p. 241), de haver o confronto da situação em que o meio empregado é necessário, entretanto, usando-se de forma desmedida, logo, resultando em excesso, destacando-se ainda a possibilidade do inverso: quando o meio utilizado foi o menos adequado, porém se utilizou em moderação, caso em que o autor supracitado entende por não ser afastada a legítima defesa.
Destaca-se ainda que, na possibilidade de haver apenas um único meio disponível ao agente, ainda que superior ao do agressor, entende Bitencourt (p. 919-920) que o meio será necessário, ressaltando-se, entretanto, que nesta hipótese, a análise da moderação do emprego deverá ser mais exigente, ajustada às circunstâncias, que deve ser determinada pela intensidade real da agressão e a forma do emprego e o uso dos meios utilizados.
Ademais, urge observar que da mesma forma em que na moderação não se exige a análise milimétrica, na utilização dos meios necessários também se exime de empregar tanto rigor, visto que a escolha dos meios deve obedecer os reclamos da situação concreta, omitindo-se de uma proporção mecânica entre os bens em conflito, caso em que se o meio for o único à disposição para repelir a agressão, este pode ser desproporcional, desde que empregado moderadamente (MASON, 2015, p. 501-502).
Acerca do tema, conveniente se verifica transcrever Bento de Faria, citado por Masson (2015, p. 502):
“O homem que é subitamente agredido, não pode, na perturbação e na impetuosidade da sua defesa, proceder a operação de medir a sangue frio e com exatidão se há algum outro recurso para o qual possa apelar, que não o de infligir um mal ao seu agressor; se há algum meio menos violento a empregar na defesa, se o mal que inflige excede ou não o que seria necessário à mesma defesa. É preciso considerar os fatos como eles ordinariamente se apresentam, e reconhecer as fraquezas inerentes à natureza humana, não se exigindo dela o que ela não pode dar.”
Ademais, resta salientar ainda as lições de Assis Toledo (1994, p. 201), quando trata dos meios necessários, oportunidade em que entende que o emprego da arma de fogo – comumente utilizada nos cenários fictícios da legítima defesa -, desde que não para matar, mas ferir ou amedrontar, pode ser considerada, a depender do caso, o meio disponível menos lesivo – eficaz, portanto -, logo, necessário, visto que a utilização da arma de fogo não tem por consequência lógica a descaracterização de meio necessário, sobretudo quando não utilizada em sua potencialidade.
3.3 A agressão injusta
Do comando do artigo 25 do Código Penal, verifica-se presente ainda mais um requisito além da moderação no uso dos meios necessários, que é a agressão injusta. Ressalta-se que o texto legal trouxe a expressão “injusta”, logo, não se trata de qualquer agressão, visto que, logicamente se deduzindo, haverá agressões justas, tais como a própria legítima defesa.
Diante disso, resta forçoso definir o que vem a ser uma agressão injusta, a qual, nas palavras de Pacceli (2016, p. 238), é toda lesão ou colocação em uma situação de perigo posto por alguém contra um interesse jurídico alheio cuja proteção é dada pelo ordenamento jurídico, ou, conforme Fragoso (2006, p. 228), “é injusta a agressão que o direito não autoriza nem permite e que o agredido não está obrigado a suportar”.
É de suma importância observar o entendimento concernente à agressão, no sentido de que esta não necessita de sua realização na forma dolosa, pouco importando se é intencional ou se presente o dolo eventual, razão pela qual se considerará como agressão mesmo os decorrentes de comportamento culposo, até quando praticado por um inimputável, pois a agressão deve ser vista de maneira objetiva, desvinculada da real intenção do autor, sendo irrelevante o elemento subjetivo deste ou se este tinha a consciência de produzir algum dano ao agir injustamente. Isso ocorre pois o direito básico e natural de autopreservação é o que se busca neste instituto, motivo por que se permite a legítima defesa contra quem se tem excluído a culpabilidade, tais como na coação irresistível ou na obediência hierárquica (PACCELI, 2016, p. 238-239).
Imperioso salientar ainda que a agressão não necessita ser um ilícito penal, haja vista que o texto legal não faz essa restrição, bastando-se que seja um ilícito, que pode ou não ser penal (BITENCOURT, 2012, p. 913), sendo suficiente que o agredido não esteja obrigado a suportá-la, tal como o furto de uso ou o dano culposo, que são ilícitos civis (MASSON, 2015, p. 506).
Portanto, relevante considerar que, conforme mencionado por Wezel:
“O conceito de antijuridicidade da agressão deve ser entendido em sentido não-técnico. Não há de ser visto desde o agressor, mas sim desde o agredido. Não concerne ao desvalor da ação de agressão, mas sim ao desprestígio do fato, que o agredido não tem por que tolerar (2003, p. 141).”
Todavia, compreendendo-se os pensamentos supracitados, causa-nos a imaginar a possibilidade de, por exemplo, uma criança dar causa a uma agressão injusta, ocasião em que nos resulta a cogitar se de fato o mesmo será aplicado.
Neste diapasão, GRECO (2017, p. 489) leciona que, apesar de o ataque de inimputáveis não ser protegido pelo ordenamento jurídico, o caso requer um tratamento diferenciado, visto que, embora pudesse o agredido repelir a agressão em legítima defesa, este deve escolher a forma de repulsa que cause o menor dano possível, ou mesmo desconsiderar a agressão, mormente em vista de que, neste caso, não estaria o agente se comportando como um pusilânime ou um covarde, nas palavras do citado Hungria.
Assim, conveniente, todavia, se faz discutir as lições de Assis Toledo (1994, p. 196-197), quando, ao tratar acerca das agressões dos inimputáveis, traz à baila a possibilidade de estes praticarem agressões injustas, quando exprimem perigos reais, como no caso dos adolescentes infratores, que, em que pese inimputáveis, oferecem os mesmos riscos dos imputáveis, caso em que o agente só poderá causar lesão ao agressor se aquele não puder deste se afastar sem que haja o abandono do interesse ameaçado, ou seja, deve-se evitar uma defesa ofensiva, a não ser que seja esta a única forma de defesa.
A despeito, convém ainda tratar acerca de outras possibilidades de agressão que podem ocorrer no caso concreto, tais como a possibilidade de se ter uma agressão injusta praticada por uma pessoa jurídica ou por uma multidão.
De forma muito clara, as possibilidades supracitadas são tratadas por Masson (2015, p. 506), sendo de seu entendimento a admissibilidade da legítima defesa nestas duas ocasiões, haja vista que, relativa à pessoa jurídica, é certo que esta exterioriza sua vontade por meio de condutas humanas, logo, permitindo-se agressões injustas. Na oportunidade, é citado o exemplo do agente que em legítima defesa, destrói o sistema de som, que lhe imputava agressões quanto à sua honra, injusta, portanto. Concernente à legítima defesa contra a multidão, entende Masson que pouco importa se a agressão é individualizado ou não, bastando que seja injusta, atual ou iminente.
3.3.1. A relação entre a provocação e a agressão
Quando se trata da agressão injusta no contexto de legítima defesa, muito se fala da provação, que, por vezes, se confunde com a agressão em razão de suas peculiaridades similares, de maneira que estas seguem muito próximas num contexto fático.
Por conseguinte, este tema é tratado em diversas doutrinas quando adentrado à seara da legítima defesa. Neste ínterim, Fragoso (2006, p. 228) ensina que a provocação não exclui a injustiça da agressão, sendo possível, entretanto, a utilização da provocação como meio de se criar pretexto para a prática de crime, ocasião em que inexistirá legítima defesa, bem como não haverá legítima defesa ao provocador se a provocação em si constitui a própria agressão, ocasião em que a resposta, nos moldes da legislação, ter-se-ia como descriminante.
Na mesma esteira é o entendimento de Aníbal Bruno (2005, p. 236), para quem a provocação do agredido não tira a legitimidade à defesa, pois:
“Não seria conforme ao Direito que a provocação inicial do agente o reduzisse a ficar sem defesa, à mercê de toda violência do agressor. Nesse caso, a provocação pode valer com atenuante, mas não justifica a violência da agressão. É necessário, porém, que a provocação não tome o caráter de verdadeira agressão, porque, então, o outro, que agride, estaria em situação de legítima defesa e esta já não poderia caber ao provocador, uma vez que não há legítima defesa contra legítima defesa.”
Assim, é certo que não se dá para confundir provocação não intencional com a agressão, haja vista que, apesar de haver a possibilidade de a provocação ser uma agressão, nem sempre esta será aquela, razão em que sendo meramente provocação, não se deverá supervalorizá-la, de maneira que o revide seja superior ao nível e grau da provocação, hipótese em que se terá por agressão injusta, culminando ao provocador a oportunidade de legitimamente se defender, caso não seja, notadamente, a provocação um mero pretexto para o crime (TOLEDO apud GRECO, 2017, p. 481).
A despeito, conveniente citar ainda o ensinamento, com o brilhantismo que lhe é comum, de Nelson Hungria (GRECO, 2017, p. 482), quando ao tratar da provocação relativa à agressão injusta, observa-se que a injustiça da provocação requer seja observada de maneira objetiva, ou seja, não conforme a opinião de quem reage, mas sim, orientado pela opinião geral, notadamente, todavia, sem descartar as qualidades dos agentes, concernentes às condições de vivência, nível de educação, seus legítimos melindres. Entretanto, não será justificado o estado de hiperestesia sentimental dos alfenins e mimosos, visto que faltará objetividade da provocação, se esta não resultar numa indignação do homem médio. Ou seja, somente uma agressão injusta abrirá possibilidade de o ofendido se defender legitimamente orientado pelos limites legais.
3.3.2. A agressão por omissão
É de relevante importância destacar ainda considerações a despeito da ação da agressão injusta, que, em que pese nos transmitir a ideia de ação ofensiva de maneira ativa, mister é salientar que não necessariamente o será, haja vista que poderá ocorrer também pela omissão.
Nessa esteira é o escólio de Hans Wezel (2003, p. 141), para quem a “agressão é, em princípio, um comportamento positivo, impuro desfazer, contudo, agressão é também a concretização (realização) de um delito de comissão mediante omissão.”
Portanto, não é importante a maneira em que se manifesta a agressão, haja vista que relevante é que nela se contenha um dano potencial ao bem jurídico tutelado, podendo ocorrer no caso em que uma omissão de quem tem o dever jurídico de agir e não o faz (ANÍBAL, 2005, p. 235).
No mesmo sentido entende Pacceli (2016, p. 238), ao citar o claro exemplo de um carcereiro que tem o dever de agir mas se omite a soltar o preso, em que pese decorrido o tempo de cumprimento de pena, negando-se à ordem de soltura, sendo esta, portanto, uma omissão que se torna uma agressão injusta ao preso, que poderá, com as adequações ao caso concreto, atuar em legítima defesa.
3.4. A atualidade ou iminência da agressão
A agressão iminente ou atual é outro fator que se extrai do expresso no texto legal do artigo 25 do Código Penal, de modo que, não basta que haja uma agressão injusta, é mister, ainda, que esta seja atual ou iminente, a fim de que se garanta o exercício da legítima defesa nos termos legais.
Diante disso, forçoso reconhecer que, subsidiariamente à “atual ou iminente”, ou seja, não o sendo, só haverá logicamente duas hipóteses: ou a suposta agressão já ocorreu, portanto, é uma agressão passada, ou é uma agressão futura, no caso, há uma expectativa de agressão, ressaltando que, em ambos os casos, não será considerada a legítima defesa.
Nesse sentido, verifica-se o escólio de Fragoso (2006, p. 229):
“Não é atual a agressão que já terminou, com a consumação do ataque ao bem jurídico, salvo se este prolatar (como nos crimes permanentes). Não é iminente a agressão quando há apenas ameaça de acontecimento futuro. Através da legítima defesa qualquer bem jurídico pode ser protegido. A agressão pode, assim, dirigir-se contra bem jurídico de qualquer natureza, sendo irrelevante que pertença ao agente ou a terceiro, podendo tratar-se inclusive da coletividade ou do Estado.”
Portanto, atual é a agressão que é iminente ou ainda persiste, salientando que a agressão persiste ainda que depois de sua formal consumação, tanto tempo quanto intensificada, logo, admitindo-se a legítima defesa, por exemplo, contra quem foge com um bem furtado (WEZEL, 203, p. 142). Observa-se que, neste caso, a agressão não cessou, mas sim está se intensificando, logo, ainda persiste. Assim, conforme Hungria (1998, p. 292): “a atualidade ou iminência da agressão é que serve de medida única à necessidade da defesa”. Por conseguinte, mesmo que se tenha dado a lesão, procede a defesa, caso persiste o perigo de o dano agravar, perdurando-se enquanto houver a consumação, tal como nos crimes permanentes (BRUNO, 2005, p. 237).
No mesmo sentido é o que entende Pacceli (2016, p. 239), para quem a legítima defesa só subsistirá enquanto durar a ameaça que a autoriza, azo em que acrescenta ainda o exemplo, em que, caso o agredido fuja do local, arme-se e volte a fim de agredir seu agressor, não se vislumbrará a legítima defesa, visto que não é mais uma ação defensiva.
Destarte, enquanto se mantém a agressão, a legítima defesa tem lugar, haja vista que esta não é explicada pela vingança ou o medo, mas sim pela necessidade de defesa urgente e efetiva do bem ameaçado (BRUNO, 2005, p. 237), considerando que se assim não o fosse, seria um convite ao duelo no caso da agressão futura, ou pretexto para vingança, no caso de agressão passada, casos em que seria desestimulada a procura pela autoridade pública para se tutelar os direitos (MASSON, 2015, p. 500).
Todavia, é importante ressaltar que a iminência da agressão não necessariamente está ligada a um período de tempo, mas sim à ideia de que o agressor pode, quando quiser, realizar a agressão num cenário que transmite a inequívoca intensão do autor, como no caso em que se é abordado por um terceiro com uma arma de fogo em punho, mas este não atira, embora o possa fazer a qualquer momento. A respeito, lecionam Zaffaroni e Pierangeli:
“A situação não muda pelo fato de que demore cinco segundos ou cinco horas para disparar. Algo semelhante acontece com as gravações de conversas comprometedoras, ou as filmagens de cenas da mesma índole, para fins extorsivos. A destruição das fitas ou películas é um ato de defesa, mesmo quando o sujeito não tenha iniciado sua ação extorsiva. Na doutrina alemã, estes casos têm sido chamados de “antecipação de defesa”. Dentro da nossa lei, cremos ser equívoca tal terminologia, porque se admite perfeitamente como consequência do emprego da palavra “iminente” (2006, p. 499).”
Com relação à agressão futura, vislumbra-se na doutrina apontamentos que merecem atenção em razão de suas peculiaridades práticas, quando tratam dos réus cuja liberdade de locomoção encontram-se restringidas no cumprimento de pena. Concernente ao caso é a lição de William Douglas, citado por Greco (2017, p. 486)
“Com quase simplismo, rejeita-se a justificante em tela como amparo às pessoas citadas, por não existir agressão atual ou iminente, mas futura. Os réus perdem, assim, tese absolutória preciosa, máxime diante da ainda, por incrível que pareça, rejeição de alguns juízes em quesitar a inexigibilidade. E tais réus são, aqui, quase vítimas duas vezes: porque quase foram mortos e porque, ao se defenderem como podiam, adquiriram tão indesejável status processual. Não há, definitivamente, agressão futura. Utilizando analogia com a condição e o termo, do Direito Civil, na agressão futura há condição, ou seja, evento futuro e incerto. No campo da legítima defesa, o evento (aqui, agressão) será incerto ou por não se ter dele suficiente convicção, ou pela possibilidade de ser buscado auxílio da autoridade pública com razoável possibilidade de sucesso no atendimento. Na agressão, condição para a legítima defesa preventiva, o evento é futuro e certo. A certeza decorre das circunstâncias particulares de cada caso, a serem analisadas de acordo com os ensinamentos da Teoria da Prova. Existem como termo inicial a ameaça (suficientemente idônea, ou seja, mais atrevido aviso que ameaça), como termo final o início da agressão (quando os meios de defesa do agredido, por sua inferioridade, não poderão alcançar êxito), um prazo em que a agressão já deve ser tida como iminente (ao menos psicologicamente) e o exercício da defesa antecipada um meio absolutamente necessário.”
Portanto, vê-se que a diferença entre agressão atual ou iminente tem suas peculiaridades que lhes colocam numa linha tênue, haja vista a necessidade de se considerar, assim, na agressão iminente, a certeza de que acontecerá quase que imediatamente, de maneira que se impeça o auxílio pela força estatal legitimamente instituída.
3.5. Da defesa do direito próprio ou alheio
Nos moldes preteritamente estabelecidos, ou seja, desde que haja uma agressão injusta atual ou iminente, pode-se usar de maneira moderada dos meios necessários para se garantir a defesa legítima, não só dos direitos próprios, mas também de terceiros, motivo por que mister se faz esclarecer apontamentos a respeito destes direitos, sobretudo, de terceiros.
É assente na doutrina que é possível a defesa do direito alheio, desde que presente um requisito implícito da norma, concernente à natureza jurídica do bem tutelado que se quer defender.
Diante disso, mister se faz a verificação pelo agente que atuará na defesa alheia, relativa à natureza do bem jurídico do terceiro agredido, se este é um bem disponível ou indisponível, caso em que, se for disponível, como o direito à honra, no caso de uma agressão verbal, necessário será o consentimento do ofendido, o que não será, por óbvio, no caso de o agente defensor vislumbrar a situação em que um homem armado está prestes a atirar em alguém com a arma em punho, visto que o direito à vida é um bem jurídico indisponível. Salientando-se que, se houver uma agressão a um bem jurídico disponível e mesmo assim o agente age em defesa de terceiro, sem o consentimento, este incidirá em legítima defesa putativa (MASSON, 2015, p. 507-508).
No mesmo sentido é o que entende Pacceli:
“Ressalte-se, contudo, que a legítima defesa de direito alheio somente será possível nos casos em que o direito afetado é indisponível. Caso disponível seja, à defesa somente será exigido o consentimento do ofendido. A título de exemplificação: “A” percebe que “C” está camuflado, a fim de surpreender “B” e, dessa forma, assassiná-lo com golpes de faca. “A” saca seu revólver e fere “C” antes que este consumasse o delito. Nesse exemplo, temos uma legítima defesa de terceiro, praticada por “A” em favor de “B”. Diferente seria a seguinte situação: “A” percebe que “C” está furtando laranjas do pomar de “B”, plenamente capaz, o qual presenciou o fato e quedou inerte. “ A”, indignado com tal situação, atira uma pedra em “C”, que cai da árvore e foge. Nesse caso, não se tratava de um direito indisponível de “B”, mas sim de um direito patrimonial, que a vítima, podendo dispor como bem entender, resolveu consentir com a subtração. Logo, não estamos diante de um caso de legítima defesa (2016, p. 240).”
Salienta-se que, conforme Aníbal Bruno (2006, p. 238), no caso da defesa do direito alheio, não é relevante o ponto de vista do terceiro agredido, quanto à sua consciência de perigo ou intensão de se defender, como no exemplo supracitado em que o agressor está prestes a surpreender a vítima com a arma em punho, oportunidade em que se poderá agir em defesa da vítima ainda que esta não tenha consciência da agressão.
Neste ínterim, considerando a possibilidade de defender o direito alheio, Zaffaroni e Pierangeli (2006, p. 503) tratam de uma possibilidade extensiva deste instituto que é defender o próprio Estado, para quem cabe legítima defesa quando relativa à existência do Estado, citando-se ainda o exemplo do indivíduo que, durante uma invasão ao seu país que está em guerra, ceifa a vida do inimigo invasor mesmo não fazendo parte das forças armadas, o que não ocorre, todavia, quando concernente ao regime político de Estado, visto que este deve se defender por meio das instituições estabelecidas.
Outro fator importante a ser destacado, concernente à defesa do direito alheio, foi a inclusão do parágrafo único ao artigo 25 do Código Penal, cuja redação se deu por meio da lei 13.964 de 2019 – pacote anticrime –, in verbis:
“Parágrafo único. Observados os requisitos previstos no caput deste artigo, considera-se também em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes.”
Vislumbra-se que a redação supracitada tratou de um cenário cuja legítima defesa já restaria presente, haja vista o aparente cumprimento dos requisitos objetivos e subjetivos, razão pela qual se conclui, conforme o entendimento de Cunha (2020, p. 323), que a inclusão foi meramente exemplificativa, a fim de melhor amparar o entendimento acerca desta justificante, notadamente direcionado aos atores da segurança pública frente ao judiciário.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Consoante se vê do presente artigo, conclui-se que a legítima defesa é um instituto longínquo no ordenamento jurídico, haja vista ser o reflexo do instituto humano de se defender quando em uma situação de perigo, razão por que se tem o amparo a este instituto no artigo 25 do Código Penal Brasileiro.
Ela está consubstanciada na ideia de garantir que, na ausência do Estado (destacando-se que mesmo presente, o agente não tem o dever de buscar ajuda ou de fugir), o agredido possa se defender por conta própria, haja vista que, in casu, esta, além de garantir o direito de não suportar o injusto, também será um meio de desestimular agressões, a fim de contribuir para a ordem e a segurança pública.
Assim, a legítima defesa tem o condão de justificar uma reação do agente, que, no intuito de se defender de uma agressão, lesiona o bem jurídico do agressor em detrimento de seu bem tutelado pelo direito.
Neste ínterim, esta reação deve seguir parâmetros elencados no código penal, com a finalidade de garantir que esta descriminante não ultrapasse o escopo pretendido pelo legislador e acabe exercendo a justificação para a prática de barbáries frente a uma lesão que pode ser ínfima.
Por conseguinte, a agressão da qual se pretende defender deve ser uma agressão injusta, de forma que o agente não seja obrigado a suportar, haja vista seu caráter injusto, bem como mister é que esta seja iminente ou não acabada, ou seja, desde que a agressão possa ocorrer a qualquer momento, ou mesmo que esta formalmente tenha ocorrido, mas perpetua o agravamento pelo tempo, ocasião em que ainda se verificará oportuno a legítima defesa.
Destarte, sendo a agressão nos moldes elencados, verificar-se-á presente a possibilidade legítima de se defender, devendo-se utilizar para tanto um meio necessário, e por este entende-se como o meio eficaz e suficiente para repelir a agressão, salientando que caso haja um único meio à disposição do agente que garanta a defesa do bem jurídico, considerar-se-á este como o necessário.
Ademais, cumprido os requisitos supramencionados, não será suficiente que se utilize dos meios necessários, pois também requer sejam estes utilizados de maneira moderada, ou seja, deverá ser utilizado até que a agressão injusta seja cessada, pois, caso não o seja, restará presente a figura do excesso, doloso ou culposo.
Portanto, verifica-se que a legislação pátria fornece aos jurisdicionados meios subsistentes de garantir a própria defesa, de maneira que se excluirá a antijuridicidade da ação, e, por conseguinte, se excluirá o crime, a fim de se garantir que prevaleça a justiça e os bons costumes, defendendo-se não só o agredido, como também terceiros que se verifiquem presentes numa situação de agressão.
REFERÊNCIAS
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GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral, volume 1. – 19.ed. – Niterói, RJ: Impetus, 2017.
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NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. – 17. Ed. Ver., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2017.
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TOLEDO, Francisco de Assis, 1928. Princípios básicos de direito penal: de acordo com a Lei n. 7.209, de 11/07/1984 e com a Constituição Federal de 1988. – 5. Ed. – São Paulo: Saraiva, 1994.
WELZEL, Hans. Direito Penal. Campinas: Romana, 2003.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro, volume 1: parte geral. – 6. Ed. Ver. E atual. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.
[1] Acadêmico do 10º período do Curso de Direito no Centro Universitário São Lucas/Ji-Paraná. E-mail: [email protected]
[2] Professor orientador do Centro Universitário São Lucas, Graduado em Direito pelo CEULJI/ULBRA. E-mail: [email protected].