Fazer sexo com cadáver é crime? A impossibilidade da aplicação do art. 212 do Código Penal Brasileiro para os casos de necrofilia

Resumo: O presente artigo tratará do crime inscrito no art. 212 do Código Penal Brasileiro, vilipêndio ao cadáver. Englobando a discussão acerca da impossibilidade da aplicação deste artigo penal aos casos de necrofilia, bem como da necessária finalidade específica para caracterização de tal crime. Ainda, tratar-se-á da possível inimputabilidade dos necrófilos. Na elaboração do artigo foram usadas doutrinas de elevado valor científico, que orientam o leitor acerca de tão intrigante tema.

Palavras-chave: Vilipêndio. Necrofilia. Inimputabilidade.

Resumen: El presente artículo tratará del crimen inscrito en el art. 212 del Código Penal Brasileño, vilipendio al cadáver. En el marco de la discusión sobre la imposibilidad de la aplicación de este artículo penal a los casos de necrofilia, así como de la necesaria finalidad específica para caracterización de tal crimen. Se tratará de la posible enemputabilidad de los necrófilos. En la elaboración del artículo se utilizaron doctrinas de alto valor científico, que orientan al lector acerca de tan intrigante tema.

Palabras-clave: Vilipendio. Necrofilia. Enemputabilidad.

Sumário: Introdução. 1. Conceituação de necrofilia; 2. Necrofilia deve ser punida com o art. 212 do Código Penal?; 3. Inimputabilidade do necrófilo; Conclusão.

Introdução

O tema proposto na presente pesquisa tem relevância para o direito criminal no que tange a necessária diferenciação da conduta criminal e a correta aplicação da penalidade imposta pelo Código Penal.

A prática do ato em comento, por óbvio é repugnante perante a sociedade, merecendo com plena certeza, a rejeição coletiva e a penalidade necessária.

É cediço que a defesa de tal posição, qual seja, a impossibilidade da aplicação do crime de vilipêndio ao cadáver para os casos de necrofilia, seja minoritária no direito pátrio, mas a discussão, aprofundamento e pesquisa sobre tal tema é de grande importância para os operadores do direito, para o melhor entendimento das situações em que se aplica o art. 212 do Código Penal.

É imperioso, que a necrofilia seja considerada uma doença, desta maneira seu praticante, seja considerado inimputável perante o judiciário brasileiro e havendo o afastamento da aplicação do art. 212 do C.P, necessitando a este dispor de tratamento psicológico e não as masmorras do sistema prisional.

Contudo, a presente pesquisa, visa demonstrar de forma breve a necessidade imperiosa, para enquadramento do crime de vilipendio ao cadáver aos praticantes de necrofilia, da vontade destes, em ultrajar a memória do falecido. Pois se ao contrário for, haveria a necessidade da inaplicabilidade do crime de vilipêndio ao cadáver para os necrófilos.

O presente trabalho usará como método dialético, cujas conclusões serão feitas a partir de comparações de teses, doutrinas, jurisprudência e na seara jurídica.

1.Conceituação de necrofilia

Necrofilia é originária da palavra grega “nekros (morto), philos (amante), exprime a obsessão ou perversão doentia de ter relações sexuais com cadáveres.” (SILVA, 2014).

Prática esta, socialmente repudiada, em que o agente praticante obtém excitação e prazer sexual com uma pessoa já falecida, na definição de Abreu (2005, p. 20) em que discorre ainda do alto grau de distúrbio e transtorno psicológico.

O Código Penal Brasileiro trata deste tema, quase no seu final, no art. 212:

“Art. 212. Vilipendiar cadáver ou suas cinzas:

Pena – detenção, de um a três anos, e multa”.

Vilipendiar no contexto penal é entendido como “condutas de aviltar, envilecer, menosprezar, menoscabar, depreciar, desprezar, afrontar, ofender, insultar, ultrajar ato ou objeto religioso” Bitencourt (2009). O mesmo entendimento tem outros doutrinadores, a citar GRECO[1].

2.Necrofilia deve ser punida com o art. 212 do Código Penal?

Com exposto, vem à baila, o questionamento, de que se é possível enquadrar o sexo com cadáver em algumas das hipóteses acima? Majoritariamente a doutrina e a jurisprudência acenarão positivamente, e as mesmas ainda discutirão da necessidade ou não de um dolo específico para o tipo penal em comento. Visto, que Rogério Greco (2015) defende que o simples fato (sexo com cadáver) já caracteriza o crime do art. 212, por outro lado, Nucci (2011) afirma ser “necessário a vontade de ultrajar a memória do morto” e ainda, corroborando com este último, Masson (2014) apoia a necessidade em o agente ter vontade em ofender ou desprezar o corpo do falecido.

Em sendo necessária uma finalidade específica, qual seja, a vontade de ultrajar o de cujus, pode-se concluir que:

“Aqueles que, por sentir apenas prazer (ou ter a necessidade, no caso dos necrófilos) transar com cadáver, por exemplo, não tendo qualquer intenção de prejudicar a imagem do falecido, não estaria cometendo o delito em comento, pois ausente estava um elemento componente do fato típico (que, apenas para recordar, na teoria analítica, juntamente com o fato ilícito e culpável, completaria o conceito de crime). COSTA (2015)”

Com isso, quando o sujeito transar com cadáver apenas para satisfazer seu prazer sexual, sem, contudo, ter o objetivo de ofender o morto, não caracterizaria o crime de vilipêndio ao cadáver, tornando-se o ato de necrofilia, quando enquadrado no art. 212 do Código Penal, atípico. Fazer sexo com cadáver é crime para grande maioria dos atores do direito penal, enquadrando-se perfeitamente no artigo em comento, independente da vontade do sujeito à esta prática tão rejeitada, acertadamente, pela sociedade.

Por outra banda, há estudiosos, como os já citados anteriormente, que defendem além da prática sexual, a necessidade uma intenção específica de ofender o morto ou sua família para a configuração do crime de vilipêndio ao cadáver. Sendo esta última, a posição aqui defendida “pois sem a intenção de aviltar a imagem do falecido, não estaria caracterizado o núcleo do tipo, qual seja, vilipendiar” COSTA (2015).

3.Inimputabilidade do necrófilo

Em tempo, é possível aludir ainda a inimputabilidade penal do necrófilo, de acordo com o disposto no artigo 26 do Código Penal Brasileiro, in verbis:

“É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”.

O direito brasileiro utiliza o mesmo argumento jurídico para definir a inimputabilidade em alguns casos de parafilias sexuais, já que a Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID 10 (Organização Mundial da Saúde – 1993) descreve a pedofilia, zoofilia e a necrofilia como parafilia ou transtorno de preferência sexual.

A psiquiatria forense no direito criminal considera a prática de necrofilia como uma perturbação de saúde mental e consequentemente o sujeito se torna semi-imputável, confirmando, Moscatello (2010) em que o indivíduo era capaz de entender o caráter criminoso do fato e era parcialmente ou incapaz de determinar-se de acordo com esse entendimento (perda do controle dos impulsos ou vontade).

A semi-imputabilidade é a redução da capacidade de compreensão ou vontade do indivíduo e sendo constatada, o juiz poderá reduzir a pena de 1/3 a 2/3 ou impor medida de segurança e para a aplicação desta é necessário que o laudo de insanidade mental indique como recomendável essa opção (GOMES, 2007).

Dispõe o artigo 26, parágrafo único do CP:

“Art. 26. (…)

Parágrafo único: a pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”.

Por fim, Greco (2010) cita a necrofilia como um dos transtornos sexuais que podem levar o indivíduo a graves crimes sexuais, e desta maneira caracterizando a possibilidade de inimputabilidade para os necrófilos, afastando a aplicação do crime de Vilipêndio ao cadáver para os casos de necrofilia.

CONCLUSÃO

Dos estudos em análise, pode-se concluir de que o debate sobre o tema em questão é deveras controverso, com posicionamentos doutrinários divergentes, mas com jurisprudência demasiadamente consolidada no sentido da aplicação do crime de vilipêndio ao cadáver para as pessoas consideras necrófilas, estas podendo, com apoio de laudo pericial, serem consideradas inimputáveis, afastando assim a tipicidade criminal e aplicando o tratamento adequado para tal parafilia.

O crime em análise é sem dúvida repugnante e deve ser penalizado, mas o entendimento que se defende aqui, é de que o sujeito praticante de tal anomalia, seja penalizado da forma mais justa e necessária, tendo em vista que apenas segregar sua liberdade, não resolverá o problema. Apenas irá mitigar temporariamente.

Por fim, é crível a impossibilidade do Estado em aplicar o art. 212 do C.P nos casos de necrofilia e olvidar para a correta aplicação nos casos e sujeitos necrófilos.

 

Referências
ABREU, Ilídia Piairo de. Delitos sexuais. 2005. Disponível em: http://www.psicologia.pt/artigos/textos/TL0042.pdf Acesso em: 28 ag. 2017.
BITENCOURT, César Roberto. Código Penal Comentado (5ª edição, atualizado). São Paulo/SP: Editora Saraiva, 2009.
COSTA, Vitor Castro. Sexo com cadáver é crime?. 2015. Disponível em: https://vitorcastrocosta.jusbrasil.com.br/artigos/215026612/fazer-sexo-com-cadaver-e-crime Acesso: 04 set 2017.
GOMES, Luiz Flávio. Qual a consequência da inimputabilidade. 2007. LFG.
GRECO, Rogério. Medicina Legal a Luz do Direito Penal e Processual Penal- 2010.
MASSON, Cleber. Código penal comentado. 2ª ed. São Paulo: Forense, 2014.
MOSCATELLO, Roberto. Pedofilia é doença passível de inimputabilidade. 2010. Consultor Jurídico. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2010-jun-10/pedofilia-doenca-mental-passivel-semi-inimputabilidade> Acesso em: 01set. 2017.
NUCCI, Guilherme. Manual de direito penal: parte geral e especial. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. Pág. 827.
SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 31ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
 
Nota
[1] “Vilipendiar deve ser entendido no sentido de menoscabar, aviltar, ultrajar, tratar com desprezo, sem o devido respeito exigido ao cadáver ou suas cinzas” (GRECO, 2012, p. 450).


Informações Sobre o Autor

Bruno Felipe Alves de Lima

Bacharel em Direito Faculdade Unisep Campus de Dois Vizinhos Pr. Bacharelando em Letras / Libras Unioeste


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