Resumo: O presente artigo cientifico objetiva elencar hipóteses legais em que os tribunais superiores STF e STJ autorizaram o aborto, e por conseguinte uma tendência de posicionamento no sentido de permitira interrupção gestacional. As causas que justificaram as decisões judiciais foram: Anencefalia, Síndrome de Body Stalk e primeiro semestre de gestação fetal. Ressalto que decisão plenária é apenas a referente a anencefalia, as demais são de turmas das cortes superiores.
Palavras chave: Aborto. Síndrome de Body Stalk. Anencefalia. Primeiro trimestre de gestação.
Abstract: The present scientific article aims to elenque legal hypotheses in which the superior courts STF and STJ authorized the abortion, and therefore a tendency of positioning in the direction of would allow gestational interruption. The causes that justified the judicial decisions were: Anencephaly, Body Stalk Syndrome and first semester of fetal gestation. I emphasize that a plenary decision is only about anencephaly, the rest are from upper court classes.
Keywords: Abortion. Body Stalk Syndrome. Anencephaly. First trimester of gestation.
Sumário: Introdução. Desenvolvimento. Conclusão. Referências.
Introdução
Sabe-se que a legislação penal brasileira autoriza expressamente o médico a fazer o procedimento abortivo na gestante com seu consentimento, nos casos dos art. 128, incisos I(aborto para salvar a gestante) e II(resultante de estupro), do Código Penal. Ocorre que, a jurisprudência pátria, nos tribunais superiores passou a admitir outras possibilidades de interrupção da gestação não previstas expressamente na lei. A permissão para a solução de continuidade da gestação gera diversas polêmicas. Para os favoráveis é um problema de saúde pública e dignidade da gestante. Aos que são contrários há argumentos de ordem religiosa e de proteção da vida.
Desenvolvimento.
Aborto do feto anencefalo.
O aborto pode ser definido nos seguintes termos.
Aborto é a interrupção da vida intra-uterina, com a destruição do produto da concepção (MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal: parte especial. São Paulo: Atlas, 24ª ed., 2006, p. 62).
A jurisprudência dos tribunais superiores admite outros hipóteses que perpassam as disposições legais. Dentre elas podemos citar: Casos de anencefalia disposta na (ADPF 54-STF), hipóteses em que a gestação ainda não superou o primeiro trimestre de gravidez, ressalto aqui ser uma decisão da 1ª turma, e não do plenário (e na hipótese da Síndrome de Body Stalk (STJ. 3ª Turma. REsp 1.467.888-GO STJ).
No tocante a anencefalia temos o emblemático julgamento da ADPF 54.Tal patologia consiste em:
“malformação congênita, não possui uma parte do sistema nervoso central, ou melhor, faltam-lhe os hemisférios cerebrais e tem uma parcela do tronco encefálico (bulbo raquidiano, ponte e pedúnculos cerebrais)” DINIZ, Maria Helena. O Estado atual do biodireito. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 281.
Temos diversos argumentos que se digladiam objetivando a melhor solução para a celeuma de ser possível ou não o aborto. Citemos primeiramente os argumentos favoráveis a antecipação terapêutica do parto que prevaleceram no STF, por ocasião da decisão, que permitiu a interrupção da gravidez do feto anencefalo:
Conforme o art. 3º da lei 9434/97, o critério para se aferir se houve ou não aborto é a morte encefálica, confirmada por dois médicos que não integrem a equipe de transplante. Co efeito, como a criança não possui cérebro, não poderia sobreviver. Por não desenvolver cérebro ele não teria capacidade de vida extra-uterina. Sua morte seria certa, ocorrendo em poucas horas.
Alongar por nove meses a gestação representaria um sofrimento prolongado a gestante, eis que ela não poderia sonhar com o futuro ao lado do filho, mas apenas aguardar a gestação para sepultá-lo. Não projetaria um quarto com roupinhas de bebê, berço e demais adereços, mas um caixão e uma cova fúnebre para sepultar o natimorto em poucos dias.
Por outro lado, justifica-se a manutenção da gestação do feto anencéfalo sob o manto dos seguintes argumentos:
O feto já é vida a partir da concepção, leia-se, a partir do momento em que houve a fecundação do óvulo pelo espermatozóide.
A legalização do aborto do feto anacéfalo representa um primeiro passo a legalização do aborto no Brasil, como de fato vem ocorrendo em algumas situações excepcionais.
O aborto do feto anencéfalo não pode representar porta que se abre para a legalização de todos os casos de fetos com qualquer deficiência discreta. No começo do século XX fora medida eugênica de purificação de raça, típica de regimes totalitários, como o estado Nazista idealizado por Adolf Hitler contemplando a raça ariana, que extirpava deficientes físicos e mentais que não serviam guerra, prática comum no antigo exército espartano.
A interrupção da gestação é medida que coíbe a evolução científica do estudo da cura de doenças, pois sendo a gravidez interrompida, os estudos para se tentar formas alternativas de vida não evoluiriam. A cura para ou métodos alternativos de tratamento não seriam desenvolvidos. Os cientistas se furtariam a buscar um tratamento, eis que os fetos sequer iriam nascer.
Aborto no Primeiro trimestre de gestação
A despeito de toda a polêmica que circunda o tema, o STJ se filiou a jurisprudência do direito comparado no sentido de admitir a interrupção da gravidez no primeiro trimestre gestacional, leia-se feto com até 12 semanas de gestação. A razão científica para que se adote tal marco temporal é fato de que a formação do córtex cerebral e presença de consciência inicial é formada após terceiro trimestre. A partir desse momento se desenvolvem sentimentos e emoções do ser em gestação.
A evolução histórica da permissão da interrupção da gravidez se deu da seguinte forma: o primeiro país europeu a legalizar o aborto, com restrições, foi a Suécia, em 1938. Em um momento posterior veio a Finlândia (1950), as repúblicas bálticas Estônia, Lituânia e Letônia – (1955), Reino Unido (1967), Dinamarca (1973), França (1975), Itália (1978) e Holanda (1980).
Holanda e Finlândia, além de permitir a interrupção da gravidez, arcam com todas as despesas e oferecem abortos gratuitos seja qual for o motivo da interrupção da gravidez e em que tipo de centro ela seja realizada. Além de permitir tal procedimento tais países pagam o procedimento para a gestante que deseje realizar, fazê-lo.
No julgamento do HC 124306/RJ, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 29/11/2016. Informativo 849, o STF decidiu pela inexistência de delito de aborto com consentimento da gestante, por ter ocorrido a interrupção da gestação no primeiro trimestre. Ressalto que a manifestação pertinente ao aborto não era o mérito da decisão “ratio decidendi”, mas apenas uma questão incidental “obter dictum” a ser apreciada. Objetivou-se saber se havia efetivamente a prática do delito apta a justificar a prisão preventiva dos imputados. Inobstante isso, temos que ressaltar que é uma corrente de pensamento bastante aquecida do âmbito da Suprema Corte.
Aborto e Síndrome de Body Stalk
A síndrome de Body Stalk (Body StalkAnomaly) ou cordão curto inviabiliza a vida extra-uterina, eis que não há cordão umbilical e a parede abdominal da criança não se fecha. Desse modo, os órgãos da região abdominal da criança ficam expostos, não sendo possível ela sobreviver. O parto pode trazer diversos traumas físicos e psicológicos a gestante.
A Patologia ora mencionada não está prevista dentre as hipóteses do artigo 128 do Código Penal, e nem se encaixa no conceito de anencefalia decidido pelo pleno do STF. É mais uma hipótese de abertura jurisprudencial de magistrado e ratificada pela 3ª turma do STJ.
A jurisprudência deve encontrar um ponto de equilíbrio entre permitir a interrupção de gestação de fetos que realmente não tenham viabilidade de vida e tomar uma cautela extrema, para não passar a permitir abortos de fetos viáveis.
A perfeição é alheia a condição humana. Temos pessoas que mesmo com algum tipo de limitação conseguem se superar e atingir níveis de excelência na atividade que desenvolvem que superam, inclusive, pessoas consideradas normais. Basta assistir jogos paraolímpicos onde atletas mostram exemplos de superação chegando a alcançar índices de atletas sem o problema de saúde. A deformidade muitas vezes é compensada com alguma qualidade que supera a patologia.
A jurisprudência deve respeitar dignidade da mulher gestante permitindo que decida manter a gestação. Outrossim, não devemos permitir que a jurisprudência se torne eugênica, autorize a interrupção de vidas apenas por meras deficiências com as quais a pessoa poderá conviver e levar uma vida normal e feliz. Não se pode autorizar abortos por falta de membros ou patologias sanáveis e tratáveis. Há pessoas que mesmo com uma limitação consegue ter uma vida muito mais feliz, produtiva e correta do que pessoas sem deficiência aparente.
Há pessoas tidas como normais que em nada contribuem para o meio social, e outras com limitações que esbanjam alegria, desenvolvem trabalhos extraordinários e cuidam de familiares como ninguém.
Conclusão
Os tribunais superiores tem se direcionado com uma certa permissividade no sentido de autorizar o aborto em algumas hipóteses excepcionais, transbordando os limites legais.
Além de a lei já autorizar o aborto decorrente do estupro e quando houver risco a vida da genitora, julgamentos das cortes superiores indicam que elas passam a admitir em hipóteses excepcionais a interrupção da gravidez de feto anencéfalo pleno do STF, do portador da Síndrome de Body Stalk (3ª Turma do STJ) e de feto no primeiro trimestre de gestação(1ª turma do STF), acompanhando diversos países como Alemanha e Holanda.
Logo, a jurisprudência se direciona no sentido de permitir a solução de continuidade da gestação para algumas situações extremas.
Assim, devemos sim permitir abortos de vidas completamente inviáveis. Por outro lado, temos que ter extremo cuidado para que a decisão do STF em relação ao feto anencéfalo, não tenha aberto uma espécie de porteira e que aplicações analógicas sejam evitadas as doenças em vida do nascente seja viável. Devemos evitar a construção de um estado eugênico. Não podemos permitir que se repita o erro dos estados totalitários da Alemanha nazista de Adolf Ritler e da Itália facista de Benito Mussolini de ceifar a vida de nascentes com deficiência por não servir para a guerra.
Informações Sobre o Autor
Paulo Carlos Gomes de Oliveira
Bacharel em direito e Especialista em direito Penal e Criminologia pela Universidade Regional do Cariri-URCA. Delegado de Polícia no Estado da Bahia. Aprovado no concurso para Delegado de Polícia no estado de Pernambuco