Implicações jurídicas acerca da interceptação telefônica e comentários à Lei 9296/96

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Bruna Nascimento Machado: Graduanda em Direito na Universidade do Estado de Minas Gerais/UEMG-Frutal; [email protected]

Fábio Ruz Borges: Mestrando em Direito pelo Centro Universitário Eurípides de Marília – UNIVEM; Especialista em Criminologia, pela Faculdade Anhanguera-UNIDERP; Graduado em Direito pela Universidade Fundação Educacional de Barretos – UNIFEB; Delegado de Polícia; [email protected]

 

Resumo: No presente artigo serão disciplinadas considerações acerca das interceptações telefônicas – meio de obtenção de prova – sob a ótica da Lei 9.296/96. É direito fundamental, conforme a Constituição Federal de 1988, em regra, a inviolabilidade do sigilo de comunicação e, excepcionalmente, a interceptação no viés de investigação criminal e instrução processual penal. O corrente trabalho irá diferenciar a interceptação telefônica da escuta telefônica e também da gravação clandestina. Será ainda discutida sua efetividade, seus efeitos e controvérsias geradas perante a sociedade. Por fim, será apresentada questão acerca da (i)licitude do acesso aos dados de aparelhos celulares de investigados pela autoridade policial.

Palavras-chave: interceptação telefônica. Lei 9296/96. Dados pessoais. Investigação. Processo penal. Prova.

 

Abstract: In the present article will be disciplined considerations about telephone interceptions – means of obtaining evidence – under the perspective of Law 9.296 / 96. It is a fundamental right, according to the Federal Constitution of 1988, as a rule, the inviolability of secrecy of communication and, exceptionally, interception in the bias of criminal investigation and criminal procedural instruction. The current work will differentiate the telephone interception of telephone listening and also clandestine recording. It will also be discussed its effectiveness, its effects and controversies generated before the society. Finally, a question will be presented about the (un)lawfulness of access to the data of cellular devices investigated by the police authority

Keywords: telephone interception. Law 9296/96. Personal data. Investigation. Criminal Proceedings. Proof.

 

Sumário: Introdução. 1. Considerações iniciais. 2. Conceitos, requisitos e objetos. 3. Cabimento, legitimidade e duração. 4. O acesso aos dados nos aparelhos celulares dos investigados. Conclusão.

 

Introdução

Indiscutível é a intensidade em que o telefone e o aparelho celular – e consequentemente a internet – configuram como as principais formas de comunicação mundial entre as pessoas, disciplinando assuntos profissionais, discorrendo relações sociais e pessoais.

Em meio a isso têm-se os questionamentos acerca da violação da intimidade e privacidade dos interlocutores quando alvos de uma interceptação telefônica, considerando  a possibilidade – haja vista as constantes inovações tecnológicas – de conversas alheias serem compartilhadas por demais cidadãos bem como acessíveis por autoridades policiais.

Em sua origem, interceptar constitui interromper no seu curso, deter, impedir na passagem, cortar, reter, empolgar; já juridicamente, conforme Luiz Flávio Gomes, a expressão interceptar uma comunicação telefônica não quer dizer, necessariamente, que significa interrompê-la, evitar, detê-la ou ainda cortá-la, pois a lei que a disciplina lhe dá um outro sentido que seria ter conhecimento do conteúdo de uma comunicação telefônica.

Neste contexto, o presente trabalho tem por objetivo analisar a lei 9296/96, (Lei da Interceptação Telefônica) e peculiaridades sobre tal, como as diferenças conceituais entre interceptação telefônica, escuta telefônica e gravação clandestina. Ademais, será demonstrado o cabimento do referido instrumento, sendo também apontado o rol taxativo negativo referente à medida, ou seja, quando não é permitida sua utilização.

Posteriormente, delinear-se-à sobre a legitimidade para sua determinação bem como o prazo de duração permitido. Por fim, será dissertada a conjuntura acerca da proteção de dados pessoais dos indivíduos sob a perspectiva criminal, melhor dizendo, o acesso aos dados  contidos em aparelhos celulares dos indivíduos investigados.

A metodologia utilizada é a hipotético-dedutiva, respaldando-se nas teorias penais e processuais penais, bem como serão utilizadas revisões bibliográficas, como doutrinas, jurisprudências e análise das demais legislações concernentes.

 

  1. Considerações iniciais

Ultimamente, geradora de vastas discussões e polêmicas, tanto no meio jurídico quanto pela sociedade civil, a interceptação telefônica é assunto envolvente, agregando convicções, por vezes desarmônicas, de advogados garantistas e até mesmo de promotores persistentes no combate à criminalidade. Tal questão demanda saberes do Direito Penal e Processual Penal, e não menos do Direito Constitucional, considerando dispor de um direito constitucionalmente protegido, qual seja a intimidade.

A interceptação telefônica é objeto de extrema relevância para a sociedade, tendo em vista ser um ponderoso meio colocado à utilização do Estado em investigações complexas com intento de deslindar os fatos e angariar provas, como por exemplo, aquelas investigações que abrangem organizações criminosas. Ademais, é estimada como medida cautelar outorgada em caráter excepcional pela Carta Magna – nos crimes punidos com pena de reclusão – considerando ser um meio transgressor ao direito à intimidade de terceiros envolvidos.

A Lei n.º 9.296, de 24 de julho de 1996 adveio com a serventia de reger o inciso XII do substancial art. 5º da Constituição Federal, sendo garantia fundamental ao indivíduo ser “inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal(grifo nosso). Como mencionado anteriormente, o direito à intimidade juntamente com o direito à vida privada são assegurados por essa inviolabilidade constitucional. Todavia, o próprio legislador estipulou exceções que admitem a interferência nos citados direitos, visto previsão no final do inciso supracitado.

Assim, a permissão legal para a interceptação telefônica, apreciando o Direito Constitucional, configura-se como uma norma de eficácia limitada, ou seja:  “de eficácia relativa, de integração complementável, ou seja, normas constitucionais que não são autoaplicáveis (not-self executing provisions), que dependem de interposta lei (complementar ou ordinária) para gerar seus efeitos principais. Entretanto, mesmo as normas de eficácia limitada geram alguns efeitos jurídicos negativos imediatos, pois vinculam o legislador infraconstitucional aos seus comandos (efeito impeditivo de deliberação em sentido contrário ao da norma constitucional) e paralisam as normas precedentes com elas incompatíveis (efeito paralisante)1.”

Atenta-se aqui à acepção da palavra interceptação, a qual, conforme Fernando Capez (2012, p. 378) “Interceptar é intrometer e interromper, significando, portanto, a conduta de um terceiro, estranho à conversa, que capta o diálogo dos interlocutores”. Não obstante, é nítida uma violação à intimidade de outrem na ocorrência da interceptação.

Direcionando a uma questão jurídica, e abordando a temática do presente estudo, pertinente considerarmos a interceptação telefônica como meio de prova – subsidiário – categórico e nominado diante o ordenamento processual, resoluto na obtenção de indícios de autoria e/ou participação de agentes nos crimes.

 

  1. Conceitos, requisitos e objetos

As comunicações telefônicas, de qualquer natureza, constituem objeto da Lei 9.296/96, considerando o estabelecido em seu artigo 1º. Destarte, “comunicação telefônica é a transmissão, emissão, receptação e decodificação de sinais linguísticos, caracteres escritos, imagens, sons, símbolos de qualquer natureza veiculados pelo telefone estático ou móvel (celular)”2.

Na ótica do referido dispositivo legal, concebe-se a interceptação das telecomunicações telefônicas como uma captação de conversa – telefônica – alheia, ou seja, feita por um terceiro – sem o conhecimento dos interlocutores (interceptação) ou com o consentimento de apenas um deles (escuta) – com intento de colher informações. Dessa forma, a conjectura é de envolvimento de no mínimo 03 (três) sujeitos envoltos em todo o processo: 02 (dois) que se interagem e o terceiro o qual obtém acesso ao conteúdo da conversa.

Nesse viés, de acordo com o advogado Avolio é elementar o fato de a interceptação ser efetuada por alguém insólito à conversa e ainda que este terceiro seja provido do desejo deter conhecimento de circunstâncias que, outrora e por outros meios, iria lhe perdurar desconhecido.

Importante ponderar as diferenças quanto as interceptações telefônicas, as escutas telefônicas e, por fim, as gravações clandestinas. Para isso, têm-se, sucintamente, os saberes de Grinover, Fernandes e Gomes Filho: “Entende-se por interceptação a gravação da conversa por um terceiro, sem o conhecimento dos interlocutores ou com o conhecimento de só um deles. Se o meio utilizado for o grampeamento do telefone, tem-se a interceptação telefônica se se tratar de captação de conversa por um gravador, colocado por terceiro, tem-se a interceptação entre presentes, também chamada de interceptação ambiental. Mas se um dos interlocutores grava a sua própria conversa telefônica ou não, com o outro, sem o conhecimento deste, fala-se apenas em gravação clandestina.” (GRINOVER; FILHO; FERNANDES, 2009, p. 164).

A interceptação – stricto sensu – e a escuta telefônica são apensas à primeira expressão, como sabemos, prevista no art. 5º, inciso XII da CF; assim, subordinam-se aos critérios da Lei 9.296/96. Diverge-se disso, a situação em que o próprio interlocutor grava a conversa, não havendo uma terceira pessoa, e então não se configura interceptação.

Por conseguinte, a Suprema Corte já posicionou pela aceitação da gravação de conversa telefônica como prova, pois “uma vez que a garantia constitucional do sigilo refere-se à interceptação telefônica de conversa feita por terceiros, o que não ocorre na hipótese3. Já para doutrinadores como Antonio Scarance e Ada Pellegrini tanto a interceptação em sentido estrito,  a escuta telefônica bem como a gravação clandestina estão sob a égide da sobredita legislação, incorrendo à pena da prova alcançada ser consagrada ilícita.

Prosseguindo o assunto, adequado se faz analisar o que se deve entender pela expressão “de qualquer natureza” disposta logo no art. 1º da legislação e se fazendo o objeto desta. Retornando historicamente, em se tratar de comunicações telefônicas o intrínseco Código Brasileiro de Telecomunicações – art. 4º da Lei 4.117/62 – disciplinava telefonia como “o processo de telecomunicação destinado à transmissão da palavra falada ou de sons”.

Pois bem, atualmente não se pode desprezar os avanços da globalização e o  formidável desenvolvimento da informática e, em consequência, a comunicação telefônica não se delimita àquelas feitas por telefone, necessitando envolver a transmissão, emissão ou recepção de símbolos, sinais, imagens, caracteres, escritos, sons ou informações de demais naturezas – via telefonia, estática ou móvel (como o celular) -.

Ademais, é exeqüível a interceptação somente via telefone ou harmonizada com a informática, direta ou indiretamente, como, respectivamente, por meio de fax/modens ou internet/e-mail/correios eletrônicos. Em conseqüência, elucida-se mais claramente a interpretação da interceptação de comunicações telefônicas de qualquer natureza. Importante frisar que o assunto não se exaure com a explanação acima, visto existir o parágrafo único do mesmo artigo, que alastra – e simultaneamente causa divergências doutrinárias – ainda mais à referida interpretação da expressão.

Sobre o disposto no parágrafo único, Alexandre Moraes (2003) decifra a plena possibilidade da interceptação em outras espécies de inviolabilidade, considerando a relatividade da norma constitucional e uma vez que nenhuma liberdade é absoluta, assim, é concebível, respeitados alguns parâmetros, a interceptação das correspondências, das comunicações e de dados, sempre que forem usadas para acobertar a prática de ilícitos penais. Ratificando esse entendimento, temos a lição de Damásio de Jesus no sentido de que: “Inclino-me pela constitucionalidade do referido parágrafo único. A Carta Magna, quando excepciona o princípio do sigilo na hipótese de comunicações telefônicas, não cometeria o descuido de permitir a interceptação somente no caso de conversação verbal por esse meio, isto é, quando usados dois aparelhos telefônicos, proibindo-a, quando pretendida com finalidade de investigação criminal e prova em processo penal, nas hipóteses mais modernas. A exceção, quando menciona ‘comunicações telefônicas’, estende-se a qualquer forma de comunicação que empregue a via telefônica como meio, ainda que haja transferência de ‘dados’. É o caso do uso do modem. Se assim não fosse, bastaria, para burlar a permissão constitucional, “digitar” e não “falar”. [ … ] A circunstância de a CF expressamente só abrir exceção no caso da comunicação telefônica não significa que o legislador ordinário não possa permitir a interceptação na hipótese de transmissão de dados. Não há garantias constitucionais absolutas”. (RT, 735:458).

 

  1. Cabimento, legitimidade e duração

Presente no art. 2º da Lei, o legislador brasileiro estabeleceu hipóteses em que não é admitida a medida, ou seja, é um rol taxativo negativo, sendo elas: quando não houver indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal – esta hipótese recai tanto ao legitimado ativo no momento de requerer a medida, quanto ao magistrado no momento de seu deferimento; quando a prova puder ser feita por outros meios disponíveis – é um meio subsidiário; ou quando o investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção – admitindo-se caso em que feita a interceptação telefônica, descobre-se crime conexo punido com detenção.

No tocante à legitimidade, a interceptação somente pode ser determinada por ordem judicial, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, no decorrer do inquérito policial ou também durante o processo e por representação da Autoridade Policial na fase de investigação criminal. Assim, a autorização para a medida está condicionada à prévia autorização do juiz competente da ação principal – decisão devidamente fundamentada – e, procedimento diverso, recai nulidade do ato (art. 93, IX da CF).

Percebe-se então que não há previsão legal do pedido de interceptação telefônica pela defesa – ou até mesmo pelo assistente de acusação – , uma vez que não se prevê, até então em nosso sistema, a possibilidade de investigação defensiva. No entanto, não há embargos para que a defesa solicite à Autoridade Policial ou ao Ministério Público que seja realizado o pedido ao juiz, estes, entendendo ser cabível a medida, certamente farão.

Findando, apesar da prova colhida com a interceptação telefônica é considerar lícita, nada inibe que o magistrado faça uma análise simultaneamente com outros elementos probatórios colhidos, para então formar sua convicção. Segundo aponta Vicente Greco Filho, “quanto à valoração do conteúdo da prova, passar-se-á certamente pelo sistema da persuasão racional, o confronto com as demais provas e, inclusive, a confiabilidade de quem a colheu”.

O prazo limite de duração da interceptação telefônica – previsto no art. 5º da legislação – é de 15 dias – prazo este que pode ser em menor período concedido pelo juiz – , podendo ser prorrogado por igual período. Acerca da prorrogação há controvérsias no entendimento de quantas podem ocorrer, sendo que a corrente majoritária entende que o prazo da interceptação pode ser renovado indefinidamente, desde que comprovada a indispensabilidade do meio de prova. A renovação do prazo não é automática, sendo primordial uma decisão fundamentada que comprove a indispensabilidade do referido meio de prova.

A Lei 9.296/96 além de regulamentar o procedimento inerente à interceptação telefônica, tipifica – no artigo 10 – o crime de interceptação ilegal e a quebra de segredo de Justiça, basicamente através de três condutas: realização de interceptação sem autorização judicial; realização de interceptação com objetivos não autorizados em lei e; a quebra do segredo de justiça. Trata-se de crime de ação penal pública incondicionada e, em regra, com processamento e julgamento de competência da Justiça Estadual Comum.

 

  1. O acesso aos dados nos aparelhos celulares dos investigados

Inicialmente, insta salientar que ao ser averiguada a ocorrência de uma infração penal, surge para o estado o poder-dever de punir. No entanto, imprescindível a imposição da pena, seja ela qual for, de forma legítima. Para isso, o caminho, muitas das vezes, é longo bem como vagaroso,  onde serão observadas regras e procedimentos legais e constitucionais, com intento de reunir indícios de autoria e materialidade do crime.

Pode-se afirmar que o sistema processual penal, ao acolher o método acusatório, norteador da persecutio criminis no Estado Democrático de Direito, percebe-se que a disposição Constitucional delineou além do que a simples divisão entre as funções de julgar, acusar e defender, esboçando então os órgãos os quais deverão desempenhar, em sentido amplo, as funções basilares de acesso à justiça. Nesse diapasão a função investigatória exercida pela Polícia Judiciária serve molda-se também da função garantista como essencial à justiça, mesmo prevista na Constituição Federal, estruturalmente, no capítulo III “Da Segurança Pública”.

Nessa direção, o delegado de polícia, primeiro garantidor dos direitos fundamentais, possui um acervo de poderes-deveres meios, tanto de natureza decisiva quanto cautelar, ambos para lograr êxito nos fins da investigação criminal.

Em maior explicação quanto o âmbito de atribuições da Polícia Judiciária faz-se necessário submergir no princípio da reserva da jurisdição, tema insólito nos estudos doutrinários atuais. Por meio dele, posteriormente entenderemos o alcance da refletida decisão do Superior Tribunal de Justiça no RH 51.531/RO, acerca da apreensão de aparelho celular e o conteúdo de conversas de aplicativos, como o Whatsapp.

Ao adotar um sistema de reserva absoluta e relativa da jurisdição, a Constituição Federal, concernente à investigação criminal, esta estará diante medidas que serão decididas, exclusivamente, pelo Estado-juiz (reserva absoluta) e outras que poderão ser resolutas pelo Estado-investigador (reserva relativa), mesmo percorrendo um posterior controle do Estado-Juiz.

Mais especificamente no âmbito de estudo deste artigo, recentemente o Superior Tribunal de Justiça mensurou um dos assuntos de maior embate relacionado a questão da proteção de dados pessoais dos indivíduos sob a perspectiva criminal, ou seja, sobre a nulidade das provas obtidas pela polícia – sem autorização judicial específica – por intermédio do acesso a informações e conversas registradas no aplicativo Whatsapp, altivamente do momento da apreensão do aparelho.

Pode-se indagar o seguinte: por que as mensagens do supracitado aplicativo se tornaram cerne das investigações criminais em prejuízo das interceptações telefônicas do tipo convencionais? E ainda, qual o motivo que a apreensão de aparelho celular se estabeleceu como obstinação do que o fato de prender o autor do crime? O feedback a estas indagações concatena diretamente à prova, levando em conta seu desdobramento, estabelecimento e outorga a certo  indivíduo, sendo fato que a reconstrução e a preservação dela é incitante na investigação criminal contemporânea, desafiando até mesmo os profissionais e estudiosos da área da ciência forense digital e da informação.

Pois bem, o Código de Processo Penal em seu artigo 6º é preciso ao se referir que o Delegado de Polícia, ao tomar conhecimento da prática de uma infração penal, deverá realizar variadas diligências com desígnio de identificar a autoria do fato e preservar o composto probatório, como por exemplo, apreendendo qualquer objeto que possua relação com o caso investigado. Aqui, remetemos ao âmago do presente item: a apreensão de aparelhos celulares encontrados na posse de investigados e os dados obtidos neles pela autoridade policial.

É certo que pertinente ao avanço da tecnologia, atualmente, o telefone celular é, de fato, inevitável, considerando suas diversas serventias além da mera conversa telefônica. Em razão disso, embasam e integram um crivo de informações que certamente são capazes de assessorar na elucidação de várias infrações penais.

Por meio do aparelho celular é factível localizar uma pessoa, obter seus dados cadastrais e até mesmo o acesso ao conteúdo de conversas por meio da interceptação telefônica. Daí advém a discussão acerca se há ou não violação ao direito à intimidade do proprietário – o qual figura como investigado – do aparelho celular quando estes são também apreendidos a fim de verificar a acepção dos seus registros, como chamadas efetuadas e recebidas, contatos da agenda telefônica, mensagens, fotos e demais arquivos.

Assim alude o inciso XII do artigo 5º da CF: “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.Ou seja, o referido propende a proteger o conteúdo das comunicações telefônicas, todavia, não se tratando de um direito absoluto, visto a possibilidade de comportar limitações legais mediante autorização judicial, digo ainda, a Lei 9.296/96 veio para uniformizar normas para a ocorrência das interceptações telefônicas (que infere-se a intervenção de uma terceira pessoa), estas, as quais, não se pode equivocar com o procedimento de busca e apreensão do aparelho celular e a ulterior apreciação nos registros nele consignado.

Convincente que a apreensão do aparelho celular e o acesso aos registros nele existente não tem liame com o procedimento de interceptação telefônica, portanto, ficando dispensada a autorização judicial para tal.

Considerando a magnitude do conteúdo de uma  decisão do Supremo Tribunal Federal no viés estudado, este, mesmo em extenso trecho, é digno de sua transcrição: “Suposta ilegalidade decorrente do fato de os policiais, após a prisão em flagrante do corréu, terem realizado a análise dos últimos registros telefônicos dos dois aparelhos celulares apreendidos. Não ocorrência. 2.2 Não se confundem comunicação telefônica e registros telefônicos, que recebem, inclusive, proteção jurídica distinta. Não se pode interpretar a cláusula do artigo , XII, da CF, no sentido de proteção aos dados enquanto registro, depósito registral. A proteção constitucional é da comunicação de dados e não dos dados. 2.3 Art. do CPP: dever da autoridade policial de proceder à coleta do material comprobatório da prática da infração penal. Ao proceder à pesquisa na agenda eletrônica dos aparelhos devidamente apreendidos, meio material indireto de prova, a autoridade policial, cumprindo o seu mister, buscou, unicamente, colher elementos de informação hábeis a esclarecer a autoria e a materialidade do delito (dessa análise logrou encontrar ligações entre o executor do homicídio e o ora paciente). Verificação que permitiu a orientação inicial da linha investigatória a ser adotada, bem como possibilitou concluir que os aparelhos seriam relevantes para a investigação. 2.4 À guisa de mera argumentação, mesmo que se pudesse reputar a prova produzida como ilícita e as demais, ilícitas por derivação, nos termos da teoria dos frutos da árvore venenosa (fruit of the poisonous tree), é certo que, ainda assim, melhor sorte não assistiria à defesa. É que, na hipótese, não há que se falar em prova ilícita por derivação. Nos termos da teoria da descoberta inevitável, construída pela Suprema Corte norte-americana no caso Nix x Williams (1984), o curso normal das investigações conduziria a elementos informativos que vinculariam os pacientes ao fato investigado. Bases desse entendimento que parecem ter encontrado guarida no ordenamento jurídico pátrio com o advento da Lei 11.690/2008, que deu nova redação ao art. 157 do CPP, em especial o seu § 2º–“4 grifo nosso.

Não há direito fundamental absoluto, ou melhor, a própria Carta Magna excepciona o direito à inviolabilidade domiciliar – nos casos de flagrante delito – fazendo-se que até mesmo o direito à liberdade é restringindo nessas hipóteses. Pergunta-se então, qual o motivo para que um aparelho celular desfrute de proteção diversa?

Contextualizando e, mormente, finalizando, a apreensão de aparelhos smartphones nas situações em que há indícios de infrações realizadas através deste equipamento, em circunstância flagrancial – como uma extorsão -, é indubitável estarmos diante uma situação equiparada “à casa como asilo inviolável”, sendo necessária a interrupção da ação criminosa, imediatamente, visando a proteção da vítima (ou das vítimas), estando a mercê, caso necessária a prévia autorização judicial, de uma ineficiente proteção estatal àquela(s) pessoa(s), vítima(s), que fazem jus ao direito à vida, à liberdade e da propriedade de bens, tanto como aquele indivíduo – humano – que fora detido. Melhor dizendo, a proteção dos bens em semelhante categoria possibilita ao Estado-investigação atuar no acervo pertencente à sua reserva relativa de jurisdição.

Rodrigo Meyer Bornholdt nos diz que: “Ponderar as conseqüências, então, é que poderá nos orientar na verdadeira finalidade da norma, que se forma sempre na consideração do caso concreto (não sendo previamente dada). As objeções existentes, longe de representarem um abandono desse instrumental, devem ser para aperfeiçoá-lo. Ressalva-se, contudo, que ela não implica uma substituição dos métodos de concretização do direito, mas antes um seu complemento”. (BORNHOLDT, 2005, p. 195).

Dessa forma, pela conveniência de um juízo “interno” entre as ciências policiais e criminais é que o Delegado de Polícia – detentor de um conhecimento policial bem como jurídico, visto o disposto no art. 2º do parágrafo 6º da Lei 12.830/13 – , sendo uma função possuidora de independência funcional e não subsumida  aos fatos do caso concreto, utiliza-se da sensatez de valores e princípios, sendo um órgão membro da função essencial de acesso à justiça em âmbito penal.

 

Conclusão

A Lei 9.296/96 possibilitou a discussão sobre a interceptação telefônica, integrando saberes ao disposto na Constituição Federal em seu art. 5º, inciso XII, ainda que atualmente,  na prática, diversas questões são hasteadas quanto a sua aplicabilidade e alcance.

Necessária a cautela do aplicador do direito quando frente às situações que demandam a utilização do referido meio de prova, considerando ser uma exceção à garantia constitucional do sigilo das comunicações telefônicas e, logo, empregada como ultima ratio diante inexistentes meios probatórios que perfazem a investigação criminal.

 

Referências

1Ricardo Cunha Chimenti, Fernando Capez, Marcio F. Elias Rosa, Marisa F. Santos. Curso de direito constitucional. São Paulo, Saraiva, 2004, p. 29.

2Uadi Lammêgo Bulos, Constituição Federal anotada, cit., p. 118.

3STF, HC 75.338/RJ, Rel. Min. Nelson Jobim, j. 11-3-1998, Informativo STF, n.102, mar. 1998.

4Brasil. Supremo Tribunal Federal. Recurso de Habeas Corpus. HC n°  91.867 PA, da Segunda Turma.  Rel. Min. Gilmar Mendes. DJe 20/09/2012.

BORNHOLDT, Rodrigo Meyer. Métodos para resolução do conflito entre direitos fundamentais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: legislação penal especial, volume 4. 7ª ed. – São Paulo : Saraiva, 2012.

CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Crime Organizado:  comentários  à

nova Lei Sobre o Crime Organizado Lei n. 12.850/2013. Salvador: Juspodivm, 2013.

GRINOVER, Ada Pellegrini; FILHO, Antonio Magalhães Gomes; FERNANDES, Antonio Scarance. As nulidade/s no processo penal. 11 ed., São Paulo: Ed. RT, 2009.

JESUS, Damásio de. Interceptação de comunicações telefônicas: notas à Lei nº 9.296/96. RT, 735/458.

MIRANDA, Jorge;  MARQUES  DA  SILVA,  Marco  Antonio  –  TRATADO  LUSO-BRASILEIRO DA DIGNIDADE HUMANA – 2ª Ed., São Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2009.

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