Maioridade penal

Resumo: O presente artigo tem como objetivo a discussão da maioridade penal, é cada vez mais comum falar da participação de menores de idade na pratica de condutas contrárias a lei. Essa crescente participação vem gerando várias discussões nos meios jurídicos e nas diversas camadas da sociedade. Tal controvérsia gira em torno da tentativa de redução da maioridade do Código Penal Brasileiro de 18 (dezoito) anos para 16 (dezesseis) anos de idade.

Palavras-chave: Maioridade penal; argumentos contra; argumentos favoráveis; retrocesso.

Abstract: The present article has the objective of discussing the criminal majority, it is increasingly common to speak of the participation of minors in the practice of conduct contrary to the law. This growing participation has generated several discussions in the juridical means and in the several layers of the society. This controversy revolves around the attempt to reduce the majority of the Brazilian Penal Code from 18 (eighteen) to 16 (sixteen) years of age.

Keywords: Criminal majority, arguments against, arguments. kickback.

Resumen: El presente artículo tiene como objetivo la discusión de la mayoría de edad penal, es cada vez más común hablar de la participación de menores de edad en la práctica de conductas contrarias a la ley. Esta creciente participación viene generando varias discusiones en los medios jurídicos y en las diversas capas de la sociedad. Esta controversia gira en torno al intento de reducción de la mayoría de edad del Código Penal Brasileño de 18 (dieciocho) años para 16 (dieciséis) años de edad.

Palabras clave: Responsabilidad penal, argumentos en contra, argumentos favorables, retrocesso.

Sumário: 1. Introdução. 2. Desenvolvimento. 3. Considerações finais. Referências.

1 INTRODUÇÃO

A maioridade penal ou maioridade criminal define a partir de qual idade o indivíduo responde pela violação da lei penal na condição de adulto, sem qualquer garantia diferenciada reservada para indivíduos menores de idade.

O indivíduo é, pois, reconhecido como adulto consciente das consequências individuais e coletivas dos seus atos e da responsabilidade legal embutidas nas suas ações. A Constituição federal de 1988 define em seu artigo 228, que são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos. No Brasil, esta idade coincide com a maioridade penal e menores de dezoito anos respondem por infrações de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente. A maioridade penal, por sua vez, não coincide, necessariamente, com a maioridade civil, nem com as idades mínimas necessárias para votar, para trabalhar, para casar e emancipação. A menoridade civil cessa em qualquer um destes casos.

Em muitos países, o indivíduo abaixo da maioridade penal está sujeito, a partir de certa idade, a punições mais leves, como advertência, atividades socioeducativas, trabalhos sociais, acompanhamento social ou psicológico, detenções ou internações em instituições correcionais ou reformatórios, etc., existindo em alguns casos tribunais ou varas de justiça específicas para o encaminhamento de acusações contra menores de dezoito anos.

A maioridade penal não coincide, necessariamente, com a idade de imputabilidade penal. Em muitos países, indivíduos com idade abaixo da maioridade penal são considerados penalmente imputáveis e respondem por seus atos de acordo com leis penais diferenciadas para acusados juvenis.

2 DESENVOLVIMENTO

No âmbito internacional, os dois principais marcos internacionais sobre os direitos da criança, a Carta de Pequim (1985) e a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), ambos da ONU, não estabelecem qual deve ser a idade mínima de imputabilidade penal, deixando aos Estados Nacionais essa definição, com base em sua cultura e "que esta não deve ser fixada a um nível demasiado baixo, tendo em conta os problemas de maturidade afetiva, psicológica e intelectual" (Capítulo 4.1 da Carta de Pequim). É prática recorrente os países terem uma idade mínima para imputabilidade penal do adolescente abaixo da idade convencionada para a maioridade penal. Antes de alcançar esta idade mínima, a criança não é considerada responsável pelos seus atos e não pode ser acusada de acordo processo penal. Segundo o Comitê sobre o Direito da Crianças da ONU, órgão responsável pela interpretação da Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), a criança abaixo da idade mínima deve ser penalmente inimputável, que significa dizer que não pode ser considerada capaz de infringir as leis penais, mas pode receber medidas especiais de caráter protetivo. Porém os adolescentes menores de dezoito anos que estejam acima da idade mínima podem ser considerados penalmente imputáveis e responder pela prática de crimes de acordo com o processo penal de cada país, desde que o processo e o seu resultado final estejam de acordo com os princípios da Convenção.

Há, portanto, uma diferença entre as normas internacionais e o regime jurídico de responsabilidade juvenil vigente no Brasil: enquanto as normas internacionais reconhecem a imputabilidade penal do menor de dezoito anos e reservam as medidas de caráter protetivo para as crianças abaixo da idade mínima de inimputabilidade penal; o regime jurídico brasileiro não reconhece a imputabilidade penal dos menores de dezoito anos e atribui medidas socioeducativas de caráter protetivo a todos os infratores menores de dezoito anos, não apenas àqueles abaixo da idade mínima de doze anos. Os menores de doze anos estão fora do alcance das medidas socioeducativas do Estatuto da Criança e do Adolescente.

O fato de países adotarem um regime expressamente penal para responsabilizar criminalmente adultos e adolescentes, mesmo tendo estes últimos direitos específicos e foro diferenciado, leva algumas pessoas à conclusão errada de que há uma drástica redução da maioridade penal na maioria dos países, quando na verdade a "idade mínima" aponta a "idade mínima de inimputabilidade penal", não a "maioridade penal". A diferença entre esses países e o Brasil está apenas na natureza penal da responsabilização dos adolescentes infratores: no Brasil, a natureza penal não está expressa na lei nem na Constituição, mas é reconhecida por alguns doutrinadores jurídicos e já se verifica na prática na realidade das casas de detenção.

Conforme o artigo 228 da Constituição Federal de 1988 "São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial". A afirmação é reforçada pelo artigo 27 do Código Penal, e pelos artigos 102 e 104 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei nº 8.069/90).

Os crimes praticados por menores de dezoito anos são legalmente chamados de “atos infracionais” e seus praticantes de “adolescentes em conflito com a lei” ou de "menores infratores". Aos praticantes são aplicadas “medidas socioeducativas” e se restringem apenas a adolescentes (pessoas com idade compreendida entre doze anos de idade completos e dezoito anos de idade incompletos. Todavia, a medida socioeducativa de internação poderá ser excepcionalmente aplicada ao jovem de até 21 anos, caso tenha cometido o ato aos quatorze anos). O ECA estabelece, em seu artigo 121, § 3º, quanto ao adolescente em conflito com a lei, que “em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos”, por cada ato infracional grave. Após esse período, ele passará ao sistema de liberdade assistida ou semiliberdade, podendo retornar ao regime fechado no caso de mau-comportamento.

Há uma discussão sobre o uso das expressões "menores infratores" e "adolescentes em conflito com a lei", alguns preferindo a primeira e outros a segunda. Para esses últimos, o uso da terminologia tem efeito emancipador e o uso da expressão "menores" acaba por discriminar o adolescente. Já os primeiros pensam diversamente e consideram que o uso da expressão "adolescente em conflito com a lei" (que não consta no ECA) serve na verdade como instrumento a serviço de um Estado inoperante, que se serviria da mudança de nomenclatura sem necessidade de promover mudança da realidade, acrescentando, ainda, que a expressão "menores" faz parte do texto legal (artigo 22 do ECA).

Um dos temas mais discutidos atualmente na política brasileira, as regras da maioridade penal estão em debate permanente. Uma PEC que diminui a idade mínima com que uma pessoa pode ir para a prisão em caso de crimes hediondos – ou seja, uma redução da maioridade penal – chegou a ser aprovada pela Câmara em 2015 e hoje aguarda apreciação pelo Senado Federal.

Os argumentos contra a redução da maioridade penal, porque a desigualdade social é uma das causas principais da violência. A redução da maioridade em nada resolverá o problema da desigualdade social que assola nosso país. De certo modo, será mais uma forma de colocar jovens negros e pardos das comunidades carentes e das periferias atrás das grades. Na prática, voltaríamos aos tempos da escravidão. Só que dessa vez, ao invés de correntes nos pés, nosso povo receberia grades para colocar as mãos; no Brasil, a violência está profundamente ligada a questões como: desigualdade social, exclusão social, impunidade, falhas na educação familiar, desestruturação da família, deterioração dos valores ou do comportamento ético, e, finalmente, individualismo, consumismo e cultura do prazer. A redução da maioridade em nada reduzirá as mazelas produzidas por todos os fatores apontados acima. A única coisa que a redução provocará é a punição de jovens afetados por uma realidade social da qual eles não tiveram a menor culpa de serem inseridos, aqueles que querem a redução dizem que são contrários à impunidade, mas o Brasil é dos países mais ingratos com sua juventude. No ano de 2010, mais de 8.600 crianças foram assassinadas em 2012, mais de 120 mil crianças e adolescentes foram vítimas de maus tratos e agressões. Deste total de casos, mais de 80 mil sofreram negligência, 60 mil sofreram violência psicológica, 56 mil sofreram violência física, 35 mil sofreram violência sexual e 10.000 sofreram exploração do trabalho infantil. Será que todos esses crimes já não mostram que nossos menores já não sofrem o suficiente com a impunidade? A redução da maioridade penal tem um obstáculo jurídico-constitucional. É que a inimputabilidade dos menores de 18 (dezoito) anos possui previsão constitucional no artigo 228, ou seja, a impossibilidade de receber sanções iguais a de adultos é uma garantia individual da criança e do adolescente, portanto, parte do núcleo constitucional intangível; temos no Brasil mais de 527 mil presos e um faltam vagas nas prisões para pelo menos 181 mil presos. Ninguém precisar ser um gênio para perceber que a superlotação e as condições desumanas das cadeias brasileiras, deixam esse sistema é incapaz de cumprir sua finalidade de recuperar alguém. A inclusão de adolescentes infratores nesse sistema não só tornaria mais caótico o sistema carcerário como tenderia a aumentar o número de reincidentes. Ora, se as cadeias têm por objetivo recuperar pessoas, não é colocando menores de idade lá que esse objetivo será cumprido; pois a cadeia comum não é um lugar apropriado para um jovem infrator. Um menor de idade não pode dividir cela com presos condenados por crimes hediondos. Os menores de idade, ao entrar em contatos com os outros presos mais velhos, teriam contato com uma realidade ainda mais nefasta, retirando qualquer chance de reabilitação. Além disso, estariam expostos a situações constrangedoras para um adolescente, podendo eles serem vítimas de ataques a sua sexualidade e ao seu psicológico; estatisticamente, a quantidade de atos infracionais, diferentemente do que nos mostra a mídia, é muito pequena nos menores de idade, se compararmos com os crimes cometidos por adultos. A título de comparação, em 2006, o sistema prisional contava com 401,236 pessoas adultas e apenas havia 15,426 jovens internados no meio fechado. Isto representa que, dos crimes praticados e apurados 96,3% são cometidos por adultos e 3,7% são cometidos por adolescentes; não se tem notícia ou dado estatístico que a redução da maioridade penal de fato diminuiria a violência no Brasil. Muito pelo contrário, a redução seria apenas mais um ato de violência para com a nossa juventude. O que ela faria seria a legitimação do desrespeito aos direitos da criança e do adolescente. Desta forma, os jovens seriam atraídos para as cadeias, onde teriam seus futuros ceifados com penas elevadíssimas, perdendo toda a chance de reinserção na legalidade; porque ainda são poucas as iniciativas do Poder Público, das Instituições e da Sociedade na proposição e execução das Políticas Públicas para a juventude. Antes de pensarmos em colocarmos nossos jovens na cadeia, deveríamos antes pensar em como poderíamos tirá-los do crime e inseri-los no mercado de trabalho. Todo esse esforço que a sociedade está usando para colocar menores de idade na cadeia deveria ser reservado a medidas que impedissem que ele primeiro entrasse nela; porque a diminuição pode acarretar em desastres estruturais para as futuras gerações. Em pouco tempo, o clamor popular iria pressionar para que a maioridade penal foi ainda mais reduzida, a ponto que no futuro, poderíamos correr o risco de ter que construir creches de segurança máxima.

Os argumentos favoráveis a redução da maioridade penal, se uma pessoa, menor de 18 (dezoito) anos, pode trabalhar, contratar, casar, matar, roubar, estuprar, transar e votar, por que não pode então responder por seus crimes na cadeia? Hoje, uma pessoa com 16 ou 17 anos já é capaz de ter sua personalidade formada, tendo ciência acurada do certo e do errado. Logo, colocar esses marginais na prisão com penas equivalentes aos crimes por eles cometidos não pode ser configurado como um ato de maldade para com um inocente; todos sabemos que essas instituições que acolhem menores infratores não conseguem ressocializar seus detentos, que muitas vezes saem de lá e são promovidos para as cadeias comuns depois de adultos; o adolescente, em conflito com a lei, ao saber que não receberá as mesmas penas de um adulto, não se inibe ao cometer mais atos infracionais. Isso alimenta a sensação de impunidade e gera crimes que jamais poderiam acontecer. Um menor de idade sabe que, em função de sua idade, poderá cometer quantos delitos puder, sabendo que terá uma pena branda; graças a essa impunidade, muitos criminosos recrutam menores de idade (buchas) para executar suas atividades criminosas. O menor é arrancado de sua infância com a promessa de uma vida de ostentação, cometendo crimes que muitas vezes adultos teriam receio de cometer por causa das altas penas. Devido a esse sistema cruel, a demanda por mão-de-obra menor de idade nunca é mitigada no mundo do crime; a maioria das pessoas já estão cansadas de saber que são os delinquentes juvenis são os maiores causadores de roubos e pequenos furtos no nosso país, sendo eles presos e logo soltos para voltar para o crime. Como resultado desse sistema, pessoas passam a ter medo de andar na rua. Muitas são as pessoas que sofrem doenças psicológicas em função do pânico que já passaram na mão desses facínoras, sendo obrigadas a gastar fortunas em tratamentos médicos e psiquiátricos. Muitas são as lojas assaltadas por esses menores que se veem obrigadas a terem que contratarem seguranças e repassar esse investimento para seus consumidores. Logo, toda a nossa sociedade paga caro com a tolerância a esses delinquentes; não é justo que uma pessoa que estupre, mate e roube, como foi o caso do criminoso Champinha, tenha uma pena tão pequena em troca de todo o mal e sofrimento que causou a família de suas vítimas, Liana Friedenbach e Felipe Caffé. Todos os dias, dezenas de menores infratores como Champinha cometem crimes bárbaros que acabam no esquecimento. Não é justo que bandidos perigosos voltem pouco tempo depois de seus crimes as ruas para cometer maldade contra outras pessoas. Liana e Champinha tinham ambos 16 anos. Para nossa lei, Champinha era muito novo para ser responsabilizado por seus atos; mas, Liana, mesmo sendo também menor de idade, não foi privada de ser responsabilizada pelos atos de Champinha; os ativistas de direitos humanos sempre fazem de tudo para que os direitos dos bandidos sejam preservados, mas se esquecem que os próprios alvos de seus esforços são os primeiros a desrespeitar os direitos humanos das pessoas inocentes. Esses bandidos não respeitam o direito de propriedade, tampouco o direito à vida – se bem que os ativistas de direitos humanos também não. Quando um criminoso comete um crime bárbaro, os ativistas de direitos humanos lutam pelos direitos dos criminosos, ao invés de lutar pelo direito de suas vítimas, essas sim, mereciam ter seus direitos humanos defendidos. Eles dizem que faltam lugar nas cadeias para os criminosos, mas a verdade é que o que falta mesmo é criminosos nas cadeias. O que a população pede é que se encha ainda mais essas cadeias, pois nosso país tem tanta impunidade que a maioria dos criminosos estão fora delas. Então que a lei se cumpra e que se construa as prisões; pois quase 90% da população brasileira agoniza em favor da redução da maioridade penal. O brasileiro está cansado de pagar impostos para que a sua segurança seja cada dia mais mitigada. Vivemos numa democracia e a verdadeira vontade do povo é colocar esses criminosos atrás das grades. Todos estamos cansados de pagar impostos para o governo criar essas instituições que só aparecem na hora que ocorre uma grande rebelião. Se 90% dos brasileiros clama por isso é porque essa situação a muito já saiu do controle; já que os outros 10% não conseguem ganhar no voto, apelam para o bom-mocismo e para o coitadismo, dizendo que o menor é uma vítima do sistema. Se esquecem que nem todos os menores de idade que moram em regiões dominada.

Em 19 de agosto de 2015, a Câmara dos Deputados aprovou em segundo turno a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) nº 171/93, que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos nos casos de crimes hediondo (estupro ou latrocínio), homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte.

A proposta, entretanto, sofreu alterações em seu texto original. A emenda que foi apresentada originalmente ao Plenário e é de autoria dos deputados Rogério Rosso e André Moura, e incluía outros crimes como o tráfico de drogas, terrorismo, tortura, roubo qualificado, entre outros, mas foi rejeitada.

De acordo com as disposições da PEC aprovada, os jovens de 16 e 17 anos que praticarem os crimes mencionados deverão cumprir suas penas em local separado dos outros adolescentes que cumprem penas da ordem socioeducativas e dos maiores de 18 anos.

A redução da maioridade penal não é nem de longe a melhor alternativa para lidar com o problema da criminalidade na adolescência. Em lugar de encarcerar, o melhor é trabalhar o potencial de cada jovem por meio de arte, cultura e educação. Encaminhar adolescentes de 16 e 17 anos para o sistema penitenciário não ataca os reais problemas da violência brasileira, além de aumentar a criminalização dos/as jovens, em especial negros/as, pobres e moradores/as de periferias.

A cadeia como um local de reintegração social é um conceito historicamente recente, adotado pelos países entre o final do século 19 e o início do século 20. O Estado assume a custódia do criminoso e não está lá para aplicar uma vingança pessoal: independentemente da gravidade ou dos horrores dos crimes cometidos por alguém, a punição ao encarcerado deve respeitar as leis e a dignidade humana.

Apesar de a Constituição brasileira estabelecer o respeito à integridade física e moral dos detentos, não é essa a realidade observada nas mais de 1,4 mil unidades prisionais do país. Apesar da negação de direitos básicos aos detentos não causar comoção popular, os problemas do sistema prisional geram consequências também para as pessoas que estão fora das celas. A superlotação carcerária e a organização de facções dentro dos presídios apenas potencializam o aumento dos crimes.

A partir dos 12 anos, qualquer adolescente é responsabilizado pelo ato cometido contra a lei. Essa responsabilização, executada por meio de medidas socioeducativas previstas no ECA, têm o objetivo de ajudá-lo a recomeçar e a prepará-lo para uma vida adulta de acordo com o socialmente estabelecido. É parte do seu processo de aprendizagem que ele não volte a repetir o ato infracional.

Por isso, não devemos confundir impunidade com imputabilidade. A imputabilidade, segundo o Código Penal, é a capacidade de a pessoa entender que o fato é ilícito e agir de acordo com esse entendimento, fundamentando em sua maturidade psíquica.

O ECA prevê seis medidas educativas: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação. Recomenda que a medida seja aplicada de acordo com a capacidade de cumpri-la, as circunstâncias do fato e a gravidade da infração.

Muitos adolescentes, que são privados de sua liberdade, não ficam em instituições preparadas para sua reeducação, reproduzindo o ambiente de uma prisão comum. E mais: o adolescente pode ficar até 9 anos em medidas socioeducativas, sendo três anos interno, três em semiliberdade e três em liberdade assistida, com o Estado acompanhando e ajudando a se reinserir na sociedade.

Não há dados que comprovem que o rebaixamento da idade penal reduz os índices de criminalidade juvenil. Ao contrário, o ingresso antecipado no falido sistema penal brasileiro expõe as(os) adolescentes a mecanismos/comportamentos reprodutores da violência, como o aumento das chances de reincidência, uma vez que as taxas nas penitenciárias são de 70% enquanto no sistema socioeducativo estão abaixo de 20%.

A violência não será solucionada com a culpabilização e punição, mas pela ação da sociedade e governos nas instâncias psíquicas, sociais, políticas e econômicas que as reproduzem. Agir punindo e sem se preocupar em discutir quais os reais motivos que reproduzem e mantém a violência, só gera mais violência.

O Brasil tem a 4° maior população carcerária do mundo e um sistema prisional superlotado com 500 mil presos. Só fica atrás em número de presos para os Estados Unidos (2,2 milhões), China (1,6 milhões) e Rússia (740 mil).

O sistema penitenciário brasileiro não tem cumprido sua função social de controle, reinserção e reeducação dos agentes da violência. Ao contrário, tem demonstrado ser uma “escola do crime”.

Muitos estudos no campo da criminologia e das ciências sociais têm demonstrado que não há relação direta de causalidade entre a adoção de soluções punitivas e repressivas e a diminuição dos índices de violência.

No sentido contrário, no entanto, se observa que são as políticas e ações de natureza social que desempenham um papel importante na redução das taxas de criminalidade.

Dados do Unicef revelam a experiência malsucedida dos EUA. O país, que assinou a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, aplicou em seus adolescentes, penas previstas para os adultos. Os jovens que cumpriram pena em penitenciárias voltaram a delinquir e de forma mais violenta. O resultado concreto para a sociedade foi o agravamento da violência.

Diferentemente do que alguns jornais, revistas ou veículos de comunicação em geral têm divulgado, a idade de responsabilidade penal no Brasil não se encontra em desequilíbrio se comparada à maioria dos países do mundo.

De uma lista de 54 países analisados, a maioria deles adota a idade de responsabilidade penal absoluta aos 18 anos de idade, como é o caso brasileiro.

Essa fixação majoritária decorre das recomendações internacionais que sugerem a existência de um sistema de justiça especializado para julgar, processar e responsabilizar autores de delitos abaixo dos 18 anos.

A Doutrina da Proteção Integral é o que caracteriza o tratamento jurídico dispensado pelo Direito Brasileiro às crianças e adolescentes, cujos fundamentos encontram-se no próprio texto constitucional, em documentos e tratados internacionais e no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Tal doutrina exige que os direitos humanos de crianças e adolescentes sejam respeitados e garantidos de forma integral e integrada, mediando e operacionalização de políticas de natureza universal, protetiva e socioeducativa.

A definição do adolescente como a pessoa entre 12 e 18 anos incompletos implica a incidência de um sistema de justiça especializado para responder a infrações penais quando o autor se trata de um adolescente.

A imposição de medidas socioeducativas e não das penas criminais relaciona-se justamente com a finalidade pedagógica que o sistema deve alcançar, e decorre do reconhecimento da condição peculiar de desenvolvimento na qual se encontra o adolescente.

Até junho de 2011, o Cadastro Nacional de Adolescentes em Conflito com a Lei (CNACL), do Conselho Nacional de Justiça, registrou ocorrências de mais de 90 mil adolescentes. Desses, cerca de 30 mil cumprem medidas socioeducativas. O número, embora seja considerável, corresponde a 0,5% da população jovem do Brasil, que conta com 21 milhões de meninos e meninas entre 12 e 18 anos.

Sabemos que os jovens infratores são a minoria, no entanto, é pensando neles que surgem as propostas de redução da idade penal. Cabe lembrar que a exceção nunca pode pautar a definição da política criminal e muito menos a adoção de leis, que devem ser universais e valer para todos.

As causas da violência e da desigualdade social não se resolverão com a adoção de leis penais severas. O processo exige que sejam tomadas medidas capazes de romper com a banalização da violência e seu ciclo. Ações no campo da educação, por exemplo, demonstram-se positivas na diminuição da vulnerabilidade de centenas de adolescentes ao crime e à violência.

A constituição brasileira assegura nos artigos 5º e 6º direitos fundamentais como educação, saúde, moradia, etc. Com muitos desses direitos negados, a probabilidade do envolvimento com o crime aumenta, sobretudo entre os jovens.

O adolescente marginalizado não surge ao acaso. Ele é fruto de um estado de injustiça social que gera e agrava a pobreza em que sobrevive grande parte da população.

A marginalidade torna-se uma prática moldada pelas condições sociais e históricas em que os homens vivem. O adolescente em conflito com a lei é considerado um ‘sintoma’ social, utilizado como uma forma de eximir da responsabilidade que a sociedade tem nessa construção.

A educação é fundamental para qualquer indivíduo se tornar um cidadão, mas é realidade que no Brasil muitos jovens pobres são excluídos deste processo. Puni-los com o encarceramento é tirar a chance de se tornarem cidadãos conscientes de direitos e deveres, é assumir a própria incompetência do Estado em lhes assegurar esse direito básico que é a educação.

As causas da violência e da desigualdade social não se resolverão com adoção de leis penais mais severas. O processo exige que sejam tomadas medidas capazes de romper com a banalização da violência e seu ciclo. Ações no campo da educação, por exemplo, demonstram-se positivas na diminuição da vulnerabilidade de centenas de adolescentes ao crime e à violência.

O Brasil não aplicou as políticas necessárias para garantir às crianças, aos adolescentes e jovens o pleno exercício de seus direitos e isso ajudou em muito a aumentar os índices de criminalidade da juventude.

O que estamos vendo é uma mudança de um tipo de Estado que deveria garantir direitos para um tipo de Estado Penal que administra a panela de pressão de uma sociedade tão desigual. Deve-se mencionar ainda a ineficiência do Estado para emplacar programas de prevenção da criminalidade e de assistência social eficazes, junto às comunidades mais pobres, além da deficiência generalizada em nosso sistema educacional.

A Organização Mundial de Saúde diz que o Brasil ocupa a 4° posição entre 92 países do mundo analisados em pesquisa. Aqui são 13 homicídios para cada 100 mil crianças e adolescentes; de 50 a 150 vezes maior que países como Inglaterra, Portugal, Espanha, Irlanda, Itália, Egito cujas taxas mal chegam a 0,2 homicídios para a mesma quantidade de crianças e adolescentes.

A Proposta de Emenda Constitucional quer alterar os artigos 129 e 228 da Constituição Federal, acrescentando um parágrafo que prevê a possibilidade de desconsiderar da inimputabilidade penal de maiores de 16 anos e menores de 18 anos.

No Brasil, o gargalo da impunidade está na ineficiência da polícia investigativa e na lentidão dos julgamentos. Ao contrário do senso comum, muito divulgado pela mídia, aumentar as penas e para um número cada vez mais abrangente de pessoas não ajuda em nada a diminuir a criminalidade, pois, muitas vezes, elas não chegam a ser aplicadas.

O problema da marginalidade é causado por uma série de fatores. Vivemos em um país onde há má gestão de programas sociais/educacionais, escassez das ações de planejamento familiar, pouca oferta de lazer nas periferias, lentidão de urbanização de favelas, pouco policiamento comunitário, e assim por diante.

A redução da maioridade penal não visa a resolver o problema da violência. Apenas fingir que há “justiça”. Um autoengano coletivo quando, na verdade, é apenas uma forma de massacrar quem já é massacrado.

Medidas como essa têm caráter de vingança, não de solução dos graves problemas do Brasil que são de fundo econômico, social, político. O debate sobre o aumento das punições a criminosos juvenis envolve um grave problema: a lei do menor esforço. Esta seduz políticos prontos para oferecer soluções fáceis e rápidas diante do clamor popular.

Em nosso país qualquer adolescente, a partir dos 12 anos, pode ser responsabilizado pelo cometimento de um ato contra a lei.

O tratamento é diferenciado não porque o adolescente não sabe o que está fazendo. Mas pela sua condição especial de pessoa em desenvolvimento e, neste sentido, o objetivo da medida socioeducativa não é fazê-lo sofrer pelos erros que cometeu, e sim prepará-lo para uma vida adulta e ajuda-lo a recomeçar.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O UNICEF expressa sua posição contrária à redução da idade penal, assim como a qualquer alteração desta natureza. Acredita que ela representa um enorme retrocesso no atual estágio de defesa, promoção e garantia dos direitos da criança e do adolescente no Brasil. A Organização dos Estados Americanos (OEA) comprovou que há mais jovens vítimas da criminalidade do que agentes dela.

O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) defende o debate ampliado para que o Brasil não conduza mudanças em sua legislação sob o impacto dos acontecimentos e das emoções. O CRP (Conselho Regional de Psicologia) lança a campanha Dez Razões da Psicologia contra a Redução da idade penal CNBB, OAB, Fundação Abrinq lamentam publicamente a redução da maioridade penal no país.

 

Referências
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GOMES, Luiz Flávio. A Maioria e a maioridade penal. Revista Consulex, Brasília-DF, ano XI, n. 245, 31março. 2007.

Informações Sobre o Autor

Benigno Nuñez Novo

graduado em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba 1999 especialista em educação: Área de Concentração: Ensino – Faculdade Piauiense 2005 mestre em Ciências da Educação – Universidad Autónoma de Asunción 2009 e doutor em Direito Internacional – Universidad Autónoma de Asunción 2011


logo Âmbito Jurídico

Maioridade penal

Resumo: Diante dos crescentes índices de criminalidade vigentes no Brasil, muito se tem discutido acerca da maioridade penal, debate este impulsionado notadamente pelo enfoque midiático conferido ao tema. Neste mister, o presente artigo possui como escopo precípuo analisar o tema da maioridade penal, e sua possível redução, com vistas a elucidar os aspectos de maior relevo, notadamente no que tange ao histórico, à legislação e ao direito comparado, bem como o cotejo do paradigma constitucional da maioridade frente ao Estatuto da Criança e do Adolescente, considerando a natureza jurídica do artigo 228 da Constituição Federal de 1988. [1]

Palavras-chave:  Maioridade penal. Redução. Criminalidade. Estatuto da Criança e do Adolescente. Constituição Federal.

Abstract: In the face of increasing crime rates in force in Brazil , much has been discussed about the legal age , this debate driven notably by the media focus given to the subject. This occupation , this article has as preciput scope analyze the issue of criminal responsibility , and its possible reduction , in order to elucidate aspects of greater importance , particularly with regard to history , legislation and comparative law as well as the comparison the constitutional paradigm front age to the Status of Children and Adolescents , considering the legal nature of Article 228 of the Federal Constitution of 1988.

Keywords: Criminal majority. Reduction. Crime. Child and Adolescent Statute. Federal Constitution.

Sumário: 1. Considerações iniciais; 2. Histórico, legislação e direito comparado; 3. O paradigma constitucional da maioridade penal frente ao ECA; 4. Considerações finais; Referências.

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A maioridade penal no Brasil dá-se aos dezoito anos, conforme o artigo 228, da Constituição da República, reforçado pelo artigo 27 do Código Penal e pelo artigo 104 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Atualmente, todavia, existe um longo debate acerca da redução da maioridade penal. Dessa forma, a sociedade brasileira encontra-se sob a sensação de insegurança provocada pela inércia do Poder Público em garantir a devida punição aos jovens de idade inferior a dezoito anos, que cometem crimes (ou atos infracionais, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente). Neste contexto, a população brasileira tornou-se espectadora e refém de práticas violentas bárbaras cometidas por esses jovens, que enxergam na impunidade e privilégios previstos na legislação brasileira, um subterfúgio para a prática de infrações penais.  

Nesta conjuntura, a sociedade brasileira vê-se refém diante de determinadas ações praticadas por “jovens infratores”. Diariamente, os meios de comunicação têm se encarregado de divulgar condutas criminosas praticadas por esses jovens, contribuindo para formar no inconsciente coletivo as sensações de medo e insegurança. Como exemplo, pode ser citado o caso “Liana Friedenbach e Felipe Caffé”, torturados e assassinados por Roberto Aparecido Alves Cardoso, o “Champinha”, no ano de 2003. À época do crime, “Champinha” era menor de idade. Tal crime chocou a opinião pública brasileira e reacendeu a discussão a respeito da redução da maioridade penal.

Emerge, dessa maneira, a ideia de que a impunidade é a “porta de entrada” para o cometimento de tais condutas. Segundo inúmeros setores da sociedade civil, a punição dada a esses jovens é ineficaz e acarreta em impunidade. Destarte, esta certeza da impunidade constitui-se uma “alavanca” para que possam infringir o ordenamento jurídico e atingir seus objetivos ilegais e escusos, cometendo crimes bárbaros.

Dessa forma, o presente trabalho acadêmico visa a abordar os aspectos concernentes à maioridade penal no Brasil, bem como, analisar os dilemas enfrentados pelo legislador a fim de atender aos anseios da sociedade, que clama por punição justa, eficaz e suficiente para coibir a prática de condutas delituosas por esses “infratores”. Sem esquecer, contudo, de respeitar as disposições constitucionais e os direitos estabelecidos na legislação infraconstitucional, referentes à proteção desses jovens.

Neste cenário, convém ressaltar que esta produção acadêmica analisará as questões mais controversas referentes à maioridade penal no Brasil. Neste sentido, terá como um de seus objetivos abordar o clamor da opinião pública em ver atendidos os seus anseios pela redução da maioridade penal para dezesseis anos. Nesta conjuntura, é importante ressaltar que, segundo pesquisa do Instituto Datafolha, realizada na cidade de São Paulo, em 2013, 93% dos paulistanos são favoráveis à redução da maioridade penal. No mesmo sentido, pesquisa realizada pela CNT (Confederação Nacional dos Transportes), veio corroborar tal sentimento. Segundo esse levantamento, feito com 2.010 pessoas em 134 municípios de 20 Estados, 92,7% dos brasileiros são favoráveis à redução da idade penal para dezesseis anos. 

Entretanto, o desejo da esmagadora maioria da sociedade brasileira esbarra em determinados entraves e barreiras, sobretudo, na própria legislação pátria e no sistema legal de proteção do menor. Destarte, este trabalho acadêmico tem o dever de esmiuçar estas questões, analisando a maneira como a lei brasileira cuida do menor infrator, o tratamento a ele direcionado, os direitos estabelecidos por lei e os aspectos referentes ao interesse social no que tange ao combate às infrações penais (atos infracionais, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente) cometidas por esses menores.

Neste contexto, esta produção não fugirá da sua obrigação de analisar o arcabouço jurídico brasileiro, referente à todas as questões que envolvem o tratamento do menor infrator, enfrentando o dilema da possibilidade de mudança do sistema legal de proteção do menor infrator, a fim de garantir à eficiente punição reclamada pela sociedade. Dessa forma, analisará o paradigma constitucional da maioridade penal; a maneira como o Estatuto da Criança e do Adolescente lida com o menor infrator, bem como, as disposições presentes no Código Penal relacionadas à inimputabilidade desses indivíduos. Destarte, este trabalho acadêmico abordará as mais variadas questões acerca da maioridade penal e os aspectos ligados à política criminal relativos ao menor infrator.

A produção deste trabalho justifica-se, tendo em vista que o debate acerca da redução da maioridade penal encontra-se presente na sociedade brasileira e tem ocasionado discussões e análises advindas dos mais renomados juristas. Neste aspecto, esta produção acadêmica terá o prazeroso desafio de estudar e entender as questões atinentes à redução da maioridade penal, pois este é um assunto de interesse da sociedade brasileira e de muita relevância no âmbito do Direito Penal.

2. HISTÓRICO, LEGISLAÇÃO E DIREITO COMPARADO

Inicialmente, é essencial que sejam analisados os aspectos históricos da maioridade penal no Brasil. Logo, é imprescindível que seja traçada a evolução histórica da previsão da maioridade penal no ordenamento jurídico brasileiro, a fim de que se possa compreender de maneira mais ampla e didática a atual previsão contida no texto constitucional, bem como, no Código Penal Brasileiro. Neste contexto, é necessário que seja feita uma análise histórica da forma como a maioridade penal fora expressa ou prevista nos códigos que já vigoraram no Brasil.

Em seguida, faz-se mister ressaltar os aspectos legais referentes à previsão da maioridade penal no Brasil. Neste sentido, devem ser lembradas as disposições presentes na Constituição Republicana, sobretudo, o artigo 228. Assim como, será estudada a previsão da maioridade penal no Código Criminal Brasileiro e no Estatuto da Criança e do Adolescente. Após esse estudo inicial, não se esquecerá de analisar as diversas previsões da maioridade penal no Direito Comparado, para que se possa entender a maneira como os diferentes países lidam com essa questão.

2.1. Evolução Histórica da Maioridade Penal no Brasil

Antes da criação da primeira legislação penal brasileira, qual seja, o Código Criminal do Império, datado de 1830, vigoravam no Brasil as chamadas “Ordenações Filipinas”, que também regiam os portugueses. De acordo com este sistema de leis, a imputabilidade penal iniciava-se aos sete anos de idade, eximindo o menor da pena de morte e sendo concedida a redução de pena. Entre a faixa etária compreendida dos dezessete aos vinte e um anos, o indivíduo poderia, inclusive, ser condenado à pena de morte ou ter a sua pena diminuída, a depender das circunstâncias. Todavia, a imputabilidade penal plena ou absoluta estava direcionada aos maiores de vinte e um anos, a quem poderia ser aplicada a pena de morte.

Em 1830, após a Proclamação da Independência, o Brasil, antiga colônia portuguesa, procurou desvencilhar-se das influências jurídicas lusitanas e, dessa forma, editou o Código Criminal do Império, em 1830. Este código, inspirado no Código Penal Francês, de 1810, adotou o chamado “sistema do discernimento”, determinando a maioridade penal absoluta a partir dos 14 (catorze) anos de idade, salvo se o indivíduo tivesse atuado com discernimento acerca do crime que cometia. Nessas condições, deveria ser recolhido às “casas de correção”, pelo tempo determinado pelo juiz, desde que tal recolhimento não ultrapassasse a idade de dezessete anos do indivíduo. Neste contexto, percebe-se que o Código Criminal do Império adotou o critério biopsicológico para a punição de crianças e jovens entre sete e catorze anos de idade, pois se agissem com discernimento, poderiam ser considerados imputáveis, sendo recolhidos às “casas de correção”. 

O Código Penal Republicano, por sua vez, previa a inimputabilidade penal absoluta até os nove anos de idade completos, sendo que os maiores de nove e menores de catorze seriam submetidos à análise do discernimento para a prática de dada infração penal.

Todavia, conforme ressalta Basileu Garcia[2], o reconhecimento de possuir ou não o necessário discernimento para a prática do ilícito era uma tarefa árdua e difícil para o magistrado, que geralmente, decidia em favor do menor, determinando a ausência de discernimento.

Vale ressaltar que com o advento da Proclamação da República, as elites políticas, intelectuais e filantrópicas começaram a discutir o contexto social em que se encontravam submetidas as crianças e jovens brasileiros da época. Destarte, a questão social da criança e do jovem adquire uma dimensão política, alicerçada no pensamento republicano do período. Neste cenário, o mestre Aníbal Bruno[3] aponta que em fins do século XIX, surge o impulso de conduzir a criminalidade infanto-juvenil a um ponto de vista educativo e reformador, não apenas punitivo.

Dessa forma, o dispositivo que regulava a inimputabilidade penal presente no Código Republicano de 1830, fora revogado em 1921, pela Lei n°4.242, artigo 3°. Tal diploma legal permitiu ao Governo Federal organizar o serviço de assistência e proteção à infância abandonada e delinquente, visando a construção de abrigos e casas de preservação. Neste contexto, estabelecia o artigo 3°, § 2°:

“O menor de 14 anos, indigitado autor ou cúmplice de crime ou contravenção, não será submetido a processo de espécie alguma e que o menor de 14 a 18 anos, indigitado autor ou cúmplice de crime ou contravenção será submetido a processo especial”.

Além dessas considerações, a referida Lei abandonava o sistema biopsicológico e estabeleceu um critério objetivo de imputabilidade penal. Neste sentido, a imputabilidade penal fora fixada em catorze anos de idade. 

Em 1927, fora promulgado o Código de Menores, conhecido como Código de Menores Mello Mattos. Por este diploma legal, fora prevista a impossibilidade de recolhimento à prisão do menor de dezoito anos que houvesse praticado qualquer ato infracional. O menor de catorze anos, conforme sua condição de exclusão e abandono, seria abrigado em casa de educação ou preservação ou confiado à guarda de pessoa idônea até a idade de vinte e um anos. O artigo 68, por sua vez, previa que o menor e,m situação de exclusão e delinqüência agia sempre sem discernimento.

O sistema de proteção e assistência do Código de Menores submetia qualquer criança ou jovem, desde que estivesse em situação de exclusão e pobreza, à ação da Justiça e Assistência.

Em 1940, fora promulgado o Código Penal, que vigora no ordenamentos jurídico brasileiro até os dias de hoje. Em seu artigo 27, o mencionado código prevê que “os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.

Em 1969, emergiu a vontade do legislador de ver promulgado um novo Código Penal, sem obter o êxito desejado. O Código penal de 1969 buscou trazer de volta o critério do discernimento, que já estivera presente no ordenamento jurídico brasileiro em épocas passadas. De acordo com esse código, que não entrou em vigência, seria possibilitada a aplicação de pena ao maior de 16 e menor de 18 anos, com a pena reduzida de 1/3 a metade, desde que o mesmo entendesse o caráter ilícito do ato ou tivesse possibilidade de se portar de acordo com esse entendimento. Neste contexto, houve a frustrada tentativa de se reduzir a maioridade penal para dezesseis anos, devendo haver nesse caso, exame criminológico para a verificação da capacidade de entendimento e autodeterminação do menor infrator.

Dessa forma, a maioridade penal permaneceu nos moldes previstos pelo Código Penal de 1940, ou seja, dezoito anos de idade. O menor, por sua vez, ficaria sujeito à legislação especial, neste caso à Lei n° 8.069/90, o Estatuto da Criança e do Adolescente. Todavia, é importante ressaltar que o Código Penal Militar filia-se ao critério biopsicológico ao fixar o limite penal em 18 anos, salvo se, já tendo o menor 16 anos, revelar discernimento para a prática da conduta delituosa.

2.2. Maioridade penal na legislação brasileira

Como já fora dito, a esmagadora maioria da sociedade brasileira anseia pela redução da maioridade penal para dezesseis anos, pois acredita que este é o mecanismo mais célere e eficaz para garantir a punição de jovens que praticam crimes. Contudo, a clamor da opinião pública esbarra no próprio arcabouço jurídico brasileiro, que prevê a maioridade penal em dezoito anos e estabelece uma série de dispositivos que asseguram a proteção do menor infrator, o que causa revolta na sociedade.

Dessa maneira, a Constituição Brasileira, em seu artigo 228, prevê: “São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”. Neste cenário, percebe-se que para ser atendido o anseio da maior parte da sociedade civil em ver reduzida a maioridade penal, é necessária uma complexa mudança legislativa. Dessa forma, conforme leciona Rogério Greco[4], a “única implicação prática da previsão da inimputabilidade penal no texto da Constituição é que, agora, somente por meio de emenda constitucional, a menoridade penal poderá ser reduzida”. Portanto, a redução da maioridade penal por meio de lei ordinária fica impossibilitada.

O Código Penal Brasileiro, por sua vez, deixa expresso em seu artigo 27: “Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial”. É o que se chama de inimputabilidade natural, segundo GRECO (2012, p. 388), Por questões de política criminal, o legislador brasileiro entendeu que os menores de dezoito anos não possuem o necessário discernimento ou capacidade de entendimento que lhes permita imputar a prática de fato típico e ilícito.

De acordo com Aníbal Bruno[5], a lei não reconhece ao menor de dezoito anos uma maturidade mental concluída. Dessa forma, o ordenamento jurídico estruturou-se a fim de poupar o menor da ação perversora do cárcere. Rogério Greco[6] comunga do mesmo pensamento do eminente jurista citado.

Tal entendimento tem revoltado boa parte da sociedade brasileira, que presencia com impressionante freqüência a prática de reiteradas condutas criminosas por parte de jovens menores de dezoito anos. É preciso, neste aspecto, levantar alguns questionamentos suscitados por esses setores da sociedade. Não seria uma contradição do própria legislador brasileiro não reduzir a maioridade penal para dezesseis anos, tendo em vista que o jovem maior de dezesseis e menor de dezoito anos pode, inclusive, votar? Logo, o jovem dessa faixa etária, que pode escolher os rumos de seu país, não teria maturidade para compreender o caráter ilícito de sua conduta criminosa? Isto não seria uma contradição? Estes são questionamentos feitos pelos setores da população brasileira revoltados com os crimes ou atos infracionais praticados pelos “menores infratores”.

Nesta conjuntura, segundo a previsão do Código penal, uma vez completados dezoito anos, o agente torna-se imputável, podendo ser a ele atribuída uma sanção de natureza penal.

Conforme a previsão do artigo 27 do Código Penal Brasileiro, os menores de dezoito anos ficarão sujeitos à legislação especial, caso cometam um fato típico e ilícito. Neste contexto, tais jovens encontram-se sujeitos à Lei n° 8.069/90, o Estatuto da Criança e do Adolescente. Neste sentido, o artigo 104 do mencionado diploma legal preconiza: “são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medias previstas nesta Lei”, do mesmo modo que prevê ato infracional como a conduta descrita como crime ou contravenção penal.

Dessa maneira o Estatuto da Criança e do Adolescente visa em seu Título III (Da Prática de Ato Infracional) regulamentar os direitos individuais, garantias processuais e medidas socioeducativas referentes aos jovens menores de dezoito anos, que pratiquem um fato típico e ilícito. Neste contexto, são garantias processuais: I- pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, mediante citação ou meio equivalente; II_ igualdade na relação processual, podendo confrontar-se com vítimas e testemunhas e produzir todas as provas necessárias à sua defesa; III- defesa técnica por advogado; IV- assistência judiciária gratuita e integral aos necessitados, na forma da lei; V- direito de ser ouvido pessoalmente pela autoridade competente; VI- direito de solicitar a presença de seus pais ou responsável em qualquer fase do procedimento. 

O artigo 112 do mencionado Estatuto prevê as medidas socioeducativas a que estão sujeitos os “menores infratores, que são as seguintes: I- advertência; II- obrigação de reparar o dano; III- prestação de serviços à comunidade; IV- liberdade assistida; V- inserção em regime de semiliberdade; VI- internação em estabelecimento educacional; VII- qualquer uma das previstas no artigo 101, I a VI.

Contudo, um dispositivo do mencionado Estatuto que tem causado inúmeras discussões é o artigo 121, §3°, que prevê: “Em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos”. Muitos juristas e os setores da sociedade brasileira favoráveis à redução da idade penal afirmam que este dispositivo constitui-se em um incentivo para a prática de delitos penais (atos infracionais, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente), pois três anos de internação é um período deveras ínfimo e não poderia ser considerada uma punição justa e eficaz.

Neste contexto, é necessário ressaltar que a redução da maioridade penal não é um consenso entre os juristas da comissão que elaborou o anteprojeto de lei que atualiza o Código Penal. Dessa forma, os eminentes juristas empenhados na construção do texto que pretende atualizar o Código Penal, não chegaram a uma opinião comum se a medida fere ou não uma cláusula pétrea da Constituição Brasileira, logo, insuscetível de alteração.

Na opinião do eminente ministro Gilson Dipp[7], a idade fixada em 18 anos não se enquadra nas características de uma cláusula pétrea e, portanto, poderá ser modificada mediante emenda constitucional. Na avaliação do douto ministro, cláusulas pétreas dizem respeito ao Estado Brasileiro e não a questões de política criminal.

Contudo, na visão do renomado jurista Luiz Flávio Gomes[8], a maioridade penal é tema de cláusula pétrea. Ele explicou que diversos assuntos dessa categoria estão espalhados pela própria Constituição Republicana.

2.3. Maioridade penal no direito comparado

Uma das mais frutíferas maneiras de analisar o Direito é procurar entender a forma como a ciência jurídica é construída nos diferentes países. Nesta conjuntura, é importante que se compare a maneira como a maioridade penal é estabelecida nos demais países. 

O Código Penal Italiano fixa a inimputabilidade penal absoluta em catorze anos (artigo 97). O menor de dezoito anos só seria inimputável se fosse provado que o mesmo agiu com o necessário discernimento para a prática do fato típico e ilícito. A Ordenação Francesa de 1945, modificada pela Lei de 24 de maio de 1951, estabeleceu uma legislação especial para os menores de dezoito anos, mas permitiu que se proferisse condenação contra maiores de 13 anos, quando a personalidade do delinqüente assim exigir. Portanto, a lei francesa fixa o tempo máximo da inimputabilidade em 13 anos. De 18 a 21 anos no Sistema Alemão, admite-se o que se convencionou a chamar de sistema de jovens adultos, no qual mesmo após os 18 anos, a depender do discernimento podem ser aplicadas as regras do Sistema Juvenil. Após os 21 anos, a competência é exclusiva da jurisdição penal tradicional.

A Noruega fixa a maioridade penal em 14 anos. Neste país, contudo, não há punição na prática de menores de 16 anos e, antes dos 18 anos, se recorram a medidas socioeducativas.

É importante também ressaltar como alguns países sul-americanos dispõem sobre a maioridade penal. Neste cenário, a Argentina prevê que aos 16 anos, o indivíduo torna-se imputável. Todavia, assim como no Brasil, a Argentina enfrenta o dilema acerca da redução da maioridade penal. A diferença é que muitos argentinos desejam que a idade penal seja reduzida para 14 anos. De acordo com pesquisas, a insegurança é uma das maiores preocupações do povo argentino, o que leva a inúmeras pessoas a apoiarem a diminuição da idade penal nesse país. Assim como na Argentina, o Chile prevê a maioridade penal aos 16 anos. Por sua vez, Brasil, Colômbia e Peru estabelecem a maioridade penal aos 18 anos.

Por fim, cabe salientar a maneira como a legislação dos Estados Unidos prevê a maioridade penal. Nesse país, a idade penal varia conforme a legislação de cada Estado. Apenas 13 Estados fixaram idade mínima, a qual varia entre 6 e 12 anos. Na maioria dos Estados desse país, a legislação se baseia nos usos e costumes locais, dentro do chamado “direito consuetudinário” ou Common Law.

Na China, por sua vez, país que vem crescendo em influência mundial nos últimos anos, admite-se a responsabilidade de 14 anos nos casos em que cometem crimes considerados violentos, como homicídio, estupro, roubo, tráfico de drogas, incêndio, envenenamento e outros. Nos demais casos, a responsabilidade penal se dará aos 16 anos.  No Japão, país asiático, assim como a China, a maioridade penal é fixada aos 21 anos de idade.

Portanto, como é perceptível, a maioridade penal é prevista de diversas maneiras nos demais países. Contudo, é importante destacar que a legislação penal de cada país se encontra relacionada diretamente com a conjuntura socioeconômica local. Neste sentido, é imprescindível avaliar as circunstâncias violentas em que se acha inserida a sociedade brasileira, a fim de que se possa definir qual o melhor caminho a trilhar.

3. O PARADIGMA CONSTITUCIONAL DA MAIORIDADE PENAL FRENTE AO ECA

3.1. Considerações preliminares concernentes à imputabilidade penal

Antes de analisar os aspectos constitucionais que tangenciam a questão da redução da maioridade penal, é precípuo analisar o cerne da questão, qual seja, uma das excludentes da imputabilidade penal.

A culpabilidade, que consiste no terceiro substrato do crime (além da tipicidade e da ilicitude ou antijuridicidade), possui como elementos a exigibilidade de conduta diversa, a potencial consciência da ilicitude e a imputabilidade. Caso um desses elementos não esteja presente na conduta que desaguou na ocorrência do delito, a culpabilidade não restará provada.

A imputabilidade penal, de acordo com o entendimento de Rogério Sanches Cunha, consiste na capacidade de imputação; na possibilidade de se atribuir a alguém a responsabilidade pela prática de determinada infração penal. Dessarte, pode-se concluir que esta é o conjunto de condições pessoais que confere ao sujeito ativo a capacidade de discernimento e compreensão para entender seus atos e posicionar-se conforme tal entendimento.

O Código Penal brasileiro define imputabilidade à ‘‘contrario sensu’’, ou seja, especificando as hipóteses de inimputabilidade (trata-se de um conceito negativo). Para que se possa depreender a essência da imputabilidade é imprescindível delimitar quais os critérios adotados pelo Estatuto Repressor. Três são os critérios básicos que estabelecem a imputabilidade, a saber, biológico, psicológico e biopsicológico. O critério biológico considera apenas o desenvolvimento mental do agente, independentemente se tinha, no momento da conduta, capacidade de entendimento e autodeterminação. O critério psicológico, por sua vez, analisa apenas se o agente, ao tempo da conduta, tinha capacidade de entendimento e autodeterminação, independentemente de sua condição mental. Por fim, o critério biopsicológico é uma junção dos critérios supracitados, tendo em vista que leva em conta tanto o desenvolvimento mental do agente como sua capacidade de entendimento e autodeterminação no momento da conduta.

O Código Penal adotou tanto o critério biológico como o biopsicológico, para regular situações distintas. No que tange à imputabilidade penal em razão da idade do agente, o CP, em seu artigo 27[9], adotou o critério biológico. Logo, se um adolescente com 17 anos e 11 meses de idade cometer um estupro, pouco importará sua capacidade de entendimento e de autodeterminação, ou seja, é inimputável.

3.2. Natureza jurídica do artigo 228 da Constituição Federal

Feitas tais considerações, é de bom tom delinear os elementos constitucionais que abarcam a polêmica da redução da maioridade penal.

Um aspecto fundamental, nesta seara, consiste na divergência sobre a natureza jurídica do artigo 228 da Constituição Federal de 1988. Insta indagar se o mencionado artigo possui a mesma natureza das normas contidas no artigo 5º, CF, direito fundamental, constituindo verdadeira cláusula pétrea ou trata-se apenas de uma regra de política criminal, modulável com o desabrochar da sociedade.

Os direitos fundamentais possuem características que os diferenciam dos demais direitos, quais sejam: relatividade (não existe direito fundamental absoluto); irrenunciabilidade; imprescritibilidade (o fato de o titular de um direito fundamental não exercê-lo não implica na ocorrência de prescrição); indivisibilidade; aplicabilidade imediata (via de regra); universalidade e historicidade.

Caso a norma contida no artigo 228, CF/88 seja considerada como direito fundamental, aspecto que será enfrentado adiante, a redução da maioridade penal restaria por inconstitucional, a não ser que uma nova Constituição seja promulgada, tendo em vista que o poder constituinte originário é ilimitado juridicamente. Tal afirmação é tácita, em decorrência da disposição contida no artigo 60, parágrafo 4º, IV, da CF/88[10], haja vista que a partir de sua análise, as normas relativas aos direitos fundamentais só poderiam ser alteradas para otimizá-los, conforme o entendimento do Supremo Tribunal Federal.

O posicionamento majoritário quanto ao tema é o de que o aludido artigo constitui apenas uma regra de política criminal, o que viabiliza uma possível alteração em sede de maioridade penal.

Para que se possa depreender com exatidão tal discussão, faz-se mister conceituar o que vem a ser política criminal. No ensinamento de Zaffaroni (ZAFFARONI, p. 132), esta é “a ciência ou a arte de selecionar os bens (ou direitos) que devem ser tutelados jurídica e penalmente e escolher os caminhos para efetivar tal tutela, o que iludivelmente implica a crítica dos valores e caminhos já eleitos”. Desta forma, pode-se inferir que toda conduta pública que seja tomada para evitar ou reprimir de forma mais satisfatória um delito integra a política criminal de determinado Estado.

Logo, entende-se que o dispositivo constitucional em comento é mera regra de política criminal, o que possibilita uma alteração fática quanto ao tema em tela. Até aqui analisa-se apenas a possibilidade jurídica e não o mérito ou possíveis implicações de uma futura redução.

Consoante o posicionamento do ilustre constitucionalista Pedro Lenza:

“Muito se cogita a respeito da redução da maioridade penal, de 18 para 16 anos. Para tanto, o instrumento necessário seria uma emenda à CF e, portanto, manifestação do poder constituinte derivado reformador, limitado juridicamente. Neste ponto resta saber: eventual EC que reduzisse, por exemplo, de 18 para 16 anos, a maioridade penal violaria a cláusula pétrea do direito e garantia individual? Embora parte da doutrina assim entenda, a nossa posição é no sentido de ser perfeitamente possível a redução de 18 para 16 anos, uma vez que apenas não se admite a proposta de emenda (PEC) tendente a abolir direito e garantia individual. Isso não significa, como já interpretou o STF, que a matéria não possa ser modificada.” (LENZA, p. 1321, 2013).

Portanto, na seara da possibilidade jurídica não existe óbice. Todavia o que se questiona com grande veemência na doutrina e nos meios midiáticos é o aspecto meritório da medida.

Antes de adentrar no mérito da questão é fulcral explicitar as disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente a respeito das infrações cometidas por menores de dezoito anos e as consequentes sanções.

3.3 Compreensão acerca do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é uma lei federal (lei 8.069/1990) que versa sobre os direitos das crianças e dos adolescentes em todo o território nacional, como o próprio nome da lei deixa transparecer.

A mencionada lei trata das crianças e adolescentes como titulares de direitos e deveres, sem qualquer distinção no tocante à raça, cor ou classe social, tendo em vista que estes constituem o futuro do país.

O ECA possui como nítido escopo a proteção dos menores de dezoito anos, visando proporcionar-lhes um ambiente propício ao desenvolvimento físico, mental, moral e social, tomando como base o princípio da liberdade e, principalmente, o da dignidade da pessoa humana (ambos inseridos no bojo do texto constitucional).

Diversos direitos encontram-se consignados no ECA, quais sejam: à vida, à saúde, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária.

Para os efeitos da lei, considera-se criança a pessoa de até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela compreendida entre doze e dezoito anos. Excepcionalmente, o estatuto se aplica às pessoas com idade entre dezoito e vinte e um anos.

O ECA assevera que é dever de todos prevenir a existência de ameaça ou violência dos direitos das crianças e dos adolescentes. Tal dever não incumbe apenas ao pode público, mas também à família e a sociedade como um todo. Uma das entidades públicas competentes para inspecionar os direitos e deveres das crianças e dos adolescentes é o Conselho Tutelar.

Feitas tais considerações genéricas quanto ao ECA e suas atribuições, insta analisar especificamente o que o mencionado Estatuto dispõe acerca das infrações cometidas por menores de dezoito anos.

Os crimes que são praticados por adolescentes são chamados de atos infracionais, estes não estão sujeitos à aplicação das penas previstas no Código Penal, mas sim de medidas socioeducativas. Tanto os menores como os responsáveis podem sofrer restrições e, para os casos mais graves, sanções com a prática pelo menor de atos infracionais. É de grande valia aduzir que a conduta prevista como ato infracional sempre estará descrita como crime ou contravenção penal para os imputáveis.

Além das medidas socioeducativas, que serão analisadas adiante, o ECA prevê a adoção de medidas aplicáveis nos casos de ameaça ou violação dos direitos previstos no estatuto.[11]

As medidas protetivas são as seguintes: encaminhamento aos pais ou responsável; orientação, apoio e acompanhamento; matrícula e frequência em estabelecimento de ensino; inclusão em programa de auxílio à família; encaminhamento a tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, abrigo, tratamento toxicológico, e até colocação em família substituta. Tais medidas podem ser aplicadas de forma isolada ou cumulativa, bem como podem ser substituídas a qualquer tempo.

As medidas socioeducativas (previstas no art. 112, ECA)[12], por sua vez, são decorrentes da prática de ato infracional e sua intensidade varia de acordo com a capacidade do ofensor, as circunstâncias do fato e gravidade da infração, quais sejam:

“Advertências: podem ser realizadas de forma verbal, devendo ser reduzida a termo e ser assinada pelos adolescentes e responsáveis, devendo esclarecer acerca do risco de envolvimento em atos infracionais;

Obrigação de reparar o dano: em determinadas infrações, o prejuízo da vítima pode ser minorado ou reparado, nestes casos o menor/responsável é obrigado a repará-lo;

Prestação de serviços à comunidade: visa conscientizar o menor sobre as irregularidades cometidas, proporcionando a este o desenvolvimento de valores e solidariedade social;

Liberdade assistida: profissionais do Juizado da Infância e Juventude (psicólogos e assistentes sociais) atuam em conjunto com a família na busca pela reeducação do infrator;

Semiliberdade: constitui medida de média extremidade, haja vista exigir dos infratores o trabalho e estudo durante o dia e restringir sua liberdade durante o período noturno (este deve se recolher em entidade especializada);

Internação por tempo indeterminado: medida mais drástica do ECA, tomando-se por base que ocorre uma privação total da liberdade do infrator. É uma medida excepcional, só devendo ser tomada nos casos mais graves.”

A partir do estudo das disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente observa-se que as medidas destinadas a prevenir, reeducar e ressocializar os menores infratores, em tese seriam aptas a alterar o contexto social vigente, todavia em um país como o Brasil, onde o próprio sistema carcerário encontra-se imerso em gritantes desvios e falhas, tais medidas carecem de efetividade e resultado prático, haja vista o crescente número de infrações cometidas por menores de idade.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

As garantias constitucionais aos menores infratores são consideradas por alguns doutrinadores como direitos fundamentais protegidos por cláusulas pétreas e, portanto, são direitos que não podem ser suprimidos. Entretanto, a maioria dos doutrinadores concorda que a idade mínima de 18 anos como condição de imputabilidade penal não constitui direito fundamental.

Desta forma, existe a possibilidade de revisão da disposição constitucional que prevê a maioridade penal se iniciando aos 18 anos de idade. Entretanto, a redução da maioridade penal por meio de lei ordinária fica impossibilitada uma vez que este tipo de lei não pode contrariar a Constituição.  A revisão constitucional deve passar pelo processo legislativo especial de Emenda Constitucional oriundo do Poder Constituinte derivado ou, simplesmente, do Poder de Revisão. Isto pode ocorrer porque a Constituição deve se acomodar às novas conjunturas políticas e sociais. 

Neste sentido, o clamor popular em favor da diminuição da maioridade penal divulgado pela mídia e detectado nas pesquisas citadas é indicativo da necessidade de mudanças em nossa política criminal. Compreendemos que tal mudança na política criminal, está fundamentada, dentre outros motivos, na mudança de crianças e adolescentes da nossa sociedade atual. Devido aos grandes progressos tecnológicos ocorridos no mundo, especialmente nas áreas relacionadas com a divulgação de dados, permitindo acesso rápido e ilimitado à informação, nossas crianças e adolescentes apresentam desenvolvimento intelectual cada vez mais precoce.

A justificativa do desenvolvimento precoce de menores foi muito utilizada para a mudança de nossa política eleitoral ao permitir o voto opcional de para adolescentes de 16 a 18 anos. Por outro lado, sabemos que os interesses eleitoreiros em poder desfrutar de mais um reduto de votos tem uma influência mais determinante nesta modificação legal. Analisar o outro lado, na questão polêmica da diminuição da maioridade penal, nos leva a constatar que os adolescentes protegidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente perderão esta proteção, no caso desta mudança na Constituição se consolidar.

Mas, todos estes adolescentes poderiam ser considerados precocemente desenvolvidos? Acreditamos que não, especialmente aqueles em condição de vulnerabilidade social e que mais precisam de proteção legal. Desta forma, entendemos a redução da maioridade penal como um erro, pois joga todos os menores infratores maiores de 16 anos no sistema penal brasileiro. Esta política constitui um crime social gigantesco, uma vez que aumenta o número de adultos marginalizados quando submete ao cárcere, menores com infrações menos graves.

Uma das situações mais utilizadas para atacar a maioridade penal aos dezoito anos é o homicídio cometido por adolescente de 16 ou 17 anos. Em tais situações, com a previsão de um período máximo de internação de três anos estabelecida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, o que sobra para os amigos e familiares da vítima é um forte o sentimento de impunidade. Desta forma, os adolescentes desta faixa etária, principalmente aqueles que vivem em condição de vulnerabilidade social, acabam por se tornar uma boa opção para serem utilizados como soldados do crime organizado e se tornarem futuros infratores.

Entretanto, devemos lembrar que esta disposição do período máximo de internação para menores infratores de três anos está estabelecida no Estatuto da Criança e do Adolescente, que consiste de lei ordinária podendo ser revogada por outra lei similar produzida em um processo legislativo comum. Nesta perspectiva, a revisão da política criminal não encontra obstáculos jurídicos, uma vez que, o aumento do período de internação de menores infratores é perfeitamente modificável por lei infraconstitucional. Nestes casos, com um simples aumento no período de internação através de alteração do estatuto, os anseios por justiça de nossa sociedade poderiam ser satisfeitos.

Obstáculos políticos podem emergir quando se considera a falta de efetividade do Estatuto da Criança e do Adolescente em garantir os direitos dos menores de idade. A estrutura administrativa posta à disposição da garantia destes direitos é insuficiente tornando a redução da maioridade a opção mais fácil, rápida e barata. Provavelmente, isto ocorre por que os setores da sociedade mais influentes na definição das políticas públicas não tem interesse em aumentar os esforços para viabilizar a efetivação das disposições do estatuto. Quando se considera uma lei que aumente o período de internação de menores infratores, o interesse passa a ser menor, uma vez que aumenta a responsabilidade desta estrutura administrativa, já considerada insuficiente, posta à disposição de recuperação de crianças e adolescentes.

Por fim, entendemos que as mudanças necessárias em nossa política criminal, não devem passar pela questão da revisão constitucional da maioridade penal. Como medida principal, devemos nos concentrar na efetivação do Estatuto da Criança o do Adolescente, que fornece meios para conduzir a criminalidade infanto-juvenil a um ponto de vista educativo e reformador, não apenas punitivo. Esta efetivação deve passar pelo aumento e organização da estrutura administrativa que trabalha com menores infratores e, até pode passar por uma ou outra modificação do estatuto, mas não pode retroceder jogando menores protegidos na marginalidade.

 

Referências
BRASIL, Constituição Federativa da República do Brasil de 05 de outubro de 1988.
BRASIL. Lei n° 8.069/90. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Senado Federal, Brasília, 2011.
BRUNO, Anibal. Direito Penal – parte geral. Tomo II. 5. ed. São Paulo: Editora Forense, 2003.
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal. 2. ed. São Paulo: Editora Juspodivm, 2014.
GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal. vol. 1. Tomo I. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
GRECO, Rogério. Curso de Direito penal – parte geral. Vol. 1. 14. ed. Niterói: Editora Impetus, 2012.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELO, José Henrique. Manual de Direito Pneal brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
 
Notas:
[1] Trabalho orientado pelo Prof. Raimundo Nonato Serra Campos Filho. Professor do Departamento de Direito da Universidade Federal do Maranhão – UFMA
[2] GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal. Vol 1. Tomo I. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 274.

[3] BRUNO, Aníbal. Direito penal- parte geral. Tomo II. 5. ed. São Paulo: Editora Forense, 2003. p. 183.

[4] GRECO, Rogério. Curso de direito penal- parte geral. Vol. 1. 14. Ed. Niterói: Editora Impetus, 2012. p. 389.

[5] BRUNO, Aníbal. Comentários ao código penal. Vol. 2. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1969. p. 135

[6] O autor aponta que em várias de suas passagens, o Código Penal se preocupa em tratar de maneira diferenciada os agentes em razão de sua idade, sobretudo, os mais jovens, devido ao seu pouco amadurecimento.

[7] É ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), desde 1998, bem como, ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), desde 2011. É o presidente da Comissão de Juristas com a finalidade de elaborar o anteprojeto do Código Penal.

[8] Renomado jurista brasileiro, foi Promotor de Justiça em São Paulo de 1980 a 1983; Juiz de Direito de 1983 a 1998 e advogado de 1999 a 2001. É Secretário Geral do Instituto Panamericano de Política Criminal.

[9] Art. 27, CP. Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.

[10] Art. 60, parágrafo 4º. Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: IV- os direitos e garantias individuais.

[11] Art. 98, ECA. As medidas de proteção à criança e ao adolescente  são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados: I- por falta ou omissão da sociedade ou do Estado; II – por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável; III- em razão de sua conduta.

[12] Art. 112, ECA. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I- advertência; II- obrigação de reparar o dano; III- prestação de serviços à comunidade; IV- liberdade assistida; V- inserção em regime de semiliberdade; VI- internação em estabelecimento educacional; VII- qualquer  uma das previstas no art. 101, I a VI.


Informações Sobre o Autor

Fernando Fillipe Santos Marques

Acadêmico do Curso de Direito da Universidade Federal do Maranhão


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Maioridade penal

Resumo: Ao examinarmos a questão da maioridade penal, analisemos os fatos que levaram a essa discussão. Os índices que revelam a realidade do menor infrator em nosso país, o convívio desse adolescente na família e em sua comunidade e a responsabilidade do Estado para resolver a questão. Também vimos as condições das instituições que têm o dever de recuperar os menores e inseri-los na sociedade, observando artigos da nossa Constituição e do Estatuto da Criança e Adolescente que garantem direitos e deveres de todos os envolvidos nesse contexto.[1]

Palavras-chave: Maioridade penal, Ato infracional, Medida socioeducativa.

Sumário: 1. Introdução. 2. Realidade social e o menor infrator. 3. Violência no âmbito familiar. 4. Medidas socioeducativas. 5. Instituições para menores infratores. Considerações finais. Bibliografia.

1  INTRODUÇÃO

Este artigo vem tratar de um assunto de grande importância em nossa sociedade, a diminuição da maioridade penal. Nele conterá informações sobre o contexto social, econômico e familiar que levam esses menores a cometerem atos infracionais. O objetivo desse trabalho é trazer uma visão mais ampla dos problemas vividos pelos menores em sociedade. Na busca de melhores esclarecimentos, trarei dispositivos da nossa Constituição, do Estatuto da criança e do adolescente, e sites  de autores especializados no assunto. 

2 REALIDADE SOCIAL E O MENOR INFRATOR

O aumento da criminalidade praticada por adolescentes em nossa sociedade é tema de discussão quanto à responsabilidade penal do menor de 18 anos. A Câmara dos Deputados discute um projeto cuja finalidade é reduzir a maioridade penal para 16 anos. Afirma-se que nessa idade os menores têm estrutura física e mental para se responsabilizarem por seus atos. A maioridade penal é, segundo a lei, quando a pessoa adquire capacidade para exercer seus direitos e responder pelos seus atos, segundo (VOITCH 2011), ´´ Em 2007, pesquisa encomendada pelo Senado Federal mostra que quase 90% da população dos brasileiros defendem a redução da maioridade penal ´´. Devemos observar que a questão em foco – os crimes cometidos por menores- escondem problemas ainda maiores vividos por esses. A sociedade como veem é unânime em querer penas mais duras para o menor infrator .  Para que haja uma visão mais ampla da situação, devemos analisar os fatores que levam esses adolescentes a cometerem crimes. Segundo (METYNOSKI 2006),[2] apenas 0,2% da população de menores entre 12 e 18 anos cumprem algum tipo de medida sócio-educativa, sendo que 1% cometem crimes com crueldade, 14% delitos contra a vida e 85% contra o patrimônio. A maioria dos delinquentes cerca de 50% está no Estado de São Paulo, destes 41,2% cumprem pena por roubo, 14,7% por homicídio. Como vemos, a maioria dos delinquentes juvenis estão em uma região de grande densidade demográfica, onde a segurança pública enfrenta dificuldades em manter a ordem. A desigualdade social, o desemprego, os vícios lícitos e ilícitos, desestruturam as famílias que não dão suporte para a formação dos menores.

2  VIOLÊNCIAS NO ÂMBITO FAMILIAR

A família sempre teve grande importância na sociedade, porém podemos observar que a desestrutura acarreta consequências prejudiciais para todos, principalmente para a formação das crianças e adolescentes, impossibilitando a eles um bom desenvolvimento psicológico e moral. Em muitos casos, os próprios pais ou responsáveis agridem, fazem pressão psicológica e até cometem abuso sexual contra os menores.  Em nossa Constituição o§ 4º do art.227 determina que: -“ A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente  ´´. Porém, cumprir essa lei não é fácil, pelo fato de que a casa é asilo inviolável e deveria ser um ambiente de proteção para o menor. A situação de dependência, o medo e as ameaças sofridas, inibem os menores a denunciar.  Em um estudo sobre violência doméstica, feito por Especialista em Psicologia Jurídica (GONÇALVES, 1999), diz:

“A violência doméstica impera na humanidade desde sempre. Afirmações deste teor abrem muitos trabalhos sobre o tema da violência contra a criança,e tornaram-se uma referência quase obrigatória para aqueles que desejam,invocando o argumento da história, desqualificar o discurso dos que ainda insistem em negar a existência da violência na família, ou minimiza a importância na sociedade contemporânea.”

Essas violências sofridas pelos menores prejudicam em seu desenvolvimento intelectual, muitos fogem de casa e vão morar nas ruas, ficando expostos a todo o tipo de violência e tendo acesso a armas de fogo. Geralmente começam a usar entorpecentes, são exploradas por traficantes, sofrem abusos sexuais, envolvem-se em prostituição infantil, cometem crimes graves e pequenos furtos para sustentarem o vício.  Outros continuam em suas casas por medo, e em muitos casos apresentando uma conduta violenta, antissocial e problemas psicológicos graves, que os levam a cometer crimes. A incidência desses casos ocorre em várias classes sociais, predominado nas classes mais baixas, onde a exposição dessas crianças é um fato que as colocam em risco.  Os fatores sociais, econômicos, a cultura da violência, o despreparo e a irresponsabilidade dos pais, muitas vezes levam-nas para a criminalidade. Esses acontecimentos contrariam o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL. LEI Nº 8.069 DE 13/7/1990), que diz em seu artigo 5º- “ Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punindo na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. ´´  Esses direitos como vemos, estão longe de serem respeitados, porém o que traz indignação à sociedade são os atos violentos e as medidas punitivas.

3 MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS

Os questionamentos levantados sobre as medidas aplicadas aos menores em nosso país são muitos. Nos jornais apresentados por canais de televisão, vemos notícias sobre as penalidades sofridas por menores aplicadas pela justiça Norte Americana, em cujo país as crianças são julgadas severamente ao cometer delitos de qualquer natureza e nos casos de homicídio elas são condenadas á prisão perpétua. Essa prática vem sendo criticada pelo Conselho de Direitos Humanos. Segundo ( WORLD REPORT 2011),“ Em 2010, houve alguns avanços, dentre eles, uma decisão da Suprema Corte abolindo, exceto em crimes de homicídio, a condenação de crianças à pena perpétua sem liberdade condicional ´´. Em nosso país, aplicam-se medidas socioeducativas com o objetivo de recuperar jovens infratores, pois nossa Constituição garante aos menores a inimputabilidade em seu artigo 228, que diz: – “ São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial ´´. O Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL.LEI Nº 8.069 DE 13/7/1990), define os tipos de medidas aplicadas aos menores, por atos infracionais cometidos, que são:

Art.112- verificada a pratica do ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:  I – advertência;  II – obrigações de reparar o dano;  III – prestação de serviços comunitários;  VI – liberdade assistida;  V – inserção no regime de semiliberdade; VI – internação em estabelecimento educacional;VII – qualquer das previstas no art. 101, I a VI;

§ 1º – A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias  e a gravidade da infração.

§ 2º – Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado.

§ 3º – Os adolescentes portadores de doenças ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado ás suas condições.”

Essas medidas contidas no estatuto têm a intenção de recuperar o menor infrator, segundo  (ROSSATO 2011 ); a  advertência  consiste apenas na admoestação verbal do adolescente; a obrigação de reparar dano tem por finalidade restituição do bem, do ressarcimento ou de outra forma,  respeitando o §2º acima descrito; a  liberdade assistida é quando o adolescente permanece junto à família e é atendido por entidades de assistência governamental ou não governamental; a semiliberdade é quando o adolescente é afastado do convívio da família e da comunidade de origem sem privá-lo do direito de ir e vir ,aplicando-se esta medida em hipóteses excepcionais. A medida de internação que é privação da liberdade, segundo (BRASIL.LEI Nº 8069.1990) em seu artigo 121- “ A internação constitui medida privativa de liberdade, sujeito ao princípio da brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento ´´. A brevidade consiste em que não haverá penas perpétuas, pois a internação do menor não deverá exceder três anos. Porém as instituições responsáveis pela internação não oferecem estruturas físicas para instalações de centros profissionalizantes, recreativos e pedagógicos aos menores que são encarcerados.  

4. INSTITUIÇÕES PARA MENORES INFRATORES

Geralmente os responsáveis e funcionários da instituição praticam atos violentos contra os menores. As instalações são precárias não têm higiene, e os adolescentes não são separados por grau de periculosidade, tornando essa internação em uma verdadeira escola de delinquentes descumprindo, segundo (BRASIL.LEI Nº 8069.1990) o seu  artigo  123.- “A internação deverá ser cumprida em entidade exclusiva para adolescentes, em local distinto ao abrigo, obedecida rigorosa separação por critérios de idade, compleição física e gravidade da infração ´´. Segundo (ROSSATO 2011 ), Para que haja melhor fiscalização dessas instituições foi sancionada a lei 12.106/2009 que criou o Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas, com a coordenação do Conselho Nacional de Justiça- CNJ. Segundo (CARVALHO 2011), foi decretada em dezembro de 2010 a interdição dos Centros Educacionais São Lucas no município de São José em Santa Catarina, também foi recomendado o fechamento da unidade de Plantão Interinstitucional de Atendimento de Florianópolis e o Centro de Atendimento Juvenil Especializado de Brasília. Em todos foram constatados torturas e outros tipos de agressão contra os menores, essas constatações são encaminhadas a órgãos responsáveis, segundo (CARVALHO 2011):

“Vamos encaminhar o relatório ao Executivo, ao Ministério da Justiça, Secretaria de Direitos Humanos e governos estaduais diz o ministro Cezar Peluso, presidente do CNJ. De acordo com o presidente, a situação atual é da maior gravidade, revelando o sistema arcaico e medieval de nossas cadeias.”

 A partir desses fatos, podemos analisar as condições vividas por esses adolescentes que sob a tutela da família ou do Estado não recebem proteção necessária para seu desenvolvimento, contrariando nossa Constituição no seu artigo:

“Art.227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar á criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade humana, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-lo a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

Nossa reflexão agora se deve basear nesses fatos, buscando compreender o que é melhor para nossa sociedade. Muitas vezes nos chamam a atenção os crimes cometidos por esses menores, mas não analisamos as condições em que esses vivem. Garantir os direitos e a aplicabilidade das medidas já existentes seria um caminho para diminuir a violência juvenil.  O que deveria estar em debate é a situação das instituições, que muitas vezes não oferecem condições para a recuperação dos menores infratores.  Escutamos vários discursos dizendo que as crianças são o futuro, mas para esses menores, esse futuro se torna impossível pela sua fragilidade, carência e despreparo, longe da realidade desejada. A redução da maioridade penal não é a melhor solução para os problemas, e a possibilidade dessa mudança contraria a nossa Constituição, pois retirar as garantias das crianças e adolescentes, segundo (ROSSATO 2011):

“De fato entende-se serem inconstitucionais eventuais propostas de emenda constitucional que tenha por intuito reduzir a maioridade penal, pois atingem direitos fundamentais de adolescentes que, segundo tese dos direitos análogos, apesar de não se constituir em um direito individual formal (por não constar no rol do art.5º da CF), goza de proteção de cláusula pétrea, conforme dispositivo no art. 60,§ 4°,IV da Constituição Federal. (..)A tese dos direitos análogos, que reconhece a aprovação da cláusula pétrea a direitos individuais positivados fora do art.5º da CF foi expressamente reconhecida pelo STF no julgamento da ADI939-7/DF.”

Como vemos, o Supremo Tribunal Federal reitera as garantias das crianças e dos adolescentes. Na capital do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, segundo a (ASCOM 2011), foi lançado em 2009, o Centro mineiro de referência em resíduos, denominado programa Olé, em publicação feita dia 14/07/2011, vinte e um adolescentes receberam certificado de conclusão de curso de informática e educação ambiental. Essa foi a quarta turma de formandos e segundo o Juiz da Vara infracional Carlos Frederico Braga “A participação no Olé tem efeito preventivo, já que dados da vara infracional revelam que os adolescentes egressos do curso não reincidem na prática de atos infracionais. Esse é um exemplo de que a recuperação do menor infrator é possível ´´.   Podemos constatar a partir dessas informações, que a inclusão dos menores infratores na sociedade, por vias educacionais, permitem a eles o crescimento condizente a dignidade da pessoa humana.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A história e os acontecimentos atuais nos mostram o quanto as crianças e adolescentes precisam de atenção especial, e ignorar esses fatos pode nos trazer consequências cada vez mais graves. O homem vive em constante mudança buscando evoluir em todas as atividades, e não podemos ter dúvidas de sua capacidade. Por isso, diante dos problemas da violência juvenil, devemos buscar soluções que efetivamente mude essa realidade, considerando o potencial de quem está em desenvolvimento e precisa de proteção para isso. O desafio de nossa sociedade está em compreender a situação dos adolescentes, e analisar se há necessidade de encarcerar menores que cometem atos infracionais.

 

Bibliografia
ASCOM,Assessoria de Comunicação Institucional.Programa OLÉ forma sua quarta turma.http://www.tjmg.jus.br/institucional/programas-projetos/ole/ TJMG – Unidade Goiás 14/7/2011
BRASIL, Constituição [1988]  45 ed.Saraiva 2011
BRASIL,Lei  Nº 8069  13/07/1990.http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm
CARVALHO,Luiza, EUZÉBIO, Gilson. Unidade de internação de adolescentes têm déficit de 559 vagas Agência CNJ de Notícias. http://direitocivilv.blogspot.com/2008/08/princpio-da-brevidade-e.html
GONSALVES, Hebe Signorini, Infância e violência Doméstica: Um Tema da Modernidade. In.BRITO, Leila Maria Torraca,( org) Temas de psicologia jurídica 3. ed. Relume Dumará Rio de janeiro 2002. p. 135
METYNOSKI, Elizabeth, Mapa Mundi da Maioridade penal 2006.http://www.giorgiorenanporjustica.org/mapa_mundi.htm
ROSSATO, Luciano Alves. et. al. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 2. Ed. Revista dos Tribunais. Edição Revista, Atualizada e Ampliada 2011. p.  308,333,341,355.
VOITCH,Guilherme,Projeto na Câmara dos Deputados reabre discussão sobre redução da maioridade penal 02/09/2011.http://oglobo.globo.com/pais/mat/2011/09/01/projeto-na-camara-dos-deputados-reabre-discussao-sobre-reducao-da-maioridade-penal-925272924.asp
WORLD REPORT, Human Rights Watgh, Estados Unidos. http://www.hrw.org/world-report-2011/estados-unidos-0
 
Notas:
[1] Dissertação apresentada ao Concurso de Artigos jurídicos do Centro Universitário do Leste de Minas Gerais. Unileste/MG, orientado pela professora Gilce Castro.

[2]  Fonte: Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) e Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente do estado de São Paulo.


Informações Sobre o Autor

Suzanete Soares Pessoa

Acadêmica de Direito na Unileste/MG


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