Pela descriminalização do porte e uso de drogas para consumo pessoal

Resumo: O presente artigo pretende mostrar a necessidade da descriminalização da conduta do usuário, com fundamentação nos princípios limitadores do poder punitivo estatal, afastando a incidência do Direito Penal, como ultima ratio, como solução à questão do usuário em conflito com a lei. Conclui-se que é inadmissível a permanência da incriminação da conduta de porte e uso de drogas mediante aplicação de uma sanção penal, uma vez que há possibilidades de se obter melhores resultados através de um sistema mais suave, sendo a descriminalização de tal comportamento essencial para o ajuste da sociedade ao tempo.

Palavras-chave: Porte de drogas para uso próprio, descriminalização, princípio da lesividade, ultima ratio, culpabilidade.

Sumário: Noções Introdutórias. 1. Princípios limitadores do poder punitivo estatal. 1.1. Princípio da estrita legalidade ou da reserva legal. 1.2. Princípio da Intervenção Mínima. 1.3. Princípio da Lesividade (ou ofensividade). 1.4. Princípio da Adequação. 1.5. Princípio da Culpabilidade.  Considerações finais.

Noções introdutórias

O debate sobre a conveniência da descriminalização do porte de drogas para uso próprio no país, arrasta-se há vários anos.

“Três posições são veementemente defendidas a respeito das drogas ilícitas. A primeira propugna pela criminalização do tráfico, do porte e do uso de substâncias entorpecentes; a segunda é favorável à descriminalização total, tornando lícito o tráfico, o porte e o uso de substância ilícita; enquanto a terceira apresenta uma posição intermediária, sustentando a criminalização do comércio e a descriminalização do porte de substância ilícita.”[1] (grifo nosso).

A legislação brasileira adotou o primeiro posicionamento, que criminaliza tanto o tráfico quanto o porte e uso de drogas para consumo pessoal.

O legislador brasileiro, máximo e vigilante, vale-se do mistério e da fantasia que rodeiam as drogas tornadas ilícitas, bem como do superdimensionamento das eventuais repercussões negativas da disseminação de seu uso, partindo da idéia de que as drogas constituem um mal universal e que todas as condutas a ela relacionadas devem ser duramente combatidas.

O Estado se vale ainda, como fundamentação para a ampliação do seu poder punitivo nessa seara, da criminalidade e violência que são gerados pela comercialização e uso de drogas. Na verdade, não é a droga em si que gera a criminalidade e a violência, mas sim o próprio fato da ilegalidade que produz o ordenamento jurídico, que traz a violência como mecanismo necessário para o desenvolvimento da atividade desenvolvida.

Assim, através da intervenção penal, o Estado, é, na verdade, o real criador dessa situação de medo e insegurança que é gerada em torno das questões relativas às drogas.

“Esta significativa advertência deve direcionar as atenções para a necessidade de romper com a enganosamente salvadora intervenção do sistema penal, para a necessidade de romper com a revivida fantasia medieval que permite um pós-moderno sacrifício de novos hereges e bruxas, romper com o controle desmedido, manifestado através do exercício do poder do Estado de punir, romper com as visíveis ameaças a princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito, embutidas nas legislações de exceção, assim efetivamente rompendo com a globalizada política proibicionista, causadora maior dos danos relacionados às drogas tornadas ilícitas.”[2]

Sob o argumento de que se vive em uma verdadeira “guerra contra as drogas”, paulatinamente vão sendo deixadas de lado garantias dos cidadãos, duramente conquistas ao longo dos tempos.

Entretanto, esse ambiente de guerra não conduz a nenhuma solução, ao contrário, mais problemas são criados. Principalmente no que tange a continuar-se considerando o porte de drogas para consumo pessoal como crime, incrementando, assim, o estigma social existente relativo ao usuário e dependentes, que são taxados de criminosos pelo simples fato de serem consumidores de tais substâncias.

Esse clima somente colabora para desviar o foco da problemática das drogas, e não para solucionar, efetivamente, os problemas que o uso e abuso de substâncias ilícitas acarretam.

Esta globalizada política proibicionista quanto ao uso de drogas, crescentemente desrespeita clássicos princípios garantidores dos direitos dos cidadãos, assim ameaçando os próprios fundamentos do Estado Democrático de Direito.

Na verdade, o Direito Penal, mais do que utilizado como uma possível solução para as questões relativas às drogas, vem sendo um movimento no sentido de sequer garantir as garantias que são inerentes ao próprio Direito Penal e ao Devido Processo Legal.

1 Princípios limitadores do poder punitivo estatal

Os princípios reguladores do controle penal são garantidores do cidadão perante o poder punitivo do Estado, e estão amparados na Constituição Federal brasileira de 1988. Todos esse princípios, explícita ou implicitamente dispostos na carta Magna, “têm a função de orientar o legislador ordinário na adoção de um sistema de controle penal voltado para os direitos humanos, embasado em um Direito Penal da culpabilidade, um Direito Penal mínimo e garantista”.[3]

O poder punitivo estatal não é absoluto, mas relativo, encontrando limites formais e materiais no próprio texto constitucional, para que cumpra sua função de regular os conflitos sociais existentes.

A Constituição desempenha um papel de vetor diretivo para a normatização geral, ela protege de maneira prioritária a dignidade do cidadão, estabelecendo as linhas mestras, ou os princípios em que devem se apoiar os legisladores na tarefa legiferante. A Constituição Federal serve, assim, como uma importante baliza para a intervenção jurídico-penal e como marco de referência mais amplo, como é o Estado Democrático de Direito.

A Constituição, elegendo os valores mais fortes ou mais densos da sociedade, não determina, com isso, uma imposição de criminalização para o legislador ordinário. Na verdade, o texto constitucional apenas permite ao legislador ordinário selecionar os bens jurídicos dignos de tutela penal a partir das diretrizes que são traçadas em seu texto e com respeito aos princípios traçados.

Os princípios constitucionais representam sérias limitações ao jus puniendi, por isso que constituem autênticas garantias, que devem ser observadas, sendo oponíveis pelo indivíduo ao poder punitivo do Estado.

Aqui, serão apresentados os princípios de maior relevo para a questão das drogas e que são claramente afrontados pela nova Legislação de Tóxicos, sendo utilizados assim como fundamentação para um processo de descriminalização da conduta de posse de drogas para consumo próprio, como uma limitação do poder punitivo do Estado nesse aspecto.

1.1 Princípio da estrita legalidade ou da reserva legal

O princípio da reserva legal, também denominado nullum crimen, nulla poena sine lege, é um princípio fundamental do Direito Penal e constitui uma efetiva limitação ao poder punitivo estatal.

O referido princípio está disposto no art. 5º, inc. XXXIX, da Constituição Federal, que dispõe que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.

A gravidade que o Estado emprega na repressão do delito, através da aplicação da pena, é uma drástica intervenção nos direitos mais fundamentais das pessoas. Assim, deve o Direito Penal ser aplicado em ultima ratio, o que impõe, necessariamente, a busca de um princípio que controle o poder punitivo do Estado e que confine a sua aplicação em limites que excluam toda a arbitrariedade e excesso do poder punitivo.[4]

“Semelhante princípio atende, pois, a uma necessidade de segurança jurídica e de controle do exercício do jus puniendi, de modo a coibir possíveis abusos à liberdade individual por parte do titular desse poder (o Estado). Consiste, portanto, constitucionalmente, uma poderosa garantia política para o cidadão, expressiva do imperium da lei, da supremacia do Poder Legislativo – e da soberania popular – sobre outros poderes do Estado, de legalidade da atuação administrativa e da escrupulosa salvaguarda dos direitos e liberdades individuais.”[5]

Por meio desse princípio, é inadmissível que tenha o legislador a pretensão de criminalizar determinadas condutas com base na moral ou nos costumes, devendo sim, ser guiado pelos parâmetros que a lei constitucional estabelece.

A razão para isso é simples, na medida em que tais criminalizações, baseadas em critérios relativos à moral, afrontam claramente as garantias constitucionais, por se dispor desfavoravelmente ao cidadão infrator.

A criminalização da conduta do porte e uso de drogas para consumo pessoal, por ser baseada no ideal moral do legislador, desrespeita frontalmente o princípio da reserva legal, na medida em que o legislador, no momento da tipificação de tal comportamento, desobedeceu os limites que foram expressamente impostos pela Constituição.

Convém o princípio da legalidade, portanto, como primeiro fundamento para que se dê a descriminalização de tal conduta, coadunando-se assim com os princípios basilares de um Estado Democrático de Direito.

1.2 Princípio da Intervenção Mínima

O princípio da intervenção mínima, também denominado ultima ratio, serve de orientação e limitação ao poder incriminador do Estado, recomendando que a criminalização de uma conduta só é legitima se constituir-se como meio necessário para proteção de um determinado bem jurídico.

Esse princípio procura restringir ou impedir o arbítrio do legislador, no sentido de se evitar a definição desnecessária de crimes, ou mesmo que sejam aplicadas penas injustas. A criação de tipos penais delituosos deve obedecer à imprescindibilidade, ou seja, só deve o Estado intervir, mediante o Direito Penal, quando os outros ramos do Direito não conseguirem prevenir a conduta ilícita.

Se, por acaso, outras formas de sanção ou outros meios de controle social revelarem-se satisfatórios para tutela desse bem, a sua criminalização é inadequada. Se forem suficientes medidas civis ou administrativas para que seja alcançado o restabelecimento da ordem jurídica violada, são estas que devem ser empregadas e não as medidas penais.

Segundo esse princípio, o Direito Penal assume uma feição subsidiária e a sua intervenção se justificam quando “fracassam as demais formas protetoras do bem jurídico previsto em outros ramos do direito”.[6]

Bitencourt cita com propriedade Roxin, afirmando que “a razão desse princípio radica em que o castigo penal coloca em perigo a existência social do afetado, se o situa à margem da sociedade e, com isso, produz também um dano social”.[7]

Em suma, antes de se recorrer ao Direito Penal deve-se esgotar todos os meios extrapenais de controle social, ou seja, numa perspectiva político-jurídica, deve-se dar preferência a todos os meios extrapenais de solução de conflitos. A repressão penal deve ser o último instrumento utilizado, quando já não houver mais alternativas possíveis.

Porém, este princípio possui duas vertentes. Além de ser usado como base para a criminalização de condutas que são eleitas para permanecer sob a tutela do Direito Penal, também serve como fundamento para o legislador que, atento às mutações sociais e que, com a evolução, deixa de dar importância a bens jurídicos que no passado eram de maior relevância, retirando do ordenamento jurídico-penal certos tipos penais incriminadores.

Assim, o princípio da intervenção mínima tanto orienta o legislador na seleção de bens mais importantes e necessários ao convívio em sociedade, como também servirá de norte ao legislador para retirar a proteção do Direito Penal sobre bens que, no passado gozavam de importância, mas com a evolução perderam esse caráter, podendo ser facilmente protegidos por outros ramos do Direito, ou mesmo outras ciências.

Aqui se situa o maior questionamento quanto à política incriminatória relativa ao porte e uso de drogas, uma vez que tal delito, por visar a proteção as bens jurídicos “saúde pública” e “saúde individual”, não oferece o Direito Penal, como utima ratio, condições para tratar tal problemática de maneira efetiva.

Deve assim, haver uma diminuição do arbítrio do legislador penal, descriminalizando a conduta de porte de drogas, transportando essa responsabilidade social para outros setores públicos, que possuam maiores condições de oferecer tratamento adequado aos usuários de drogas.

Através da incidência e respeito aos postulados do princípio da intervenção mínima afasta-se, dessa forma, a sanção penal e a incriminação da conduta do usuário como digna de tutela pelo Direito Penal.

1.3 Princípio da Lesividade (ou ofensividade)

A função geral da ordem jurídica de proteção da dignidade da pessoa humana, que, na ordem constitucional brasileira, surge como um dos fundamentos da República, gera princípios limitadores ao poder de punir do estado, que fazem da consideração do dano social ponto de referência obrigatório para a fixação de parâmetros, na confecção de leis incriminadoras.

Em um Estado Democrático de Direito, todo dispositivo legal incriminador há de ter como elemento primário a ocorrência de uma lesão ou de um perigo concreto de lesão ao bem jurídico que se pretende tutelar com a proibição.

O bem jurídico eleito pelo legislador é o elemento que delimita o campo de incidência da norma penal definidora da conduta criminalizada.

“Segundo o princípio da lesividade (nullum crimen sine iniuria), somente podem ser erigidos à categoria de criminosos comportamentos lesivos de bem jurídico (por isso também conhecido como princípio de exclusiva proteção de bens jurídicos), público ou particular, entendendo-se como tal os pressupostos existenciais e instrumentais de que a pessoa necessite para a sua auto-realização na vida social, não comportando a criminalização de condutas que não ofendam, seriamente, bem jurídico determinando ou que represente apenas disposição de interesse próprio, como automutilação, suicídio tentado ou dano a coisa própria.”[8]

O direito à intimidade e à vida privada garantido no art. 5º da CF, inclusive, reforça a idéia desse princípio, só sendo legítimo ao Direito intervir em condutas que tenham potencialidade nociva.

“Com efeito, se é objetivo fundamental da República, como declarado no art. 3º, constituir uma “sociedade livre”, se são invioláveis a “liberdade”, a “intimidade” (art. 5º) e a “vida privada”, e se, como já afirmado, é explícita a sua vocação libertária, segue-se que nenhum ato de constrição á liberdade pode ser tolerado, senão quando, em face do abuso do seu exercício, resulta dano (lesão) à liberdade de outrem. Consequentemente, condutas meramente imorais, por mais escandalosas que se apresentem, não autorizam a intervenção penal. Tampouco vingar, em caráter absoluto, presunções legais de violência ou de perigo, como ainda prevê, nalguns casos, o Código Penal brasileiro (art. 224), sob pena de absolutizar-se o relativo.”[9]

Assim, condutas imorais não autorizam a intervenção penal, uma vez que o Direito Penal pune o agente pelo que ele faz, e não pelo que ele representa socialmente. O Direito Penal só deve ser aplicado quando a conduta ofende um bem jurídico, não sendo suficiente que esse comportamento seja taxado como meramente

A lei penal não deve, assim, ser usada com o intuito de obrigar as pessoas a atuar em seu próprio benefício.

“Nesse sentido, diz-se que as normas penais sobre jogos de azar e sobre consumo de estupefacientes, implicam uma imposição que restringe os direitos individuais, e que, independentemente de que tais condutas sejam moralmente nocivas, não deve-se usar a lei penal para dissuadir os outros de semelhante comportamento sem risco de invadir sua esfera de liberdade.”[10]

O princípio da ofensividade é uma exigência que se impõe a legisladores no momento de elaboração das leis, de forma que somente incrimine condutas que lesionem.

“No Estado Democrático de Direito, cuja tônica maior encontra-se na subordinação do exercício do poder à lei, com vistas a garantir os direitos e a dignidade de cada indivíduo, o bem jurídico há de sempre ser visto sob uma perspectiva pessoal. A identificação de bens jurídicos de caráter coletivo ou institucional só se admite enquanto condição de proteção de bens jurídicos individuais. A previsão dos denominados bens jurídicos de controle, que, apelando para expressões vagas, como ordem jurídica ou paz pública, orientam a atenção do direito penal no sentido da criminalização de condutas que atingem tão somente a mera afirmação da vontade ou da autoridade do Estado é incompatível com o Estado Democrático de Direito.”[11]

A tipificação do porte de drogas para consumo como crime, buscou-se a tutela de mais de um bem jurídico, quais sejam a saúde pública da coletividade e a saúde pessoal, já tratadas no Capítulo III deste trabalho.

Com relação a posse de drogas para consumo pessoal, enquanto essa destinação da utilização da droga se restringir ao próprio indivíduo, de modo que não ultrapasse seu âmbito individual, não haverá afetação da saúde pública. Diante da ausência de concreta afetação a um bem jurídico de terceiros, condutas como a do usuário não podem ser objeto de qualquer forma de criminalização.

Assim, com alusão à “saúde coletiva”, o uso de drogas não implica dano algum à sociedade, uma vez seja constatado que o usuário fará a utilização da droga com o objetivo de buscar prazer ou qualquer outro sentimento em si mesmo.

Diante da exclusão da lesão à saúde pública, ou seja, não criação de qualquer risco ao bem jurídico imediato que se visa tutelar, resta ilegítima tal tipificação do crime de uso pelo Direito Penal.

Com relação ao bem jurídico “saúde pessoal” cidadão, reside aqui a incidência do princípio da lesividade, na medida em que o usuário, ao consumir a droga, tem-se como resultado a lesão a um bem jurídico (saúde) que se situa na esfera de patrimônio jurídico de próprio sujeito que faz a sua utilização, não invadindo a esfera de terceiro.

A conduta de porte e consumo de drogas, a partir do momento que é classificada como sinônima de autolesão, não tipifica crime, afastada pelo princípio da lesividade. No direito brasileiro, a autolesão não tipifica conduta criminosa, o que, de logo, fundamenta pelo afastamento da incidência da norma penal.

Assim, o alicerce que fundamenta essa tipificação da conduta do usuário como crime, qual seja o de tutelar a saúde pessoal dos cidadãos não legítima o Direito Penal à incriminação ao uso de drogas, tendo em vista a inexistência de prejuízo a bem jurídico algum.

Constitui, assim, uma clara ofensa ao princípio da lesividade, restando necessário que tal comportamento seja descriminalizado pelo Direito Penal.

1.4 Princípio da Adequação

“Sendo o fim do direito penal a prevenção geral e especial – conforme a doutrina hoje dominante – de comportamentos socialmente lesivos, como forma de proteção de bens jurídicos, segue-se que a sua intervenção somente se justifica quando e enquanto a isso preste, sob pena de inexistir uma relação lógica de adequação (utilidade) entre meio (direito penal) e fim (prevenção de delitos). Em consequência, sempre que resultar demonstrada a inutilidade ou inidoneidade – inadequação, enfim – da norma penal para realização dos fins que se lhe assinalem, não terá ela razão de ser, carecendo de todo o sentido, impondo-se, em consequência, a descriminalização ou despenalização, conforme se trate de inadequação do direito penal mesmo ou tipo de sanção que se utilize (pena de prisão, p. ex.).”[12]

Esse princípio é de máxima importância para uma correta descriminalização penal, impondo que somente condutas que tenham elevada relevância social sejam tipificadas pelo Direito Penal. Deduz-se, consequentemente, que a teoria da adequação social, concebida por Hans Welzer, significa que, apesar de uma conduta se subsumir ao modelo legal, não são consideradas típicas se elas forem socialmente adequadas ou reconhecidas, isto é, se estiver de acordo com a ordem social da vida historicamente considerada.

Dessa forma, se o comportamento se amolda a determinada descrição típica formal, porém, é materialmente irrelevante, adequando-se ao socialmente permitido ou tolerado, não realiza materialmente a descrição típica.

O princípio da adequação social possui uma dupla função. Primeiramente visa restringir o âmbito de abrangência do tipo penal, excluindo as condutas consideradas socialmente aceitas pela sociedade. Por outro lado, tem como função a orientação ao legislador, tanto no momento em que ele seleciona as condutas que deseja proibir ou impor, com finalidade de proteger bens jurídicos mais importantes, como também fazer com esse legislador repense os tipos penais e retire do ordenamento jurídico a proteção sobre aqueles bens cujas condutas já se adaptaram perfeitamente à evolução da sociedade.[13]

Observe que, da mesma forma que o princípio da intervenção mínima, o princípio da adequação social, nesta ultima função, destina-se precipuamente ao legislador, orientando-o na escolha de condutas a serem proibidas ou impostas, bem como descriminalizando, entenda-se, revogando tipos penais obsoletos.

Tendo em vista a aplicação desse princípio, não faz sentido algum a continuidade da repressão do porte e uso de drogas para uso pessoal, uma vez que este se enquadra dentre os chamados “delitos sem vítima”, não adequado mais socialmente ao ponto de justificar que sobre o usuário recaia a aplicação da sanção penal.

A política proibicionista das drogas, na verdade, não passa de um grande equívico, uma vez que a utilização de drogas lícitas ou ilícitas não constitui um problema de polícia, que deva ser reprimido através do jus puniendi estatal, mas um problema social e eminentemente de saúde pública.

Resta, mais uma vez, comprovada que a incriminação da conduta do usuário de drogas é ilegítima perante o Direito Penal, por não corresponder aos critérios de definição que são necessários para que determinado comportamento seja sancionado penalmente.

1.5 Princípio da Culpabilidade

A máxima nullum crimen sine culpa, denominado princípio da culpabilidade, constitui um dos pilares sobre os quais se assenta toda a estrutura do Direito Penal, pelo qual não há crime sem culpabilidade. Distingue os sujeitos imputáveis, que são aqueles capazes de culpa, dos inimputáveis, incapazes de culpa e que compreendem os menores de 18 anos e os portadores de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado.

O sistema jurídico de um estado Democrático de Direito inspira-se na idéia de que a base sobre a qual incide a qualidade e a quantidade de pena deve ser a culpa que o agente teve pelo ato concreto que praticou. Assim, a culpabilidade é o primeiro elemento indispensável no momento da fixação da pena.

Segundo Muñoz Conde, a culpabilidade não é uma categoria à margem ou contrária às finalidades preventivas do Direito Penal, e sim a culminação de todo um processo de elaboração conceitual, destinado a explicar o porquê, e para que, em um determinado momento histórico, recorre-se a um meio defensivo da sociedade tão grave, representada pela pena, e em que medida se deve fazer uso desse meio.[14]

“A pena só pode ser imposta a quem, agindo com dolo ou culpa, e merecendo um juízo de reprovação, cometeu um fato típico e antijurídico. É um fenômeno individual: o juízo de reprovabilidade (culpabilidade) elaborado pelo juiz, recai sobre o sujeito imputável que, podendo agir de maneira diversa, tinha condições de alcançar o conhecimento da ilicituda do fato (potencial consciência da antijuridicidade). O juízo de culpabilidade, que serve de fundamento e medida da pena, repudia a responsabilidade penal objetiva (aplicação de pena sem dolo, culpa e culpabilidade).”[15]

A culpabilidade constitui-se em um fenômeno eminentemente social, não afetando somente ao autor do delito individualmente. É através de uma correlação de forças sociais que se irá determinar, em um dado momento histórico, quais são os limites do culpável e do não culpável.

A culpabilidade é um juízo de valor, demonstrada quando um sujeito age em contrariedade ao ordenamento jurídico do país, no momento em que à todos compete agir de acordo com a norma, segundo o dever jurídico, que tutela os interesses sociais.

“Elemento seu é também a imputabilidade. Imputável diz-se o indivíduo mentalmente são, ou, na linguagem do art. 26 do Código – quando define o inimputável – p capaz de entender o caráter criminosos de seu ato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Adquire ele tal capacidade com o desenvolvimento biológico e com a vida em sociedade”.[16]

A culpabilidade, como juízo de reprovação e censurabilidade, compõe-se ainda, de outro elemento, qual seja a exigibilidade de outra conduta. Assim, recairá a culpabilidade sobre o agente a partir do momento em que lhe era exigida determinada conduta, porém, ele agiu de maneira diversa.

“Por isso é que, conforme doutrina, são elementos da culpabilidade: a imputabilidade ou capacidade de culpabilidade, o conhecimento da antijuridicidade do fato praticado, a exigibilidade de conduta diversa. Logo, excluem-se: a inimputabilidade (em razão de perturbação mental ou menoridade), o erro de proibição, a coação moral irresistível, a obediência hierárquica a ordem não manifestamente ilegal etc. Claro, aliás, é o fundamento dessa exclusão de culpabilidade: em todas essas hipóteses não se pode exigir do autor do ilícito do comportamento um comportamento conforme a lei, dada a sua impossibilidade ou falta de razoabilidade de semelhante exigência, já que não pode o legislador ou o juiz pretender do destinatário das normas atos de heroísmo, pois a lei não se dirige a heróis ou santos. Ou, ainda, se função da norma é dissuadir comportamentos lesivos de bens jurídicos, em tais casos a pena carece, evidentemente, de capacidade dissuadiva, sendo de todo ineficaz.”[17]

“A culpabilidade constitui, em conseqüência, as condições subjetivas que devem concorrer para que seu autor seja punido, pois, do contrário, isto é, se não culpável, não sofrerá sanção alguma, sendo absolvido. […]”[18]

Assim, um dos critérios necessários para que a pena possa ter aptidão para revalidar e reforçar valores sociais é exatamente a observância da culpabilidade. Caso a pena seja aplicada sem a observância desse princípio, ela perderá a sua característica de representar uma reprovação individual a uma conduta concreta. E desse critério a pena não pode prescindir.

A incriminação da conduta do porte de drogas para consumo próprio esbarra na afronta a esse princípio, uma vez que oferece tratamentos desiguais, que ligam a punição ao modo de ser do autor, à sua forma de vida, e não necessariamente a condutas específicas que este pratica em contrariedade ao ordenamento jurídico do país.

Percebe-se claramente que a culpabilidade do usuário de drogas coaduna-se com os postulados do Direito Penal do autor, proibido no nosso Direito Pátrio, segundo o qual o autor não é reprovado pelo ato que comete, e sim é reprovado tendo em vista a sua personalidade, não o que fez, mas o que é. Em definitivo, o que se reprova no autor não é o fato concreto, mas a definição da personalidade que seu ato revela.

A incriminação quanto ao porte e uso de drogas contida na lei merece várias críticas, mas de qualquer modo, esses questionamentos são subsidiários em relação à inadmissível sobrevivência formal de uma norma que viola uma das mais elementares exigências do princípio da culpabilidade.

Nesse diapasão, o princípio da culpabilidade é absolutamente desrespeitado, uma vez que a aplicação da pena acaba refletindo muito mais uma reprovação ao modo de vida do agente, do que uma reprovação por ter o sujeito praticado um ato contrário a uma norma.

Vale ressaltar que, o próprio fato de não existir um bem jurídico a ser tutelado pelo Direito, neste caso, já reflete que a incriminação dessa conduta se dá por questões meramente morais, e não jurídicas, o que, de logo, fundamenta pela descriminalização do porte de drogas para consumo.

“Fica evidente, portanto, que a pena aplicada ao uso de entorpecente não preenche o critério de respeito ao princípio da culpabilidade. Por esta razão, a pena aplicada ao uso de entorpecente não consegue reforçar o valor que supostamente deveria proteger, pois é sentida pela sociedade como injusta e desproporcional. Serve, portanto, muito mais à desconfirmação de valores do que ao seu esforço.”[19]

A partir da análise feita dos referidos princípios, pode-se concluir que a pena ao crime de uso de drogas não atinge a sua finalidade, uma vez que não possui aptidão para tanto, tendo em vista a inexistência de bens jurídicos a serem tutelados. A pena não pode prescindir de critérios de revalidação de valores, o ocorre com a incriminação do usuário.

Em que pese não ser mais aplicada a pena privativa de liberdade, a insistência na aplicação de sanções penais ao crime de porte e uso de drogas para consumo pessoal pode levar muito mais a uma desconfirmação do valor, muito mais do que sua proteção.

O processo de descriminalização do uso de entorpecentes é o primeiro passo para que os valores sejam reforçados, optando-se por uma via mais efetiva para a proteção do bem jurídico pretendido, afastando, para tanto, a incidência do Direito Penal.

No entanto, a descriminalização representa apenas o início de um movimento que se opõe à estigmatização e marginalização do usuário como um criminoso, paradigma esse criado ao longo da incidência do Direito Penal na história.

Considerações finais

O uso abusivo de drogas constitui, sem dúvidas, um problema social. A compreensão profana das drogas é, intrinsecamente, ligada às forças do mal e às forças perversas da sociedade. Nessa conformidade, empenham-se governos mundiais em uma verdadeira “guerra” contra tais substâncias. Criminalizando o tráfico, e por vezes, também o seu consumo, intentou-se, com o Direito Penal, regular e espancar a sua realidade atual.

No Brasil, a alteração introduzida pela Lei nº. 11.343/06, denominada Nova Lei de Tóxicos, relativa à mudança na espécie de pena estipulada para o usuário de drogas, que deixou de ser pena privativa de liberdade, significa um avanço para que o tema passe a ser tratado como uma questão de saúde pública, e não de polícia.

Contudo, as inovações trazidas pela nova lei, no sentido de substituir a pena de prisão, estabelecida pela legislação anterior, por outras sanções alternativas de carga punitiva mais branda, quais sejam a advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade e a medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo, não retirou o caráter criminoso da conduta de possuir drogas para consumo pessoal.

O usuário de drogas assim, continua a ser tratado como criminoso, uma vez que sobre ele incidem verdadeiras penas, salvo a advertência, perfeitamente adequadas aos princípios basilares da pena e à própria finalidade do Direito Penal, que são a retribuição e a prevenção geral e especial.

Entretanto, mesmo sem a previsão de pena privativa de liberdade, a nova lei de drogas não foi satisfatória, uma vez que dar seguimento à aplicação de sanções penais, mesmo que alternativas, significa continuar tratando o consumidor de drogas como um criminoso. Assim, apesar da medida despenalizadora no atinente ao consumo de drogas, poderia o legislador penal ter ido mais longe, de forma a não mais continuar influenciando o estigma do usuário.

Em que pese a nova lei poder ser considerada, no máximo, despenalizadora, uma vez que optou por atenuar a penalização, porém, mantendo o caráter ilícito a conduta daqueles que portam drogas para consumo próprio, continua, entretanto, a considerá-los criminosos. Isso não significa que deixem de sofrer os efeitos da sanção penal, presente na mera existência de processo e não apenas na privação de liberdade a qual o usuário deixa de ser submetido.

Tal tipificação adotada pelo legislador confirma que a criminalização do porte de drogas é determinante no processo de estigmatização e marginalização do usuário, construída ao longo da história do Direito Penal. Essa configuração do ilícito deve ser rechaçada, cedendo lugar à adoção de uma política de redução de danos, que consiste na adoção de estratégias de prevenção e tratamento, ao invés de medidas de cunho eminentemente repressivo, como vem fazendo o legislador pátrio.

A participação de forma mais ativa dos juristas mostra-se necessária para esclarecer que, com a edição da nova lei, não houve a descriminalização, ficando na verdade, muito aquém do que se considera ideal. Essa participação é essencial, na medida em que, deve-se demonstrar que o Direito Penal, nesta seara, tem sido utilizado com fins escusos, de forma exclusivamente simbólica.

Essa política proibicionista adotada pelo estado brasileiro, centrada na intervenção penal, enseja uma perigosa intensificação do controle do Estado perante a generalidade dos indivíduos, principalmente no que diz respeito à criminalização do consumo de drogas, deixando entrever uma face máxima de Estado vigilante e onipresente, próprio das pregações neoliberais.

Ter um Direito Penal ajustado ao tempo e a uma dada sociedade, implica em uma constante definição da atividade estatal. Modernamente, as sociedades vêem com prudência determinadas posturas estatais que, no passado, eram comuns, sendo cada vez mais benévolos com relação à condutas antes vistas como perniciosas.

De mais a mais, o consumo de drogas provoca danos apenas à saúde do usuário, de forma que não há qualquer lesão à saúde de outras pessoas ou da sociedade. Partindo dessa premissa, não pode o Direito Penal punir a conduta prevista no art. 28 da Lei de Drogas, sob pena de afronta ao princípio da lesividade.

A importância do Direito Penal reside no fato de ser a última ratio, um remédio último, cuja presença só se legitima quando os demais ramos do Direito revelam-se incapazes de dar a devida tutela a bens jurídicos de relevância para a própria existência do homem. Nessa jaez, o Direito Penal assume uma feição subsidiária e a sua intervenção só se justifica quando fracassam as demais formas protetoras de bens jurídicos previstas em outros ramos do Direito.

O porte de drogas, enquanto atividade “anti-social”, não requer, entretanto, a intervenção jurídico-penal, que deve ficar restritas às atividades relativas ao tráfico de drogas. A questão do usuário não deve ser tratada como questão de polícia, e sim como questão médico-sanitária, o que, de logo, afastaria a incidência do Direito Penal, como ultima ratio que representa.

Descriminalizar o porte de drogas para uso próprio é preciso. Retirar do ordenamento jurídico leis que punem condutas visando a tutela penal de bens obsoletos e em franco desuso é imperioso para o resguardo de uma sociedade moderna e justa, que necessita de constantes atualizações. Antes de se recorrer ao Direito Penal, devem-se esgotar todos os meios extrapenais de controle social, que pode ser realizado mediante medidas de atenção e reinserção do usuário mediante políticas públicas.

O uso de drogas não deve ser considerado crime, ressaltando-se a necessidade da evolução de políticas públicas sobre drogas no país.

A solução para uma prevenção quanto ao uso de drogas não será encontrada no Direito Penal, mas sim numa reorganização das políticas de educação, saúde pública e no respeito aos direitos e garantias individuais do cidadão.

Assim, além da necessária alteração legislativa, no sentido de descriminalizar tal conduta, faz-se mister que o Estado implemente programas de terapia ocupacional, estruturando um sistema público de saúde de acesso a todas as classes sociais e econômicas a tratamentos relacionados a dependentes. Ao mesmo tempo, devem ser criados estímulos e apoio à entidades direcionadas à recuperação dos dependentes de drogas.

No entanto, mesmo com a mudança da atual legislação, ainda não atingimos o tratamento ideal na questão do uso de drogas. Contudo é fundamental reconhecer que o primeiro passo foi dado rumo a descriminalização da conduta do usuário.

Conclui-se, portanto, que não se justifica a aplicação de um recurso mais grave quando se obtém o mesmo resultado através de um sistema mais suave, impondo-se ao legislador ordinário, o alento para tornar realidade o que a sociedade almeja: menos penalização, mais ressarcimento e recuperação.

Referências
BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal: parte geral. 6. ed., São Paulo: Saraiva, 2000, v. 1.
CERVINI, Raúl. Os processos de descriminalização. Tradução de Eliana Granja. 2. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.
CONDE, Francisco Muñoz. Teoria Geral do Delito. Tradução de Juarez Tavares e Luiz Régis Prado, Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1988.
COSTA, Fernando José da. Descriminalização do porte e do uso de substância ilícita. In: JÚNIOR, Miguel Reale (Coord.). Drogas: aspectos penais e criminológicos. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral. 3. ed., Rio de janeiro: Impetus, 2003.
JESUS, Damásio E. Direito Penal: parte geral., 25. ed., São Paulo: Saraiva, 2002, v. 1.
KARAM, Maria Lúcia. Drogas ilícitas e globalização: A proibição causa a maioria dos danos associados às drogas. Narconews. Rio de Janeiro, 18 mai. 2003. Disponível em: <http://www.narconews.com/Issue30/artigo785.html >. Acesso em: 01 dez. 2006.
NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal: introdução e parte geral. 35. ed., São Paulo: Saraiva, 2000.
QUEIROZ, Paulo. Direito Penal: parte geral. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2005.
 
Notas:
[1] COSTA, Fernando José da. Descriminalização do porte e do uso de substância ilícita. In: JÚNIOR, Miguel Reale (Coord.). Drogas: aspectos penais e criminológicos. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 87.

[2] KARAM, Maria Lúcia. Drogas ilícitas e globalização: A proibição causa a maioria dos danos associados às drogas. Narconews. Rio de Janeiro, 18 mai. 2003. Disponível em: <http://www.narconews.com/Issue30/artigo785.html >. Acesso em: 01 dez. 2006.

[3] BITENCOURT, 2000, p. 10.

[4] BITENCOURT, 2000, p. 10.

[5] QUEIROZ, 2005, p. 26.

[6] BITENCOURT, 2000, p. 11.

[7] ROXIN, Claus. 1989, p.23, apud BITENCOURT, 2000, p. 11.

[8] QUEIROZ, 2005, p. 46.

[9] QUEIROZ, 2005, p. 47.

[10] CERVINI, 1995, p. 122.

[11] KARAM, 2003.

[12] QUEIROZ, 2005, p. 34-35.

[13] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral. 3. ed., Rio de janeiro: Impetus, 2003, p. 61.

[14] CONDE, Francisco Muñoz. Teoria Geral do Delito. Tradução de Juarez Tavares e Luiz Régis Prado, Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1988, p. 129.

[15] JESUS, 2002, p. 11.

[16] NORONHA, 2000, p. 104.

[17] QUEIROZ, 2005, p. 145.

[18] Ibid., p. 136.

[19] COSTA, 2005, p. 117.


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Priscilla Passos Lopes Pithon

Advogada


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