Resumo: Este artigo apresenta o conceito do que venha a ser vítima à luz do estudo da vitimologia no crime militar. Para tal, aborda-se um contexto histórico do surgimento do Direito Militar e a compatibilidade do direito castrense com os preceitos do atual Estado pautado na democracia. Somando-se os conceitos científicos trabalhados pela vitimologia à definição de crime militar, busca-se aferir se o comportamento da vítima influencia na prática de crimes militares e até que ponto esta influência recebe tratamento legal apto a desconstituir a realização do tipo penal incriminador ou a balizar a decisão judicial na dosimetria da pena. Ao final, observada a importância do estudo do comportamento da vítima em face da conduta do Militar Estadual que se amolda ao conceito de crime militar, tem-se que em alguns casos é preciso atrelar o direito castrense aos achados científicos da vitimologia a fim de que o jurisdicionado militar estadual tenha tratamento isonômico com o jurisdicionado da justiça comum.
Palavras-chaves: Penal Militar. Crime Militar. Vítima.
Resumen: En este artículo se introduce el concepto de lo que va a ser una víctima a la luz del estudio de la victimología en el delito militar. Para ello, se acerca a un contexto histórico de la aparición de la Ley Militar y la compatibilidad de castrense derecho a los preceptos de la democracia guiada estado actual. Agregando a los conceptos científicos desarrollados por la victimología la definición de los delitos militares, tratamos de determinar si la conducta de la víctima influye en la práctica de los delitos militares y en qué medida esta influencia recibe tratamiento jurídico capaz de deconstruir la realización del tipo penal incriminatoria o guiar la decisión de la corte en el corral de la dosimetría. Al final, se observa la importancia de la conducta de la víctima en el estudio en vista de la conducta del Estado militar que se ajusta al concepto de delito militar, se deduce que en algunos casos es necesario remolcar el castrense derecho de los hallazgos científicos de la victimología de modo que los demandantes militares estatales tienen igualdad de trato con los demandantes de la justicia común.
Palabras-clave: Penal Militar. Crimen Militar. Víctima
Sumário: Introdução. 2. Contexto histórico. 2.1. Contexto histórico no Brasil. 3. O Crime militar. 3.1. O Conceito de crime. 3.2. A conceituação do crime militar no atual ordenamento jurídico. 4. Vitimologia criminal. 4.1. Tipos de vítimas. 4.2. O civil vítima de crime militar. 4.3. O militar vítima de crime militar. Conclusão.
Introdução
Desde o exórdio da análise do crime, sempre houve a necessidade de dirigir à análise no intuito de previnir a ação criminosa, bem como punir o crime. Contudo, com o decorrer do lapso temporal, descobriu-se que a vítima, bem como seu comportamento, também pertence ao somatório da análise do crime.
Essa relação entre a vítima e o infrator, passou a ser denominada pela doutrina como dupla penal. E, em alguns casos, percebe-se que a vítima oferece resistência à ação criminosa, conforme Luis Flávio Gomes citado por DELFIM ensina:
“Importante consignar que, na maioria dos casos, a dupla penal é caracterizada pela contraposição deliquentex vítima, ou seja, as circunstâncias relacionadas ao crime deixam bastante claro que a vítima impôs resistência, não colaborando com o resultado delituoso (GOMES, Luiz Flávio e Antonio García de Molina, 2010, p. 479)”.
Em outras possibilidades, verifica-se que a dupla penal não é contraposta, mas haveria o desempenho do papel da vítima como coadjuvante no delito, veja:
“Em outras hipóteses, entretanto, o que se verifica é que a dupla penal não é tão contraposta assim, isto é, a vítima desempenha um papel coadjuvante (às vezes até inconsciente) no desfecho do delito. Nesses casos a dupla penal não é caracterizada pela contraposição, mas sim pela harmonia, uma vez que tanto a vontade do agente ofensor quanto a vontade da vítima, de uma forma ou de outra, são convergentes (DELFIM, 2012)”.
Numa análise sociológica, nota-se que o criminoso encontra oportunidade em todos os momentos: quer seja pela falta de vigilância da vítima; quer seja por ser ou estar como “um alvo disponível” ou, ainda, por estar, o cidadão infrator, motivado para a prática do crime.
A vitimologia já integra o Direito Penal Comum quando analisamos, por exemplo, o art.59 do Código Penal (CP), que versa sobre questões judiciais na primeira fase da aplicação da pena onde o magistrado avalia o comportamento da vítima,bem como o do cidadão infrator, para iniciar a fixação da pena. No mesmo texto legal, o art.65, III, ”c” o ato injusto da vítima serve como circunstância atenuante do crime, in verbis:
“Art. 65 – São circunstâncias que sempre atenuam a pena:
I – ser o agente menor de 21 (vinte e um), na data do fato, ou maior de 70 (setenta) anos, na data da sentença;
II – o desconhecimento da lei;
III – ter o agente:
a) cometido o crime por motivo de relevante valor social ou moral;
b) procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as conseqüências, ou ter, antes do julgamento, reparado o dano;
c) cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em cumprimento de ordem de autoridade superior, ou sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima;
d) confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime;
e) cometido o crime sob a influência de multidão em tumulto, se não o provocou (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Texto de 05 de Outubro de 1988)”.
O ato injusto da vítima torna-se circunstância atenuante desde que o crime tenha sido praticado sob violenta emoção, como ensina Cezar Roberto Bitencourt:
“Esses estados emocionais não eliminam a censurabilidade da conduta (art.28, I do CP); poderão, apenas, diminui-la, com a correspondente redução de pena, desde que satisfeitos determinados requisitos legais. Esses requisitos são: a provocação injusta da vítima, o domínio, nos casos da lesão ou do homicídio (minorantes), ou a influencia, em caso de qualquer outro crime (atenuante), desse estado emocional, que deve ser violento, sob psiquismo do agente. Então, além da violência emocional, é fundamental que a provocação tenha sido da própria vítima, e através de um comportamento injusto, ou seja, não justificado, não permitido, não autorizado (BITENCOURT, 2003)”.
O Código Penal Militar contempla dispositivo com redação idêntica ao art.65, III, “c” do CP, qual seja art. 72, III, “c” que versa tambem, sobre o ato injusto da vitima no crime, desde que aja, sob a violenta emoção, in verbis:
“Art. 72. São circunstâncias que sempre atenuam a pena:
I – ser o agente menor de vinte e um ou maior de setenta anos;
II – ser meritório seu comportamento anterior;
III – ter o agente:
a) cometido o crime por motivo de relevante valor social ou moral;
b) procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as conseqüências, ou ter, antes do julgamento, reparado o dano;
c) cometido o crime sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima;
d) confessado espontâneamente, perante a autoridade, a autoria do crime, ignorada ou imputada a outrem;
e) sofrido tratamento com rigor não permitido em lei.”
“Parágrafo único. Nos crimes em que a pena máxima cominada é de morte, ao juiz é facultado atender, ou não, às circunstâncias atenuantes enumeradas no artigo (BRASIL. Código Penal Militar, 1969)”.
No intuito de analisar o comportamento da vítima do crime militar, o capítulo seguinte traz um apanhado histórico e a gênese do crime militar bem como a vitimologia acerca do comportamento da vítima a fim de permitir aquilatar se de fato, a vítima do crime militar influencia na prática do delito ou não.
2. Contexto histórico
Alguns escritores apontam a gênese do Direito Castrense desde alguns povos da mais remota antiguidade, como índia, Atena, Pérsia, Macedônia e Cártago (LOUREIRO NETO, 2010).
Outros apontam os Sumérios como os primeiros povos a constituírem exércitos organizados, mas a “profissionalização militar aconteceu no Império Romano e com os Gregos[1]”. Contudo, foi em Roma que o Direito Penal Militar ganhou a designação de instituição júridica. Com a necessidade de controlar o comportamento dos soldados nas legiões romanas, o Direito Militar ganha força e existência própria neste cenário e, teve assim, o exercito romano, seu direito criminal próprio na medida em que foram expandidas as legioes.
Acerca do tema, ensina ARAÚJO, João Vieira, que os agentes eram julgados pelos militares naquela época:
“Para as faltas graves da disciplina, diz Dalloz, o tributo convocava o conselho de guerra, julgava o delinquente e o condenava a bastonadas[2]·. Esta pena era infligida com tal rigor que acarretava perda da vida. O estigma da infâmia estava ligado a certos crimes e aos atos de covardia. Quando a falta disciplinar grave era de uma centúria[3], por exemplo, o tributo formava o corpo e, fazendo tirar a sorte certo número dentre os soldados culpados, os fazia bastonar até matá-los (ARAÚJO, João Vieira apud LOUREIRO NETO, José da Silva, 2010)”.
A punição pelos crimes militares por meio de castigos corporais estende-se até 1708. Mas, foi em 1874, que a Lei nº2. 556[4], de setembro bem como pelo Decreto nº3[5], de 16 de novembro de 1889, aboliram esse método de punição.
Na Grécia, a justiça militar não era diferenciada da justiça comum, pois todo cidadão grego era considerado soldado da pátria independentemente se ele fosse ou não em uma guerra. Os crimes militares eram julgados pelo Archonte[6] e, gradativamente, esses crimes passaram a ser de competnecia dos Strateges e finalmente dos Taxiarcos[7]. Segundo Célio Ferreira Romão:
“(…) o militarismo nasceu no ano de 142 A.C na Grécia Antiga, criado por Domus II, e tinha o objetivo de organizar as hostes subordinadas do rei, com odediência absoluta, pois, juravam, os componentes, servir dando a própria vida em favor da disciplina e hierarquia a que estavam subordinados…[8]”.
Contudo, foi com a Revolução Francesa em1789, na Idade Moderna, que os príncipios norteadores da jurisdição militar foram estabelecidos, conforme ensina LOUREIRO NETO (2010):
“Mas foi com a Revolução Francesa (1789), na Idade Moderna, ao regulamentar as relações do poder militar com o poder civil, que os princípios da jurisdição militar moderna foram estabelecidos, despojando-se de seu carater feudal de foro privilegiado, estabelecendo-se a restrição ao foro em razão das pessoas e da matéria, limitações que já havia acolhido o direito romano”.
Nota-se que no contexto mundial, a justiça militar evoluiu dos castigos corpóreos à aplicação de penas, em especial sob a égide da Revolução Francesa que apregoava Liberté, Egalité, Fraternité, ou seja, liberdade, igualdade e fraternidade.
2.1 Contexto Histórico no Brasil
Em um giro geográfico, no Brasil, a primeira legislação que incidia sobre o penal militar, advém dos Artigos de Guerra do Conde de Lippe, ratificados em 1763[9]. Sobre estes Artigos, Marcelo Weitzel Rabello de Souza[10], apresenta alguns pontos como, por exemplo, a punição do soldado pela espada, a responsabilidade do oficial pelo soldade sem responsabiliza-lo de forma criminal, a punição de ambos bem como o método processual para a plicação da sanção, in verbis:
“Ao Soldado, restava a punição da espada ―Todo o Soldado, que logo que fe tocar a rebate, não eftiver no lugar indicado para a Affemblea da fua Companhia, ferá prezo, e no outro dia caftigado com fincoenta pancadas de efpada de prancha. No item seguinte, relembra a responsabilidade do Official pela atitude do Soldado, mas deixa de responsabilizá-lo criminalmente, pois: ―Os Officiais,e Officiais inferiores devem fer os primeiros, que fe achem no lugar da Affembleia das fuas refpectivas Companhias, não dando máo exemplo aos Soldados, indo depois de elles lá eftarem.‖. (…)
As conseqüências já vinham dispostas no item de número três, onde menciona subalterno, e não apenas soldado, prescrevendo que aquele que ―(…) offender gravemente ao feu Capitão, oppondo-fe as fuas ordens (…)‖ seria interrogado pelo Comandante do Regimento que depois o faria ―julgar pelo Conselho de Guerra‖. Tal fato deveria ser comunicado até ao Monarca e ao General do Exercito, sendo que o Coronel também encaminharia o insubordinado ao ―Quartel do Eftado maior do feu Regimento, no qual ferá prezo na Guarda principal por tempo de quinze dias, hum mez, ou mais, conforme a natureza da fua culpa, fem que o livre de fazer o feu ferviço. A todo capitão que não obrigar os subalternos a conservarem a devida obediência, ―O Coronel do Regimento o reprehenderá feveramente da fua frouxidão, logo que della tiver notícia, e dará conta a sua Magestade”.
Com a chegada da Família Real Portuguesa no Brasil, D.João VI, criou o Conselho Supremo Militar e de Justiça através do Alvará de 21 de Abril de 1808. Com sede na Cidade do Rio de Janeiro, a competência deste Conselho era de processar e julgar os crimes militares praticados dentro da divisão territorial que pertencia a ao Brasil Colônia. O site so STM apresenta a evolução do Conselho Supremi Militar, vejamos:
“Desde a criação em 1808 até 1905, o Conselho Supremo Militar e de Justiça funcionou, inicialmente, em dependências provisórias do Ministério da Guerra. Após 1811, com a construção do Quartel-General no Campo de Santana, esteve ali instalado, num lugar considerado sítio histórico "palco e testemunha de fatos que mudaram o curso da História Nacional (…)[11]”.
Em 1834, a Provisão de 20 de Outubro, dividiu os crimes militares em categorias: os cometidos em tempo de paz e os cometidos em tempo de guerra (GODINHO, 1982, p.9 apud LOUREIRO NETO, 2010). A provisão elencava os crimes militares conforme citou o Senhor Aguiar na Sessão de 26 de Janeiro de 1843, na Camara dos Deputados:
“Eu não serei o Juíz, nem tenho tais pretensões, assim como não reconheço outro qualquer juiz que não seja a provisão de 20 de outubro de 1834. Todos sabem que, desde que se promulgou o código do processo em 1832, suscitou-se por toda parte, essa grande questão à respeito da discriminação dos crimes militares dos crimes civis (…);… Mandou ouvir o parecer do supremo conselho militar de justiça, o qual resolveu que, enquanto não houvesse uma lei positiva que removesse semelhantes embaraços, continuarião a ser julgados pelo foro militar, e como puramente militares considerados os crimes resultantes: 1º, da violação da santidade religiosa observancia do juramento prestado; 2º, da ofensa à subordinação e boa disciplina do exercito e armada; 3º, da alteração na ordem, policia e economia do serviço militar; e 4º, finalmente, do excesso e abuso de autoridade ou influência do emprego militar”. [12]
Na época do Império, a legislação militar por ser abundante era também, desordenada, pois não apresentava, com nitidez, os tipos penais da vida castrense. Mas, foi a partir destas vagas e confusas leis esparsas do Império, foi que surgiu vigor para modificar a legislação existente o que gerou o primeiro Código Militar (Código da Armada), aprovado pelo Decreto nº18, de 7 de Março de 1891, sendo ampliado ao Exército mediante lei nº612, de 28 de Setembro de 1899, e afincado à Aeronáutica pelo Decreto-lei nº2. 961, de Janeiro de 1941. Contudo, foi em 24 de Janeiro de 1944, pelo Decreto-lei nº 6.227, foi produzido o Código Penal Militar de 1944. Por fim, vige atualmente, desde 1º de Janeiro de 1970, o Código Penal Militar, expedido pelo Decreto-lei nº 1.001, de 21 de Outubro de 1969.
No que tangue as previsões constitucionais acerca da Justiça Militar, vale elucidar que em 1891 foi criado o Conselho Supremo Militar e a Justiça Militar era considerado uma ramificação do Poder Executivo. A Carta Magna da época estabeleceu os Conselhos de Justiça, com a competência para julgar, em primeira instância, os crimes militares praticados por militares de forma exclusiva.
O Conselho Supremo Militar passou a ser chamado de Supremo Tribunal Militar por meio da Constituição de 1934, mas ainda, como ramificação do Poder Executivo, e essa mesma Constituição, tornou a Justiça Militar um ramo especializado do Direito assim como a Eleitoral e Trabalhista.
Em 1936, a Lei Federal nº 192, de 17 de Janeiro de 1936, concedeu a criação da Justiça Militar dentro dos Estados-Membros da República. A Justiça Militar em Minas Gerais foi criada pela Lei Estadual nº226, de 9 de Novembro de 1937, compondo-se, num momento inicial, de um Juiz Auditor e dos Conselhos Especial e Permanente de Justiça. Por não haver um órgão especializado de segunda instância, naquela época o Tribual Criminal, hoje Tribunal de Justiça, desempenhava a função de instancia recursal.
A Constituição de 1946 determinou que a Justiça Militar deveria migrar para o Poder Judiciário e aqui, ela passa a ser composta por 11 Ministros e o nome Superior Tribunal Militar é oficializado nesta Constituição.
Em 1965, sob a égide do governo militar, foi instaurado o Ato Institucional nº2 que alterou a composição do Superior Tribunal Militar passando-o para 15 e não mais 11 ministros conforme determinava a Constituição de 1946.
E, em 1988, foi criada a atual Carta Magna que estabeleceu a competência da Justiça Militar: “a Carta Magna da época, estabeleceu os Conselhos de Justiça, com a competência para julgar, em primeira instância, os crimes militares praticados por militares de forma exclusiva” [13]. A competência acerca da Justiça Militar está divida na Carta Magna em competência da Justiça Militar da União e competência da Justiça Militar Estadual.
A Justiça Militar da União tem sua competencia prevista no art.122 da CRFB/88 que aduz:
“Art. 122. São órgãos da Justiça Militar:
I – o Superior Tribunal Militar;
II – os Tribunais e Juízes Militares instituídos por lei”.
Nos ensinamentos de Pedro Lenza (2009, p.556) sobre a JMU elucida que a “competência exclusivamente penal, incumbe-lhe processar e julgar os crimes militares definidos em lei”. No que tange julgar ou não civis, tem-se a decisão do STM, in verbis:
“EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO. COMPETÊNCIA DA JMU. A Justiça Militar da União é competente para julgar civil que pratica crime contra património sob a Administração Militar. O Crime de estelionato Previdenciário se insere na situação abstraía da alínea "a" do inciso III do art. 9º do CPM, ensejando o reconhecimento da competência desta Justiça Especializada para apreciá-lo. Habeas Corpus conhecido, mas denegada a ordem por falta de amparo iegal. Decisão unânime (Processo nº: HC 378320137000000 CE 0000037-83.2013.7.00.0000; Relator: Olympio Pereira da Silva Junior)”.
A Justiça Militar do Estado pode ser organizada, tendo em vista que sua gênese advém da Constituição, por lei estadual e a ela compete processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei, ressalvada a compretência do Tribunal do Juri, conforme art. 125,§4º da CRFB/88:
“Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.
§ 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças”.
Em síntese, no que toca a JME, ensina Pedro Lenza (2009, p.559):
“(…) crime militar definido em lei praticado por militar estadual contra militar – julgamento pela Justiça Militar (Conselho de Justiça Permanente ou Especial); Crime militar definido em lei praticado por militar estadual contra civil – Justiça Militar (Juiz de Direito e não o Conselho) ressalvada a competência do júri popular; Crime doloso contra a vida praticado por militar contra militar – a competência para processar e julgar é do Conselho de Justiça, presidido pelo Juiz de Direito da Justiça Militar Estadual”.
3. O crime militar
A definição de crime militar importa em compreender sua evolução no curso da história bem como compreender outros conceitos, pois “a conceituação do crime militar não tem cumprido um critério constante, variando, incontáveis vezes, mediante o decurso do lapso temporal e legislativo de cada País” (LOUREIRO NETO, 2010).
No estudo de Chassagnade Belmin[14], as “infrações militares” podem ser compreendias sob três interpretações, seria: a primeira, sob uma ótica ampliada, o autor está sujeito à jurisdição dos tribunais militares em todo delito. Na segunda, mais habitual, entende-se que as infrações subordinadas à justiça militar, encontram-se previstas na lei penal militar. A terceira compreende as infrações cometidas em razão de algumas obrigações próprias às quais somente os militares, só e tão somente só, estão sujeitos. Com isso, verificamos que essa classificação, divide-se, basicamente, em duas especies: ratione materiae e rationae personae. Remetendo-nos, o primeiro, ao Direito Romano e, o segundo, ao Direito Germânico, pois em Roma, o cidadão sobrepujava o soldado e na Germânia, sombraceava o militar. Contudo, os dois critérios ajustaram-se para que houvesse a caracterização do crime militar.
A posteriori, os critérios de rationae loci e rationae temporis foram acrescentados ao conceito de crime militar, considerando agora, como aquele crime praticado em lugar sujeito a jurisdição militar e, também, os crimes praticados em situações atípicas, como guerra, rebelião, estado de sítio. Essa adoção de critérios importou vários delitos para a seara castrense.
Rocha[15] delimita em três as principais posições doutrinarias acerca do crime militar: a primeira perfilha que crime militar seria todo aquele que está sob a égide da jurisdição dos tribunais militares; a segunda emprega que crimes militares são todos os tipos penais previstos na legislação militar, independentemente das características próprias da condição militar; a terceira, e mais recente, entende que crimes militares são os tipos penais que só podem ser consumados pelo militar, ou seja, infrações puramente funcionais.
Renato Astrosa[16] apregoa que os delitos militares podem ser exclusivamente militares e objetivamente militares se considerado o objeto jurídico quebrantado. A primeira modalidade seria correspondente aos delitos militares com previsão específica na lei penal militar, tais como a capitulação do título III do CPM que elenca os crimes contra o serviço militar e o dever militar dentre outros. A segunda categoria representa os delitos militares que lesionam tanto os bens jurídicos amparados em lei penal militar como os amparados pela lei penal comum como, por exemplo, o título IV do CPM que elenca os crimes contra a pessoa, dentre outros[17].
No intuito de definir crime militar, Jorge Cesar de Assis (2008, p.42) ensina que:
“Crime Militar é toda violação acentuada ao dever militar e aos valores das instituições militares. Distingue-se da transgressão disciplinar porque esta é a mesma violação, porém na sua manifestação elementar e simples. A relação entre crime militar e transgressão militar disciplinar é a mesma que existe entre crime e contravenção penal”.
Para ASSIS (2008, p.43) o conceito de crime militar ganhou, através da doutrina, os critérios de ratione materiae, ratione personae, ratione temporis e ratione loci. No primerio, seria necessário verificar se a vítima ou autor são militares; No segundo seria crime militar aquele em que o autor é militar, verificando assim, somente se o autor é ou não militar; O terceiro versa sobre os crimes praticados em tempo específicos como o caso de guerra; e, o quarto, analisa somente o local da prática do crime, devendo ser local militar ou sobre a administração militar. Contudo, o mesmo autor ainda aponta que o critério adotado pela atual Carta Magna é o ratione legis, ou seja, é crime militar aquele que a lei define.
A doutrina divide o crime militar em próprio e impróprio. Para NUCCI (2010, P.54), os crimes militares próprio são “os crimes que exigem sujeito ativo especial ou qualificado, isto é, somente podem ser praticados por determinadas pessoas”. Jorge César de Assis[18] define que “são os chamados crimes propriamente militares aqueles cuja prática não seria possível senão por militar, porque essa qualidade do agente é essencial para que o fato delituoso se verifique”. Ou seja, o crime propriamente militar é o crime elencado no CPM que exige a condição militar como, por exemplo, os arts. 149 a 153 que tratam de motim e revolta; os do título III do CPM que versa sobre os crimes contra o serviço militar e o dever militar. Os crimes impróprios para NUCCI (2010, P. 54), seriam “os delitos que podem ser cometidos por qualquer pessoa”, ou seja, dispensa uma elementar do tipo penal militar como homicídio. ASSIS, (2008, p. 43) ensina que os crimes militares imprópios “são aqueles que estão definidos tanto no Código Penal Castrense quanto no Código Penal comum, e que, por um artifício legal tornam-se militares por se enquadrarem em uma das várias hipóteses do art.9º do CPM”. Nota-se que os crims militares impróprios são de natureza comum, que podem de fato ser cometido por qualquer do povo, contudo torna-se de natureza militar mediante ex vis legis do art.9º do CPM. A revista do STM aduz que “embora civis na sua essencia, assumem feição militar, por serem cometidos por militares em função[19]”.
3.1 O Conceito de Crime
Sob uma ótica material, o crime constitui toda conduta lesiva ao bem jurídicamente amparado, merecedor de pena; sob a visão formal (captada a essência pelo legislador, transformar-se em lei), é a conduta lesiva a bem juridicamente protegido, merecedor de pena préviamente estabelecida.
O conceito formal desdobra-se no analítico, que é a visão científica do crime, para fins acadêmicos, para o qual o crime é um fato típico, antijurídico (ou ilícito) e culpável[20].
A corrente tripartida[21] é a marjoritária na doutrina jurídica brasileira, abrangendo causalistas, finalistas e funcionalistas.
Sob o corte epistemológico do crime militar, o legislador, no Decreto-Lei nº 1.001, adotou o critério ratione legis, ou seja, não definiu o crime militar somente enumerou, de forma taxatixa (critério ex vis legis), as inúmeras situações que o definem. Contudo, vimos que o critério adotado, pelo legislador, para a classificação do crime militar é o ratione legis, ou seja, só é crime militar se estiver definido em lei.
Depois da apresentação da doutrina ao dividir os crimes militares em próprios e impróprios, arriscar dizer que crime militar é, somente, o praticado por militares, tornou-se letra perecida e isso, gerou uma fonte interminável de conceituações que a definição de crime militar passou a ser: “crime militar é todo aquele que a lei assim o define”. Mesmo que não o seja, o legislador assim o entendeu e devemos assim aprecia-lo. Ainda, Esmeraldino Bandeira[22] apregoa que “não existe um critério científico unanimente indicado e aceito para a classificação do crime militar”.
Bem como afirma Jorge César de Assis: "Crime militar é toda violação acentuada ao dever militar e aos valores das instituições militares (2008, p.43)”.
Feitas tais considerações, analisemos o conceito de crime militar mediante o explicitado na atual legislação.
3.2 A Conceituação do Crime Militar no Atual Ordenamento Júridico
Em seu art.124, Carta Magna define que “Compete a Justiça Militar processar e julgar os crimes militares definidos em lei”. E os crimes militares definidos em lei, estão elecandos no Código Penal Militar, sendo que seu art.9º enumeras as mais diversas possibilidades em que se caracteriza o crime militar em tempo de paz[23]. Assim, sendo, observemos o artigo, in verbis:
“Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:
I – os crimes de que trata este Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial;
II – os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados:
a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado;
b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;
c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil;
d) por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;
e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar;
f) revogada.
III – os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos:
a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar;
b) em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado, ou contra funcionário de Ministério militar ou da Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo;
c) contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras;
d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquêle fim, ou em obediência a determinação legal superior”.
No intuito de verificar se houve, de fato, o crime militar é necessário observar o seguinte compêndio FATO TÍPICO + ANTIJURÍDICO + CULPÁVEL + ART.9º ou 10º[24] do CPM. Pois, existem algumas situações em que não será possível atribuir competência ao Juízo Militar mesmo que haja um militar envolvido, vejamos:
“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO MILITAR E JUÍZO COMUM. POLICIAL MILITAR. CONTRAVENÇÃO DE DISPARO DE ARMA DE FOGO. DELITO NÃO CONTEMPLADO PELA LEGISLAÇÃO MILITAR. Compete à Justiça Comum processar e julgar a contravenção de disparo de arma de fogo, que o Código Penal Militar não define como crime, praticada por policial militar que não estava em serviço. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Comum para apreciar a contravenção penal (Processo: CC 33623 MG 2001/0154850-2; Relator: Ministro FELIX FISCHER; Julgamento: 22/05/2002)”.
“AGRAVO REGIMENTAL NO CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PENAL. MILITAR. CRIME DE ABUSO DE AUTORIDADE. ART. 4º, A, DA LEI N. 4.898/65. APLICAÇÃO DA SÚMULA N. 172 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – STJ. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM. Na hipótese dos autos, os policiais militares agiram com abuso de autoridade, ao abordarem as vítimas, exigindo a apresentação da identidade civil, sob o argumento de que as identificações militares apresentadas somente teriam validade se exibidas junto com a identificação civil, além de terem detido as vítimas sob alegação de desobediência. O crime de desobediência ocorre quando há o descumprimento de uma ordem legal de funcionário público, o que não se verifica no caso concreto, uma vez que as determinações dos policiais não encontravam respaldo legal, restando caracterizado, em tese, o crime de abuso de poder por parte dos policiais militares. Não há falar em crime de constrangimento ilegal (art. 222 do Código Penal Militar – CPM), porquanto ausente a grave ameaça ou violência na conduta dos policiais, necessária para caracterização do referido crime militar. Pratica o crime de abuso de autoridade o agente que, em represália por justa cobrança de parte da vítima, faz-lhe exigências descabidas, culminando por conduzi-la à presença da autoridade policial. A falta de justa causa para o procedimento faz realçar a represália como único e condenável intuito o agente. O abuso de autoridade cometido em serviço, por policial militar, deve ser julgado pela Justiça Comum. Incidência da Súmula n. 172/STJ. Agravo Regimental desprovido (Processo: AgRg no CC 102619 RS 2009/0010503-8; Relator: Ministro ERICSON MARANHO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP); Julgamento: 22/04/2015)”.
Nota-se que há um Fato Típico, Ilícito e Culpável, contudo, não abrange o crime militar previsto no CPM uma vez em que a modalidade criminosa não está prevista em lei específica conforme exige o rationae legis.
Diferentemente do posicionamento quando o compêndio apresentado está presente no caso concreto, vejamos:
“PENAL MILITAR. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. NÃO CABIMENTO. POLICIAL MILITAR. CRIME PRATICADO NO EXERCÍCIO DAS FUNÇÕES, EM LOCAL SUJEITO À ADMINISTRAÇÃO MILITAR. INTELIGÊNCIA DO ART. 9º, INCISO II, ALÍNEAS B E C, DO CÓDIGO PENAL MILITAR. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM PARA ANÁLISE DO FEITO. NULIDADE. OCORRÊNCIA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. I – A Primeira Turma do col. Pretório Excelso firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus substitutivo ante a previsão legal de cabimento de recurso ordinário (v.g.: HC 109.956/PR, Rel. Min. Marco Aurélio, DJE de 11/9/2012; RHC 121.399/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, DJE de 1º/8/2014 e RHC 117.268/SP, Rel. Min. Rosa Weber, DJE de 13/5/2014). As Turmas que integram a Terceira Seção desta Corte alinharam-se a esta dicção, e, desse modo, também passaram a repudiar a utilização desmedida do writ substitutivo em detrimento do recurso adequado (v.g.: HC 284.176/RJ, Quinta Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJE de 2/9/2014; HC 297.931/MG, Quinta Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJE de 28/8/2014; HC 293.528/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJE de 4/9/2014 e HC 253.802/MG, Sexta Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJE de 4/6/2014). II – Portanto, não se admite mais, perfilhando esse entendimento, a utilização de habeas corpus substitutivo quando cabível o recurso próprio, situação que implica o não conhecimento da impetração. Contudo, no caso de se verificar configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, recomenda a jurisprudência à concessão da ordem de ofício. III – Nos termos do disposto no art. 9º, inciso II, alíneas b e c, do Código Penal Militar, considera-se crime militar, em tempo de paz, o crime cometido por militar em atividade, em local sujeito à administração militar, ou em serviço ou atuando em razão de suas funções, contra civil. (Precedentes). IV – In casu, o paciente, policial militar, condenado pelos delitos de roubo circunstanciado e quadrilha armada (antiga redação do art. 288 do CP), participou dos delitos na medida em que, durante seu turno de trabalho, em destacamento da Polícia Militar e valendo-se de informações obtidas em razão de sua função, teria retardado a ação dos demais policiais militares, garantindo o êxito das condutas tidas por delituosas. V – Desta forma, a participação de policial militar no delito praticado, em local sob a administração militar e no exercício de suas funções, evidencia a existência de crime militar, cuja competência para processamento e julgamento é da Justiça Militar. VI – Tal raciocínio, no entanto, aplica-se apenas ao delito de roubo, e não ao de quadrilha, cuja competência é da Justiça Comum Estadual, aplicando-se ao caso, ainda, o teor da Súmula 90/STJ, segundo a qual "Compete a Justiça Estadual Militar processar e julgar o policial militar pela prática do crime militar, e a comum pela prática do crime comum simultâneo aquele". Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para declarar a nulidade do feito apenas em relação ao paciente, e tão somente quanto ao delito de roubo, desde a propositura da ação, determinando-se o envio do processo à Justiça Militar (Processo: HC 284363 GO 2013/0404262-2; Relator: Ministro FELIX FISCHER; Julgamento: 19/03/2015)”.
Apresentados os argumentos acerca da conceituação do crime militar e uma vez já definido mediante o ratione legis, avançaremos para a vitimologia do crime militar.
4. A vitimologia criminal
Benjamin Mendelson define a Vitimologia como uma ciência que se difere da Criminologia. Irrelevante que a Vitimologia seja ou não uma ciência, fato é que ela propicia o estudo da vítima no seu envolvimento no crime, seja de forma voluntária ou não. Em síntese, a Vitimologia “busca indicar o posicionamento da vítima diante do dramacriminal, fazendo-o inclusive sob o ângulo do Direito Penal[25]”.
Mediante a análise da criminogênese, é indispensável conhecer não só o criminoso, mas a vítima. A relação entre a vítima e o infrator da lei é nomeada como “dupla-penal” não só por Mendelsohn, como por Jimene de Asúa, Martin Wolfgang e Roland Souchet, referindo-se ao binomio vítima e criminoso.
A relação entre a dupla-penal merece análise, pois permite aferição de dolo e culpaem relação ao transgressor, bem como vislumbre de responsabilidade da vítima ou da coadjuvação involuntária na prática do crime. Estas constatações repercutem desde a classificação do crime até a aplicação da pena ao transgressor.
A nomenclatura dupla-penal é usada para exprimir o dual delinquente- vítima. Análise essa, essencial na apuração do fato.
Noutro tempo, somente o cidadão infrator era fonte de estudos e pesquisas dos criminólogos e juristas. E de forma justificável, a vítima passou a ser objeto de análise com repercussão na esfera do Direito Penal. Ainda, nos dias de hoje, em algumas esferas do Direito, a vítima é vista como diametralmente distinta do cidadão infrator, contudo essa distância precisa ser revista quando se percebe, no caso concreto, a participação da vítima, mesmo que involuntária, na prática do delito. Trata-se da análise racional da dupla penal delinquente-vítima, conforme ensina BITTENCOURT:
“(…) em vista dos antecedentes do fato, da personalidade de cada um dos sujeitos do crime e de sua conduta nas cenas que culminaram na infração penal. A vítima será então estudada não como efeito nascido ou originado na realização de uma conduta delituosa, senão, ao contrário, como uma das causas, às vezes principalíssima, que representa na produção dos crimes. Ou, em outras palavras, a consideração e a importância que se deve dar à vítima, na etiologia do delito (BITTENCOURT, 1971, apud delfim, 2012)”.
Assim, de acordo com a doutrina, a participação da vítima no resultado fático não pode ser desconsiderada, uma vez que, em muitos casos, seu comportamento tem o poder de excluir a antijuridicidade ou a culpabilidade do agente, em virtude da aplicação da teoria conhecida como inexigibilidade de conduta diversa.
Entretanto, para a validade desta teoria, é imprescindível que cada caso concreto seja analisado de forma aprofundada e, mesmo assim, é importante ressaltar que sua aplicação deve ser feita de maneira extremamente cuidadosa.
4.1 Tipos de Vítima
A palavra vítima serve, de modo geral, para designar a pessoa que sucumbe, ou que sofre as conseqüências de uma ação ou omissão geradora de lesão.
Contudo, em um conceito mais esfecífico, a vítima deve ser definida após análise de vários prismas. A gênese do seu sentido advém de sacrificios oferecidos à divindade em tempos remotos, ato este considerado habitual nos primórdios da humanidade, quando se admitia a existência de diversos deuses tiranos e que para agradá-los,mantendo assim sua serenidade, ofereciam-lhes as vítimas. Hoje, no sentido geral, a palavra vítima se relaciona ao ser humano que sofre as conseqüências de seus próprios atos, dos praticados por terceiros ou ocorridos por força do acaso. No sentido jurídico-geral, a palavra vítima designa o indivíduo que é lesionado em decorrência da ofensa ou ameaça ao bem protegido pelo Direito. Já no sentido jurídico-penal-restrito, a palavra vítima trata-se da pessoa que diretamente é vítima da violação da norma penal. Por último, existe o sentido jurídico-penal-amplo que inclui tanto a pessoa como a comunidade que sofrem as conseqüências do delito (NAGIB, Jesus, 2009) [26].
De acordo com Benjamin Mendelsohn as vítimas podem ser classificadas da seguinte maneira: Vítima completamente inocente ou vítima ideal; Vítima de culpabilidade menor ou por ignorância; Vítima voluntária ou tão culpada quanto o infrator; Vítima mais culpada que o infrator; Vítima unicamente culpada (Subdivide-se em: Vítima infratora; Vítima Simuladora; Vítima imaginária), in verbis:
“1. Vítima completamente inocente ou vítima ideal. Trata-se da vítima completamente estranha à ação do criminoso, não provocando nem colaborando de alguma forma para a realização do delito. Exemplo: uma senhora que tem sua bolsa arrancada pelo bandido na rua.
2. Vítima de culpabilidade menor ou por ignorância. Ocorre quando há um impulso não voluntário ao delito, mas de certa forma existe um grau de culpa que leva essa pessoa à vitimização. Exemplo: um casal de namorados que mantém relação sexual na varanda do vizinho e lá são atacados por ele, por não aceitar esta falta de pudor.
3. Vítima voluntária ou tão culpada quanto o infrator. Ambos podem ser o criminoso ou a vítima. Exemplo: Roleta Russa (um só projétil no tambor do revólver e os contendores giram o tambor até um se matar).
4. Vítima mais culpada que o infrator. Enquadram-se nessa hipótese as vítimas provocadoras, que incitam o autor do crime; as vítimas por imprudência, que ocasionam o acidente por não se controlarem, ainda que haja uma parcela de culpa do autor.
5. Vítima unicamente culpada. Dentro dessa modalidade, as vítimas são classificadas em: a) Vítima infratora, ou seja, a pessoa comete um delito e no fim se torna vítima, como ocorre no caso do homicídio por legítima defesa; b) Vítima Simuladora, que através de uma premeditação irresponsável induz um indivíduo a ser acusado de um delito, gerando, dessa forma, um erro judiciário; c) Vítima imaginária, que se trata de uma pessoa portadora de um grave transtorno mental que, em decorrência de tal distúrbio leva o judiciário a erro, podendo se passar por vítima de um crime, acusando uma pessoa de ser o autor, sendo que tal delito nunca existiu, ou seja, esse fato não passa de uma imaginação da vítim”[27].
Para Hans Von Henting, a classificação das vítimas se dá em:
“1. Vítima isolada. A vítima neste caso vive na solidão, não se relacionando com outras pessoas. Em decorrência desse meio de vida ela se coloca em situações de risco.
2. Vítima por proximidade. Este grupo de vítimas subdivide-se em: a) Vítima por proximidade espacial, que se torna vítima pelo fato de estar em proximidade excessiva do autor do delito em um determinado local, como ocorre nos casos de furto no interior de um ônibus; b) Vítima por proximidade familiar, a qual ocorre no núcleo familiar, como pode ser visto no caso do parricídio, em que o filho mata seu próprio genitor; c) Vítima por proximidade profissional, que geralmente ocorre no caso de atividades profissionais que requerem um estreitamento maior no relacionamento profissional, como no caso do Médico.
3. Vítima com ânimo de lucro. São taxadas dessa forma as vítimas que pela cobiça, pelo anseio de se enriquecer de maneira rápida ou fácil, acaba sendo ludibriada pelos estelionatários ou vigaristas.
4. Vítima com ânsia de viver. Ocorre com o indivíduo que, com o fundamento de não ter aproveitado sua vida até o presente momento de uma forma mais eficaz, passa a experimentar situações de aventuras até então não vividas que o colocam em situações de risco ou perigo.
5. Vítima agressiva. Neste caso a vítima se torna agressiva em decorrência da agressão que sofre do autor da violência, pois chega um momento que por não suportar mais a agressão sofrida, ela irá rebater tal ato de modo hostil.
6. Vítima sem valor. Trata-se da vítima que em decorrência de seus atos não recomendáveis praticados perante a sociedade, acaba sendo indesejada ou repudiada no meio social em que vive. Por praticar certos atos não aceitos pela sociedade, este indivíduo vem a sofrer agressões físicas, verbais, ou até mesmo podendo ser morto. Um exemplo clássico desse tipo de vítima é o caso do estuprador ou assassino que é morto pela sociedade, pela polícia, ou por sua própria vítima.
7. Vítima pelo estado emocional. Essas vítimas são qualificadas desta forma em decorrência de seus sentimentos de obcecação, medo, ódio ou vingança que vem a sentir por outras pessoas.
8. Vítima por mudança da fase de existência. O indivíduo passa por várias fases em sua vida, sendo que ao mudar para certa fase de sua existência, poderá se tornar vítima em conseqüência de alguma mudança comportamental relacionada com alguma das fases.
9. Vítima perversa. Enquadram-se nesta modalidade de vítimas os psicopatas, pessoas que não possuem limite algum de respeito em relação às outras, tratando-as de um modo como se fossem objetos que podem ser manipulados.
10. Vítima alcoólatra. O uso de bebidas alcoólicas é um dos fatores que mais levam as pessoas a se tornarem vítimas, sendo que na maioria dos casos acabam resultando em homicídios.
11. Vítima Depressiva. Ao atingir um determinado nível, a depressão poderá ocasionar a vitimização do indivíduo, pois poderá levar a pessoa à sua autodestruição.
12. Vítima voluntária. São as pessoas que por não oporem resistência à violência sofrida, acabam permitindo que o autor do delito o realize sem qualquer tipo de obstáculo. Casos que exemplificam esse tipo de vítima são os crimes sexuais ocorridos sem a utilização de violência.
13. Vítima indefesa. Denominam-se vítimas indefesas as que, sob o pretexto de que a persecução judicial lhes causaria maiores danos do que o próprio sofrimento resultante da ação criminosa acabam deixando de processar o autor do delito. São vistos tais comportamentos geralmente nos roubos ocorridos nas ruas, nos crimes sexuais e nas chantagens.
14. Vítima falsa. São taxadas de falsas vítimas as pessoas que, por sua livre e espontânea vontade se autovitimam para que possam se valer de benefícios.
15. Vítima imune. São consideradas dessa forma as pessoas que, em decorrência de seu cargo, função, ou algum tipo de prestígio na sociedade em que vive acham que não estão sujeitas a qualquer tipo de ação delituosa que possa transformá-las em vítimas. Um exemplo é o padre.
16. Vítima reincidente. Neste caso a pessoa já foi vítima de um determinado delito, mas mesmo após ter passado por tal episódio, não passa a tomar qualquer tipo de precaução para que não volte a ser vitimizada.
17. Vítima que se converte em autor. Nesta hipótese ocorre a mudança de pólo da violência. A vítima que era atacada pelo autor da agressão se prepara para o contra-ataque. Um exemplo clássico é o crime de guerra.
18. Vítima propensa. Ocorre com as pessoas que possuem uma tendência natural de se tornarem vítimas. Isso pode decorrer da personalidade deprimida, desenfreada, libertina ou aflita da pessoa, sendo que esses tipos de personalidade podem de algum modo contribuir com o criminoso.
19. Vítima resistente. Por não aceitar ser agredida pelo autor, a vítima reage e passa a agredi-lo da mesma forma, sempre em sua defesa ou em defesa de outrem, ou também no caso de cumprimento do dever. Neste caso há sempre a disposição da vítima em lutar com o autor.
20. Vítima da natureza. São pessoas que se tornam vítimas em decorrência de fenômenos da natureza, como no caso de uma enchente, um terremoto et”c[28].
Transportando o conceito da vítima para o crime militar, nota-se que, a partir da análise conceitual acima citada, a vítima contribue, em alguns casos, para a eclosão do delito. E, em vista disso, a culpa não se torna única e exclusiva do cidadão infrator na ocorrência do crime tendo em vista as inúmeras possibilidades de interação entre o crime, a vítima e o infrator. No crime militar essa interação torna-se mais evidente a partir da análise do caso concreto.
4.2. O Civil Vítima de Crime Militar
Conforme anteriormente elucidado, a vítima pode ou não participar na do delito e, dentro da seara castrense, essa afirmação pode ser convalidada.
Inúmeros são os episódios onde o cidadão civil se torna vítima de crime praticado por Militares. A indagação é: será que, de fato, estes cidadãos são 100% vítimas? Será que não existe, naquela conduta, nenhuma culpa da vítima? Como visto anteriormente, a resposta é não. O caso em concreto pode apresentar provas que comprovem que sem uma atitude da vítima, o crime não teria ocorrido.
Com fulcro de transportar a vitimologia para a seara castrense e, assim, analisar o comportamento da vítima, analisaremos um caso concreto ocorrido em São Paulo, conforme ementa in verbis:
“AGRAVO REGIMENTAL EM CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. POLICIAIS MILITARES INVESTIGADOS POR HOMICÍDIO. EXCLUDENTES DA ILICITUDE DA LEGÍTIMA DEFESA E DO ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL RECONHECIDAS PELO JUÍZO SUSCITANTE E SUSCITADO. TROCA DE TIROS COM A VÍTIMA, QUE TERIA RESISTIDO À PRISÃO, APÓS PRATICAR UM ROUBO. MILITARES EM SUA FUNÇÃO TÍPICA. POSSIBILIDADE DECONFIGURAÇÃO DE HOMICÍDIO DOLOSO QUE NÃO AFASTA O DISPOSTO NO ART. 9.º, INCISO II, ALÍNEA C, DO CÓDIGO PENAL MILITAR. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA CASTRENSE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.1.Embora as alterações introduzidas pela Lei n.º 9.299⁄96 tenham excluiu do rol dos crimes militares o crime doloso contra a vida praticado por militar contra civil, competindo à Justiça Comum o julgamento do referido delito, evidencia-se no caso a competência da Justiça Castrense. 2. Não se vislumbra indícios mínimos de dolo homicida na conduta praticada. Tanto é assim, que os Juízos Suscitante e Suscitado decidiram pelo arquivamento do inquérito policial, ao reconhecer que os Policiais Militares agiram resguardados pelas excludentes de ilicitude da legítima defesa e do estrito cumprimento do dever legal. 3. Inexistindo animus necandi na conduta investigada, praticada por militares em serviço, no exercício da função típica, evidencia-se a competência da Justiça Militar, nos termos do art. 9.º, inciso II, alínea c, do Código Penal Militar. Precedentes. 4. Agravo regimental desprovido( Processo: AgRg no CC 133875 SP 2014/0115118-1; Relator: Ministra LAURITA VAZ; Julgamento: 13/08/2014)”.
Nota-se que neste julgado, em específico, o comportamento da vítima foi avaliado e conclui-se que havia alí, uma excludente de ilicitude devido ao Estrito Cumprimento do Dever Legal, pois a vítima resistiu à prisão após ter cometido um roubo. Vejamos aqui que a vítima participa do resultado e o policial não responde, única e exclusivamente, pelo delito, em tese, praticado por este que seria o homicídio. No caso em concreto, visualiza-se a vítima mais culpada que o infrator, mediante qualificação de Benjamin Mendelsohn. Para Hans Von Henting, a vítima aqui é a sem valor, pois se trata de alguém que praticou atos contra a sociedade e a ordem pública e esta nos parece ser a melhor definição de vítima aplicada no caso concreto anteriormente exposto.
Diferentemente, do caso concreto ocorrido em Minas Gerais onde o Policial Militar, com animus necandi, dispara arma de fogo contra duas pessoas e uma delas vai a óbito. Vejamos:
“RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – PROCESSUAL PENAL – EXCESSO DE LINGUAGEM – INEXISTÊNCIA – PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO CONDUZIDO PELA POLÍCIA JUDICIÁRIA MILITAR – VIOLAÇÃO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL – INOCORRÊNCIA – CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA PRATICADO POR POLICIAL MILITAR CONTRA VÍTIMA CIVIL – SENTENÇA DE PRONÚNCIA – PROVA DA EXISTÊNCIA DO FATO E INDÍCIOS SUFICIENTES DA AUTORIA – DECOTE DAS QUALIFICADORAS – INVIABILIDADE – REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA – DESCABIMENTO – RECURSO NÃO PROVIDO.
– Não há nulidade por excesso de linguaguem quando o julgador, ao prolatar a decisão de pronúncia, agiu com parcimônia e cautela, cingindo-se a apontar, com moderação, os elementos probatórios que justificaram a sua decisão, não excedendo em nenhum momento na fundamentação.
– A condução das investigações pela Polícia Judiciária Militar, nos crimes dolosos contra a vida praticados por policial militar, em face de vítima civil, não constitui ofensa ao due process of Law, eis que decorre de expressa determinação legal (art. 82, § 2º, do Código de Processo Penal Militar).
– Havendo os requisitos exigidos pela lei processual para a pronúncia (indícios suficientes da autoria e indicação da materialidade do fato), deve ser julgada admissível a acusação.
– "Deve-se deixar ao Tribunal do Júri a inteireza da acusação, razão pela qual não se permite decotar qualificadoras na fase da pronúncia, salvo quando manifestamente improcedentes".
– Presentes os requisitos do art. 312 do CPP, inviável a revogação da prisão preventiva do acusado (Processo: 10024120279633001 MG; Relator: Furtado de Mendonça)”.
Nota-se que o cidadão infrator não possibilitou a defesa da vítima e isso contribuiu, possivelmente, para o aumento da pena imposta. Há, também, uma análise vitimológica presente neste caso concreto, pois a vítima aqui é totalmente estranha à ação do cidadão infrator, conforme Benjamin Mendelsohn, no delito.
A vitimologia já está presente nos julgamos militares, mesmo que de forma impercepitível, conforme o analisado acima.
4.3 O Militar vítima de Crime Militar
No intuito de apresentar a ótica da vítima militar face o crime cometido por outro militar, faz-se necessário explicitar que o militar da ativa bem como o militar pertencente ao quadro da reserva, ou dos reformados, pode ser vítima ou agente de uma infração penal militar.
Para a análise da vitimologia dos militares contra seus pares, importaremos os conceitos de vítima para o caso concreto a ser observado, vejamos:
“HABEAS CORPUS. CRIMES DE DESRESPEITO A SUPERIOR HIERÁRQUICO (ART. 160 DO CPM) E AMEAÇA (ART. 223 DO CPM). PEDIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. CRIMES PRATICADOS POR MILITAR DA ATIVA CONTRA VÍTIMA TAMBÉM MILITAR DA ATIVA. ALÍNEA “A” DO INCISO II DO ART. 9º DO CÓDIGO PENAL MILITAR. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA CASTRENSE. PRECEDENTES. ORDEM DENEGADA. (…). 4. Na concreta situação dos autos, tanto o paciente quanto a suposta vítima ostentavam a condição de militar da ativa, por ocasião dos atos supostamente ilícitos. O que deflagra a incidência da regra da alínea “a” do inciso II do art. 9º doCPM. Dispositivo que mereceu da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal interpretação no sentido de que, “mesmo não estando em serviço o militar acusado, o crime é militar, na forma do disposto no artigo 9., II, ‘a’, do Cod. Penal Militar. Competência da Justiça Militar. C.F./67, art. 129; C.F./88, art. 124” (RE 122.706, da relatoria do ministro Sepúlveda Pertence). No mesmo sentido, veja-se o CC 7.021, da relatoria do ministro Carlos Velloso. 5. Ordem denegada (Processo: HC 107829 PB; Relator: Min. AYRES BRITTO)”.
No caso supracitado, nota-se que ambos os envolvidos são militares, diferenciado, apenas, a patente. Nota-se que o agente infrator dirige-se ao superior de forma desrespeitosa e o superior vislumbra uma possível embriaguez no agente. Aqui, conforme Hans Von Henting, vislumbramos a vítima imune, ou seja, aquela que em decorrência da função, acredita que não se tornará uma vítima em potencial.
Interessante notar que o próprio CPM, faz menção ao caso de desrespeito ao superior quando apresenta o art.47 que versa sobre os elementos não constitutivos do crime, in verbis:
“Art. 47. Deixam de ser elementos constitutivos do crime:
I – a qualidade de superior ou a de inferior, quando não conhecida do agente;
II – a qualidade de superior ou a de inferior, a de oficial de dia, de serviço ou de quarto, ou a de sentinela, vigia, ou plantão, quando a ação é praticada em repulsa a agressão”.
Este artigo explicita que se o militar infrator desconhece a condição de militar superior da vítima, ele não incorre no tipo penal especifico que exige esse elemento do tipo como, por exemplo, o militar que incorre no art. 157 do CPM, causando leve lesão à vítima. Se o militar infrator desconhece que sua vítima é de patente superior, ele não responderá pelo art.157, mas sim pelo art.209 do próprio CPM.
Exige-se, em qualquer tipo penal incriminador, a figura do dolo, ou seja, vontade livre do cidadão infrator em lograr êxito na empreitada criminosa preenchendo todos os elementos do tipo. Se assim não for, não há que se falar no tipo em questão, mas sim em outro crime, como vimos à diferença entre o art. 157 e o art.209 do mesmo texto legal, qual seja Código Penal Militar.
Nota-se não só a análise da vontade do cidadão infrator, mas também a condição da vítima ser ou não de patente superior. Mais do que uma hipótese de análise da vítima, o CPM traz, em seu texto, a vitimologia quando nos apresenta o art.47 e, assim, podemos concluir que a vitimologia está presente nos crimes militares.
Conclusão
Desde sua origem o Direito Penal Militar foi dinâmico, ao longo da história, foi transferido da esfera do Poder Executivo para o Poder Legislativo; seu representante máximo teve sua composição alterada até que se chegou aos moldes atuais.
A Justiça Militar encontra respaldo na Constituição vigente e a mesma, subdivide, por meio da competência, em Justiça Militar da União e Justiça Militar Estadual. Nos dias de hoje, somente São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul contam com uma Justiça especializada do ramo militar, separada da Justiça Comum e.
A definição do crime militar, no ordenamento jurídico atual, norteia-se pela rationae legis, contudo o posicionamento doutrinário incorpora ao rationae legis o rationae materiae, rationae personae, rationae loci e rationae temporis, no intuito de explicitar, ao máximo, todas as possibilidades descritas no art.9º do CPM que, por sua vez, é crucial para a caracterização do crime militar.
As decisões militares sobre os crimes militares têm, cada vez mais, agregado a análise da vítima, bem como seu comportamento, na eclosão dos delitos militares. Análise esta, observada nos julgados referentes aos crimes militares e, tais análises, são de suma importância tendo em vista que a pena prevista no tipo penal pode ser alterada como, por exemplo, o art.47 do CPM que prevê a ausência de elementares do tipo em crimes propriamente militar.
Incontestável é o avanço do Direito Penal Militar em comparação com o Direito Penal Comum quando o quesito observado é o comportamento da vítima. O CPM carrega, em meio aos seus artigos, um artigo específico que exige a aplicabilidade da análise da dupla penal vítima e cidadão infrator quando elenca no art.47 o desconhecimento da vítima como sendo militar. Fato este que permite que o Direito Militar seja mais suscetível da aplicação da vitimologia do que o Direito Penal Comum.
[6] Os Arcontes, na Grécia, eram magistrados. Arconte era um cargo ao qual apenas tinham acesso os cidadãos, filhos de naturais da polis. O colégio dos arcontes constava de nove elementos (divididos em arconte-rei, polemarca e tesmotetas) mais um secretário, eleitos por sorteio e sujeitos a um exame ou doquimasia antes de assumirem funções. Disponível em: http://www.dicionarioinformal.com.br/significado/arconte/10584/.
Informações Sobre o Autor
Desiree Tavares da Silva
Pós Graduada Lato-sensu em Direito Penal Militar e Processo Penal Militar pelo Centro de Pesquisa e Pós-Graduação da Academia da Polícia Militar de Minas Gerais. Graduada em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva 2013