Resumo: O presente trabalho debate a discrepância dos legisladores em criar leis de perigo abstrato em desrespeito aos princípios constitucionais, como por exemplo, o princípio da lesividade e da proporcionalidade, assim, utiliza o método qualitativo de pesquisa a fim de analisar a melhor forma de interpretação e de aplicação do direito ao caso concreto. Discorre também sobre a diferenciação dos crimes de perigo abstrato e dos de perigo concreto, da sua diferença com os crimes formais e de mera conduta, pondo pôr fim a confusão que há entre estes crimes.
Palavras-chaves: Crimes de perigo abstrato. Crimes de perigo concreto. Princípio da lesividade. Princípio da proporcionalidade.
Abstract: This paper discusses the discrepancy of legislators in creating laws of abstract danger in disrespect of constitutional principles, such as the principle of lesivity and proportionality, thus using the qualitative method of research to analyze the best form of interpretation and Application of the right to the specific case. It also discusses the distinction between crimes of abstract danger and those of concrete danger, of their difference from formal crimes and of mere conduct, putting an end to the confusion between these crimes.
Keywords: Abstract danger crimes. Crimes of concrete danger. Principle of lesivity. Principle of proportionality.
Sumário: Introdução. 1. Do conceito de crime de perigo e suas espécies. 2. Diferença entre os crimes de perigo e os crimes formais e de mera conduta. 3. Influência dos princípios e valores constitucionais no direito penal. 4. Inadequação dos tipos de perigo abstrato aos princípios penais constitucionais. Considerações finais. Referências.
INTRODUÇÃO
A questão que põe em dúvida à conveniência da adoção de infrações penais sob a forma de tipos de perigo abstrato, dentro de uma perspectiva de um direito penal liberal-democrático, e que é consequência de um Estado Democrático de Direito, não pode ser respondida de modo satisfatório sem que se tenha presente a tensão dialética que se estabelece entre os direitos humanos fundamentais, especialmente o direito à liberdade, e a efetividade da norma penal, suporte de outro direito fundamental: a segurança.
Não será arbitrário e, portanto, indevidamente ofensiva ao direito fundamental à liberdade a incriminação tendo por base uma presunção de perigo a um bem jurídico? Mas, por outro lado, não será ineficaz um direito penal que desconsidere novas e variadas formas de agressão de novos e variados bens jurídicos como o meio ambiente e a ordem econômica, sem olvidar de tradicionais bens como a fé pública e a saúde pública, os quais não raramente reclamam uma proteção imediata para que não haja um resultado catastrófico?
Será que podemos pensar em um direito penal eficaz, que recorra a uma técnica de tipificação de tipos de perigo abstrato, sem afrontar a Constituição, sob o argumento de que isso decorre da natureza das coisas? Há quem entenda que sim, sob a invocação de que há bens que por suas características são vulnerados sem que se possa aferir, medir, o quantum de turbação por eles sofrida, mas que não deixam de ser postos em risco em razão disso, ou seja, pelo fato de não ser possível medir, ao menos de imediato, o dano a eles imposto (efetivo ou potencial).
Ressalte-se, ademais, que há situações, que o bem é de tal relevância, ou de tal imprescindibilidade, de forma a acarretar consequências catastróficas, no caso de eventual dano perante certas formas de agressões, em que o que está em jogo não é o dano, mas sim o perigo. Ademais, fica ressaltado que há necessidade de uma adequação dessa forma de perigo aos princípios constitucionais, para que seja considerado legitimo e legal.
1. DO CONCEITO DE CRIME DE PERIGO E SUAS ESPÉCIES.
Os crimes de perigo estão elencados no Capítulo III do Título I do Código Penal por meio da expressão “periclitação da vida e da saúde” e em diversas leis esparsas como, por exemplo, na lei 11.343/06 (Lei de Drogas).
Ademais, para que haja uma melhor interpretação as várias figuras típicas espalhadas pelo código, faz-se necessário distinguirmos entre dois tipos de delitos, quais sejam delito de dano ou de lesão e delitos de perigo.
Os delitos de dano são aqueles que causam um prejuízo real ao bem juridicamente protegido, ou seja, a sua consumação ocorre com a efetiva lesão ao bem juridicamente protegido pelo tipo penal. Com isso, a conduta é dirigida finalisticamente a produzir o resultado danoso, como ocorre com os crimes de homicídio e roubo.
Já os delitos de perigo não exigem a produção efetiva de dano, ou seja, a sua conduta não está dirigida finalisticamente a produzir uma lesão ao bem juridicamente protegido, mas sim a uma situação de perigo, ou melhor, haverá uma probabilidade, uma ameaça de dano a um bem jurídico-penal com o seu comportamento típico.
Os crimes de perigo são criados pelo legislador com a intenção de se evitar um mal maior, punindo o agente antes que o seu comportamento venha a ser efetivado, causando danos ou lesão real ao bem jurídico. Portanto, os crimes de perigo, em regra, são crimes de natureza subsidiária, sendo aplicados quando os crimes de dano não vierem a acontecer.
Mas afinal o que se entende por conduta perigosa sob a perspectiva penal, como classificar determinado comportamento como perigoso? Para responder a essa pergunta, Mirentxu Corcoy Bidasolo explica:
“O juízo sobre se o perigo se deve considerar evitável ou não pelo autor não afeta a existência da situação perigosa senão a atribuição penal da situação perigosa ao autor. Em consequência, a qualificação de uma conduta como perigosa deverá ser colocada como um problema de probabilidade de lesão no caso concreto, atendendo aos bens jurídico-penais potencialmente postos em perigo e ao âmbito de atividade donde se desenvolve essa situação, independentemente se o autor pode evitar a lesão, seja através de meios normais ou extraordinários”[1].
Com essa explicação, fica evidente que o crime de perigo não passa de um degrau antecedente ao crime de dano, punindo esse tipo de comportamento para que se possa, no futuro, evitar o dano concreto.
O crime de perigo não para nesse raciocínio, ele se subdivide em: crimes de perigo abstrato e crimes de perigo concreto. Os crimes de perigo abstrato são aqueles nos quais não há qualquer necessidade de comprovação da existência do perigo, pois o perigo seria inerente à conduta do agente, ou seja, com a simples prática de seu comportamento – comissivo ou omissivo- previsto no tipo penal será considerado como de perigo abstrato antes mesmo de se caracterizar a real probabilidade de dano ao bem jurídico penal. Por isso que muitos doutrinadores consideram esse crime de perigo presumido.
Diferentemente dos abstratos, nos crimes de perigo concreto a provável ocorrência de lesão ao bem juridicamente protegido pelo direito penal precisa ser demonstrado no caso concreto. Enquanto os crimes de perigo abstrato, sob a visão ex ante, independe da comprovação de perigo ao se praticar determinado comportamento previsto no tipo penal, os de perigo concreto deve ser realizado sob a visão ex post, ou seja, uma vez levado a efeito o comportamento comissivo ou omissivo, deverá o observador concluir se com aquela ação ou omissão a vítima correu, efetivamente, risco de ter lesionado o seu bem jurídico.
Com grandiosidade sobre o assunto, Iganácio Verdugo et al., traçam a distinção entre as duas espécies de perigo, afirmando que:
“É importante distinguir os delitos de perigo concreto dos de perigo abstrato. Estes constituem um grau prévio a respeito dos delitos de perigo concreto. O legislador castiga aqui a perigosidade da conduta em si mesma. Por exemplo, é um delito de perigo abstrato conduzir um veículo a motor sob a influência de bebidas alcoólicas, drogas tóxicas ou estupefaciantes. A consumação de um delito de perigo concreto requer a comprovação, por parte do juiz, da proximidade do perigo ao bem jurídico e da capacidade lesiva do risco. Por esta razão, estes delitos são sempre de resultado. Os delitos de perigo abstrato são, ao contrário, delitos de mera atividade; se consumam com a realização da conduta supostamente perigosa, por isso, o juiz não tem que valorar se o estado de embriaguez do condutor trouxe ou não concreto perigo à vida de tal ou qual transeunte para entender consumado o tipo”.[2]
É importante esclarecer que os crimes de perigo concreto são sempre de resultado, pois a conduta em si não basta, precisa-se comprovar o possível dano ao bem jurídico que já vem descrito no tipo penal, diferentemente dos crimes de perigo abstrato que são delitos em que a tipicidade está inserida no próprio ato da conduta, ou seja, o resultado não está previsto de forma escrita ou não escrita no tipo penal, bastando à mera realização da ação ou atividade proibida para se consumar o crime.
2. DIFERENÇA ENTRE OS CRIMES DE PERIGO E OS CRIMES FORMAIS E DE MERA CONDUTA
Vale a pena distinguirmos a classificação do crime de perigo com relação aos crimes formais e de mera conduta, evitando-se possíveis confusões. Como já explicado, os crimes de perigo tenta evitar que o agente pratique o dano maior, sendo o seu resultado jurídico o perigo de lesão ao bem juridicamente protegido. Já os crimes formais, são considerados aqueles que preveem um resultado naturalístico, mas não exigem sua ocorrência para efeitos de reconhecimento da consumação. O exemplo típico está no art. 159 CP que prevê o crime de extorsão mediante sequestro, assim dizendo “sequestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate”. Portanto, nesse caso, o fato de apenas praticar o que está previsto no tipo já se caracteriza como consumado, independentemente do resultado naturalístico.
O crime de mera conduta, não prevê resultado naturalístico, bastando a prática prevista no tipo penal para se caracterizar consumado, ou seja, o tipo só narra o comportamento que se quer proibir ou impor, não fazendo menção ao resultado naturalístico. Exemplo é o que ocorre com a violação de domicílio, previsto no art. 150 do CP.
Portanto, muitos poderiam se confundir com essas classificações, principalmente no que diz respeito aos crimes de perigo abstrato e aos crimes de mera conduta, pois a consumação dos respectivos crimes ocorre somente pelo fato de desrespeitar o que está previsto na letra da lei. O que vai diferencia-lo é a previsão do seu resultado naturalístico, pois todos os crimes preveem um resultado jurídico, mas nem todos os crimes preveem um resultado naturalístico, ou seja, aquele que causa uma modificação perceptível no mundo exterior. Com isso, não há de se confundir as duas classificações, pois os crimes de perigo abstrato podem ser crime de mera conduta ou não, basta o caput do artigo prevê um não fazer, e não mencionar o seu resultado material, tampouco exigindo sua produção.
3. INFLUÊNCIA DOS PRINCÍPIOS E VALORES CONSTITUCIONAIS NO DIREITO PENAL
Os princípios ocupam uma importante peça no ordenamento jurídico, pois quando se há uma obscuridade na lei é dos princípios que o aplicador busca seu fundamento. Sendo assim, busca-se afastar os conceitos positivistas e acaba ensejando os elementos de um direito principiológico. Como diz Walber Agra, “por meio da interpretação principiológica até mesmo questões políticas podem ser alvo de decisões judiciais, sem que se fira a teoria da representação popular.”[3]
Igualmente, os princípios são os norteadores do Direito, muitas vezes preenchendo lacunas existentes e tendo como uma das suas funções a de integração do texto Constitucional. Por apresentar um maior teor de abstração, eles podem ser utilizados em diversos casos. Como por exemplo, o princípio da legalidade que pode ser usado em vários ramos do direito, cabendo à forma interpretativa delimitar o grau de extensão da sua aplicabilidade.
Os princípios também possuem força jurídica, pois seu papel não é meramente instrumental, eles possuem autonomia própria e as normas infraconstitucionais que as confrontarem serão consideradas inconstitucionais.
Segundo Zagrebelski, expõe que:
“Devido ao conteúdo político da Constituição e à sua função, que é a de expressar uma ideia de direito, o seu texto deve ser formado preponderantemente por princípios, devendo as leis infraconstitucionais ser formadas por regras, embora a lei Maior também agasalhe regras para muitas situações específicas, garantindo-lhes, mediante uma forma especial, uma maior estabilidade jurídica”.[4]
Com base no que Zagrebelski diz, não podemos confundir regras com princípios, pois as regras não têm elevado teor abstrato, sendo a sua aplicabilidade destinada para casos específicos. A regra não dispõe de função hermenêutica, sua natureza jurídica é predominante, possuindo conteúdos precisos e não permite contato com a realidade social.
Contudo já exposto, como podemos enquadrar o Direito Penal nesse sentido principiológico da Constituição? Para responder a essa pergunta, cabe a nós, juristas do direito, interpretar o conteúdo do direito penal sob a visão Constitucional. Como bem explica Greco “A interpretação conforme a Constituição é o método de interpretação mediante o qual o intérprete, de acordo com uma concepção penal garantista, procura aferir a validade das normas mediante o seu confronto com a Constituição”.[5]
Portanto, as normas infraconstitucionais devem obediência às normas constitucionais, sempre devendo ser interpretadas e analisadas conforme os princípios informadores da Lei Maior, não podendo, de modo algum, afrontá-las, sob pena de serem declarado inconstitucional mediante controle direto de constitucionalidade ou pelo controle difuso. Seguindo essa interpretação constitucional, de acordo com os ensinamentos de Manoel Peixinho,
“reconhece-se a supremacia da Constituição sobre todo o ordenamento jurídico, não só estabelecendo uma hierarquia de uma lei superior sobre outra de nível inferior, como, também, exercendo uma vigilância da constitucionalidade das leis.”[6]
Também sobre o assunto Paulo de Souza Queiroz destaca que:
“Como guardião da legalidade constitucional, a missão primeira do juiz, em particular do juiz criminal, antes de julgar os fatos, é julgar a própria lei a ser aplicada, é julgar, enfim, a sua compatibilidade- formal e substancial –com a Constituição, para, se a entender lesiva à Constituição, interpretá-la conforme a Constituição ou, não sendo isso possível, deixar de praticá-la, simplesmente, declarando-lhe a inconstitucionalidade.”[7]
Sendo assim, deverá o julgador interpretar as normas penais conforme os princípios informadores do direito, observando, por exemplo, se a norma penal atendeu ao princípio da proporcionalidade no caso concreto e fazendo uma comparação entre ela e os demais tipos penais, a fim de saber se o bem jurídico protegido goza da importância que motivou a cominação da pena.
4. INADEQUAÇÃO DOS TIPOS DE PERIGO ABSTRATO AOS PRINCÍPIOS PENAIS CONSTITUCIONAIS
A algum tempo, os crimes de perigo abstrato vêm recebendo críticas dos doutrinadores, por não mostrarem a efetiva potencialidade de dano, por meio do agente infrator, ao bem juridicamente protegido no caso concreto. Por ser considerado como de perigo presumido, pois a análise da conduta, a visão para a conclusão de perigo, independe da comprovação (ex ante), no caso concreto, de que a conduta do indivíduo venha a produzir a situação de perigo que o tipo penal procura evitar, ofendendo o princípio da lesividade. Conforme destaca Ferrajoli,
“nas situações em que, de fato, nenhum perigo subsista, o que se castiga é a mera desobediência ou violação formal da lei por parte de uma ação inócua em si mesma. Também estes tipos deveriam ser reestruturados, sobre a base do princípio da lesividade, como delitos de lesão, ou, pelo menos, de perigo concreto, segundo mereça o bem em questão uma tutela limitada ao prejuízo ou antecipada à mera colocação em perigo”.[8]
Desta forma, de acordo com os postulados garantistas, atentos aos princípios informadores do Direito penal, fica difícil adequar os crimes de perigo abstrato a depuração principiológica, principalmente no que diz respeito ao princípio da lesividade, pois estes crimes não ferem, efetivamente, bens de terceiros, ficando sua conduta adstrita à mera atividade do tipo supostamente perigoso. Nesse sentido, afirma Sarrule:
“As proibições penais somente se justificam quando se referem a condutas que afetem gravemente a direitos de terceiros; como consequência, não podem ser concebidas como respostas puramente éticas aos problemas que se apresentam senão como mecanismos de uso inevitável para que sejam assegurados os pactos que sustentam o ordenamento normativo, quando não existe outro modo de resolver o conflito”.[9]
Contudo, vale ressaltar que esse desrespeito não é absoluto, pois há bens jurídicos que necessitam de uma tutela de perigo abstrato para poder ter eficácia, esses bens são denominados de difusos.
Partindo-se para uma crítica mais detalhada, no que diz respeito a esta conduta abstrata, observa-se que o desrespeito não só está relacionado ao princípio da lesividade, também podemos observar, em determinados casos, que haverá um afronte ao princípio do estado de inocência, pois o indivíduo ao realizar certas condutas, de acordo com o tipo formal descrito, já passa a ser considerado culpado, onde a sua culpa só poderia ser definitivamente comprovada após o trânsito em julgado.
A severidade da pena também poderá ferir o princípio da proporcionalidade, pois não se deveria falar em sanção penal sem que ao menos houvesse uma lesão ou uma ameaça de lesão a um bem jurídico. Portanto, o crime de perigo abstrato pune o agente sem que este não tenha ofendido bem jurídico algum. Neste caso, não deveria se falar em pena, ainda mais em uma punição desproporcional a conduta do agente, pois nestes crimes não se comprova a medida do perigo ao bem jurídico.
De certa forma há um desrespeito ao princípio da legalidade, pois não apresenta descriminação clara e minuciosa da conduta punível, abrindo-se espaço para aplicações e interpretações arbitrarias à lei, podendo causar, muitas vezes, prejuízos ao réu, sendo essa conduta inaceitável para o direito penal. A este respeito fala Luís Flavio Gomes:
“a definição de crime deve ser dada pela lei. E nossa lei (código penal, art. 13) estabeleceu que não há crime sem resultado, que é lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico. Entendido esse resultado em sentido material (consoante doutrina do bem jurídico), é sempre necessária a injúria (da lesão ou petencialidade lesiva). A presunção legal dessa lesão ou do perigo de lesão, nesse diapasão, viola o princípio da legalidade, e, em consequência, a Constituição, que elevou tal princípio à categoria de norma constitucional”.[10]
O princípio da intervenção mínima pode ser atingido, pois o direito penal deveria ser a última opção, mas nos casos dos crimes de perigo abstrato ele passa a ser a primeira. A tutela dos bens protegidos pelo crime de perigo abstrato poderia ser muito bem protegida por outros ramos do direito.
Portanto, se observa que os crimes de perigo abstrato não se amoldam perfeitamente aos ditames principiológicos, podendo ser considerados inconstitucionais quando não houver uma adequação do crime ao princípio ou, melhor dizendo, tendo que ser reinterpretados para se enquadrarem no conceito da tutela penal do perigo concreto, ou seja, por meio de comprovação material da existência de perigo ao bem jurídico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No decorrer da realização deste trabalho, podemos chegar as seguintes conclusões.
Os crimes de dano são aqueles que só se consumam com a lesão efetiva de um bem ou interesse jurídico, enquanto os crimes de perigo são aqueles que se aperfeiçoam com a probabilidade de dano, ou seja, são aqueles que, sem destruir, representam uma ponderável turbação ao objeto da tutela.
Os crimes materiais não se confundem com os crimes de dano, assim como os crimes formais e os de mera conduta distinguem-se das infrações de perigo. Os crimes materiais apresentam um resultado naturalístico relacionado com o objeto da ação; os crimes formais vislumbram um resultado naturalístico previsto no tipo, mas que é desprezado para fins de consumação; os crimes de mera conduta não exigem e nem pressupõem qualquer resultado naturalístico relacionado com o objeto material da conduta; os crimes de dano, assim como os de perigo, têm seu conceito relacionado com o bem jurídico, exigindo uma efetiva lesão deste nos primeiros e a mera turbação nos últimos.
Os crimes de perigo concreto são aqueles segundo os quais, para o aperfeiçoamento do tipo, exige-se a verificação efetiva do perigo, em que este constitui elemento do tipo e deve ser constatado caso a caso, sendo que, nas hipóteses em que a descrição típica não seja taxativa, a infração de perigo deve assumir também a forma de perigo concreto, ainda que não indicado no modelo legal.
Os crimes de perigo abstrato ou presumido, segundo a doutrina majoritária, são aqueles cujo perigo é ínsito na conduta e presumido júris et de jure, assim definido pelo legislador “a priori”. Enquanto nos crimes de perigo concreto o perigo constitui elemento do tipo, nos modelos de perigo abstrato constitui tão só sua motivação.
Ao definir os seus conceitos, abordamos a real importância dos princípios constitucionais para a aplicabilidade da lei. Assim, para que uma lei seja legitima, além de ser legal, ela deve estar de acordo com os princípios norteadores do direito, não podendo a lei ordinária entrar em conflito com elas e sempre visando tutelar um bem jurídico que esteja pressuposto na Constituição, ao menos de forma implícita, ou, ainda, de forma instrumental à conservação e implementação dos valores constitucionais consagrados.
Um dos principais princípios que fazem com que o crime de perigo abstrato seja legitimo ou não é o princípio da proporcionalidade. Se o crime em abstrato não o ofender, será considerado legitimo e sua conduta será aplicada ao caso concreto. De acordo com as regras de experiência e do bom senso, o legislador, no momento da criação da lei, deve averiguar a necessidade, a idoneidade e a ponderação em torno da razoabilidade na relação entre o meio (incriminação) e o fim (tutela do bem). Do contrário, restará desrespeitado sempre que o legislador não observar este princípio, como outros também.
Portanto, o objetivo do presente trabalho é mostrar que os crimes de perigo abstrato podem se adequar a Constituição Federal, desde que observe os ditames principiológicos e tendo como objetivo a proteção de bens difusos e coletivos, de ordem econômica, dentre outros que não repercuta em um único indivíduo, mas em um grande número indeterminado de pessoas, onde a aplicabilidade por meio de outros crimes não venha a solucionar o problema.
Nos diversos crimes que não se adequarem a tal lisura, devem ser considerados inconstitucionais ou ao menos serem reinterpretados partindo do pressuposto de que deverão ser tratados, na medida do possível, como infrações de perigo concreto, e não de perigo abstrato.
Deve o direito penal, portanto, para que possa bem cumprir sua função tuteladora de valores, e atendendo à necessidade de eficácia, assumir um papel preventivo a fim de evitar danos incorrigíveis e situações catastróficas, mas sempre respeitando as limitações sublinhadas e os princípios constitucionais.
Informações Sobre o Autor
Hugo Jonathan de Siqueira Lacerda
Técnico Judiciário do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Bacharel em Direito, Centro Universitário Tabosa de Almeida – ASCES