Princípio da bagatela: os valores sociais como vetores de aplicação do direito

Resumo: O artigo a ser apresentado tem, como objetivo principal de estruturação, o desenvolvimento de uma análise da importância dos pressupostos emanados pela robusta e plural tábua de princípios, consagrada com o fortalecimento do pós-positivismo dentro da Ciência Jurídica. Outrossim, ainda nesta trilha de exposição, cingirá o estudo em alusão, por meio de um exame aprofundado do denominado princípio da bagatela, a demonstração da incorporação de valores da sociedade, situados em determinado momento histórico e social, por  parte dos Diplomas Jurídicos, refletindo o contexto da aplicação de suas normas e leis. Para tanto, a incorporação dos nortes emanados pelo princípio da bagatela pelos Tribunais de Justiça, demonstrará, de modo claro, a importância do referido axioma para a aplicação da norma abstrata as situações concretas, cada qual bem delineada pelos aspectos que a integram. Assim, por derradeiro, a presente abordagem explicitará, ainda, a carecida manifestação da interdependência existente entre o Direito e a coletividade, assentando, por via de consequência, o adágio ubi societas, ibi jus, como mola motriz para o aperfeiçoamento constante e progressivo do arcabouço normativo.

Palavras-chaves: Princípio da Bagatela. Sociedade. Valores Sociais. Direito.

Abstract: The article to be presented has, like principal objective of structuring, the development of an analysis of the importance of the presuppositions emanated by the robust and plural plank of beginnings, when powders-positivism were consecrated with the strengthening of inside the Legal Science. Equally, still on this track of exhibition, it will ring the study in allusion, through a deepened examination of the so-called beginning of the trinket, the demonstration of the valuable incorporation of the society, when they were situated at determined historical and social moment, for part of the Legal Diplomas, reflecting the context of the application of his standards and laws. For so much, the incorporation of the northern ones emanated by the beginning of the trinket for the Courts of Justice, will demonstrate, in clear way, the importance of the above-mentioned axiom for the application of the abstract standard the concrete situations, each one well outlined by the aspects that integrate it. So, for last, the present approach will set out, still, the lacked demonstration of the existent interdependence between the Right and the community,establishing, for road of consequence, the adage ubi societas, ibi right, like motive spring for the constant and progressive improvement of the prescriptive outline.

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Key-Words: beginning of the trinket, society, social values, Straight.

Sumário: I – Concepção de Princípio: Análise do Pós-Positivismo; II – Princípio da Bagatela: Análise do Contexto Histórico; III – Princípio da Bagatela: Estrutura Conceitual; IV – A Interdependência entre o Princípio da Bagatela e os Corolários Estruturantes do Direito Penal; V – Caracterização do Crime de Bagatela; VI – Exemplos da Incidência do Princípio da Bagatela; VII – Comento Final.

I – Concepção de Princípio: Análise do Pós-Positivismo.

Em sua gênese, o Direito gozava de aspectos que o explicitavam como uma ciência cujo aporte teórico-normativo a apresentava como detentora de feições de imutabilidade, estagnação e solidez, diante das constantes e progressivas alterações introduzidas pela evolução da sociedade. Neste período, facilmente, denota-se a incidência de vingança, pública ou privada, como resquício do primitivismo humano, ideários da Lei de Talião (olho por olho, dente por dente). Tais premissas conseguem ser vislumbrados quando se analisa a figura do juiz, autoridade imbuída do poder estatal, que se limitava a propagar a redação da norma/lei, id est, era apenas um vetor que objetivava pôr voga a redação do conjunto normativo. Por extensão, vedava-se, de modo robusto,  a introdução de mecanismos de interpretação das leis, buscando adequá-las as realidades introduzidas pela constante mutabilidade advinda da sociedade.

Devido aos aspectos suso esposados, passou a medrar a necessidade de implementar novos critérios que assegurassem uma constante interdependência da Ciência Jurídica com a sociedade. Ao lado disso, de bom alvitre se faz arrazoar a respeito dos dogmas e corolários do pós-positivismo como pilares de evolução e adequação do  arcabouço jurídico às múltiplas e distintas situações apresentadas pela coletividade.

Ao examinar a concepção de princípios na órbita do Direito, durante a vigência do pós-positivismo, é possível observar a inauguração de um cenário em que os princípios passam a desfrutar de privilégios, sendo garantido, para tanto, amplo e farto destaque dentro da legislação. Aqui, há uma dicotomia entre as normas, classificando-as em regras ou princípios. As regras compreendem a legislação elaborada pelo Poder Legislativo, de forma típica, sendo imposta de maneira cogente pelo Estado, como também aquelas que são elaboradas de forma atípica pelo Poder Executivo, exercendo a função de legislar. Já os princípios passam a ser evidenciados, tendo destaque e, por vezes, elevados a categoria de Princípios Constitucionais, isso é, passam compor a Carta Política dos Estados, a exemplo do Brasil. Tal fato ocorre em função da maleabilidade intrínseca em se adequar e adaptar as questões, devido a peculiaridade de possuir maior abrangência.

Tecidas estas ponderações, necessário se faz avaliar a relação entre os princípios e o Direito Penal. Assim, valendo-se da definição proposta pelo festejado Bitencourt (2000, pág. 02),  "Um conjunto de normas jurídicas que tem por objeto a determinação de infrações de natureza penal e suas sanções correspondentes – penas e medidas de segurança", dessa forma o Direito Penal é conceituado. Em harmonia com os demais ramos que formam a Ciência Jurídica, a ramificação criminal foi inserida na esfera de influências do Pós-Positivismo e passou a aplicar os princípios como normas generalíssimas que orientam toda a legislação que o integra. Por extensão, essa visão adotada também pelo Ordenamento Jurídico Máximo de um Estado, permite a adoção da denominação de "normas das normas" que em certas ocasiões esses postulados recebem, sobrepondo-se, comumente, a redação limitada das leis.

Não obstante, essa valorização do homem permitiu que o Direito Penal se constituísse a partir de uma base em que a valoração do indivíduo se faz pungente a fim de garantir a integridade física e mental. Para isso, foi desenvolvida uma ótica em que se privilegia a figura do ser humano em detrimento da punição estruturada no simples ato de penitenciar. Em contraponto, sanar a utilização da sanção como um simples instrumento de mortificação pela prática do crime. Finda-se, neste cenário, os resquícios primitivos de vingança tão alardeados pela Lei de Talião, mas sim, como elementos de habilitação e reinserção do indivíduo na sociedade.

Isto é, em breves considerações, a sanção não tem o mero papel de punir o indivíduo pela conduta socialmente condenável, delitos ou infrações. Ao revés, estende-se e supera essa função, buscando, em face do fato, desenvolver formas e meios para prevenir o aumento da prática e ressocializar o indivíduo. Dada essa exposição, é permitido afirmar que o Direito Penal busca adaptar-se a realidade e anseios que a sociedade exterioriza e, por conseguinte, avaliar o indivíduo como elemento que integra a sociedade, buscando sua ressocialização, para estar apto ao convívio com a coletividade e extirpar a prática das condutas que atentem contra a harmonia da paz social.

II – Princípio da Bagatela: Análise do Contexto Histórico.

Como tão bem alude o festejado Fernando Cápez, o tema em comento tem sua gênese no Direito Romano, fundando -se no brocardo jurídico minimis non curat praetor, tendo raízes essencialmente civilista. Ora, não cabe ao pretor cuidar de causas ou delitos de bagatela, como bem salienta Santos (2010). Como se verifica, ao dispensar uma análise ao contexto histórico do início até meados do século XX, a criminalidade de bagatela, denominada pelos alemães de “bagatelledelikte”, tem robusto agravamento na Europa, em razão das duas grandes guerras mundiais que ocorreram no continente. Nesta linha, aliás, Santos (2010) sobreleva que “em virtude das circunstâncias socioeconômicas, há um aumento de delitos de caráter patrimonial, marcados pela característica singular de consistirem em subtrações de pequena relevância, de onde se extrai sua nomenclatura (delito de bagatela)”.

A  patrimonialidade é relativa apenas à fase inicial de desenvolvimento do princípio um em tela. Para Krümpelmann, conforme anota Sanguin, citado com propriedade por Santos (2010), “o fato só pode ser caracterizado como bagatela quando há a concorrente insignificância de todos os seus componentes, de acordo com a própria definição que ele faz”. Desta feita, o desvalor a ser atribuído ao evento deve ser analisado observando a  importância dos particulares bens jurídicos e do grau e intensidade da sua ofensa, logo, sendo irrisório, incide as premissas que dão corpo a criminalidade da bagatela. Dispensando um exame mais aprofundado em relação ao tema, fato é que os delitos acobertado pela concepção de bagatela não pode ter seus axiomas definidos meramente por um conceito padrão, abstrato e genérico, sendo imprescindível analisar o caso concreto. Assim, clarividente está que a incidência das normas penais ao fato em questão após a carecida avaliação da repercussão sócio-jurídico da conduta perpetrada.

“Em 1964, acabou sendo introduzido no sistema penal por Claus Roxin, tendo em vista sua utilidade na realização dos objetivos sociais traçados pela moderna política criminal” (CÁPEZ/2010). Ora, considerando a complexidade que cerca o Direito Penal, em razão de se cercear o direito de liberdade do indivíduo, não compete a ramificação supra referida dispensar maiores preocupações com as bagatelas, bem como inadmite tipos incriminadores que descrevem condutas totalmente inofensivas ou ainda incapazes  de lesar o bem jurídico tutelado, como tão bem argumenta Fernando Cápez.

Baseando-se na doutrina de Carlos Vico Manãs, citado com propriedade pela articulista Juliana Santos (2010), colhe-se o seguinte entendimento:

“A lei penal jamais deve ser invocada para atuar em casos menores, de pouca ou escassa gravidade. E o princípio da insignificância surge justamente para evitar situações dessa espécie, atuando como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal, com o significado sistemático e político criminal de expressão da regra constitucional do nullum crime sine lege, que nada mais faz do que revelar a natureza subsidiária e fragmentária do direito penal.” (SANTOS, 2010)

Vale ainda trazer à baila os postulados apresentados por Maurício Antônio Ribeiro Lopes, extraídos da obra “Princípios Políticos do Direito Penal” (2ª ed. São Paulo; RT, 1999, p. 89-90), transcrito in verbis:

“(…) O princípio da insignificância foi cunhado pela primeira vez por Claus Roxin em 1964, que voltou a repeti-lo partindo do velho adágio latino minima no curat praetor, como manifestação contrária ao uso excessivo da sanção criminal. Por ele, devem ser tidas como atípicas as ações ou omissões que afetam muito infimamente a um bem jurídico-penal. A irrelevante lesão do bem jurídico protegido não justifica a imposição de uma pena, devendo excluir-se a tipicidade em caso de danos de pouca importância (…) Ainda aqui, porém, convém advertir para a sua grande imprecisão, o que pode atingir gravemente a segurança jurídica. (…) Assim, a irrelevância ou insignificância de determinada conduta deve ser aferida não apenas em relação à importância do bem juridicamente atingido, mas especialmente em relação ao grau de sua intensidade, isto é, pela extensão da lesão produzida (…)”.  (Extraído do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Sétima Câmara Criminal/ Apelação Nº. 70031327448/ Rel. Desembargador Marcelo Bandeira Pereira/ Julgado em 22.04.2010)

Por seu turno, segundo o entendimento doutrinário do festejado mestre César Roberto Bittencourt, (in "Manual de Direito Penal" – Parte Geral – Ed. Revista dos Tribunais – 4a ed., p. 45), ao ser citado pela Desembargadora Beatriz Pinheiro Caires, que segue transcrito in totum: “A tipicidade penal exige uma ofensa de alguma gravidade aos bens jurídicos protegidos, pois nem sempre qualquer ofensa a esses bens ou interesses é suficiente para configurar o injusto típico”. (Extraído do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – Segunda Câmara Criminal/ Apelação Criminal Nº. 1.0687.04.026697-9/001(1)/ Rel. Desembargadora Beatriz Pinheiro Caires/ Julgado em 25.01.2007/  Publicado em  06.03.2007). Francisco de Assis Toledo, em sua robusta obra "Princípios Básicos de Direito Penal" (4ª ed. Saraiva, 1991, p. 132), esclarece ainda:

“Welzel considera que o princípio da adequação social bastaria para excluir certas lesões insignificantes. É discutível que assim seja. Por isso, Claus Roxin propôs a introdução, no sistema penal, de outro princípio geral para a determinação do injusto, o qual atuaria igualmente como regra auxiliar de interpretação. Trata-se do denominado princípio da insignificância, que permite, na maioria dos tipos, excluir os danos de pouca importância. Não vemos incompatibilidade na aceitação de ambos os princípios que, evidentemente, se completam e se ajustam à concepção material do tipo que estamos defendendo. Segundo o princípio da insignificância, que se revela por inteiro pela sua própria denominação, o direito penal, por sua natureza fragmentária, só vai até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico. Não deve ocupar-se de bagatelas…” (Extraído do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – Segunda Câmara Criminal/ Apelação Criminal Nº. 1.0687.04.026697-9/001(1)/ Rel. Desembargadora Beatriz Pinheiro Caires/ Julgado em 25.01.2007/Publicado em  06.03.2007) .

III – Princípio da Bagatela: Estrutura Conceitual.

Em uma primeira plana, ao se compulsar o Ordenamento Jurídico Brasileiro, é perceptível que não há qualquer dispositivo que abarque em sua redação a definição para delito ou crime de bagatela. Ao contrário, a construção do tema retromencionado é fruto da interpretação doutrinária e do entendimento jurisprudencial, por meio dos quais, obtêm-se os termos delimitadores das condutas tidas como bagatelares, insignificantes, a partir de uma análise mais acurada do direito penal mínimo, fragmentário e subsidiário, como bem explana Santos (2010).

Destarte, pode-se ainda utilizar dos ensinamentos apresentados por Diomar Ackel Filho apud Santos (2010), quando o referido pontua que "o princípio da insignificância pode ser conceituado como aquele que permite infirmar a tipicidade de fatos que, por sua inexpressividade constituem ações de bagatela, despidas de reprovabilidade, de modo a não merecerem valoração da norma penal, exsurgindo, pois como irrelevantes". Em similar substrato, Aguiar (2010) argumenta que o cânon em comento emana que para uma conduta se amoldar e ter os contornos próprios de atos criminosos, imprescindível é que, além do juízo de tipicidade formal (a adequação da conduta perpetrada ao nomen juris entalhado na norma), seja feito o juízo de tipicidade material. “Isto é, a verificação da ocorrência do pressuposto básico da incidência da lei penal, ou seja, a lesão significativa a bens jurídicos relevantes da sociedade” (AGUIAR, 2010).

Porventura, se a conduta corporificada, ainda que seja considerada como formalmente típica, venha a acarreta lesão ao bem jurídico tutelado de modo tido como desprezível, ínfimo, não há que se cogitar a incidência da tipicidade material. Desse modo, o comportamento, mesmo que sendo formalmente típico, é considerado como algo atípico, indiferente, ergo, à ramificação criminal do Direito, não tendo o condão de gerar condenação ou sequer dar ensejo à persecução penal. “Considero, na linha de pensamento jurisprudencial mais atualizado que, não ocorrendo ofensa ao bem jurídico tutelado pela normal penal, por ser mínima (ou nenhuma) a lesão, há de ser reconhecida a excludente de atipicidade representada pela aplicação do princípio da insignificância”, como bem arrazoa a Ministra Ellen Gracie (Extraído do Supremo Tribunal Federal – Segunda Turma/ HC 102.080/MS/ Rel. Ministra Ellen Gracie/ Julgado em 05.10.2010)

IV – A Interdependência entre o Princípio da Bagatela e os Corolários Estruturantes do Direito Penal.

Ao se esmiuçar a robusta tábua axiológica que alicerça o Direito, como ciência, é verificável a incidência de uma maciça e estreita interdependência entre os muitos dogmas que a integram. Por vezes, denota-se, inclusive, que alguns cânons encontram-se implicitamente contidos em outros, como colunas que ofertam a segurança e estabilidade para a sua mantença no ordenamento jurídico pátrio. No caso vertente, pode-se pôr em destaque uma relação mais íntima entre o princípio da bagatela e os ditames da intervenção mínima, da fragmentariedade, da subsidiariedade, da adequação social, da proporcionalidade e da lesividade.

IV. 1 – Princípio da Intervenção Mínima.

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O dogma em análise tem como fito de alicerce a limitação ou mesmo eliminação do arbítrio do legislador. Desta feita, o direito penal, em razão das regras que o integram, deve ser aplicado em situações extremas, só sendo aceitável sua incidência nos casos em que houver ataques relevantes aos bens jurídicos tutelados pelo Estado. Valendo-se do que ensina René Ariel Dotti, citado por Santos e Sêga (2010), o princípio da intervenção mínima tem como pilar de sustentação a restrição da incidência das normas incriminadoras, quando verificada a ofensa/lesão aos bens jurídicos considerados como fundamentais pelo Ordenamento Pátrio.

De outra banda, reserva-se para as demais ramificações da Ciência Jurídica a corpulenta gama de ilicitudes, descritas como detentoras de menor expressão, em relação ao dano ou perigo de dano a se causar. A aplicação do princípio, resguarda o prestígio da ciência penal e do magistério punitivo contra os males da exaustão e da insegurança que a conduz a chamada inflação legislativa" (SANTOS et all, 2010). Tal como ocorre o ideário da bagatela, o princípio da intervenção mínima é fruto das obras doutrinárias e do entendimento jurisprudencial, não estando explícito nas legislações criminais nem constitucionais, sendo cogente a sua observação, posto que, em razão de sua essência, encontra-se umbilicalmente relacionado com os próprios fundamentos estruturantes do Estado Democrático de Direito.

IV. 2 – Princípio da Fragmentariedade.

Manifestamente relacionado ao princípio esposado acima, o baldrame em destaque tem por escopo que apenas as condutas dotadas de maior gravidade e periculosidade perpetradas contra os bens jurídicos maciçamente relevantes exigem os rigores e iras das normas integrantes da ramificação penal do Direito. “O legislador, ao prever o tipo penal, tem em mente apenas o prejuízo relevante que o comportamento incriminado possa causar à esfera social e jurídica, sem ter, contudo, como evitar que tal disposição legal atinja, de roldão, também os casos leves, de maneira desproporcional”, como tão bem sopesa Santos e Sêga (2010).

Entende-se, deste modo, que o direito criminal é detentor de um caráter fragmentário, isto é, deve ater-se tão somente aos casos em que há, de fato, uma ameaça grave, robusta, inconteste aos bens jurídicos tutelados pelo Estado. Em contrapartida, não se admite que as normas incriminadoras se ocupem de delitos de bagatelas, pois estes, em comparação aos demais, são considerados como irrelevantes.

IV. 3 – Princípio da Subsidiariedade.

No que concerne à ramificação criminal da Ciência Jurídica, a subsidiariedade tem como elemento de derivação o pressuposto que as normas penais são remédios sancionadores extremos, devendo, em razão disso, serem ministrados apenas quando nenhum outro mecanismo se revele eficaz para resolver o conflito e restabelecer a paz social, como preconiza Santos e Sêga (2010). Desta sorte, calha evidenciar que a intervenção do direito penal só tem assento e legitimidade para atuar quando os outros ramos que integram a Ciência Jurídica se revelarem inócuos em sua intervenção.

Consoante Muñoz Conde, citado por Santos et all (2010), a intervenção do direito penal só ocorre quando fracassam as demais formas de tutela do bem jurídico predispostas pelos demais ramos do direito. Ademais, deve-se salientar, com destaque, que se aplicando o direito penal, quando há ainda a possibilidade de findar o conflito por meio de outros ramos do Direito, estar-se-ia diante de uma ameaça à paz pública.

IV. 4 – Princípio da Adequação Social.

“A teoria da adequação social, formulada por Welzel, surgiu como um princípio geral de interpretação dos tipos penais. Através dele, não são consideradas típicas as condutas que se movem por completo dentro do marco de ordem social normal da vida, por serem consideradas socialmente toleráveis”, como bem leciona Santos e Sêga (2010). O pressuposto em análise se revela como de grande utilidade, quando se observa sua incidência em ordenamentos jurídicos já há muito defasados ou com pouca atualização legislativa, não contemplando, dessa monta, a realidade econômico-social m constante e progressiva transformação.

O princípio da adequação social, então, exclui, desde logo, a conduta do âmbito de incidência do tipo, situando-a entre os comportamentos atípicos, ou seja, como comportamentos normalmente tolerados”. (SANTOS et all, 2010). O princípio da adequação social faz menção às condutas tidas como aceitáveis pela sociedade, distinguindo-se, neste particular, do princípio da insignificância não tange a tolerância ou não por parte da sociedade, mas sim o cunho insignificante da lesão perpetrada.

IV. 5 – Princípio da Proporcionalidade.

Outro importante dogma que mantém relação estreita com o preceito da bagatela é o princípio da proporcionalidade, porquanto como dicciona Eugênio Zaffaroni, o pilar magno do princípio da bagatela esta na concepção de proporcionalidade que a sanção a ser cominada deve manter em referência à (in)significância do crime. Deste modo, observando que, no caso concreto, a lesão praticada é ínfima ao bem jurídico, o fito da pena não mais subsiste. Conforme Sanguiné, ainda que fosse aplicada uma pena mínima, esta seria considerada demasiada em relação à irrelevante significação social do fato”, como bem destacam Santos e Sêga (2010). Pode-se, também, trazer à tona a concepção que dá essência ao princípio da proporcionalidade, cunhada por Humberto Bergmnan Ávila, apud Silva (2010)

“…pode-se definir o dever de proporcionalidade como um postulado normativo aplicativo decorrente da estrutura principal das normas e da atributividade do Direito e dependente do conflito de bens jurídicos materiais e do poder estruturador da relação meio-fim, cuja função é estabelecer uma medida entre bens jurídicos concretamente correlacionados.”

Denota-se, desta sorte, o princípio em tela como um elmento de “adequação axiológica e finalística pelo agente público do poder-dever de hierarquizar princípios e valores de maneira adequada nas relações de administração e no controle delas”, como bem assinala Silva (2010). Segundo a ótica adotada por Muñoz Conde, em havendo o desrespeito aos ideários consagrados pelo dogma da proporcionalidade, ocorrer o afastamento, por consequencia, da finalidade do direito penal e sua compatibilidade como as bases e alicerces do Estado Democrático de Direito. “Isto é, o direito penal deve sustentar-se na proporcionalidade, uma vez que o direito deve garantir os direitos fundamentais do ser humano buscando ser um direito mínimo e garantista”, nos dizeres de Santos e Sêga (2010).

IV. 6 – Princípio da Lesividade.

O princípio da lesividade sagra em suas linhas que o indivíduo/agente só poderá sofrer as cominações legais e penalizações ncluindo neste lastro atitudes pecaminosas ou ainda imorais, como bem alinhava Santos e Sêga (2010). Desta forma, verifica-se que a relação existente entre o preceito em observância e o princípio da bagatela guardam interação íntima, uma vez que a incidência da ramificação penal do Direito só terá justificativa quando a lesão perpetrada for maciça, não cabendo, portanto, em ínfimas ou mesmo imperceptíveis lesões aos bens jurídicos tutelados.

Como afirma Luiz Flávio Gomes (Princípio da Ofensividade no Direito Penal, p. 25), ao ser citado pelo Desembargador Nereu José Giacomolli (Extraído do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Sexta Câmara Criminal/ Apelação Nº. 70025444209/ Rel. Desembargador Nereu José Giacomolli/ Julgado em 25.06.2009), o princípio da ofensividade (ou lesividade) ao bem jurídico há de ser instrumentalizado e tornado efetivo, sob pena de se ter um discurso liberal e uma aplicação autoritária do Direito Penal. Em igual sentido, “o princípio da ofensividade ou lesividade exige que não haja crime sem lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico, dentro de um critério valorativo que a norma comporta”, como destaca o festejado Carbonell Mateu (Derecho Penal: Concepto y principios constitucionales, 1999, p. 215 a 218), apud Desembargador Nereu José Giacomolli Extraído do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Sexta Câmara Criminal/ Apelação Nº. 70025444209/ Rel. Desembargador Nereu José Giacomolli/ Julgado em 25.06.2009) .

O referido doutrinado, salienta ainda que “num Estado social e democrático de Direito, a intervenção punitiva somente se justifica nas condutas transcendentes aos demais que atinjam as esferas de liberdade alheias, sendo contrário ao princípio de ofensividade o castigo de uma conduta imoral, antiética ou antiestética que não invadam a liberdade alheia”. (Extraído do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Sexta Câmara Criminal/ Apelação Nº. 70025444209/ Rel. Desembargador Nereu José Giacomolli/ Julgado em 25.06.2009). Por derradeiro, o princípio da lesividade descansa na consideração do crime como um ato desvalorado, sendo assim, contrário à norma de valoração, que atribui a tipificação reprovável.

De tal entendimento não discrepa o doutrinador Palazzo (Valores Constitucionais e Direito Penal, 1989, p. 79 a 84) quando “preconiza que o princípio da ofensividade informa que o fato não constitui um ilícito se não for lesivo ou perigoso ao bem jurídico tutelado”. (Extraído do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Sexta Câmara Criminal/ Apelação Nº. 70025444209/ Rel. Desembargador Nereu José Giacomolli/ Julgado em 25.06.2009)

V – Caracterização do Crime de Bagatela.

Em uma explanação inicial, conforme tem se extraído, principalmente, dos entendimentos jurisprudenciais, alguns requisitos são ditos imprescindíveis para corporificar o princípio em tela, delimitando, em grossas linhas, as situações que a incidência do preceito em apreço é admitida, adequando a norma abstrata ao caso concreto. Nesta esteira, de bom alvitre se revela a necessidade de citar as circunstâncias que imperiosamente devem orientar a aplicação do cânon em comento, fixando os limites de seus feixes, tais sejam: “(a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada”, extraído do Superior Tribunal de Justiça – Quinta Turma (Habeas Corpus 2009/0208844-0/ Rel. Ministra Laurita Vaz/ Julgado em 12.03.2010/ Publicado em 12.04.2010).

Coaduna com o expendido, inclusive, a brilhante processualista espanhola Armenta Deu, citada pela articulista Juliana Santos (2010). A referida doutrinadora espanca que a escassa reprovabilidade encontra direta ligação com a projeção, isto é, a repercussão que determinado fato é capaz de produzir no meio social. Nos casos dos delitos de bagatela, está ausente “o juízo de censura penal”, como bem salienta a articulista susomencionada. Desta sorte, a falta de reprovação de conduta determinada típica, ainda que, de modo abstrato, o fato se adeque a algum tipo penal. Neste passo, existe certa tolerância em sua origem, sendo considerado, em razão de tais feições, como banais, mesmo que possam ser enquadrados como crimes (furto, injúria, lesão corporal, respectivamente aos exemplos dados) tipicamente estabelecidos na lei penal, não são assim considerados pelas pessoas, devido ao costume diário com que se deparam com tais situações” (SANTOS/2010). Igualmente, como base fortemente erguida, pode-se trazer à baila o propagado no sentido de que:

“… Não se descura existir, no caso, tipicidade formal, pois a conduta do Paciente adequa-se ao paradigma abstrato definido na lei. Entretanto, não ocorre, na espécie, a tipicidade material: não houve lesão efetiva e concreta a bem jurídico tutelado pelo ordenamento penal, dado o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento do  agente, o mínimo desvalor da ação e a ausência de qualquer consequência danosa. E a atipia material, segundo doutrina e jurisprudências hodiernas, exclui a própria tipicidade penal” (Supremo Tribunal Federal/ HC 104.070/SP/ Rel. Ministro Gilmar Mendes, decisão monocrática, Informativo/STF n.º 592, v.g.).

Insta realçar, com grossos traços e cores fortes, que “o referido princípio não pode ser compreendido como uma institucionalização da impunidade, mas sim como um instrumento valioso que permite desconsiderar a tipicidade de fatos que”, como arrazoa o Desembargador Vieira de Brito, “por sua inexpressividade, constituem ações de bagatela, afastadas do campo de reprovabilidade a ponto de não merecerem maior significado aos termos da norma penal, emergindo, pois, a absoluta falta de juízo de reprovação penal”.(Extraído do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – Segunda Câmara Criminal/ Apelação Criminal Nº. 1.0145.041510-9/001/ Rel. Desembargador Vieira de Brito/ Julgado em 31.07.2008/ Publicado em 19.08.2008). Impera destacar, ainda nesta esteira de raciocínio, que as condutas descritas não se tornam lícitas, livres de qualquer sanção, todavia, despem-se das características de crime perante os olhos da sociedade. Ocorre, à luz de tais argumentos, que a reprovabilidade não mais subsiste, porquanto o bem jurídico que goza de amparo pela norma penal não é abalado de modo significativo ou mesmo a tal ponto que reclame a ativação da máquina estatal para coibir o ato.

No que tange ao aspecto de habitualidade, subsiste um problema, qual seja é trazido a campo “a impossibilidade de punir todos os praticantes do "delito", uma vez que esse ocorre de forma massificada. Nesse caso, percebe-se uma nítida desvalorização do Direito Penal, pois devido à grande quantidade de praticantes do delito, torna-se inviável uma reação intimidadora” (SANTOS/2010). Neste diapasão, produz-se como resultado a eliminação do efeito ameaçador da pena, em razão da maciça parte dos delinquentes não ser identificada pelo Estado-juiz para aplicar as punições e sanções necessárias.

Ao lado disso, realçar se revela imprescindível que a intervenção do Direito Penal tem assento justificado quando se observa que o bem jurídico acobertado pelas normas e regras que o integram foi exposto a um dano tido como maciço, relevante em termos de lesividade. “Não se revela a tipicidade material quando a conduta não possui relevância jurídica, afastando-se, por consequência, a ingerência da tutela penal, em face do postulado da intervenção mínima” (Extraído do Superior Tribunal de Justiça – Sexta Turma/ HC 174288 – SP (2010/0096650-0)/ Rel. Ministro Og  Fernandes/ Julgado em 31.08.2010/ Publicado em 27.09.2010). Outro, inclusive, não é o entendimento apresentado pelo Superior Tribunal de Justiça, como se colhe nesta oportunidade:

“…Considerando-se que a tutela penal deve se aplicar somente quando ofendidos bens mais relevantes e necessários à sociedade, uma vez que é a última dentre todas as medidas protetoras a ser aplicada, cabe ao intérprete da lei penal delimitar o âmbito de abrangência dos tipos penais abstratamente positivados no ordenamento jurídico, de modo a excluir de sua proteção aqueles fatos provocadores de ínfima lesão ao bem jurídico por ele tutelado, nos quais têm aplicação o princípio da insignificância… (Superior Tribunal de Justiça – Quinta Turma/ HC 160423 – RJ” (2010/0013282)/ Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho/ Data do Julgamento 19.08.2010/ Data da Publicação 20.09.2010)

Não se pode olvidar, ainda, que o delito, para se caracterizar como bagatelar, deve reunir como pressuposto o ideário de que o ataque perpetrado seja tão ínfimo, incapaz, desse modo, de causar um dano efetivo ao bem jurídico tutelado pela norma abstrata, ocorrendo, como dito alhures, uma atipicidade material da conduta perpetrada. No delito de bagatela, o resultado, por si só, não justifica a ativação de todo o aparelho estatal, em razão do custo  ser elevado, consubstanciando uma incongruência em relação ao caso concreto, falta-lhe a lesividade carecida.

A aplicabilidade do princípio da bagatela, para afastar a tipicidade penal, é cabível quando se evidencia que o bem jurídico tutelado sofreu mínima lesão e a conduta do agente expressa pequena reprovabilidade e irrelevante periculosidade social. Ora, latente se revela a necessidade de arrazoar a respeito de distinguir os delitos tidos como insignificantes ou ainda de bagatelas dos denominados de crime de menor potencial ofensivo. Pois, neste último caso, tais condutas encontram disposição no art. 61 da Lei Nº. 9.099/1995 (Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais), não havendo que se falar em insignificância da conduta, vez que a gravidade é perceptível socialmente, ainda que seja de forma minorada. Pode-se ainda afiançar os argumentos e motivações expendidos até o momento ao lançar mão dos ensinamentos apresentados por Luiz Regis Prado, citado pelo Ministro Jorge Mussi, como segue:

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“A irrelevante lesão do bem jurídico protegido não justifica a imposição de uma pena, devendo excluir-se a tipicidade da conduta em caso de danos de pouca importância. O princípio da insignificância é tratado pelas modernas teorias da imputação objetiva como critério para a determinação do injusto penal, isto é, como um instrumento para a exclusão da imputação objetiva de resultados. […]. De qualquer modo, a restrição típica decorrente da aplicação do princípio da insignificância não deve operar com total falta de critérios, ou derivar de interpretação meramente subjetiva do julgador, mas ao contrário há de ser resultado de uma análise acurada do caso em exame, com o emprego de um ou mais vetores – v. g., valoração sócio-econômica média existente em determinada sociedade – tidos como necessários à determinação do conteúdo da insignificância. Isso do modo mais coerente e equitativo possível, com intuito de afastar eventual lesão ao princípio da segurança jurídica. (Curso de Direito Penal Brasileiro, Volume 1 – Parte Geral – Arts. 1º a 120 – 7ª ed., RT:SP, 2007, p. 154 e 155).” (Extraído do Superior Tribunal de Justiça – Quinta Turma/ Habeas Corpus Nº. 2009/0182222-8/ Rel. Ministro Jorge Mussi/ Julgado em 29.04.2010/ Publicado em 24.05.2010)

Ora, não bastassem as razões expendidas até o momento, pode-se, inda, citar valorosa tábua de argumentação do Desembargador Nereu José Giacomolli que, ao analisar o tema, assim pondera: A infração penal não é mera violação da norma. É mais que isto, é violação do bem jurídico, numa perspectiva de resultado e de relevância da ofensa ao bem jurídico protegido”. (Extraído do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Sexta Câmara Criminal/ Apelação Nº. 70025444209/ Rel. Desembargador Nereu José Giacomolli/ Julgado em 25.06.2009). Neste caminho, aliás, prossegue o referido desembargador, demonstrando que “um fato – furto –, embora reconhecido pelo legislador como delito – está tipificado e inexiste norma geral a respeito da ofensividade – , merece uma exegese valorativa do ponto de vista do bem jurídico tutelado, o qual integra a própria previsão abstrata, mais precisamente, se houve relevância ofensiva ao bem jurídico, examinando-se as consequências jurídicas”. (Op. Cit)

Destarte, como é aferível a ofensividade de um bem juridicamente protegido necessita de uma disposição geral, com expressa previsão no Código Penal, a fim de que a redação do dispositivo haja como um instrumento de tipicidade abstrata, e uma constitucional, cerceadora do poder legiferante. “Quiçá, com isso, se evitaria a inflação de tipos penais, também causadora da demanda processual criminal; da concepção de que o Direito Penal se presta para a solução de todos os males da sociedade atual, da incompetência política, econômica e social”. (Extraído do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Sexta Câmara Criminal/ Apelação Nº. 70025444209/ Rel. Desembargador Nereu José Giacomolli/ Julgado em 25.06.2009). Prossegue o referido desembargador em seu julgado:

“A tutela ao bem jurídico há de ser averiguada do ponto de vista positivo, ou seja, de que somente há transgressão da norma quando efetivamente existe um ataque ofensivo ao valor tutelado.

Afastada a efetiva ofensa ao bem jurídico, o tipo penal abstrato não se perfectibiliza no plano concreto da realidade da vida.

Alterações normativas não têm o condão de concretizar um dano ao autor do fato com a imposição de uma pena. Raciocínios, inclusive lógico-formais, são empregados de forma “apropriada”, sempre em prejuízo do réu. (…)

Também FERRAJOLI (Derecho y Razón, 1997, p. 464 a 467) ensina que somente os efeitos lesivos justificam a proibição e a pena. Este princípio surge já em Aristóteles e Epicerro e domina toda a cultura penal ilustrada: de Hobbes, Prefendorf e Locke a Beccaria, Hommel, Bentham, Pagano e Romagnosi, os quais observam que os danos causados a terceiros são a razão, o critério e a medida das proibições e das penas. O bem jurídico implica uma valoração para sabermos se deve haver ou não tutela penal.

O tipo penal é como uma pedra bruta que necessita ser lapidada, burilada, integrada com elementos externos ao abstrativismo, tomados do plano objetivo. Só assim é que podemos conceber a formação de um suporte válido, suficiente e real à aplicação da sanção criminal.

A adoção deste princípio implica que se investigue o conteúdo material do tipo penal, isto é, se a conduta se revestiu de entidade suficiente a lesar o bem jurídico. A proteção do bem jurídico e a ofensividade se conectam e se constituem em pilares de sustentação de um Direito Penal voltado à satisfação dos interesses sociais atuais. O que deve ser protegido pela norma penal – bem da vida determinado, ou bem jurídico-, apenas informa o Direito Penal do bem jurídico, não sendo suficiente para determinar se há delito, mais precisamente, se a previsão abstrata se concretiza, isto é, se ocorreu uma lesão ou perigo concreto ao valor cultural protegido – ofensividade. Não há crime sem uma real ofensa ao bem jurídico, materializada no brocardo nullum crimen sine iniuria.” (Extraído do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Sexta Câmara Criminal/ Apelação Nº. 70025444209/ Rel. Desembargador Nereu José Giacomolli/ Julgado em 25.06.2009)

Em igual substrato, pode-se ainda utilizar os ensinamentos e lições emanados do robusta fundamentação apresentada pelo desembargador Vieira de Brito, ao analisar o cabimento do princípio da bagatela no plano concreto: 

“Ab initio, cumpre ressaltar que o princípio da insignificância vem ganhando aceitação nos tribunais pátrios, surgindo como método auxiliar de interpretação que se propõe a excluir do tipo penal os fatos que não causem relevante lesão ao bem jurídico, tendo por finalidade ajustar a aplicação da lei penal aos casos que lhe são apresentados, evitando a proteção de bens cuja inexpressividade, efetivamente, não mereçam a atenção do legislador penal.

O aludido princípio tem como principais fundamentos a fragmentariedade e a subsidiariedade do Direito Penal e o princípio da proporcionalidade. Ele é a base de sustentação de um Direito Penal mínimo e atua na esfera judicial, quando, partindo de uma valoração quantitativa da conduta em razão da maior necessidade de proteção da sociedade, determinar-se-á o conteúdo material do injusto, como forma de verificação ou não da exclusão da tipicidade.

Uma correta interpretação do princípio da insignificância nos conduz à ideia de que a sanção penal a ser aplicada deve ser proporcional à afetação do bem jurídico tutelado, ou seja, deve-se perquirir a relevância social do fato, pois, "nos casos de mínima afetação ao bem jurídico, o conteúdo do injusto é tão pequeno que não subsiste nenhuma razão para o phatos ético da pena" (Maurício Antônio Ribeiro Lopes, Princípio da Insignificância no Direito Penal: análise à luz das leis 9.099/95, 9.503/97 e da jurisprudência atual, Ed. RT, 2000, p.69). (…) Importante ressaltar que para a aplicação do princípio da bagatela deve o Julgador se ater à análise do fato e não do autor do fato, impondo-se observar essencialmente a intensidade da lesão causada ao bem juridicamente protegido, não constituindo, por isso, óbices à incidência do instituto a reincidência ou os maus antecedentes do agente.” (Extraído do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – Segunda Câmara Criminal/ Apelação Criminal Nº. 1.0145.041510-9/001/ Rel. Desembargador Vieira de Brito/ Julgado em 31.07.2008/  Publicado em  19.08.2008)

De acordo com o magistério do ilustre Professor Cezar Roberto Bitencourt (in "Tratado de Direito Penal", Parte Geral, vol. 1, 8ª edição, Ed. Saraiva), citado pelo Desembargador Vieira de Brito , ao ponderar sobre o assunto, leciona que: “Assim, a irrelevância ou insignificância de determinada conduta deve ser aferida não apenas em relação à importância do bem juridicamente atingido, mas especialmente em relação ao grau de sua intensidade, isto é pela extensão da lesão produzida… (p. 20)”.  (Extraído do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – Segunda Câmara Criminal/ Apelação Criminal Nº. 1.0145.041510-9/001/ Rel. Desembargador Vieira de Brito/ Julgado em 31.07.2008/  Publicado em  19.08.2008).

VI – Exemplos da Incidência do Princípio da Bagatela:

Como dito alhures, não há que se falar que um dado crime é tipo como pertencente à espécie de bagatela, sem que seja feita uma análise dos fatos concretos que lhe deram azo, bem como os aspectos particulares de cada caso, a fim de amoldar a norma abstrata e genérica à situação concreta e específica. Entre os muitos exemplos ofertados pela jurisprudência pátria, inclusive, proveniente do Superior Tribunal de Justiça, pode-se fazer menção aos crimes ambientais, cujo dano é ínfimo, quando comparado com o bem protegido, a absolvição é medida que se impõe (CÁPEZ, 2010). De outra banda, já se decidiu também, em consonância com os princípios insculpidos no art. 225 da Constituição Federal, que a preservação ambiental “deve ser feita de forma preventiva e repressiva, em benefício de próximas gerações, sendo intolerável a prática reiterada de pequenas ações contra o meio ambiente, que, se consentida, pode resultar na sua inteira destruição e em danos irreversíveis” (CÁPEZ, 2010).

O crime de furto, quando o bem subtraído ou mesmo a quantia, tem se revelado ínfimo a tal ponto de não colocar em xeque o patrimônio do ofensivo. Um sucedâneo de julgado provenientes das Cortes de Justiça do Brasil tem julgado neste sentido, demonstrando, desta sorte, que a ativação da máquina estatal não ocorre quando o crime perpetrado é de mínima lesividade, até mesmo porque, por vezes, a conduta é tolerada ou, ainda, justificada pela sociedade. Outra conduta que pode ser, quando a análise do caso concreto assim comporta, acobertada pelo manto do princípio da bagatela é o crime de descaminho. Para tanto, deve-se ter em mente que a quantia alvo da sonegação perpetrada não exaspere “o valor previsto no art. 20 da Lei nº 10.522/02, o qual determina o arquivamento das execuções fiscais, sem baixa na distribuição, se os débitos inscritos como dívida ativa da União forem iguais ou inferiores a R$ 10.000,00 (valor modificado pela Lei nº 11.033/04)”. (CÁPEZ, 2010).

Por derradeiro, ao fixar os aspectos delineadores do crime de bagatela, bem como a incidência do cânon em análise, deve-se trazer a lume o sedimentado entendimento do Superior Tribunal de Justiça, que respalda as ponderações arvoradas até o momento, como se colhe:

EMENTA: FURTO (PEQUENO VALOR). PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA (ADOÇÃO). 1. A melhor das compreensões penais recomenda não seja mesmo o ordenamento jurídico penal destinado a questões pequenas – coisas quase sem préstimo ou valor. Já foi escrito: "Onde bastem os meios do direito civil ou do direito público, o direito penal deve retirar-se." 2. É insignificante, dúvida não há, a subtração de uma bicicleta usada avaliada em pouco mais de cem reais. 3. A insignificância, é claro, mexe com a tipicidade, donde a conclusão de que fatos dessa natureza evidentemente não constituem crime. 4. Ordem concedida. ORDEM CONCEDIDA, POR MAIORIA.” (Superior Tribunal de Justiça – Sexta Turma/ HC 79947 – MS (2007/0068055-8)/ Rel. Ministro Nilson Naves / DJ 23.11.2009).

EMENTA: ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. HABEAS CORPUS. ATO INFRACIONAL EQUIPARADO AO CRIME DE TENTATIVA DE FURTO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INCIDÊNCIA. AUSÊNCIA DE TIPICIDADE MATERIAL. TEORIA CONSTITUCIONALISTA DO DELITO. INEXPRESSIVA LESÃO AO BEM JURÍDICO TUTELADO. ORDEM CONCEDIDA. 1. O princípio da insignificância surge como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal que, de acordo com a dogmática moderna, não deve ser considerado apenas em seu aspecto formal, de subsunção do fato à norma, mas, primordialmente, em seu conteúdo material, de cunho valorativo, no sentido da sua efetiva lesividade ao bem jurídico tutelado pela norma penal, consagrando os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima.2. Indiscutível a sua relevância, na medida em que exclui da incidência da norma penal aquelas condutas cujo desvalor da ação e/ou do resultado (dependendo do tipo de injusto a ser considerado) impliquem uma ínfima afetação ao bem jurídico. (…). ORDEM CONCEDIDA, À UNANIMIDADE.” (Superior Tribunal de Justiça – Quinta Turma/ HC Nº 136.519 – RS (2009/0094082-2)/ Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima/ DJ 21.09.2009).

VII – Comento Final.

Tendo por sedimento toda a tábua argumentava esposada até o presente, pode-se destacar que o princípio da bagatela é desfraldado, no que tange sua incidência na Ciência Jurídica, como um instrumento de grande relevância que viabiliza aos operadores do direito sopesar e medir se específica conduta perpetrada, revestiu, ao ser consubstancializada, com os aspectos mínimos para a incidência do Direito Penal. Ademais, deve-se salientar que os tipos penais são descritos de maneira abstrata, logo, a análise e ponderação a respeito do caso concreto, permitem, com supedâneo no dogma em observância, a distinção entre condutas de alta lesividade, atentando contra a paz e harmonia social, bem como de condutas tidas como ínfimas e toleráveis pela coletividade.

Cuida destacar, por fim, que o princípio da bagatela não tem o escopo de afrontar contra os critérios elementares da incidência da norma penal, ao contrário, mas tão-somente trazer à baila tidas como aceitáveis na sociedade, em razão da mínima lesividade que acarreta, reduzindo, assim, a reprovabilidade por parte do Estado-juiz.

 

Referências:
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CARNEIRO, Hélio Márcio Lopes. O verdadeiro princípio da insignificância. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2231, 10 ago. 2009. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=13303>.. Acesso dia 1º de novembro de 2010.
CORRÊA, Leonardo Alves. A interpretação do princípio da insignificância no Direito Ambiental. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 57, 1 jul. 2002. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2969>. Acesso dia 1º de novembro de 2010.
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POLITO, André Guilherme. Michaelis – Dicionário de Sinônimos e Antônimos. São Paulo: Editora Melhoramentos, 2002.
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SANTOS, Maurício Macêdo dos; SÊGA, Viviane Amaral. Sobrevivência do Princípio da Insignificância diante das disposições da lei 9.099/95. Disponível no site: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=950>. Acesso dia 1º de novembro de 2010.
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TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos do Direito Penal (ed. 5ª). São Paulo: Editora Saraiva, 2000.
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Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível no site: <www.tjrs.jus.br>. Acesso dia 1º de novembro de 2010.

Informações Sobre o Autor

Tauã Lima Verdan Rangel

Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES


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