Resumo: O presente artigo apresenta o homicídio passional nas relações homoafetivas, que, após consulta de fontes bibliográfica e documental, assim como de estudos jurídicos, percebeu-se os vários motivos para tal acontecimento, seja por um amor exacerbado, um ciúme possessivo, ou até mesmo um rancor guardado dentro do sujeito ativo do crime. Além disso, observou-se que, na atualidade, aumentou substancialmente o número de relações homoafetivas assumidas no mundo inteiro. Para tanto, foi necessário entender os sentimentos envolvidos pelo agressor no ato de agir contra o companheiro. Assim, foram descritos alguns casos notórios, publicados pelos sites de notícias, com o fim melhor identificar as circunstâncias que levam ao crime passional nas relações homoafetivas, um assunto que até então é pouco estudado e investigado. [1]
Palavras-chave: Crime; relações homoafetivas; ciúme, passional.
Abstract: This article presents the passional homicide in homoaffective relations, which, after consulting bibliographical and documentary sources, as well as legal studies, the various reasons for such an event were perceived, either through exacerbated love, possessive jealousy, or even A rancor guarded within the active subject of the crime. In addition, it has been noted that the number of homosexual relationships taking place worldwide has increased substantially. To do so, it was necessary to understand the feelings involved by the aggressor in acting against his partner. Thus, some notorious cases, published by news sites, were described in order to better identify the circumstances that lead to crime in homosexual relationships, a subject that until then has been little studied and investigated.
Keywords: Crimes; homoaffective relations; jealousy; passion.
Sumário: 1 Introdução; 2 Definição de crimes passionais e seus componentes; 2.1 Componentes do crime passional; 2.1.1 Amor; 2.1.2 Ciúme; 2.1.3 Paixão; 2.1.4 Violenta emoção; 3 Das relações homoafetivas; 3.1 Tipos de relações homoafetivas; 3.2 Crimes passionais nas relações homoafetivas; 4 Casos notórios; 5 Considerações finais; 6 Referências.
1 INTRODUÇÃO
Quando se fala em crime passional, faz vir à tona o pensamento de que o crime ocorreu por meio de uma paixão exacerbada, oriunda de uma relação cheia de ciúmes e pelo sentimento de posse. Esse tipo de ocorrência remonta de outros períodos históricos, na época do Brasil colonial, por exemplo, a mulher era considerada um objeto do homem, e, por isso, era ratificado a ele o direito de “lavar a sua honra”, em razão do adultério da companheira, reiterando ainda mais a mulher como propriedade do seu parceiro.
Essa modalidade de crime vem acompanhada de uma justificativa para ato tão cruel, mais conhecida como: “matar por amor”. Se analisada essa situação, verifica-se que não é um sentimento de cuidado e de zelo para o outro, mas em muitos casos, o crime acontece pelo fato do sujeito não admitir uma traição, de não aceitar um rompimento da relação amorosa, ou mesmo, por ciúme excessivo da parceira ou parceiro.
No presente artigo, foi possível listar inúmeros motivos para crimes de ordem passional, especialmente para os casos de relações homoafetivas, nos quais foram pontuados diferentes tipos de sentimentos que os motivaram no momento do crime.
Percebe-se, na atualidade, uma maior liberdade sexual e uma quebra de tabus na questão sexual, principalmente no que se refere às relações homoafetivas, tendo crescido substancialmente, nos últimos anos, o número de casais homossexuais que assumiram seu relacionamento, fato constato na descrição de alguns casos notórios, publicados pelos sites de notícias.
Porém, à medida que se verifica uma maior abertura a um novo tipo de casal, é preciso considerar e estudar o crime passional quando duas pessoas possuem o mesmo sexo, quando o ciúme, um dos componentes principais do crime passional, é mais intenso do que em uma relação heterossexual.
Além disso, é oportuno ressaltar que, apesar da existência dessa maior intensidade do ciúme, em casais homoafetivos, esse fato não é preceito para considerar o homossexual um perigo social, já que crimes passionais são praticados também por indivíduos heterossexuais.
Assim, com o intuito de buscar demonstrar os componentes dos homicídios passionais nas relações homoafetivas, este artigo trata de assuntos que ainda foram pouco estudados, mas que são vivenciados cada vez mais em nosso cotidiano.
2 DEFINIÇÃO DE CRIMES PASSIONAIS E SEUS COMPONENTES
Crime é uma ação cometida pelo ser humano, em que age ou deixa de agir de acordo com a lei. Deve-se destacar que não há crime sem lei anterior que o defina, e não há pena sem uma previsão legal.
De acordo com o Dicionário Dicio (2017), passional é algo “relacionado com a paixão, sentimento de amor ardente e intenso”. Entretanto, o comportamento passional é algo desprovido de razão ou lógica, uma ação irracional.
Assim, é necessário distinguir paixão de violenta emoção, já que a passionalidade deriva do primeiro, não havendo ligação com amor. Nesse sentido, a passionalidade se sobrepõe à lucidez e faz o agente cometer delitos graves, em nome da paixão.
COMPONENTES DO CRIME PASSIONAL
No caso de um crime passional, insta demonstrar que a conduta do agente criminoso menospreza alguns direitos garantidos constitucionalmente, como: a dignidade da pessoa humana, o direito à vida e a liberdade. O ser passional possui o desejo de se autoafirmar na relação, e, pra isso, se utiliza de brutalidade, com o fim de manter, o que considera ser sua reputação, seja ela tendo sido provocada por adultério, ou mesmo, pela vontade da vítima de romper a relação amorosa, que, na maioria das vezes, isso ocorre, por esta perceber a paixão obsessiva por parte do seu agressor.
Para melhor evidenciar esta situação Ferlin (2017, p. 1), apud Rabinowicz (2007, p.54), comenta sobre a oscilação de sentimentos de um ser passional:
“Curioso sentimento o que nos leva a destruir o objeto de nossa paixão! Mas não devemos extasiar-se perante o fato; é, antes, preferível deplorá-lo. Porque o instinto de destruição é apenas o instinto de posse exasperado. Principalmente quando a volúpia intervém na sua formação. Porque a propriedade completa compreende, também o jus abutendi e o supremo ato de posse de uma mulher é a posse na morte”.
Percebe-se que o sentimento do agente criminoso é algo deturpado, criado por ele, acompanhado de raiva, ódio, egoísmo e maldade. Não há por que entendê-lo por tal atrocidade se a frase mais usada pelo perfil homicida passional é: “matei por que não conseguia viver sem meu parceiro ou parceira”, e mesmo assim, agir de forma a contrariar toda a sua tese.
Nessa perspectiva, é fundamental lembrar como esse tipo de crime era tratado em décadas passadas, na qual a mulher que mantivesse um caso fora do casamento, tido como extraconjugal, era vista como uma criminosa que merecia sua pena. Assim, cometer um crime passional como forma de retaliação acabava se tornando um “direito” dado ao homem até a década de 70. Hoje, o Código Penal Brasileiro não considera mais o adultério como crime, mas o costume de matar a companheira ou o companheiro ainda não foi modificado na atualidade.
2.1.1. O amor
Matsuda (2017, p. 1), apud Rabinowicz, (2000, p.101), explica um dos significados do amor: “o que é o amor, senão o sequestro de uma pessoa, só para nossa satisfação, considerando-a como propriedade nossa, com proibição formal dos outros lhe tocarem?”.
Mas, para melhor entendimento da palavra “amor”, Matsuda (2017, p. 1) aponta a sua definição por intermédio do Minidicionário Aurélio (2006, p.118): “é um sentimento que predispõe alguém a desejar o bem de outrem; a proteger ou a conservar a pessoa pela qual se sente afeição; devoção extrema”.
Com isso, o amor deve ser entendido como cuidado, querer o bem e a felicidade do outro, já a paixão, tão semelhante e ao mesmo tempo tão diferente vem acompanhada de uma forte emoção e é mais intensa. Porém, nenhum dos dois sentimentos justifica a prática de um crime, pois diversas pessoas já sentiram ou sentem, em algum momento da vida, um ou os dois sentimentos, sem violentar ou matar alguém. Assim, a proposta do presente trabalho é entender a motivação que o homicida passional alega vivenciar antes de tirar a vida de alguém que até então dizia amar.
Já o amor sexual, quando é tratado como posse, acaba se tornando obsessivo, uma vez que o parceiro ou parceira é vista como propriedade. Assim, o ser passional acha-se no direito de fazer dele ou dela o que lhe convém, trazendo à tona uma forma primitiva e egoísta do que denomina amor. Nesse aspecto, percebe-se que o criminoso se distancia enormemente do que é considerado um sentimento nobre, como o amor, valendo-se de práticas e ações selvagens e muitas vezes, homicidas.
Desse modo, verifica-se a diferença entre o amor genuíno, definido acima pelo Dicionário Aurélio, e o amor sexual, quando é tratado como posse, que, neste último caso, traz consigo o ódio e, quando este se manifesta, não há nada que o detém, se já possuir instintos selvagens. Por isso, afirma-se que o sentimento que o homicida passional manifesta no ato de matar, não tem nada a ver com o verdadeiro amor.
2.1.2. Ciúme
Muitas vezes, o ciúme, enraizado em uma visão romântica, é visto, dentro de uma relação, como uma demonstração de que alguém se importa muito com o outro, mas em casos de crimes passionais, essa visão foge totalmente da forma romantizada do ciúme, principalmente em casos que terminaram com homicídio.
O ciúme, assim, é percebido como um conjunto de sentimentos, ou seja, segundo Ferreira e Aquotti (2017, p. 1) “a noção de propriedade se agrega a de afeição, o medo, a ansiedade e a angústia, que já se prenunciam como sentimentos básicos, darão o tom de aflição e sofrimento que acompanham o sentir ciúme. (FERREIRA-SANTOS, 2003, p. 19)”.
Nesse sentido, é importante ressaltar que, o ciúme existe em todas as pessoas, a diferença é a forma como ele se manifesta. Com isso, percebe-se que é justamente no limite entre o saudável, e o reprovável, que o passional extrapola.
Para melhor descrever o que seja o ciúme Ferlin (2017, p. 1), apud Rabinowicz (2007, p. 67), salienta que “é o medo de perder o objeto para o qual se dirigem os nossos desejos. O ciúme destrói, instantaneamente, a tranquilidade da alma”.
Ferlin (2017, p. 1), apud Brito Alves (1984, pag. 19) reforça, ainda, o sentimento passional o ciumento traz consigo:
“O ciumento não se sente somente incapaz de manter o amor e o domínio sobre a pessoa amada, de vencer ou afastar qualquer possível rival como, sobretudo, sente-se ferido ou humilhado em seu próprio amor. […] o ciumento considera a pessoa amada mais como “objeto” que verdadeiramente como “pessoa” no exato significado da palavra. Esta interpretação é característica de delinquente por ciúme”.
Tem-se, desse modo, definido, o ciúme passional, um sentimento que carrega consigo, também, complexo de inferioridade, e que, quando não controlado, pode obter como desfecho um crime passional. Observa-se, em casos assim, o resultado de egoísmo, de insegurança e de desconfiança em relação ao parceiro ou parceira.
2.1.3. A paixão
A paixão, muitas vezes, decorre de uma imagem fantasiosa e iludida que uma pessoa faz sobre a outra, em alguns casos, de algo que não se reflete no real, ficando apenas na imaginação do ser apaixonado.
Queiroz (2017, p. 1) identifica o significado da palavra paixão, por meio do Dicionário Aurélio: “1. Sentimento ou emoção levados a um alto grau de intensidade. 2. Amor ardente. 3. Entusiasmo muito vivo. 4. Atividade, hábito ou vício dominador. 5. Objeto da paixão. 6. Mágoa. 7. O martírio de Cristo.(MINI AURÉLIO, 2000, p. 509)”.
Com isso, percebe-se a paixão como algo voltado para a satisfação do próprio ser apaixonado, na qual se vislumbra sentimentos bons, podendo dar uma falsa ideia de perfeição, que muitas vezes, pode levar à obsessão e a um crime passional.
Quando a pessoa entra em estado de paixão obsessiva, ela não consegue enxergar o outro como ele realmente é, e, assim, começa a passar por várias frustrações, indo para o idealismo utópico que criou. Em alguns casos, inicia um processo mental de “paixão” e de repulsa pelo parceiro ou parceira, mudando toda a concepção de uma relação amorosa, pois a partir de então, a construção de uma pessoa perfeita, que seria a sua parceria ou parceiro, é totalmente criada em sua cabeça.
De outro lado, Ceccarelli (2017) apresenta a análise da paixão na época da Antiguidade que, segundo o filósofo grego Aristóteles, acreditava-se que pelo fato do homem não escolher suas paixões, ele não deveria ser responsável por elas, mas deveria ser responsabilizado pelas ações decorrentes desse sentimento, quando essas alterassem o curso normal da vida de uma pessoa. Ele tinha como inaceitável a ideia de considerar impensado o comportamento passional.
Ante o exposto, desde a Antiguidade Clássica é considerado inconcebível o comportamento passional, cujo ápice ocorre pela falta de controle emocional do agressor, diante dele se frustrar ao não conseguir que seu parceiro ou parceira se comporte conforme imagina ser a maneira correta de se portar.
2.1.4. Violenta emoção
Antes de entender o que seja a violenta emoção propriamente dita é relevante diferenciar a violenta emoção de paixão, haja vista que a primeira é uma perturbação transitória e a segunda é um estado de emoção, que pode durar um período mais avançado.
Ferlin (2017, p. 1), apud Mirabete (2006, p. 218) expõe a ideia de emoção: “é um estado afetivo que, sob uma impressão atual, produz repentina e violenta perturbação do equilíbrio psíquico”.
O artigo 28 do Código Penal Brasileiro, inciso I, expressa:
“Art. 28 – Não excluem a imputabilidade penal: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).
I – a emoção ou a paixão; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)”. (BRASIL, 2017, p.1)
Inserida assim a questão, verifica-se que quem comete crime sob violenta emoção ou paixão, não tem sua capacidade de entendimento anulada, assim sendo, responde integralmente pelo crime cometido.
Sobre o entendimento de jurisprudência, o TJSP traz:
“O homicídio privilegiado exige, para sua caracterização, três condições expressamente determinadas por lei: provocação injusta da vítima; emoção violenta do agente e reação logo em seguida à injusta provocação. A morte imposta à vítima, pelo acusado, tempo depois do rompimento justificado do namoro, não se insere em tais disposições, para o reconhecimento do homicídio privilegiado’. (FERLIN, 2017, p. 1)
Nesse sentido, o estado passional e emocional do agente deve ser observado com bastante cautela para redução ou atenuação da pena. O caráter passional do crime sempre será considerado um crime grave, ou seja, não existe paixão ou violenta emoção que justifique o crime.
Na sequência, este artigo explana, especificamente, sobre as relações homoafetivas, visto que, nos últimos anos o número de casos de crimes passionais nos relacionamentos homoafetivos tem crescido substancialmente.
3 DAS RELAÇÕES HOMO AFETIVAS
Para melhor entendimento do que seja homoafetivo, o Dicionário Dício (2017, p. 1), informa o seu significado: “relacionado com as relações entre pessoas do mesmo sexo: casamento homoafetivo; direito homoafetivo”.
A homossexualidade tem sido alvo de um exacerbado preconceito por parte de grande parte da sociedade, ao mesmo tempo em que essa sociedade avança culturalmente, economicamente e sociologicamente, o número de relações homoafetivas vem aumentando significamente. Assim, não há como fechar os olhos para esse tipo de relação, que também deve possuir os mesmos direitos que os heterossexuais.
Assim como nos relacionamentos heterossexuais, têm ocorrido muitos crimes passionais nas relações homoafetivas, nos quais os componentes são os mesmos, sendo em alguns casos até mais trágicos do que nas relações heterossexuais. Esses são tipos de crimes que tem ganhado manchetes em vários veículos de comunicação na atualidade.
3.1 TIPOS DE RELAÇÕES HOMOAFETIVAS
As relações homoafetivas têm ganhado, cada vez mais, espaço nas discussões no cotidiano, sendo necessário destacar que, independentemente de direitos alcançados ou não, as relações homossexuais aconteceriam da mesma forma.
Conforme decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) a união estável, prevista na Constituição Federal (art. 226, parágrafo 3º) e no Código Civil (art.1723), é tratada como uma entidade familiar e, por isso, regida pelo direito da família. É, portanto, essa a nova interpretação que se estende aos casais gays, isto é, embora não seja a forma ideal, com essa decisão, são configurados alguns direitos às relações homoafetivas. (HAIDAR, 2017)
Nesse sentido, a desembargadora e jurista Dias (2017) deu um novo vocábulo às relações de pessoas do mesmo sexo, afirmando que a homoafetividade vai além da relação sexual, sendo um vínculo criado pela afetividade, pelo carinho e pelo desejo de estar com o outro em uma convivência harmônica.
3.2 CRIMES PASSIONAIS NAS RELAÇÕES HOMO AFETIVAS
Antes de refletir sobre as relações homoafetivas de fato é importante destacar que o jovem, antes de se assumir sua homossexualidade, passa por uma fase de autoaceitação que, na maioria das vezes, é muito difícil de consegui-la, devido às situações que lhe foram impostas antes do descobrimento da sua orientação sexual.
Nessa perspectiva, o mundo gay sobrevive a um machismo carregado de preconceitos, numa situação em que, inicialmente, o próprio homossexual rejeita a ideia de se assumir como tal, muitas vezes isso ocorre em virtude dos ensinamentos homofóbicos adquiridos ao longo da sua vida, pela sociedade da qual faz parte.
Nas relações homossexuais as posições de “ativo” e “passivo” são vistas de formas diferentes, fazendo com que o parceiro passivo seja considerado menos “homem” do que o outro. Esse preconceito traz consigo embutida uma posição submissa, semelhante ao relacionamento do homem e da mulher. São nessas situações que podem ocorrer os abusos de poder e o desequilíbrio emocional.
Os homossexuais podem, ainda, viver momentos de vulnerabilidade ao sair de casa para assumir nova orientação sexual, inicialmente por medo da rejeição da família e da sociedade, além disso, muitas vezes encontram um parceiro que provém um maior poder econômico.
Uma vez mais se constata a semelhança entre a relação homossexual da heterossexual, na qual o parceiro ou parceira que sustenta ou ajuda o outro com bens materiais ou financeiramente, pode sentir-se superior, ao ponto de achar, muitas vezes, que a sua parceira ou parceiro é sua propriedade. São em situações assim, principalmente quando o parceiro ou parceira começa a questionar a submissão, que podem ocorrer a violência doméstica ou mesmo a morte.
Ao ocorrer esse tipo de vulnerabilidade, o homossexual tende a se tornar emocionalmente desamparado, com isso sua relação afetiva tem um maior peso em sua vida, ficando mais submisso a ataques de ciúmes e de violência.
Uma relação homoafetiva nada tem a ver com o modelo heteronormativo, quando o casal não está em sintonia. A primeira dificuldade encontrada é em relação à sociedade, que ainda é muito preconceituosa, necessitando de um longo caminho a percorrer para que os direitos de suas relações sejam minimamente conquistados. Além disso, como já foi dito anteriormente, esses tipos de relacionamentos ainda sofrem com a questão da posse obsessiva, como o ciúme, assim como da dependência emocional, material e financeira.
Silva (2017, p. 1), apud Roque de Brito Alves ( 2001. pp. 77, 78) indica o sentimento de ciúmes nas relações homoafetivas:
“Sem dúvida, o ciúme em termos de posse ou de exclusivismo sentimental e sexual é mais necessário para o homossexual, tornando-o uma obsessão delirante, quase mórbida. O medo de um possível abandono ou desprezo pelo parceiro assim como é mais permanente a ameaça contra a relação não comum, desajustada, desviada entre dois seres de um mesmo sexo. Então, mais fácil ou premente será a reação, o impulso para a violência criminosa. O ciumento homossexual é mais possessivo e agressivo que o heterossexual”.
Insta destacar, ainda, que a insegurança de uma relação homoafetiva, pode partir dos dois lados, tanto por parte de uma pessoa do mesmo sexo do casal quanto de outra pessoa adversa da orientação escolhida pelo casal. Nesse momento pode acontecer o distanciamento de amigos ou colegas, que até então faziam parte do seu núcleo social, campo fértil para o parceiro obsessivo ampliar o seu ciúme, posse e paixão. Essa necessidade de ter o outro só para si faz com que o que os uniu inicialmente, seja visto em último plano, dando lugar para a possessividade ou instabilidade emocional.
Com isso, o sexo, que possui valor significativo nas relações homoafetivas, dá espaço para brigas, trazendo à tona várias formas de “acertos de contas”, no qual o desequilíbrio emocional do parceiro dominante o faz jogar no outro suas frustrações, rejeições, solidão e acaba violentando a quem um dia diz ter amado.
Todavia, é importante destacar que não é por ocorrer casos isolados de crimes passionais em relações homoafetivas que o homossexual deve ser considerado um perigo social, até porque crimes derivados de ciúmes ocorrem todos os dias, em diversos tipos de relações, tanto homossexuais como heterossexuais.
4 CASOS NOTÓRIOS
O site G1 (2017), do Estado de Alagoas, noticiou em suas reportagens um caso que traz o preconceito que pode ocorrer do próprio homossexual em relação a sua orientação sexual.
Em 9 de setembro de 2007, segundo matéria veiculada pelo G1 (2017), o jovem Douglas Oliveira de Vasconcelos, de 21 anos, saiu da casa da sua avó para ir ao show da cantora Ivete Sangalo, no Centro de Convenções e Exposição, em Jaraguá, Maceió. A vítima teria avisado seus familiares que uma amiga o acompanharia, mas antes de sair de casa teria ligado para José Carlos Oliveira Júnior, conhecido como Júnior, com quem mantinha um relacionamento amoroso há mais de quatro anos, pedindo para que ele lhe levasse ao local. Assim, Júnior e seu primo Clebson Luciano Mota Silva buscaram a vítima, próximo a uma escola de idiomas e começaram as agressões dentro do carro, conforme comprovação de funcionários de um lava-jato, que encontraram manchas de sangue no carro, posteriormente. (G1, 2017).
Conforme laudo de exame cadavérico, a morte do estudante Douglas ocorreu de forma violenta e brutal, e teria sido morto por um instrumento perfuro contundente. O crime foi qualificado como torpe e executado de forma cruel, além de ter como agravante a ocultação de cadáver. (G1, 2017).
Após realizar as investigações, ficou constatada que a causa da morte teria sido pelo desejo de Douglas revelar à família o relacionamento amoroso de quatro anos com Júnior, e este, que mantinha outro relacionamento com uma jovem, teve medo de ter seu nome exposto. (G1, 2017).
Segundo o site Gazetaweb (2017, p. 1), o assistente do advogado de acusação, Lucas Bonfim, afirma que o assassinato tem motivação passional:
“Era de conhecimento público que Douglas e Júnior mantinham uma relação conflituosa, marcada pela exploração financeira da vítima. O Douglas chegou a comentar com uma tia o desejo de expor a relação, o que, segundo a investigação, motivou o crime.”
O julgamento do caso Douglas, que ocorreu no dia 19 de abril de 2017 e terminou no dia 20, por volta de 21h30, teve como veredicto a absolvição dos réus. (GAZETAWEB, 2017).
Outro caso, que demonstra a frieza do assassino passional, se trata do crime cometido por Cristiano Luís Piantela, de 37 anos, noticiado no site Estadão São Paulo (2017).
O assassino Cristiano foi preso em flagrante após esfaquear Renan Túbero Martin, de 26 anos, dentro de um apartamento em Pinheiros, Zona Oeste de São Paulo, no dia 13 de dezembro de 2015. Piantela morava em Ribeirão Preto e estava hospedado no apartamento da vítima desde o dia 11, o crime, segundo investigações, ocorreu por ciúmes. (ESTADÃO SÃO PAULO, 2017).
O suspeito acabou admitindo o crime, revelando que tinha saído com amigos para uma festa e fez uso de drogas, e, ao retornar para casa, a vítima não se encontrava, o que o fez imaginar que este teria saído com seu namorado. Quando Renan retornou para casa, por ciúme, Cristiano iniciou uma briga com ele, que acabou o esfaqueando, e, ao perceber a gravidade da situação, tentou reanimá-lo, porém, sem êxito. (ESTADÃO SÃO PAULO, 2017).
Outro caso, se refere ao noticiado pelo G1 de Rondônia, no qual traz o assassinato do gerente de banco Gleyson Batista, de 33 anos, que foi morto por seu afeto Mister Rodônia Universo Teen 2015, João Victor Doenha, de 18 anos, por causa de ciúmes. (G1, 2017).
Inicialmente, João Victor alegou que o matou por ciúmes da namorada, com quem a vítima já teria tido um relacionamento, porém, posteriormente, o delegado responsável pelo caso, Roberto dos Santos, da 1º Delegacia de Polícia Civil de Ouro Preto, descobriu que os ciúmes eram com relação à própria vítima. A polícia informa também que a vítima e o assassino tiveram relações sexuais antes do crime acontecer, mesmo por motivos passionais, o crime foi muito bem arquitetado pelo jovem de 18 anos, que contou com a ajuda do menor João Vitor, que tinha interesse em roubar o veículo da vítima e vendê-lo. (G1, 2017)
Por último, o caso conhecido mundialmente sobre o assassinato de Carlos Castro por seu algoz, Renato Seabra, em 11 de janeiro de 2011, trazendo o ódio incomum que pode se originar nas relações homossexuais. Renato era bancado por Carlos e por isso lhe prestava favores sexuais. (JN, 2017).
Em uma viagem à Nova York, conforme noticia o site JN (2017), Renato ataca Carlos e o mutila com um saca-rolha. Carlos tinha 65 anos de idade, era um respeitado jornalista e Renato, 21 anos na época, um modelo que buscava sucesso em sua carreira. Numa das brigas com a vítima, hóspedes do hotel em que eles estavam escutaram o Renato exclamar: “Eu não sou homossexual, faço isto pelo dinheiro”, e, ao ser preso, Renato afirmou: “Já não sou gay”. (JN, 2017).
É importante ressaltar que Carlos, antes de ser morto, teria conversado com uma amiga, na qual confidenciou que estava com medo de dormir na mesma cama que Renato, ou seja, já via nele, manifestações de anormalidade e de passionalidade. (VIDAS, 2017)
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, aduz-se que o crime passional é algo que tem ocorrido muito nos dias atuais. São crimes que vem se perpetuando desde gerações anteriores, mas que na atualidade é julgado com mais propriedade pelos olhos do poder jurídico.
O presente artigo visou demonstrar um tipo de crime passional pouco retratado, ou até então pouco conhecido, haja vista que as relações homossexuais vêm ganhando destaque nos noticiários nacionais e internacionais nos últimos tempos.
O estudo do crime passional nas relações homoafetivas vem asseverar que violenta emoção e paixão não podem ser usadas para justificar tantas atrocidades, menos ainda, o ciúme ou o medo de retaliação da sociedade, por conta da escolha da orientação sexual de cada um.
Nesse sentido, é possível extrair a mais importante lição acerca do crime passional, independente de qual relação: não se mata por amor. Mata-se por ódio, vingança, retaliação, ou por possessividade. É notável a diferença desses sentimentos em comparação a algo ligado a carinho, atenção e companheirismo.
Nessa perspectiva, trouxe a tona neste artigo, casos que ocorreram no Brasil, e que mesmo sendo notórios nessa área, têm menos destaque do que outros crimes ocorridos em relações heterossexuais.
Foi importante entender a mudança que o homossexual passa, tanto psicologicamente quanto na sua vivência no meio social, quando admite sua orientação sexual. Em dois dos casos noticiados e demonstrados no presente artigo, os assassinos não admitiam uma relação que já havia se consumado, por medo de serem expostos, já que a sociedade mesmo sendo “moderna”, possui uma gama enorme de preconceitos.
Muitas vezes, o homossexual se refugia, portanto, das dificuldades que passa em outra pessoa, a pessoa mais próxima que é seu parceiro, fazendo dele “a solução” para seus problemas.
Então, após a análise dos dados, percebe-se que o homicida passional, nas relações homoafetivas, em geral, ocorre a partir de um indivíduo emocionalmente instável, que possui uma carência de sentimentos e não consegue controlar suas ações. Conclui-se, para tanto, que a sociedade precisa buscar respostas para esses tipos de problemas, de forma a ajudar a entender a motivação de tais atrocidades.
Informações Sobre o Autor
Maria Carolinna Souza Braga
Acadêmica de Direito na Faculdade Católica do Tocantins