A Aplicação da Distribuição Dinâmica do Ônus da Prova no Processo Administrativo Previdenciário

Marcos Vichiesi[1]

 

RESUMO

Os segurados e dependentes que requerem benefícios e serviços perante o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) encontram enorme dificuldade para a comprovação dos direitos que possuem e muitas vezes recebem indeferimentos indevidos ou concessões a menor. Assim, o presente estudo busca, de maneira analítica, discutir a aplicação da distribuição dinâmica do ônus da prova nos processos administrativos previdenciários por meio da utilização supletiva ou subsidiária do Código de Processo Civil, de modo a mergulhar no universo processual para verificar se a autarquia previdenciária tem que produzir provas ou obtê-las diretamente de empresas e entidades através do poder de polícia administrativa, haja vista a excessiva dificuldade ou impossibilidade de produção probatória por parte dos beneficiários, as questões de ordem pública e interesse público envolvidos, assim como o princípio constitucional do devido processo legal e a efetivação das coberturas previdenciárias previstas na Constituição Federal.

Palavras-chaves: Processo administrativo previdenciário. Distribuição dinâmica do ônus da prova. Aplicação do Código de Processo Civil em processos administrativos.

 

ABSTRACT

The insured and dependents who require benefits and services before the Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) find it extremely difficult to prove their rights and often receive undue refusals or concessions to a minor. Thus, the present study seeks, in an analytical way, to discuss the application of the dynamic distribution of the burden of proof in administrative social security processes through the supplementary or subsidiary use of the Code of Civil Procedure, so as to delve into the procedural universe to verify if the autarchy The social security system must produce evidence or obtain it directly from companies and entities through administrative police power, given the excessive difficulty or impossibility of probative production by the beneficiaries, the public policy and public interest issues involved, as well as the principle constitutional due process and the effectiveness of the social security coverage provided for in the Federal Constitution.

Keywords:  Administrative social security process. Dynamic distribution of burden of proof.vApplication of the Code of Civil Procedure in administrative proceedings.

Sumário: Introdução. 1. Teoria da Distribuição Dinâmica do Ônus da Prova. 2. A aplicação subsidiária ou supletiva do Código de Processo Civil nos processos administrativos. 3. A obrigatoriedade do INSS em buscar provas e outros elementos. 4. Hipóteses de obrigatoriedade do INSS em emitir exigências às empresas e outras entidades para a busca de provas. Conclusão.

 

Introdução

O Código de Processo Civil de 2015 trouxe a possibilidade de sua aplicação supletiva ou subsidiária nos processos administrativos, bem como gravou no texto legal uma teoria há muito discutida denominada distribuição dinâmica do ônus da prova.

Essa teoria prevê a possibilidade de que a outra parte seja responsável pela produção probatória quando tiver maior facilidade ou quando a parte contrária possuir excessiva dificuldade ou impossibilidade na produção das provas, bem ainda em hipóteses previstas na legislação.

O tema é de grande relevância, pois se a aplicação for possível, muitos segurados e beneficiário poderão ter a cobertura constitucional previdenciária efetivada.

 

  1. Teoria da Distribuição Dinâmica do Ônus da Prova

O artigo 333 do Código de Processo Civil de 1973 trazia de maneira expressa apenas a distribuição tradicional do ônus da prova, porquanto previa que incumbia “ao autor quanto ao fato constitutivo do seu direito” e “ao réu quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor”.

Na vigência dessa norma, doutrina e jurisprudência discutiam a aplicação de uma teoria advinda do Direito Argentino não expressa no código processual pátrio denominada “Distribuição Dinâmica do Ônus da Prova” ou “Distribuição da Carga Dinâmica da Prova”.

A 3ª Turma do STJ acolheu a teoria em um Recurso Especial julgado em 2013:

“Embora não tenha sido expressamente contemplada no CPC, uma interpretação sistemática da nossa legislação processual, inclusive em bases constitucionais, confere ampla legitimidade à aplicação da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, segundo a qual esse ônus recai sobre quem tiver melhores condições de produzir a prova, conforme as circunstâncias fáticas de cada caso.” (STJ, REsp 1286704/SP, 3ª T.., j. 22.10.2013, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 28.10.2013)

Com o advento do Código de Processo Civil publicado em 2015, a discussão terminou, já que o artigo 373, além de trazer as duas hipóteses tradicionais de distribuição do ônus da prova, trouxe também no parágrafo 1º de maneira expressa a distribuição dinâmica do ônus da prova.

“Art. 373, § 1º. Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.”

No entanto, vale ressaltar que essa distribuição não é absoluta, porquanto o parágrafo 2º do artigo supracitado exara que “a decisão prevista no § 1º deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil”.

No Processo Administrativo Previdenciário esse parágrafo terá pouca aplicabilidade, já que será muito difícil ocorrer uma situação na qual seja impossível ou excessivamente difícil do INSS obter dados que estão dentro do banco de dados da Administração Pública Federal ou mesmo de entes estaduais ou municipais, bem como para as empresas emitirem ou corrigirem os Laudos Técnicos de Condições Ambientais do Trabalho (LTCAT) ou os Perfis Profissiográficos Previdenciários (PPP), assim como para emitir Fichas de Registros de Empregados acompanhadas de declarações da empresa.

O que se observa é justamente o contrário. Quem tem impossibilidade ou excessiva dificuldade de cumprir o encargo é o beneficiário.

A distribuição dinâmica não se aplica só em nos casos de impossibilidade ou de excessiva dificuldade de cumprir o encargo, mas também quando houver a maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário.

Teresa Arruda Alvim Wambier e outros autores destacam na obra “Primeiros comentários ao novo código de processo civil: artigo por artigo” que “a facilidade, dificuldade ou impossibilidade está relacionada ao aspecto técnico, e não econômico pois, em relação a este, há as regras da assistência judiciária gratuita”.

No que tange essa regra ao processo administrativo previdenciário, ousamos discordar, já que, se o aspecto econômico não for levado em consideração, o acesso à justiça em sua mais ampla concepção será inviável para a grande maioria dos segurados e dependentes da previdência social, porquanto a maioria dos beneficiários do INSS encontram-se em situação de grave hipossuficiência ou vulnerabilidade.

Segundo reportagem do Diário do Litoral com base em pesquisa realizada pela Associação Nacional dos Servidores da Previdência Social e da Seguridade Social realizada em 2014, o percentual de aposentados pelo INSS que recebiam até um salário-mínimo em 2005 era de 67,8%, passando em 2014 para 71,6%, segundo projeções da Confederação dos Aposentados e Pensionistas do Brasil, a previsão é que chegue em 2025 com 9 a cada 10 aposentados recebendo apenas um salário-mínimo.

Em junho de 2018, o salário-mínimo era de R$ 954,00, porém, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), seria necessário que fosse de R$ 3.804,06 para que uma família atendesse as necessidades básicas contidas na Constituição Federal, ou seja, o salário-mínimo deveria ser quatro vezes maior.

Em regra, não existe assistência judiciária gratuita e a justiça gratuita aos que necessitarem delas nos processos administrativos previdenciários, porém o artigo 659, caput e inciso XV, da Instrução Normativa INSS/PRES nº 77/15 prevê que é proibida a cobrança de despesas processuais nesse tipo de processo, ressalvadas as previstas em lei.

O dispositivo auxilia quanto às despesas processuais, mas não resolve a situação dos que não têm condições de contratar um advogado na área para que tenham a orientação profissional para a produção das melhores provas possíveis.

Com base nisso surge a obrigação do INSS em conceder o melhor benefício a que o segurado fizer jus, sendo que nesse dever não se inclui só a orientação ao segurado, mas também engloba a produção de provas, assumindo o ônus em muitas situações, todavia esse aspecto será tratado mais a frente no capítulo que aborda a obrigatoriedade do INSS em buscar provas e outros elementos.

 

  1. A aplicação subsidiária ou supletiva do Código de Processo Civil nos processos administrativos

A norma que disciplina os processos administrativos em âmbito federal é a Lei 9.784/99, porém o artigo 15 do Código de Processo Civil prevê que “na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente”.

O dispositivo não existia no CPC de 1973 e Cássio Scarpinella Bueno destaca que o Projeto do Senado do atual CPC não trazia a aplicação ao processo trabalhista.

Teresa Arruda Alvim Wambier e outros autores destacam na obra “Primeiros comentários ao novo código de processo civil: artigo por artigo” que “o legislador disse menos do que queria”, porquanto a aplicação não se dará somente quando não houver normas que regulem o processo administrativo, mas que a “aplicação subsidiária ocorre também em situações nas quais não há omissão”, todavia que exista a possibilidade de enriquecimento da leitura de um dispositivo, extraindo-se um sentido diferente “iluminado pelos princípios processuais fundamentais do processo civil”.

O artigo 15 do CPC exara que o código será usado de maneira supletiva e subsidiária na ausência de normas que regulem processos administrativos, sendo que a Lei 9.784/99 regula a produção de provas, porém como será visto abaixo, em algumas situações a Lei do Processo Administrativo no Âmbito Federal possui texto no mesmo sentido do CPC e outras o código agirá completando uma lacuna ou auxiliando na interpretação.

O artigo 36 da Lei 9.784/99 aduz que “cabe ao interessado a prova dos fatos que tenha alegado, sem prejuízo do dever atribuído ao órgão competente para a instrução e do disposto no art. 37 desta Lei”, sendo que o artigo 37 traz a previsão que a Administração Pública responsável pelo processo administrativo deverá obter os documentos que estiverem dentro da própria Administração, podendo ser no mesmo órgão ou em órgãos diversos, ou seja, a distribuição dinâmica do ônus da prova para que o INSS busque documentos que estão nos entes públicos se coaduna com o que prevê o CPC.

Dentro do parágrafo 1º, do artigo 373, do CPC, que prevê a distribuição dinâmica do ônus da prova será aplicada em algumas das hipóteses que são hipóteses previstas em lei, assim como nos casos de impossibilidade ou de excessiva dificuldade de cumprir o encargo e o parágrafo 2º da Lei 9.784/99 aduz que “os atos de instrução que exijam a atuação dos interessados devem realizar-se do modo menos oneroso para estes”, havendo clara aplicação da distribuição dinâmica.

Quanto à produção de provas ou à prestação de informações que se encontrem com terceiros, o artigo 39 da Lei 9.784/99 traz que se for necessária a prestação de informações ou a apresentação de provas por terceiros, serão expedidas intimações para esse fim e o parágrafo único do artigo em tela prevê que “não sendo atendida a intimação, poderá o órgão competente, se entender relevante a matéria, suprir de ofício a omissão, não se eximindo de proferir a decisão”, ou seja, como será demonstrado no próximo capítulo, a Administração deverá usar o poder de polícia administrativa para a produção de provas caso o terceiro se negue a fornecê-las, havendo novamente a aplicação da distribuição dinâmica do ônus probatório.

Como se observa, o Código de Processo Civil e a distribuição dinâmica do ônus da prova se aplicam aos processos administrativos previdenciários em algumas situações por haver texto legal nesse sentido e outras pela excessiva dificuldade ou impossibilidade do segurado produzir as provas, não podendo o INSS se esquivar desse dever.

Ademais, Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino exaram sobre as ideias do espanhol Ferdinand Lassale que realizou uma análise da constituição sob uma visão sociológica, porquanto o espanhol defendeu que convivem em um país, ao mesmo tempo, duas constituições, sendo uma real, “que corresponde à soma dos fatores reais de poder que regem esse país”, e outra escrita que é chamada por ele de “folha de papel”. A folha de papel só é válida se guarda correspondência com os fatores reais de poder, já que, do contrário, havendo conflito entre essas “constituições”, a folha de papel será derrotada.

Lassale exemplifica a teoria prevendo que se alguém plantar uma macieira e colar um papel nela dizendo que ela é uma figueira, esse papel não a transformará em figueira e, mesmo que ele convença todos a dizerem que é uma figueira, os frutos produzidos serão maças e não figos.

O artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal, traz princípio o devido processo legal e caso o ônus probatório seja incumbido ao beneficiário em situações nas quais há excessiva dificuldade ou impossibilidade de produção de provas que se encontram com a própria Administração ou com terceiros, a Constituição Federal será uma mera folha de papel e não existirá de fato o devido processo legal, pois alguém será privado dos bens que um benefício previdenciário poderia lhe prover sem que a produção de provas pudesse ser realizada.

 

  1. A obrigatoriedade do INSS em buscar provas e outros elementos

Fernando Rodrigues Martins aduz que “no interesse público, realça-se a função do Estado como responsável pelo atendimento das necessidades da coletividade” e as necessidades previdenciárias são claramente necessidades da coletividade.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro exara que no fim do século XIX surgiram reações contra o individualismo jurídico e “o Estado teve que abandonar sua posição passiva”, bem como que “o Direito deixou de ser apenas um instrumento de garantia dos direitos do indivíduo e passou a ser visto como meio para consecução da justiça social, do bem comum, do bem-estar coletivo”, o que se coaduna com os fins previdenciários e com a obrigação do INSS de, em muitos casos concretos, buscar as provas para a instrução dos processos administrativos.

Alexandre Mazza, com base nos estudos do italiano Renato Alessi realizados no século XX, demonstra a diferença entre interesse público primário e interesse público secundário, pois exara que o “interesse público primário é o verdadeiro interesse da coletividade, enquanto que o interesse público secundário é o interesse patrimonial do Estado como pessoa jurídica”, podendo não coincidir os dois interesses, todavia os interesses secundários só serão legítimos se forem instrumentos para o atingimento dos primários. O autor brasileiro usa como exemplo de interesse secundário “a interposição de recurso com finalidade estritamente protelatória”.

A não produção de provas diretamente pelo Estado nos casos de processo administrativo previdenciário ou a não utilização do poder de polícia administrativa para a obtenção das provas de terceiro de forma que ocorra a não aplicação da distribuição dinâmica do ônus da prova, além de serem ilegais, tornam-se atos de interesse público secundário que na prática impedem que o segurado ou o dependente gozem dos benefícios previdenciários que possuem direito e acabam apenas fazendo caixa para o Estado, não atingindo o interesse público primário que é a cobertura dos eventos previstos no artigo 201 da Constituição Federal.

No primeiro capítulo, foi abordada de maneira superficial a obrigação que o INSS possui em conceder o melhor benefício a que o segurado fizer jus, sendo que nesse dever não se inclui só a orientação ao segurado, mas também engloba a produção de provas, assumindo o ônus em muitas situações, o que atende ao interesse público primário.

Essa obrigatoriedade da concessão do melhor benefício ao segurado está dividida em três dispositivos diferentes, pois no artigo 659, inciso VI, da IN 77/15, há um dever prévio, no artigo 687 da norma supracitada há um dever na concessão e o no Enunciado 5 do Conselho de Recursos da Previdência Social a aplicação se dá na fase recursal.

Ademais, o Código Tributário Nacional traz em no artigo 78, caput e parágrafo único, o poder de polícia administrativa:

“Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.”

Como se observa, esse poder se aplica em razão de interesse público concernente à segurança e à higiene que em muitas situações são as que mais geram problemas na produção das provas previdenciárias, já que nessas matérias estão diretamente envolvidas às provas para a concessão de alguns benefícios previdenciários como: benefícios por incapacidade, aposentadoria especial, aposentadorias com o cômputo de períodos especiais convertidos em comum e pensão por morte.

Além disso, o poder de polícia também é aplicado ao interesse público concernente à ordem e à disciplina da produção e do mercado, sendo que quanto ao primeiro há a necessidade da correta alimentação do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) para a ordem tributária, pois é possível observar nele recolhimentos errados ou inexistentes que prejudicam tanto o país como os segurados e dependentes na obtenção de seus direitos, e para o segundo quanto ao levantamento de dados estatísticos para a formulação correta de políticas de previdência social, trazendo os dois interesses impactos diretos na concessão de benefícios previdenciários e na produção de provas para que isso ocorra, já que o art. 58 da IN 77/15, aduz que, a partir de 31 de dezembro de 2008, os dados constantes do CNIS relativos a atividade, vínculos, remunerações e contribuições valem, a qualquer tempo, como prova de filiação à Previdência Social, tempo de contribuição e salários de contribuição.

O artigo 10 da IN 77/15 elenca um rol de provas capazes de incluir, alterar, ratificar ou excluir dados do CNIS para fins de comprovação de vínculo empregatício e de remunerações, sendo que, em sua maioria, é muito mais difícil ou impossível para o segurado obter essas provas do que para a Administração Pública que goza do poder de polícia administrativa, podendo essa busca pelo segurado, em algumas situações, até ameaçar o posto dele que poderá se indispor com a empresa em que possui vínculo de emprego ou de trabalho ou que necessitará do uso de uma reclamação trabalhista para obter as provas necessárias.

Teresa Arruda Alvim Wambier e outros autores destacam na obra “Primeiros comentários ao novo código de processo civil: artigo por artigo” que “se a extrema dificuldade for de ambas as partes, não há que se redistribuir o ônus”, porém, nos casos de processos administrativos previdenciários foi demonstrado que a Administração Pública possui poderes especiais contidos no poder de polícia administrativa.

No que tange os dados e documentos da própria Administração Pública, o Decreto 9.094/17 prevê:

“Art. 2º. Salvo disposição legal em contrário, os órgãos e as entidades do Poder Executivo federal que necessitarem de documentos comprobatórios da regularidade da situação de usuários dos serviços públicos, de atestados, de certidões ou de outros documentos comprobatórios que constem em base de dados oficial da administração pública federal deverão obtê-los diretamente do órgão ou da entidade responsável pela base de dados, nos termos do Decreto nº 8.789, de 29 de junho de 2016, e não poderão exigi-los dos usuários dos serviços públicos.”

A norma supracitada traz a proibição do INSS em exigir esse tipo de documento e impõe a obrigação à própria autarquia de obtê-la quando os dados constarem na base da Administração Pública Federal.

  1. Hipóteses de obrigatoriedade do INSS em emitir exigências às empresas e outras entidades para a busca de provas

Nesse capítulo serão demonstradas algumas hipóteses exemplificativas de situações nas quais a distribuição dinâmica do ônus da prova será aplicada e o INSS deverá buscar a prova diretamente na empresa ou emitir exigência para tanto.

O artigo 296, caput e inciso II, da Instrução Normativa INSS/PRES 77/15 exara que:

Art. 296. Caberá ao servidor administrativo a análise dos requerimentos de benefício, recurso e revisão para efeito de caracterização de atividade exercida em condições especiais, preenchimento do formulário denominado Despacho e Análise Administrativa da Atividade Especial – Anexo LI, com observação dos procedimentos a seguir:

(…)

II – verificar a necessidade de corrigir falhas ou a falta de informações no formulário e no LTCAT, quando exigido, atentando-se para as normas previdenciárias vigentes e, caso as inconsistências impossibilitarem a análise, o servidor deverá emitir exigência ao segurado ou à empresa, conforme o caso, visando a regularização da documentação. (…) (grifo nosso)

Entre as hipóteses de aplicação da distribuição dinâmica do ônus da prova estão a impossibilidade ou excessiva dificuldade de produção da prova, sendo que em regra, o segurado não possui condições de emitir um novo LTCAT ou PPP da empresa na qual trabalhou, cabendo assim, quando o segurado trouxer os dados cadastrais ou quando a Administração Pública puder obtê-los, que a exigência seja emitida para a empresa, pois é ela a responsável pela emissão e correção dos documentos para a comprovação de atividades exercidas sob condições especiais, sendo que na hipótese de não atendimento, o INSS deverá utilizar-se do poder de polícia administrativa.

Os artigos 103 e 104 da IN 77/15 exaram um meio de prova no processo administrativo previdenciário chamado pesquisa externa no qual, após o requerente demonstrar a impossibilidade de apresentação do documento, o INSS designará um servidor que se deslocará até beneficiários, empresas, órgãos públicos, entidades representativas de classe, cartórios, e demais entidades e profissionais credenciados, para a obtenção dos documentos necessários para a atualização do CNIS, o reconhecimento, manutenção e revisão de direitos, bem como para o desempenho das atividades de serviço social, perícias médicas, habilitação e reabilitação profissional, bem como para o acompanhamento da execução dos contratos com as instituições financeiras pagadoras de benefícios, ou seja, o ônus da prova é redistribuído para o INSS.

Quando uma empresa está regularmente extinta e o segurado não possui o formulário para análise de atividade especial, o artigo 582 da IN 77/15 possibilita a produção de um meio de prova chamado Justificação Administrativa que consiste na produção de prova testemunhal, porém para que esse meio de prova seja usado é necessário que o segurado apresente o LTCAT e em muitas situações esse laudo está depositado no próprio INSS, cabendo a ele fornecer essa prova para a instrução da JA, hipótese em que o ônus da prova ficará a cargo da Administração Pública.

A Resolução INSS/PRES nº 485/15 traz um meio de prova do processo administrativo previdenciário pouco conhecido denominado inspeção no qual se os dados do PPP estiverem em discordância com o LTCAT ou se esse laudo não corresponder com a realidade do ambiente, um médico perito do INSS inspecionará o ambiente de trabalho, sendo mais uma situação de distribuição dinâmica do ônus da prova.

A legislação previdenciária traz mais infinidade de situações nas quais o INSS deverá produzir a prova ou exigir que a empresa a produza, pois seria impossível ou excessivamente difícil que o beneficiário a produzisse.

 

Conclusão

Por todo o exposto, conclui-se que o contido no artigo 373, § 1º, do CPC, que traz a distribuição dinâmica do ônus da prova é aplicável aos processos administrativos previdenciários, pois o artigo 15 da norma em tela prevê a hipótese de aplicação subsidiária ou supletiva do código nos processos administrativos, bem como a Lei 9.784/99 que regulamenta o processo administrativo em âmbito federal também se coaduna com o contido na norma processual civil.

Do mesmo, observa-se que nos processos administrativos previdenciários os segurados e dependentes têm direito à concessão do melhor benefício a que fizerem jus, cabendo ao INSS propiciar todos os meios para que isso ocorra, bem como os beneficiários possuem impossibilidade ou excessiva dificuldade de produzir algumas provas e que o INSS possui facilidade muito maior de produzi-las ou obtê-las, já que algumas estão contidas em bancos de dados da própria Administração Pública e normas como o Decreto 9.094/17 não permitem que o ônus probatório seja direcionado aos administrados, assim como quando for necessário obter documentos ou dados que se encontram em empresas ou com terceiros, a Administração Pública deve usar o poder de polícia administrativa.

A aplicação correta da distribuição dinâmica do ônus da prova na esfera administrativa previdenciária possibilita que o devido processo legal seja cumprido, que as coberturas previdenciárias previstas no artigo 201 da Constituição Federal sejam efetivadas, que o interesse público primário seja respeitado e que a Constituição não seja uma mera folha de papel.

 

Referências

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[1]          Marcos Vichiesi, advogado, professor convidado de cursos de pós-graduação em Direito, Coordenador da Comissão de Direito Empresarial Previdenciário da OAB Santo Amaro, especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP, entre outras especializações.

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