A efetividade no processo previdenciário: análise dos princípios constitucionais previdenciários e processuais

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo discutir a efetividade das decisões judiciais que tem por objeto benefícios previdenciários e assistenciais, para tanto investiga-se o Direito Previdenciário, por seus princípios e objetivos constitucionalmente estabelecidos, no que se revela como uma garantia fundamental do cidadão, e como tal, merece tutela estatal. Por sua natureza, os benefícios previdenciários e assistenciais são de necessidade básica e imediata, exigindo, assim, na jurisdicionalização destas pretensões, uma decisão capaz de implementar a garantia previdenciária constitucionalmente protegida no tempo exigido por este especial objeto, sob pena da pecha de inefetiva.

Palavras chaves: Direito Previdenciário. Princípios. Efetividade Processual.

Resumén: El presente trabajo tiene por objetivo discutir la efectividad de las decisiones judiciales que tiene por objeto beneficios de seguridad, para tanto se investiga el Derecho de Seguridad, por sus principios y objetivos constitucionalmente establecidos, en lo que se revela como una garantía fundamental del ciudadano, y como tal, merece tutela estatal. Por su naturaleza, los beneficios de seguridad y asistenciales son de necesidad básica e inmediata, exigiendo así, en la jurisdicción de estas pretensiones, una decisión capaz de implementar la garantía previsional constitucionalmente protegida en el tiempo exigido por este particular objeto, so pena de la pecha de inefectiva.

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Palabras – clave: Derecho De La Seguridad Social. Principios. Efectividad Procesal.

Sumário: Introdução. 1. Dos Princípios Constitucionais Previdenciários. 2. Da Efetividade no Processo Previdenciário e Assistencial. 3. Considerações Finais.

Introdução

O arcabouço constitucional e legal que tutela os direitos previdenciários e assistenciais, expressos nos objetivos da seguridade social e nos princípios constitucionais da universalidade de cobertura e atendimento e da seletividade e distributividade estabelecidos no artigo 194 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988) impõe a prestação previdenciária e assistencial, desde que preenchidos os requisitos de sua concessão, de maneira rápida o suficiente para não submeter o segurado, dependente ou assistido à vulnerabilidade social, indignidade e miséria.

A despeito do reconhecimento desta garantia constitucional, se constata que os processos judiciais que tem por objeto as prestações previdenciárias e assistenciais congestionam a Justiça, e, conforme se apurou de dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), oferecendo o resultado final após anos de processo, como se verifica na prática.

As pesquisas revelam que a morosidade da prestação jurisdicional desta natureza infringe o princípio da duração razoável do processo, e, ainda o próprio direito fundamental à assistência previdenciária e social, pelo qual deve ser considerada inconstitucional.

1. Dos Princípios Constitucionais Previdenciários.

O estudo dos princípios constitucionais que informam o direito previdenciário é indispensável para análise da efetividade processual, uma vez que os princípios refletem a essência do ordenamento jurídico, se apresentando como alicerces do sistema jurídico – político de um Estado.

Revelam, ainda, os objetivos do legislador constituinte com a tutela previdenciária, vale dizer, o esperam que a legislação promova. Neste sentido, Celso Antônio Bandeira de Melo:

“Princípio é por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sai exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a inteleção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo. (MELO, 2004, p. 841/842).”

Além da harmonia, dos objetivos e a racionalidade do ordenamento, neste caso, da tutela previdenciária, são “mandamentos de otimização”, como define Alexy, que estende que os princípios se apresentam como que se caracterizam por impor que algo seja efetivado na maior medida permitida pelas possibilidades jurídicas e reais do caso concreto. (NERY JÚNIOR apud Alexy, 2010, p.25).

Existem ainda diversas outras teorias desenvolvidas através de parâmetros e pontos de vista distintos, em todo caso, confluem para a imposição da observação dos princípios para aplicação da norma no caso concreto. (NERY JUNIOR, 2010, p.35).

Isso porque os princípios contêm regras e as regras contêm os princípios, estes são normas de justificação ou de fundamentação da regra jurídica:

“O princípio encontra sua concreção (solidificação) nas regras jurídicas consequentes e, estas, a seu turno, são fatores de embasamento do conteúdo da norma jurídica.[…] O princípio sempre conterá um sentido de validez genérica, sem perder a qualidade de gerar regras nas diversas especialidades da Ciência Jurídica. (LEAL, 2004, P.15)”

Com efeito, os princípios são dotados de sancionabilidade e sua inobservância provocará reflexos no processo, neste sentido, Letícia de Campos Velho Martel em estudo sobre o tema e com apoio em Dworkin, leciona:

“O princípio não é um comando moral, uma mera exortação, ou um mero apelo, ao estilo você não deve cometer erros, a não ser que escolha cometê-los. Ao contrário, são comandos de dever ser traduzidos em normas jurídicas completas, com possibilidade de aplicação de sanção pelo aparato jurisdicional. (MARTEL, 2005, p.292).”

Os princípios processuais previdenciários, assim, são mais do que vetores do ordenamento jurídico, se apresentando como verdadeiros direitos fundamentais.

Existem diversas construções filosóficas e jurídicas para definir o “direito fundamental”, contudo, é certo que em um Estado Democrático de Direito, a definição deve ser abstrata, percebendo a mutabilidade do instituto, que acompanha as mudanças sociais, razão pela qual, convém transcrever definição de Fabrício Veiga Costa: “Os direitos fundamentais são os direitos que os cidadãos precisam reciprocamente reconhecer uns aos outros, em um dado momento histórico, se quiserem que o direito por eles produzido seja legítimo, ou seja, democrático.” (COSTA, 2007, p.39).

Assim, os princípios constitucionais previdenciários se apresentam como vetores, objetivos, racionalização da tutela previdenciária e vão além, são garantias fundamentais, e sua ofensa deve enseja sanções.

Os princípios constitucionais da seguridade social estão intrínsecos por todo o texto constitucional, mas especialmente no artigo 194 da Constituição, no caput e em sete incisos, vale colacionar:

Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos:

I – universalidade da cobertura e do atendimento;

II – uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais;

III – seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;

IV – irredutibilidade do valor dos benefícios;

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V – eqüidade na forma de participação no custeio;

VI – diversidade da base de financiamento;

VII – caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados.

Destes destacamos o “caput” que impõe garantia estatal aos direitos previdenciários; o inciso I: “Universalidade da cobertura e do atendimento” e o inciso III: “Seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços”, como fundamentos da necessária celeridade dos processos previdenciários.

A universalidade da cobertura e do atendimento, segundo Fábio Zambitte Ibrahim se apresenta em duas dimensões: objetiva e subjetiva, explica: “sendo a primeira voltada a alcançar todos os riscos sociais que possam gerar o estado de necessidade (universalidade de cobertura), enquanto a segunda busca tutelar toda a pessoa pertencente ao sistema protetivo (universalidade de atendimento)”. (IBRAHIM, 2012 p.66).

Por sua vez, Marcus Orione Gonçalves Correia definiu:

“Dessarte, com o fim de eliminar a miséria, o princípio da universalidade, na seguridade social, agasalha todas as pessoas que dela necessitam (universalidade subjetiva) ou que possam vir a necessitá-la nas situações socialmente danosas (universalidade objetiva), ou seja, eventualidades que afetem a integridade física ou mental dos indivíduos, bem como aquelas que atinjam a capacidade de satisfação de suas necessidades individuais e de sua família pelo trabalho. (Correia, 2002, p.165)”

No que se refere ao aspecto da universalidade de atendimento, vale apresentar as considerações de Wagner Balera:

“Está a se referir aos sujeitos protegidos. Significa que todas as pessoas indistintamente, são credoras da proteção social. Donde, a universalidade abrange sujeitos protegidos e objetos protetores. Ou, dito no linguajar técnico apropriado: coletividade de beneficiários e elenco de prestações. Consiste, pois, a universalidade do atendimento e da cobertura na específica dimensão do princípio da isonomia (garantia estatuída no art. 5o, da Lei Maior), na Ordem Social. É a igual proteção para todos. Foi deliberado o intento do constituinte, ao colocar a universalidade como o primeiro dos objetivos da seguridade social. Trata-se de princípio informador, do qual derivam todos os demais objetivos insculpidos na Lei das Leis. Enquanto no sistema de previdência social somente serão protegidos os que contribuem, aqui não existem barreiras à proteção. A seguridade é um programa de atuação do Estado na Ordem Social e a universalidade é a garantia de que esse programa se ajusta aos objetivos da justiça e do bem-estar, fins traçados para aquela mesma ordem. (BALERA, 1989, p. 35-36.)”

Assim, atendidos os requisitos para ter seu estado de necessidade coberto pela atividade estatual, convém compreender, o que é “risco social”, vale dizer, o que produz o estado de necessidade e como este se apresenta.

Hugo Goes em tratado sobre o Direito Previdenciário define riscos sociais como os infortúnios da vida, tais como doenças, acidentes, velhice, invalidez, as quais todos estão sujeitos. (GOES, 2015, P.24)

Conveniente diferenciar os termos “risco” social e “vulnerabilidade” social que são rotineiramente utilizados no trato do direito previdenciário, e muitas vezes equivocadamente confundidos, neste sentido Rosane Janczura:

“Por um lado, tem havido uma confusão no uso dos conceitos de risco e vulnerabilidade e, por outro, alguns autores concentram-se mais no conceito de risco, enquanto outros, no de vulnerabilidade. A necessidade de esclarecimento conceitual evidencia-se no uso que os órgãos governamentais fazem destes conceitos, como, por exemplo, o que se constata na Política Nacional de Assistência Social. (JANCZURA, 2012).”

Cediço que o objeto da tutela do arcabouço previdenciário são, nos dizeres da constituição, os riscos sociais, estes são, em última análise as mazelas a que os grupos sociais de modo geral estão sujeitos, vale dizer, risco compreende os riscos genericamente compreendidos, enquanto “vulnerabilidade social” está ligado a riscos individualmente considerados, neste sentido:

“Da análise do conceito de risco e vulnerabilidade pode-se chegar a algumas conclusões. Uma delas se refere ao fato de o risco não poder ser identificado como vulnerabilidade, embora se possa estabelecer uma relação estreita entre eles. O primeiro conceito se refere à situação de grupos, e o segundo deve ser usado para a situação fragilizada de indivíduos. (JANCZURA, 2012).”

Assim, enquanto a vulnerabilidade social se constata concretamente com análise de várias características individuais o risco envolve possibilidade, neste sentido: “previsibilidade de perda ou de responsabilidade pelo dano, compreendidos os eventos incertos e futuros inesperados, mas, temidos ou receados que possa trazer perdas ou danos”. (WOLKOFF, 2010, p.5)

Vale dizer, a seguridade social apresentada na Constituição Federal visa tutelar, resguardar os cidadãos de situação de risco, vale dize, perigo potencial, ou seja, vivenciando a violação de diretos, ou na iminência, na ameaça, de suportá-la.

A tutela do risco social compreende a própria essência do direito previdenciário, estando compreendido em sua definição, conforme Sérgio Pinto Martins:

“O Direito da Seguridade Social é um conjunto de princípios, de regras e de instituições destinado a estabelecer um sistema de proteção social aos indivíduos contra contingências que os impeçam de prover as suas necessidades pessoais básicas e de suas famílias, integrado por ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, visando assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. (Martins, 2002, p. 47).”

Esclarecido o objeto da tutela previdenciária, entra em cena o princípio da seletividade e distributividade que irá determinar quais riscos ou contingências sociais serão protegidos.

Nesta esteira:

‘Este princípio tem por finalidade orientar a ampla distribuição de benefícios sociais ao maior número de necessitados. Nem todos terão direito a todos os benefícios, devendo o legislador identificar as carências sociais e estabelecer critérios objetivos para contemplar as camadas sociais mais necessitadas. Destaque-se, entretanto, como já dito anteriormente, a assistência médica será acessível indistintamente, conforme previsto no artigo 196 da Constituição Federal. (FILIPPO, 2012).”

Com efeito, o princípio da seletividade e da distributividade na medida em que reconhece a impossibilidade de atender de maneira irrestrita o princípio da universalidade, seleciona as contingencias e riscos sociais mais sensíveis a sociedade e distribui os benefícios na medida do possível, harmonicamente, neste sentido Hugo Goes:

“A seletividade atua na delimitação do rol de prestações, ou seja, na escolha dos benefícios e serviços a serem mantidos pela seguridade sociail, enquanto a distributividade direciona a atuação do sistema protetivo para as pessoas com maior necessidade, definindo o grau de proteção. Os benefícios da assistência social por exemplo, serão concedidos apenas ao necessitados; os benefícios do salário família e o auxílio reclusão só serão concedidos aos beneficiários de baixa renda (atualmente para aqueles que tenham renda mensal inferior ou igual a R$ 1089,72). (GOES, P.25, 2015).”

Os riscos sociais atualmente tutelados pela previdência social estão definidos expressamente na lei 8213/1991, a conhecida Lei dos Benefícios Sociais, cujo artigo 1º estabelece: “A Previdência Social, mediante contribuição, tem por fim assegurar aos seus beneficiários meios indispensáveis de manutenção, por motivo de incapacidade, desemprego involuntário, idade avançada, tempo de serviço, encargos familiares e prisão ou morte daqueles de quem dependiam economicamente.”(grifo nosso).

Assim, respeitas as regras estabelecidas no mesmo diploma, a fim de atender aos segurados na ocorrência dos referidos riscos sociais, são concedidos os benefícios de, quanto ao segurado: aposentadoria por invalidez; aposentadoria por idade; aposentadoria por tempo de contribuição; aposentadoria especial; auxílio-doença; salário-família; salário-maternidade; auxílio-acidente; seguro desemprego. Por sua vez, as dependentes dos segurados, são concedidos os benefícios de pensão por morte e o auxílio-reclusão;

Há, ainda, a lei 8742/1993, conhecida como Lei Orgânica da Assistência Social que inclui outros riscos sociais a serem cobertos segundo os requisitos constantes do mesmo diploma legal, vale colacionar:

“Art. 2o. A assistência social tem por objetivos:

I – a proteção social, que visa à garantia da vida, à redução de danos e à prevenção da incidência de riscos, especialmente: 

a) a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;

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b) o amparo às crianças e aos adolescentes carentes;

c) a promoção da integração ao mercado de trabalho;

d) a habilitação e reabilitação das pessoas com deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; e 

e) a garantia de 1 (um) salário-mínimo de benefício mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família

II – a vigilância socioassistencial, que visa a analisar territorialmente a capacidade protetiva das famílias e nela a ocorrência de vulnerabilidades, de ameaças, de vitimizações e danos;

III – a defesa de direitos, que visa a garantir o pleno acesso aos direitos no conjunto das provisões socioassistenciais.

Parágrafo único.  Para o enfrentamento da pobreza, a assistência social realiza-se de forma integrada às políticas setoriais, garantindo mínimos sociais e provimento de condições para atender contingências sociais e promovendo a universalização dos direitos sociais.”

Vê-se, assim, que o acesso aos benefícios assistenciais e previdenciários decorrem de um estado de necessidade premente, visam recompor a dignidade mínima dos cidadãos e de seus dependentes.

Ademais, necessário observar que em muitos dos casos, os riscos sociais refletem necessidades imediatas e contínuas de médio e longo prazo, que impedem o retorno do cidadão à atividades laborativas, impondo-o situação de miserabilidade e indignidade.

Cediço que os benefícios previdenciários e assistenciais muitas vezes são indeferidos na via administrativa, ainda que existentes os requisitos para concessão, seja por erro, burocracia ou desinformação, exigindo que os segurados, dependentes e assistidos tenham de buscar o Judiciário para tutela de sua situação vulnerável, passamos assim a analisar, diante do objeto de proteção do direito previdenciário, o que seria para estes procedimentos uma decisão efetiva.

2. A Efetividade no Processo Previdenciário e Assistencial.

A garantia da duração razoável do processo ingressou no ordenamento brasileiro através do Pacto San José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário, incorporando-a em seu complexo jurídico através do decreto 678 de 09 de setembro de 1992.

O pacto impõe que as decisões judiciais sejam proferidas em prazo razoável, sob pena de se ferir o princípio da inafastabilidade da jurisdição e, ainda, o princípio da proteção da dignidade da pessoa humana, aquele princípio constitucional explicito e este fundamento da República Federativa do Brasil, conforme determina o artigo 1º da CRFB/1988.

No intuito de tornar mais claro o objetivo do Estado de fazer cumprir a garantia da duração razoável do processo, a emenda constitucional nº 45 que trouxe um pacote de alterações legislativas chamado, vulgarmente, de “Reforma do Judiciário”, tornou explícita a referida garantia, no inciso LXXVIII do artigo 5º da CRFB/1988, vinculando o devido processo legal à duração razoável, sinteticamente reduzido na máxima de Didier Junior: “Processo devido, é, pois, processo com duração razoável.” (DIDIER JUNIOR, 2010, p.64).

O termo “razoável” é deveras amplo, mas, atualmente se tem acolhido os parâmetros indicados pela Corte Européia dos Direitos do Homem, que o faz com análise de três critérios, apontados também na obra de Didier Junior (2.010), são eles: a complexidade do assunto; o comportamento dos litigantes e de seus procuradores e a atuação do órgão jurisdicional.

Neste sentido:

“O reconhecimento destes critérios traz como imediata consequência a visualização das dilações indevidas, como um conceito indeterminado e aberto, que impede de considera-las como o simples desprezo aos prazos processuais pré-fixados.

Assim, é evidente que se uma determinada questão envolve, por exemplo, a apuração de crimes de natureza fiscal ou econômica, a prova pericial a ser produzida poderá demandar muitas diligências que justificarão duração bem mais prolongada da fase instrutória.

Por outro lado não podem ser taxadas de “indevidas” as dilações proporcionadas pela atuação dolosa da defesa, que, em algumas ocasiões, dá azo a incidentes processuais totalmente impertinentes e irrelevantes.

E, ademais, é necessário que a demora, para ser reputada realmente inaceitável, decorra da inércia, pura e simples, do órgão jurisdicional encarregado de dirigir as diversas etapas do processo. È claro que a pletora de causas, o excesso de trabalho, não pode ser considerada, nesse particular, justificativa plausível para a lentidão da tutela jurisdicional. (DDIER apud TUCCI, 2010, p.64).”

Segundo as pesquisas, os princípios processuais constitucionais se interpenetram, de modo que a aplicação de um, depende da aplicação de outro. Aqui, se nota a especial ligação entre o devido processo legal e a duração razoável do processo. Conclui-se que não há processo devido com dilações temporais indevidas, também não há processo com duração razoável, se não respeitando as garantias do devido processo legal.

Com efeito, não há garantia de celeridade a todo custo, e sim, garantia de duração razoável, ou seja, duração compatível com a complexidade da causa e o comportamento das partes em determinado espaço e tempo.

“Bem pensadas as coisas, conquistou-se, ao longo da história, um direito à demora na solução de conflitos. A partir do momento em que se reconhece a existência de um direito fundamental ao devido processo, está se reconhecendo implicitamente, o direito de que a solução do caso deve cumprir, necessariamente, uma série de atos obrigatórios, que compõe o conteúdo mínimo desse direito. A exigência do contraditório, o direito a produção de provas e aos recursos certamente atravancam a celeridade, mas são garantias que não podem ser desconsideradas ou minimizadas. É preciso fazer um alerta para os discursos autoritários, que pregam a celeridade como valor. Os processos da Inquisição poderiam ser rápidos. Não parece, porém, que se sinta saudade deles. (DIDIER JUNIOR, 2010, p.65).”

Contudo, a situação atual é alarmante, em que pese as evoluções trazidas pelas reformas processuais isoladas, tais como a antecipação de tutela, os juizados especiais entre outras, não há ainda prestação jurisdicional em tempo suficiente a permitir a parte usufruir plenamente da pretensão acolhida.

A situação se mostra ainda mais grave no âmbito da Justiça Federal competente para julgamento das demandas previdenciárias e assistenciais, que possui menos capilaridade que a justiça comum e tem competência material notadamente mais complexa.

Dados do CNJ apresentados no último relatório divulgado em 2015, referente ao ano base 2014, apontam aumento do congestionamento, queda de produtividade dos magistrados e servidores e número de processos distribuídos superior aos processos baixados, alcançando assim o espantoso estoque de 8,5 milhões de processos, vale apresentar:

“A Justiça Federal iniciou o ano de 2014 com um estoque de 8,5 milhões de processos, quantitativo que aumentou 4,3% em relação ao ano anterior e 12,1% no sexênio. O aumento dos casos pendentes está correlacionado com a redução da produtividade dos magistrados (variação de -13,2% em relação ao ano anterior e -6,8% em relação a 2009 no IPM4) e dos servidores (variação de -5,4% em relação ao ano anterior e -2,9% em relação a 2009 no IPS5). Estima-se que ao final de 2014 o estoque ainda cresça em mais de quatro pontos percentuais, devido à diminuição do quantitativo de processos baixados em relação ao ano anterior (-1,9%) e o aumento dos casos novos (+20,8%) e pendentes (+4,3%) nesse período. Esses comportamentos ocasionaram um impacto de três pontos percentuais a mais na taxa de congestionamento da Justiça Federal no ano de 2014 em relação a 2013. (BRASIL, CNJ, http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/pj-justica-em-numeros).”

A morosidade constada em números crescentes decorre, também, das prerrogativas da Fazenda Pública em Juízo, que embora tenham sido reduzidas no novo Código de Processo Civil, representaram por muitos anos prazos em quádruplo, dobro, necessárias intimações pessoais notadamente demoradas, que haviam de ser atendidas, pois conforme explana o Professor Eduardo Rodrigues Gama, não existe processo razoável sem respeito ao devido processo legal:

“O passar do tempo coloca as partes em reflexão sobre a justiça operada pelos juízes e tribunais, os quais proferem decisões ideais distantes da percepção dos jurisdicionados. Em torno de algumas questões de direito material, é comum o tempo de confecção da decisão superar até o tempo mediano de vida dos brasileiros. Na maioria dos casos, embora o processo dure menos, muitos pretendentes a tutela estatal de seus direitos terminam por deixar essa vida sem ter acesso à prestação jurisdicional a que tinha direito. Isso, indubitavelmente, é sinal da maior das injustiças, trazendo à tona o brocardo de que justiça tardia não é outra coisa senão a maior das injustiças. (GAMA, 2002, p.21).”

Continua o professor alertando:

“As garantias do contraditório e da ampla defesa não são suficientes para justificar a dilação dos prazos, os quais colocam a prestação jurisdicional como algo inatingível. A perseguição do prazo razoável para duração do processo vem acomodando os conceitos desses dois princípios, de modo que a realidade já não permite mais a continuidade da utilização de construções filosóficas que só poderiam sobreviver em condições ideais, para não dizer utópicas. (GAMA, 2002, p.22).”

Os estudos apontam que o termo razoável que compõe a nomenclatura do princípio em comento deve refletir ponderação entre tempo, complexidade da causa a preservação das garantias processuais de acordo com o caso concreto, para que se possa falar em efetividade das decisões judiciais, e, portanto, em devido processo legal. Através de um “meio termo que possibilite uma combinação da efetividade com a segurança em doses conciliáveis”, como sugeriu, ainda, o professor Eduardo Rodrigues Gama. (GAMA, 2002, p.23).

O Princípio da efetividade, implicitamente insculpido na CRFB/1988, assegura que toda sentença/acórdão seja efetivada, ou seja, garante que a decisão judicial seja cumprida.

Através deste princípio, o Estado, Estado – Juiz, assume o dever de fazer valer suas decisões judiciais, ofertando, para tanto, não só os instrumentos executivos eficazes, mas também proferindo tal decisão em tempo hábil, suficiente a permitir a satisfação do jurisdicionado ofendido em seu direito. Permitindo, assim, que o jurisdicionado usufrua plenamente da tutela judicial.

Neste sentido, as palavras de Marinoni: “O direito a sentença deve ser visto como direito ao provimento e aos meios executivos capazes de dar efetividade ao direitos substancial, o que significa o direito à efetividade em sentido estrito.” (MARINONI, 2003, p.303).

O princípio da efetividade sobreleva o caráter instrumental do procedimento, ou seja, para ser efetivo, o procedimento não pode ser um fim em si mesmo, mas, sim, se prestar a concretizar uma pretensão juridicamente acolhida. Neste sentido:

“Fala-se da instrumentalidade do processo, ainda, pelo seu aspecto negativo. Tal é a tradicional postura (legítima também) consistente em alertar para o fato de que ele não é um fim em si mesmo e não deve, na prática cotidiana, ser guindado à condição de fonte geradora de direitos. Os sucessos do processo não devem ser tais que superem ou contrariem os desígnios do direito material, do qual ele é também um instrumento (à aplicação das regras processuais não deve ser dada tanta importância, a ponto de, para sua prevalência, ser condenado um inocente ou absolvido um culpado; ou a ponto de ser julgada procedente uma pretensão, no juízo cível, quando a razão estiver com o demandado). (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2008, p.231).”

Ou seja, não se pode retardar ou permitir que se retarde a prestação jurisdicional para atender questões meramente processuais que não refletem garantias dos jurisdicionados, nem tão pouco coadunam para solução justa do conflito.

Como já dito, os princípios processuais constitucionais se misturam, se entrelaçam, nesta esteira também o princípio da efetividade, que se apresenta como corolário do princípio do devido processo legal e da inafastabilidade da jurisdição. Com efeito, o Estado- Juiz não pode simplesmente sentenciar, mas tem que fazê-lo de forma justa, razoável e, ainda, assegurar que sua decisão seja cumprida e que o cidadão perceba todos os seus efeitos, chegando a máxima: processo devido é processo efetivo. E, mais, o Estado somente cumpre o preceito da inafastabilidade quando oferta a seus jurisdicionados um processo devido e efetivo. (DIDDIER JUNIOR, 2010, p. 72)

Diante do exposto, resta claro que no âmbito da tutela previdenciária judicial, a pretensão dos jurisdicionados, no mais das vezes, é a imediata substituição da renda mensal para mínima manutenção, com efeito, cingem as demandas acerca de concessão de benefícios, como apresentados anteriormente, que cuidam de mazelas graves, tais como idade avançada, invalidez, morte do mantenedor familiar, assim, a pretensão do jurisdicionado previdenciário e assistencialista é urgente e contínua a médio e longo prazo.

De maneira expoente: o cidadão necessita da verba pretendida para agora, sob pena de por-se em situação de vulnerabilidade social, muitas vezes extrema. Trata-se de manter a subsistência, necessidades vitais mínimas, como moradia, alimentação, saúde, higiene, vestuário, educação.

Wladmir Novaes Martinez explica que o caráter alimentar dos benefícios previdenciários intrínseca nas disposições legais é acolhida pelos tribunais:

“Embora sua definição não esteja perfeitamente delineada até hoje no Direito Previdenciário, a idéia da alimentaridade das prestações securitárias é bastante aceita entre os especialistas, com alguma repercussão na inteligência do Poder Judiciário. Embora não aprofundada cientificamente ou disciplinada o suficiente é muitas vezes referida como fundamento para pensar. Entendida essa idealização em seu espectro mais amplo, qual seja de que o benefício (tanto quanto o salário mínimo) se destina à subsistência da pessoa humana, respondendo pelas despesas com alimentação, vestuário, habitação, transporte e saúde, ter-se-á que o direito securitário ao benefício detém essa característica e assim precisa ser compreendido. Com efeito, isso é verdade, a prestação previdenciária assume natureza alimentar garantidora da subsistência, da mesma forma como a prestação assistenciária preserva os meios de sobrevivência. (2009, p. 65).”

Na mesma toada, Wania Alice Ferreira Lima Campos, determina: “Na condição de fundamentais, os direitos previdenciários exigem aplicabilidade imediata e principalmente efetivação, de modo a torná-los concretos a fim de dignificar a pessoa humana.” (CAMPOS, 2010, p. 81). Complementando, Carlos Alberto Pereira de Castro, relata os riscos da morosidade na prestação previdenciária:

“Trata-se de direito de natureza eminentemente alimentar, gerando, no mais das vezes, da subsistência básica do ser humano, cuja demora ou indeferimento descabido podem causar danos irreparáveis à existência digna de quem dependa das prestações do seguro social. Acrescente-se a isso a condição de hipossuficiência da maior parte dos potenciais beneficiários da Previdência, tanto de ordem econômica quanto de conhecimento acerca de seus direitos de índole previdenciária, o que gera a necessidade de que o tratamento conferido a estes direitos assuma contornos especiais. (2009, p. 171)”

Ademais, é justamente esta a garantia constitucional da seguridade social, universalidade da cobertura, garantia aos direitos previdenciários e assistenciais no momento do sinistro, vale dizer, da ocorrência do risco previsto em lei.

Neste passo, se a efetividade se apresenta no plano concreto com a execução da sentença e a satisfação da determinação judicial pelo ofendido, têm-se que no processo previdenciário, pelas características mencionadas e em respeito a constituição, a mesma deve dar-se de maneira rápida, para não deixar de assegurar o cidadão no momento de necessidade premente.

Os dados apresentados do C.N.J. e a experiência geral revelam que os processos previdenciários estão congestionados, lentos e, nesta toada, ofendem não só o princípio da Duração Razoável do Processo e a efetividade mencionadas, mas principalmente a garantia constitucional que se apresenta como Direito Fundamental de acesso aos benefícios assistenciais e previdenciários no tempo necessário para suplantar as consequências da implementação do risco.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As pesquisas revelaram que a efetividade processual no processo previdenciário e assistencial, pela natureza das pretensões, exige maior celeridade nas decisões judiciais, na medida em que a demora acarreta a própria indignidade do cidadão segurado, dependente ou necessitado.

A inefetividade das decisões judiciais relativas a pretensões previdenciárias e assistenciais, outrossim, desatende a garantia constitucional de acesso aos direitos previdenciários, notadamente o princípio da universalidade de cobertura e atendimento e da seletividade e distributividade, rompendo o próprio fim da seguridade social, que labora com a previsão de riscos, justamente para que as consequências destes não se implementem na vida dos beneficiários.

A experiência prática e os dados do relatório do CNJ demonstraram que estas garantias constitucionais não têm sido percebidas pelos jurisdicionalizados, por diversas causas, promovendo decisões judiciais tardias e inefetivas, incapazes de tutelar o beneficiário no momento de vulnerabilidade social, infringindo a Constituição e a comprometendo a Ordem Social.

Muitas medidas legais, administrativas e comportamentais vem sendo desenvolvidas, mas o congestionamento das demandas judiciais crescem de maneira preocupante, de modo que os estudos relativos ao tema devem permanecer, para que seja possível realizar mudanças definitivas no processo previdenciário de modo a assegurar aos cidadãos a sobrevivência digna na implementação do risco social.
 

 

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Informações Sobre o Autor

Jéssica Martins Pereira

Advogada; Pós Graduada em Direito Previdenciário pela Universidade Anhanguera; Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes


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