Lis Mattos Alves[1]
Resumo: Dentre as medidas assistenciais estabelecidas pela Lei Maria da Penha, Lei n° 11.340/2006, encontram-se as possibilidades de inclusão em programas de assistência social e do afastamento do local de trabalho pelo período de até seis meses. Todavia, atualmente não há no Brasil benefício assistencial capaz de proporcionar às mulheres vítimas de violência doméstica a efetivação desse direito. Dessa forma, o artigo trata da realidade das mulheres mais afetadas pela violência doméstica, demonstrando a extrema necessidade da instituição do benefício assistencial.
Palavras-chave: benefício assistencial; violência doméstica; Lei Maria da Penha; situação de vulnerabilidade.
Abstract: Among the assistance measures established by the Maria da Penha Law, Law n. 11.340/2006, the possibility of leaving the workplace for up to six months is possible. However, there is currently no assistance in Brazil capable of providing women victims of domestic violence with the enforcement of this right. Thus, the article deals with the reality of the women most affected by domestic violence, demonstrating the extreme need for the institution of care benefit.
Keywords: care benefit;domestic violence; suspension of the employment contract.
Sumário: Introdução. 1. As medidas assistenciais estabelecidas pela Lei Maria da Penha. 1.1. As diretrizes da asisstência social. 1.2. Benefício assistencial aplicável às mulheres vítimas de violência doméstica. 2. O perfil das mulheres brasileiras mais afetadas pela violência doméstica. 3. A importância da autonomia financeira para o enfrentamento da violência doméstica. 4. A necessidade de instituição de benefício assistencial para as mulheres vítimas de violência doméstica. 5. A Proposta de Lei n° 8.330/2015. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
Apesar da violência doméstica estar presente na sociedade há muito tempo, a preocupação com o combate a esse tipo de abuso surgiu no século XX, por volta dos anos 70, em razão do movimento feminista.
Assim, as organizações internacionais passaram a dar importância ao tema que vinha ganhando força, inclusive no cenário político, o que fez com que no ano de 1979 fosse aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas o tratado internacional conhecido como a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, que entrou em vigor em 3 de setembro de 1981 e foi ratificada por 188 Estados.
Já no ano de 1994, foi aprovada Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, em Belém do Pará, estabelecendo o compromisso dos Estados com a garantia de uma vida sem violência para as mulheres.
No entanto, mesmo o Brasil tendo ratificado ambos tratados internacionais, a proteção às mulheres ainda era ineficaz, a incredulidade da Justiça preponderava sobre os casos, muitos acusados respondiam em liberdade, não existiam medidas assistências e protetivas às mulheres, fazendo com que a violência persistisse.
Diante desse quadro, com a ajuda de ONGs, a farmacêutica Maria da Penha – após mais de 15 anos de perpetuação da violência doméstica, em 1998 conseguiu que seu caso fosse encaminhado para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Todavia, o caso Maria da Penha só foi solucionado em 2002, quando o Brasil foi condenado por omissão e negligência pela OEA, tendo que se comprometer em reformular suas leis e políticas em relação à violência doméstica.
Assim, em resposta à condenação imposta pelo órgão internacional, no ano de 2006, foi sancionada a Lei Federal nº 11.340, mais conhecida como Lei Maria da Penha, criando mecanismos para coibir a violência domestica e familiar contra a mulher.
A legislação brasileira passou a regulamentar de forma peculiar o procedimento investigatório e judicial envolvendo violência domestica contra mulheres, instituindo medidas assistências e protetivas essenciais para afastar a vítima do convívio com o agressor.
Ocorre que, apesar da Lei Maria da Penha ter mudado bastante a realidade das mulheres brasileiras, ainda há muita deficiência no combate à violência e assistência às vítimas.
- AS MEDIDAS ASSISTENCIAIS ESTABELECIDAS PELA LEI MARIA DA PENHA
Como antedito, a Lei Maria da Penha estabelece medidas assistenciais para que a vítima de violência doméstica possa se sentir segura e protegida ao denunciar o acusado.
Tais medidas assistenciais envolvem o atendimento policial e pericial especializado, adotando medidas para que a vítima se sinta menos desconfortável ao realizar a denúncia. Vejamos algumas delas:
“Art. 10-A. É direito da mulher em situação de violência doméstica e familiar o atendimento policial e pericial especializado, ininterrupto e prestado por servidores – preferencialmente do sexo feminino – previamente capacitados.
- 1oA inquirição de mulher em situação de violência doméstica e familiar ou de testemunha de violência doméstica, quando se tratar de crime contra a mulher, obedecerá às seguintes diretrizes:
I – salvaguarda da integridade física, psíquica e emocional da depoente, considerada a sua condição peculiar de pessoa em situação de violência doméstica e familiar;
II – garantia de que, em nenhuma hipótese, a mulher em situação de violência doméstica e familiar, familiares e testemunhas terão contato direto com investigados ou suspeitos e pessoas a eles relacionadas;
III – não revitimização da depoente, evitando sucessivas inquirições sobre o mesmo fato nos âmbitos criminal, cível e administrativo, bem como questionamentos sobre a vida privada.
- 2oNa inquirição de mulher em situação de violência doméstica e familiar ou de testemunha de delitos de que trata esta Lei, adotar-se-á, preferencialmente, o seguinte procedimento:
I – a inquirição será feita em recinto especialmente projetado para esse fim, o qual conterá os equipamentos próprios e adequados à idade da mulher em situação de violência doméstica e familiar ou testemunha e ao tipo e à gravidade da violência sofrida;
II – quando for o caso, a inquirição será intermediada por profissional especializado em violência doméstica e familiar designado pela autoridade judiciária ou policial;
III – o depoimento será registrado em meio eletrônico ou magnético, devendo a degravação e a mídia integrar o inquérito.
Art. 11. No atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a autoridade policial deverá, entre outras providências:
I – garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário;
II – encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal;
III – fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida;
IV – se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar;
V – informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os serviços disponíveis.”
Ademais, há também a preocupação com a recuperação psíquica da vítima, garantindo a sua inclusão em programas assistências do governo, bem como o afastamento do local de trabalho por até seis meses.
“Art. 9o A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso.
- 1o O juiz determinará, por prazo certo, a inclusão da mulher em situação de violência doméstica e familiar no cadastro de programas assistenciais do governo federal, estadual e municipal.
- 2o O juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e familiar, para preservar sua integridade física e psicológica:
I – acesso prioritário à remoção quando servidora pública, integrante da administração direta ou indireta;
II – manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis meses.
- 3o A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar compreenderá o acesso aos benefícios decorrentes do desenvolvimento científico e tecnológico, incluindo os serviços de contracepção de emergência, a profilaxia das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) e outros procedimentos médicos necessários e cabíveis nos casos de violência sexual.”
Logo, como o presente artigo trata da necessidade da criação do benefício assistencial, era dado enfoque ao art. 9º da Lei Maria da Penha.
1.1 AS DIRETRIZES DA ASSISTÊNCIA SOCIAL
Como se sabe, a assistência social, de acordo com a Constituição Federal de 1988, compreende uma das áreas da Seguridade Social, que é destinada a manter a ordem social através do bem estar e da justiça social.
A definição da assistência social está expressa no art. 203 da nossa Constituição de 1988:
“Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II – o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III – a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV – a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;
V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.”
Assim, conclui-se que a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição a seguridade social.
Outrossim, a Lei Orgânica da Assistência Social (Lei Federal nº 8.742/1993), traça também objetivos dos programas assistenciais, in verbis:
“Art. 2o A assistência social tem por objetivos:
I – a proteção social, que visa à garantia da vida, à redução de danos e à prevenção da incidência de riscos, especialmente:
- a) a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
- b) o amparo às crianças e aos adolescentes carentes;
- c) a promoção da integração ao mercado de trabalho;
- d) a habilitação e reabilitação das pessoas com deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; e
- e) a garantia de 1 (um) salário-mínimo de benefício mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família;
II – a vigilância socioassistencial, que visa a analisar territorialmente a capacidade protetiva das famílias e nela a ocorrência de vulnerabilidades, de ameaças, de vitimizações e danos;
III – a defesa de direitos, que visa a garantir o pleno acesso aos direitos no conjunto das provisões socioassistenciais.
Parágrafo único. Para o enfrentamento da pobreza, a assistência social realiza-se de forma integrada às políticas setoriais, garantindo mínimos sociais e provimento de condições para atender contingências sociais e promovendo a universalização dos direitos sociais.”
Cumpre destacar ainda a criação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), instituído no ano de 2005 por meio de resolução do Conselho Nacional da Assistência Social, e posteriormente teve sua continuidade garantida pela Lei nº 12.435 de julho de 2011.
O SUAS é um sistema público com finalidade de organizar os serviços de assistência social no Brasil para proporcionar às famílias em situação de vulnerabilidade ou em risco social e pessoal, garantias de acesso aos programas sociais.
Destarte, os beneficiários da assistência social pública são os indivíduos em vulnerabilidade social, que necessitam de proteção social, isto é, pessoas em condições de fragilidades em decorrência da pobreza, da falta de acesso aos serviços públicos, da inexistência de renda, e da discriminação.
A Lei Orgânica da Assistência Social trata da proteção social como forma de garantia de inclusão a todos os cidadãos que encontram-se em situação de vulnerabilidade, organizando seus serviços através de dois tipos de proteção, quais sejam, a proteção social básica e a proteção social especial.
“Art. 6º-A. A assistência social organiza-se pelos seguintes tipos de proteção:
I – proteção social básica: conjunto de serviços, programas, projetos e benefícios da assistência social que visa a prevenir situações de vulnerabilidade e risco social por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições e do fortalecimento de vínculos familiares e comunitários;
II – proteção social especial: conjunto de serviços, programas e projetos que tem por objetivo contribuir para a reconstrução de vínculos familiares e comunitários, a defesa de direito, o fortalecimento das potencialidades e aquisições e a proteção de famílias e indivíduos para o enfrentamento das situações de violação de direitos.
Parágrafo único. A vigilância socioassistencial é um dos instrumentos das proteções da assistência social que identifica e previne as situações de risco e vulnerabilidade social e seus agravos no território.”
Assim, constatando-se que a Assistência Social possui diversas formas de realização de atendimentos para os distintos grupos de crianças, jovens, mulheres, idosos, pessoas com deficiência, entre outros, não resta dúvidas quanto à possibilidade de aplicação desses benefícios e programas às mulheres vítimas de violência doméstica.
1.2 BENEFÍCIO ASSISTENCIAL APLICÁVEL ÀS MULHERES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
A Assistência social além de promover serviços, programas e projetos destinados direcionados à proteção de direitos, também concede benefício pecuniário, chamados de benefícios assistenciais.
Os benefícios assistenciais são divididos em duas categorias: o Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social (BPC) e os Benefícios Eventuais.
O BPC é a prestação paga pela previdência social que garante a renda de 1 (um) salário mínimo à pessoa idosa com 65 anos ou mais e à pessoa com deficiência de qualquer idade que não possuam meios de prover à própria subsistência ou de tê-la provida por sua família.
Já os Benefícios Eventuais são caracterizados por serem suplementares e temporários, prestados em casos de nascimento, morte, situações de vulnerabilidade provisória e de calamidade pública.
Evidentemente que as mulheres vítimas de violência doméstica se enquadrariam como pessoas em situações de vulnerabilidade provisória, no entanto, apesar da previsão expressa da Lei Maria da Penha sobre a “inclusão da mulher em situação de violência doméstica e familiar no cadastro de programas assistenciais do governo federal, estadual e municipal” e da possibilidade de “manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis meses”, não há legislação específica sobre essas situações, o que na prática vem inviabilizando a execução da medida assistencial contida na Lei Federal nº 11.340/2006.
- O PERFIL DAS MULHERES BRASILEIRAS MAIS AFETADAS PELA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
As pesquisas frequentemente realizadas pelo DataSenado[2] atestam que após a Lei Maria da Penha, a população brasileira passou a ter conhecimento sobre a existência da legislação de proteção à violência doméstica contra mulheres. Entretanto, o mero conhecimento da lei não fez com que as estatísticas da violência contra a mulher no Brasil deixassem de ser consideradas extremamente altas.
Hoje, as estatísticas apontam que aproximadamente uma em cada cinco brasileiras já sofreu algum tipo de violência doméstica ou familiar.
A violência doméstica contra mulheres não escolhe classe social, cor, etnia ou idade, ela existe em qualquer lugar e pode acontecer com qualquer mulher. Todavia, não pode-se deixar de lado que há um certo tipo de mulher brasileira que vem sendo mais atingida pela violência doméstica.
As pesquisas realizadas pelo DataSenado revelam que a maioria das vítimas de violência doméstica possuem baixo nível de escolaridade, cor de pele negra, idade entre 20 a 29 anos, e possuem como agressor seu próprio companheiro ou marido.
“A análise por perfil sociodemográfico revela que são as mulheres com menor nível de instrução as mais atingidas: 27% das respondentes com ensino fundamental informaram que já foram vítimas, percentual que cai para 18% e 12% quando consideradas as mulheres com ensino médio e ensino superior, respectivamente. Também não varia o percentual das que afirmam conhecer alguma mulher que já tenha sofrido agressão. Em 2015, esse percentual foi registrado em 56%, estando dentro da margem de erro em comparação com os anos anteriores.”
“Praticamente metade das brasileiras vítimas de violência doméstica – 49% – teve como agressor o próprio marido ou companheiro. Outras 21% mencionaram ter sido agredida pelo ex-namorado, ex-marido ou ex-companheiro e 3% foram vítimas do namorado. Dessa forma, revela-se que, dentre as mulheres vítimas de violência doméstica, 73% tiveram como opressor pessoa do sexo oposto sem laços consanguíneos e escolhida por elas para conviver intimamente.”
A pesquisa ainda constatou que houve crescimento na taxa de mulheres que não procuram ajuda, e no ano de 2015 uma em cada cinco mulheres não faz nada quando agredida.
E ainda que as vítimas que optaram por não denunciar destacaram como principais motivos a preocupação com a criação dos filhos, o medo de vingança do agressor e acreditar que seria a última vez, a crença na impunidade do agressor e a vergonha da agressão.
Dessa forma, chega-se à conclusão de que o perfil da mulher brasileira mais vulnerável à violência doméstica é a de baixa escolaridade, com idade entre 20 a 29 anos, com cor de pele negra.
- A IMPORTÂNCIA DA AUTONOMIA FINANCEIRA PARA O ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Apesar de não constar expressamente na pesquisa realizada pelo DataSenado, a vulnerabilidade econômica é o fator que mais interfere na inércia das vítimas, uma vez que, considerando o perfil de baixa escolaridade, faixa etária e a preocupação com a criação dos filhos é evidente que a dependência financeira gera a insegurança de viver sem o agressor.
A dependência financeira por si só já coloca a mulher em posição de submissa em relação ao homem, começando a partir daí, em regra, a violência emocional, fazendo com que a mulher se sinta incapaz de alcançar sua autonomia financeira.
Logo, sem independência financeira, as vítimas seguem no relacionamento, acreditando que manter a relação com o agressor é a melhor saída.
De acordo com um levantamento feito entre os anos de 2012 e 2016, pelo Núcleo de Violência Doméstica da Promotoria de Justiça de Taboão da Serra/SP, notou-se que aproximadamente 30% das mulheres que sofrem violência e não denunciam tinham como motivo a dependência econômica do agressor, e não possuíam qualquer perspectiva de trabalho.
Verificou-se ainda que também não possuíam perspectiva de resgate da autoestima e coragem para denunciarem e combaterem a violência física, psicológica, moral, sexual e patrimonial, fazendo com que boa parcela das que estavam empregadas acabassem perdendo seus empregos.
Visualizando essa realidade, o Ministério Público do Estado de São Paulo, em cooperação com o Tribunal de Justiça, Defensoria Pública, OAB, Secretaria Municipal do Trabalho e Empreendedorismo da Prefeitura de São Paulo e ONU Mulheres e em parceria com a iniciativa privada, desenvolveu o Projeto Tem Saída, com o fim de conscientizar e promover a inclusão econômica da mulher vítima de violência doméstica, inserindo-as no mercado de trabalho com prioridade, através de empresas parceiras.
Portanto, não há dúvidas de que a (re) inserção da mulher no mercado de trabalho é mais uma das formas eficazes de prevenção e combate à violência doméstica.
- A NECESSIDADE DE INSTITUIÇÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PARA AS MULHERES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
A inclusão econômica da mulher vítima de violência doméstica é um fator primordial para promover o enfrentamento às agressões. Todavia, é esperado que após ser submetida à violência, a mulher não se encontre emocionalmente preparada para realizar atividades sociais, inclusive manter uma relação de emprego.
De acordo com o Relatório da Violência Doméstica e seu impacto no Mercado de Trabalho e na Produtividade das Mulheres, elaborado pela Universidade Federal do Ceará, no ano de 2017, dezoito dias por ano são as faltas atribuídas às mulheres vítimas de violência, o que gera um prejuízo anual de R$ 1 bilhão para a economia brasileira, sendo que essas mulheres sentem vergonha em assumirem que sofrem violência para seus empregadores e acabam não justificando as faltas, a baixa rentabilidade e falta de concentração, afetando em 50% sua produtividade, gerando a consequente demissão.
Dessa forma, até que as mulheres vítimas de violência doméstica seja inseridas no mercado de trabalho, ou para que as que possuem um emprego possam se recuperar da violência sofrida é necessário que sejam assistidas financeiramente.
Ademais, apesar de existir a possibilidade de fixação pelo juiz de pensão alimentícia provisória à mulher em situação de violência, tal medida não se coaduna com a realidade dos casos de violência contra a mulher no Brasil, especialmente em razão do fato de que a maioria dos agressores e vítimas são jovens de baixa escolaridade.
Observa-se que a Lei Maria da Penha reconhece no seu artigo 9º a possibilidade de inclusão em programas de assistência social e do afastamento do local de trabalho pelo período de até seis meses, mas como incluir em programas e afastar do local de trabalho sem garantir uma autonomia financeira?
É óbvio que onerar o empregador a arcar com os custos de uma empregada que vítima de violência doméstica afastada por seis meses apenas aumentaria a discriminação na contratação de mulheres.
Outrossim, também não adiantaria proporcionar uma boa assistência psicológica sem ao mesmo tempo conceder uma autonomia financeira a fim de quebrar o maior liame entre vítima e agressor.
Destarte, não há dúvida de que a instituição de benefício assistencial para as mulheres vítimas de violência doméstica será um grande aliado ao combate da nossa triste realidade.
- A PROPOSTA DE LEI Nº 8.330/2015
A proposta de Lei n° 8.330/2015 é de autoria do Senador Humberto Costa, que tem como objetivo a criação de benefício assistencial no âmbito do Sistema Único de Assistência Social – Suas, sob a responsabilidade dos entes federados, a ser concedido à mulher vítima de violência doméstica e familiar.
Assim, a intenção do legislador é alterar dispositivos da Lei n° 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), e a Lei n° 8.742/1993 (Loas).
O Senador Humberto Costa justificou o projeto no fato de que, “apesar dos avanços protetivos alcançados pela aprovação da Lei Maria da Penha, ainda é preciso dar à mulher condições de afastar-se de seu agressor e dele não depender na fase de readaptação à vida, mediante a oferta do apoio financeiro indispensável a sua manutenção durante o período de tratamento e readaptação”.
Verifica-se que o projeto em comento é condizente com a realidade brasileira tratada nos tópicos anteriores, vez que se preocupa com a realidade do perfil da mulher brasileira mais atingida pela violência doméstica.
Em 2014, o Projeto de Lei foi aprovado pelo Senado Federal e submetido à revisão pela Câmara dos Deputados, mas até o presente momento encontra-se na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).
Destarte, cumpre transcrever a redação da alteração legislativa aprovada pelo Senado:
“Art. 1° O § 3° do art. 9° da Lei n° 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 9° ………………………………………………………………………………………
- 3° A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar compreenderá:
I – o acesso aos benefícios decorrentes do desenvolvimento científico e tecnológico, incluindo os serviços de contracepção de emergência, a profilaxia das doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) e da síndrome da imunodeficiência adquirida (Aids) e outros procedimentos médicos necessários e cabíveis nos casos de violência sexual;
II- a garantia de recebimento, pelo prazo não inferir a 6 (seis) meses, do benefício eventual que trata o art. 22 da Lei n° 8.742, de 7 de dezembro de 1993 (Lei Orgânica da Assistência Social)” (NR)
Art. 2° O art. 22 da Lei n° 8.742, de 7 de dezembro de 1993 (Lei Orgânica da Assistência Social), passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 4° e 5°:
“Art. 22. …………………………………………………………………………………….
- 4° A situação de vulnerabilidade temporária de que trata o caput deste artigo caracteriza-se pelo advento de riscos, de perdas e de danos à integridade pessoal e familiar, assim entendidos:
I – riscos: ameaça de sérios padecimentos;
II – perdas: privação de bens e de segurança material;
III – danos: agravos sociais e ofensa.
- 5° Os riscos, as perdas e os danos de que trata o § 4° podem decorrer:
I – da falta de:
- Acesso a condições e meios para suprir o sustento do solicitante e de sua família, principalmente a alimentação;
- Documentação;
- Domicílio;
II – da situação de abandono ou da impossibilidade de garantir abrigo aos dependentes;
III – da perda circunstancial decorrente da ruptura de vínculos familiares, da presença de violência física, sexual ou psicológica na família ou de situações de ameaça à vida;
IV – de desastres e de calamidade pública;
V – de outras situações sociais que comprometam a sobrevivência.” (NR)
Art. 3° Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.”
Atualmente, o último andamento do Projeto de Lei atesta que não houveram emendas pela CCJC, e acredita-se que o próximo passo seja a votação no plenário da Câmara.
Acredita-se ainda que, devido as recentes alterações na Lei Maria da Penha, pelas Leis n°s: 13.827/2019, 13.836/2019, 13.871/2019, 13.880/2019, 13.882/2019, 13.894/2019, o momento é bastante propício para apreciação do projeto pela Câmara, sendo bem provável que seja dada maior prioridade a esta iniciativa que possui relevante valor social.
Por fim, destaca-se que o Projeto de Lei apesar de não ter total identidade com a tese aqui defendida, é de gigantesca relevância para que seja efetivada a garantia do art. 9°, § 2°, II, da Lei n° 11.340/2006.
CONCLUSÃO
Não há dúvidas de que a Lei Maria da Penha é um marco histórico na luta ao combate à violência doméstica contra a mulher, e que desde a data de sua promulgação beneficiou muitas vítimas, ao prever procedimentos eficazes para ampara-las.
No entanto, a Lei ainda possui algumas garantias que não são eficazes pelo fato de inexistir regulamentação sobre os meios práticos de referendá-las.
Corriqueiramente, vem sendo aprovadas leis ordinárias alterando ou inserindo novos dispositivos à Lei Maria da Penha, o que mostra preocupação e empenho na busca de maior efetividade da legislação e na mudança dessa tão triste realidade social.
Dentre as garantias ainda ineficazes, citamos aqui a contida no art. 9°, § 2°, II, da Lei n° 11.340/2006, que estabelece a possibilidade de afastamento da mulher do local de trabalho pelo período de até 6 (seis) meses, sem, contudo, instituir qualquer benefício assistencial durante esse período.
Dessa forma, não há dúvidas de que a maioria das mulheres vítimas de violência doméstica ficam impedidas de usufruir dessa garantia, haja vista que a maioria das mulheres brasileiras vítimas de violência doméstica não possuem autonomia financeira para se recuperar afastada do seu ambiente de trabalho, e outras dependem, financeiramente, do seu próprio agressor, gerando, assim, um empecilho à efetividade da Lei.
Contata-se ainda que a dependência econômica da vítima em relação ao agressor, figura como um obstáculo à denúncia.
Assim sendo, entende-se que a instituição de benefício assistencial às mulheres vítimas de violência doméstica irá amparar a mulher com vínculo de emprego, que necessita ser afastada do ambiente de trabalho para se recuperar da violência sofrida, e ainda constituirá grandiosa ferramenta de incentivo à denúncia e combate à perpetuação da violência no lar, deixando de gerar milhares de vítimas fatais.
REFERÊNCIAS
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MANSSUR, Maria Gabriela Prado. Violência doméstica e a autonomia financeira das mulheres. Acesso em 15 de Maio de 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-out-30/mp-debate-violencia-domestica-autonomia-financeira-mulheres
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BRASIL, Senado Federal. Secretaria de Transparência. Observatório da Mulher contra a Violência. Violência doméstica contra a mulher. Pesquisa DataSenado. Junho/2017. Acesso em 02 de Junho de 2019. Disponível em:https://www12.senado.leg.br/institucional/datasenado/arquivos/aumenta-numero-de-mulheres-que-declaram-ter-sofrido-violencia
BRASIL, Senado Federal. Secretaria de Transparência. Observatório da Mulher contra a Violência. Panorama da violência contra as mulheres no Brasil: indicadores nacionais e estaduais. – N. 2 (2018) – Brasília/DF. Acesso em 02 de Junho de 2019. Disponível em: http://www.senado.gov.br/institucional/datasenado/omv/indicadores/relatorios/BR-2018.pdf
BRASIL, Senado Federal. Secretaria de Transparência. Coordenação de controle social. Serviço de Pesquisa DataSenado. Violência doméstica e familiar contra a mulher. Agosto de 2015. Acesso em 12 de maio de 2019. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/institucional/datasenado/pdf/Relatrio_Violncia_Mulher_v9formatado.pdf
ONU MULHERES BRASIL. Fim da violência contra as mulheres. Acesso em 22 de maio de 2019. Disponível em: http://www.onumulheres.org.br/areas-tematicas/fim-da-violencia-contra-as-mulheres/
[1] Advogada. Bacharel em Direito pela Universidade Católica do Salvador. Membro do Instituto Baiano de Direito do Trabalho. Pós-graduada em Direito Previdenciário. E-mail: [email protected].
[2] BRASIL, Senado Federal. Secretaria de Transparência. Coordenação de controle social. Serviço de Pesquisa DataSenado. Violência doméstica e familiar contra a mulher. Agosto de 2015. Acesso em 12 de maio de 2019. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/institucional/datasenado/pdf/Relatrio_Violncia_Mulher_v9formatado.pdf