A revogação da aposentadoria especial do servidor público policial e as regras de transição draconianas previstas na PEC nº 287/2016

Resumo: Pautando-se em um suposto deficit nas contas da previdência social brasileira, o governo apresentou como solução a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 287/2016, que ameaça diversos direitos previdenciários. Uma das mudanças propostas é a revogação da aposentadoria especial e, consequentemente, a aposentadoria excepcional dos policiais poderá ser suprimida, passando esses profissionais, que estão em permanente risco de morte, a se aposentarem submetidos às mesmas regras utilizadas pelos servidores púbicos que não se expõem a perigo. Regras de transição estão previstas, entretanto, apenas se estendem a servidores que na data da promulgação da Emenda, tiverem 50 anos de idade ou mais, se homem, e 45 anos de idade ou mais, se mulher. O empecilho de acesso às regras de transição, calcado exclusivamente na idade, desprezando o tempo de contribuição já vertido, poderá permitir que segurados que na data de promulgação da Emenda, mais haviam contribuído para a previdência, se aposentem com bem mais idade que aqueles que menos haviam contribuído. Além disso, outra situação derradeira, advinda do impiedoso limite etário, é o desrespeito às expectativas de direito daqueles servidores que estão a beira da jubilação e não atingiram a idade mínima requerida para utilizarem as normas que permitiriam uma mudança gradativa. Os princípios da igualdade, razoabilidade, confiança legítima e da boa-fé objetiva são quebrados, conjuntura que não pode prevalecer, independentemente, da categoria profissional, sobretudo, quando estamos diante de servidores públicos policiais.

Palavras-chave: Reforma da Previdência. Aposentadoria. Policial. Direitos Expectados

1 INTRODUÇÃO

Com o implemento de ações de políticas públicas e devido aos avanços tecnológicos, a população está envelhecendo. A quantidade de pessoas com idade avançada está crescendo e a tendência é que teremos maior número de pessoas sob a proteção da seguridade social brasileira. Nesse passo, sem entrar no mérito, o governo entendeu que da forma como está estruturado, o sistema previdenciário é insustentável, que uma significativa reforma é imprescindível para evitar um colapso e permitir que os atuais e futuros segurados possam ter garantidos seus benefícios.

O Poder Executivo apresentou à Câmara dos Deputados a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 287 de 2016, que sugere uma modificação consubstancial na Carta Maior, no âmbito da seguridade social, e vários direitos previdenciários conquistados ao longo de muitos anos estão em xeque.

Vamos tratar neste artigo científico, especificamente, das alterações ofertadas que afetam a concessão da aposentadoria dos servidores públicos policiais e as regras de transição, que na sua essência deveriam amenizar os rigores da reforma, mitigando diferenças entre o que hoje está em vigor e o que se pretende estabelecer. Não entraremos nas nuances que dizem respeito a paridade e integralidade de vencimentos.

É plausível que servidores públicos policiais não possuam uma aposentadoria especial?

As regras de transição propostas estão cumprindo seu objetivo ou não passam de regras draconianas?

A PEC considera as expectativas de direitos daqueles servidores públicos policiais que estão próximos da aposentadoria?

Os direitos expectados gozam de alguma proteção?

A análise, discussão e publicidade da proposição desenvolvida é atual e importante, porque estamos vivenciando um momento de factível metamorfose dos direitos previdenciários constitucionalmente previstos.

O estudo foi calcado na técnica de pesquisa bibliográfica.

Tem o objetivo de difundir conhecimento a toda sociedade interessada e  enriquecer com subsídios contundentes, principalmente, os atores relacionados diretamente com a reforma.

2 A ATUAL APOSENTADORIA DO SERVIDOR PÚBLICO POLICIAL

A aposentadoria é o afastamento das atividades laborativas do segurado vinculado a previdência social, que pode se dar, atualmente, em virtude da idade, da invalidez, do tempo de contribuição, ou ainda, de forma especial, em situações excepcionais.

Salvo a aposentadoria por invalidez, que é uma espécie de aposentadoria não cobiçada, o universo de pessoas que passam a vida aguardando a tão sonhada aposentadoria é desmedido.

Conforme preleciona Marcelo Barroso Lima Brito de Campos, são quatro os regimes previdenciários que compõem a previdência social brasileira:

“Atualmente, a República Federativa do Brasil possui quatro espécies de regimes previdenciários:

a) o regime geral de previdência social (RGPS);

b) os regimes próprios de previdência social dos servidores públicos (RPPS);

c) os regimes de previdência social dos militares das forças armadas e militares estaduais (RPSM);

d) o regime de previdência complementar (RPC)”. (CAMPOS, 2016, p. 59)

O regime próprio de previdência social do servidor (RPPS) está inserido no artigo 40 da Constituição Federal (CF), de onde abstraímos que ele se aplica aos servidores públicos ocupantes de cargo efetivo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

“Entende-se por regime previdenciário aquele que abarca, mediante normas disciplinadoras da relação jurídico-previdenciária, uma coletividade de indivíduos que têm vinculação entre si em virtude da relação de trabalho ou categoria profissional a que está submetida, garantindo a esta coletividade, no mínimo, os benefícios essencialmente observado em todo o sistema de seguro social – aposentadoria e pensão por falecimento do segurado”. (LAZZARI [et al.], 2015, p. 60)

No artigo 40, parágrafo 4º, inciso II, da CF, encontramos a possibilidade de definição em Lei Complementar (LC), de requisitos e critérios diferenciados dos servidores em geral, para a aposentadoria de servidores que exercem atividade de risco e aqui se enquadram os Servidores Públicos Policiais.

Policiais Federais, Rodoviários Federais, Ferroviários Federais e Policiais Civis tiveram suas aposentadorias regulamentadas pela LC nº 51 de 1985, alterada pela LC nº 144 de 2014. Policiais Militares são regidos por uma legislação própria, porque não são Servidores Públicos.

Hodiernamente, o Servidor Público Policial pode se aposentar voluntariamente após 30 anos de contribuição, sendo necessário que 20 anos seja de exercício em cargo de natureza estritamente Policial e a Servidora Pública Policial poderá se aposentar voluntariamente após 25 anos de contribuição, sendo necessário que 15 anos seja de exercício em cargo de natureza estritamente policial.

3 A REVOGAÇÃO E O PROPOSTO PARA APOSENTADORIA POLICIAL

O artigo 24, I, a, da PEC 287/2016, propõe a revogação do artigo 40, parágrafo 4º, inciso II, da CF, extinguindo a aposentadoria especial dos servidores que exercem atividades de risco. Assim, a aposentadoria diferenciada do policial poderá ser revogada, sendo colocada num patamar comum, ignorando as particularidades que circundam a função. Policiais se submeterão às regras gerais exigidas a qualquer outro servidor, vale dizer, poderão aposentar, voluntariamente, aos 65 anos de idade, desde que contem com 25 anos de contribuição e tenham cumprido o tempo mínimo de 10 anos de efetivo exercício no serviço público e 5 anos no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria, conforme os novos termos sugeridos para o artigo 40, parágrafo 1º, inciso III, da CF.

Propostas de Emenda Constitucional são instrumentos para atualizar o texto Constitucional, contudo é importante salientar que trata-se de poder constituinte derivado e não originário. Possui limites.

“Trata-se de um processo de modificação formal da Constituição, por meio do qual se busca evitar a chamada fossilização dos textos constitucionais. Todavia, esse mesmo processo pode implicar indesejável desnaturalização da Constituição, podendo desvirtuá-la em sua essência, princípios e valores subjacentes. Por esse motivo, o próprio texto constitucional limita o exercício desse poder reformador”. (CRUZ; CRUZ; DALAZOANA, 2016, p. 131)

 (JÚNIOR; NOVELINO, 2010, p. 74) nos explicam que “o devido processo legal substantivo se dirige, em um primeiro momento, ao legislador, constituindo-se em um limite à sua atuação, que deverá pautar-se pelos critérios de justiça, razoabilidade, e racionalidade”.

O artigo 2º da Proposta de Emenda traz normas de transição, que apenas uma casta de servidores públicos terão acesso. Somente aqueles que na data da promulgação da Emenda tiverem 50 anos de idade ou mais, se homem, e 45 anos de idade ou mais, se mulher, poderão utilizar a norma intermediária. Esses servidores poderão aposentar com 60 anos de idade, se homem, e 55 anos de idade, se mulher, desde que tenham 35 anos de contribuição, se homem, e 30 anos de contribuição, se mulher, possuam 20 anos de efetivo exercício no serviço público, 5 anos de efetivo exercício no cargo em que se der a aposentadoria e cumpram um período adicional de contribuição equivalente a 50% do tempo que, na data da promulgação da Emenda, faltaria para atingir 35 anos de tempo de contribuição, se homem, e 30 anos de tempo de contribuição, se mulher.

Para Policiais, que já tenham atingido os limites de idade mínima, 50 anos se homem e 45 anos se mulher, será permitido uma redução em 5 anos no requisito idade e uma redução em 5 anos no requisito tempo de contribuição. Entretanto, para fazer uso dessa redução, deverão contar com 20 anos ou mais de efetivo exercício em cargo de natureza estritamente policial. Para esses Policiais as condições para a aposentadoria serão:

– 55 anos de idade, se homem, e 50 anos de idade, se mulher;

– 30 anos de contribuição, se homem, e 25 anos de contribuição, se mulher;

– 20 anos de efetivo exercício em cargo de natureza estritamente policial;

– 5 anos de efetivo exercício no cargo em que se der a aposentadoria e

– período adicional de contribuição equivalente a 50% do tempo que, na data de promulgação desta Emenda, faltaria para atingir 30 anos de contribuição, se homem, ou 25 anos de contribuição, se mulher

4 CASOS POSSÍVEIS DECORRENTES DAS ALTERAÇÕES

A previsão dos limites de idades para ter acesso às normas de transição,  podem gerar situações, onde segurados que menos contribuíram para a previdência se enquadrarão nas regras de transição, enquanto segurados que mais contribuíram poderão ficar às margens da norma menos gravosa, já que foi estabelecido um critério de cisão que se baseia exclusivamente na idade.

Pode ocorrer, por exemplo, que um homem tenha trabalhado dos 16 aos 30 anos de idade, quando ingressa na atividade policial. Apesar de ter trabalhado por 14 anos de forma remunerada, possui apenas 6 anos e 8 meses de tempo contribuição, vertidos para o RGPS, na condição de segurado contribuinte individual. Dos 14 anos laborados, ele deixou de recolher aos cofres públicos mais da metade das contribuições. Supondo que na data da promulgação da PEC nº 287/2016, ele possua 50 anos de idade e 20 anos de atividade estritamente policial, estará dentro da regra de transição. Para aposentadoria ele terá que cumprir um adicional de tempo de contribuição de 50% do período que faltaria para atingir os 30 anos de contribuição, necessários para a aposentadoria na atividade de risco policial. Faltariam 3 anos e 4 meses, o pedágio seria metade, 1,5 anos e 2 meses. Ele teria que trabalhar, somando esses períodos, 4,5 anos e 6 meses, ou seja, 5 anos.

Ele sonega mais de 7 anos, é contemplado com a regra de transição e poderá se aposentar aos 55 anos de idade, com um total de 31 anos e 8 meses de tempo de contribuição.

No entanto, pode ocorrer que um outro homem, em condições parecidas, que  tenha iniciado sua vida laboral aos 15 anos de idade e aos 29 anos tenha ingressado na atividade policial. Apesar de não ter trabalhado de forma remunerada durante os 14 anos, constam 14 anos de tempo contribuição vertidos para o RGPS, ora na condição de segurado contribuinte individual, ora na condição de segurado facultativo. Por ser muito correto, enquanto contribuinte individual, cumpriu sempre suas obrigações previdenciárias, não deixou de recolher, nenhuma competência. Por confiar no sistema, o período em que ele não trabalhou, fez questão de contribuir como facultativo. Assim, no lapso temporal de 14 anos, ele contribuiu 14 anos. Supondo que na data da promulgação da Emenda 287/2016, ele possua 49 anos de idade, não estará dentro da regra de transição. Possui os 20 anos de atividade estritamente policial, mas não os 50 anos de idade. Com as mudanças será necessário para a aposentadoria, que ele atinja a idade mínima de 65 anos. Terá que trabalhar por mais 16 anos.

Ele cumpre suas obrigações, confia no sistema previdenciário brasileiro, não é contemplado com as regras de transição e apenas poderá se aposentar aos 65 anos de idade, com total de 50 anos de tempo de contribuição.

Observe, o que havia contribuído bem mais para a previdência, somente poderá se aposentar 10 anos mais tarde, com quase 20 anos a mais de tempo de contribuição, que o que havia contribuído menos.

Podem ocorrer outras situações.

Pode ocorrer que dois amigos, com 30 anos, com diferença de poucos meses de idade, ingressem juntos na Polícia, quando possuem 6 anos e 8 meses de tempo de contribuição vertidos para o RGPS. Passam-se em torno de 20 anos e na data da promulgação Emenda nº 287/2016, somente o que nasceu primeiro possui 50 anos e poderá usar as regras de transição. Para aposentadoria precisará cumprir um adicional de tempo de contribuição de 50% do período que faltaria para atingir os 30 anos de contribuição, necessários para a aposentadoria policial. Faltariam 3 anos e 4 meses, o pedágio seria metade, ou seja, 1,5 anos e 2 meses. Ele precisaria trabalhar, somando esses períodos, 4,5 anos e 6 meses, que equivalem a 5 anos.

Um é contemplado com a regra de transição e conseguirá aposentar aos 55 anos de idade, com um total de 31 anos e 8 meses de contribuição. Porém, o outro, pela diferença de apenas poucos meses, não terá direito às regras menos gravosas. Com as mudanças, somente conseguirá aposentar aos 65 anos de idade, com aproximadamente, 41 anos e 8 meses de contribuição.

Outro exemplo.

Pode ocorrer que a Emenda nº 287/2016 seja promulgada às vésperas do dia em que se aposentaria um policial que ainda não possui 50 anos de idade. Ele não se enquadra nas regras de transição e não adquire o direito à aposentadoria. Por apenas 1 dia os requisitos necessários à aposentadoria não foram cumpridos e ele não poderá fazer uso das regras de transição. Para se aposentar, será necessário que atinja a idade mínima de 65 anos.

5 NORMAS DE TRANSIÇÃO E PRINCÍPIOS

Com o novo modelo proposto, a aposentadoria por idade e a por tempo de contribuição, se fundem em uma só e deixam de existir isoladamente. Porém, para homens e mulheres que não atingiram a idade mínima para se enquadrarem nas regras de transição, a aposentadoria por tempo de contribuição é tratada como se nunca tivesse existido e não apenas como se deixasse de existir daqui para frente. Ela é totalmente desconsiderada e segurados com histórico previdenciário semelhante ou bem próximo da jubilação, poderão ter tratamento bem diferenciado.

No artigo 5º, caput, da CF está insculpido o princípio da igualdade que dita que todos são iguais perante a lei. Nesse prisma, valem as ponderações de Dirley da Cunha Júnior e Marcelo Novelino:

“Com finalidade de impedir discriminações e privilégios arbitrários, preconceituosos, odiosos ou injustificáveis, o constituinte originário consagrou expressamente neste dispositivo a igualdade formal, princípio que impõe seja conferido um tratamento isonômico a todos a todos os seres de uma mesma categoria essencial”. (JÚNIOR; NOVELINO, 2010, p. 24)

Alexandre de Moraes nos ensina que:

“O princípio da igualdade consagrado pela constituição opera em dois planos distintos. De uma parte, frente ao legislador ou ao próprio executivo, na edição, respectivamente, de leis, atos normativos e medidas provisórias, impedindo que possam criar tratamentos abusivamente diferenciados a pessoas que encontram-se em situações idênticas […].” (MORAES, 2005, p. 32)

Inúmeros policiais que, a título de exemplo, já tenham cumprido 28 anos, ou seja, 10080 dias, que estão bem próximo dos 10800 dias necessários para aposentadoria com 30 anos de tempo contribuição, ou seja, que já tenham percorrido mais de 90% do caminho, poderão ter seus anseios postergados.

Esses policiais depositaram confiança no sistema previdenciário, acreditaram na segurança jurídica da relação. O elo que une o policial ao seguro estatal, por si só, é resistente e com o passar dos anos se torna muito mais robusto, não se trata de um vínculo ordinário.

Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco sustentam que:

“A ideia de segurança jurídica tornaria imperativa a adoção de cláusulas de transição nos casos de mudança radical de um dado instituto ou estatuto jurídico. Essa é a razão pela qual se considera, em muitos sistemas jurídicos, que, em casos de mudança de regime jurídico, a ausência de cláusulas de transição configura uma omissão inconstitucional”. (MENDES; BRANCO, 2014, p. 315)

Realmente, aqueles que ainda não cumpriram os requisitos da aposentadoria, não possuem direito de adquiri-la, mas a expectativa de gozar o merecido descanso sempre existiu e cresce com o tempo.

A expectativa de direito de quem mal entrou para o sistema, é bem mais tênue que a expectativa de direito de quem possui uma história previdenciária extensa. Aquela é apenas uma mera expectativa, esta uma expectativa de direito encorpada, porque foi ganhando musculatura.

Para o Doutor Marcelo Barroso Lima Brito de Campos essas expectativas de direito de forte propensão são direitos expectados e ele os define como sendo “direitos com acentuado grau de proximidade de se consolidar em direitos adquiridos”. ((CAMPOS, 2016, p. 252)

Projetos são idealizados em função do planejamento desse tão importante benefício previdenciário programável e cada vez mais próximo da aposentadoria, maior a expectativa de direito do segurado.

Nas linhas de Marco Aurélio Serau Júnior:

“Apenas direitos adquiridos ou já constituídos gozam de proteção jurídica, inclusive de ordem constitucional. Os direitos ainda em formação, denominados meras expectativas de direitos, não são dotados de garantias jurídicas. Porém, em matéria previdenciária, esse panorama revela-se complexo e por vezes perverso”. (SERAU JÚNIOR, 2015, p. 112)

Conforme aduz Marcelo Barroso Lima Brito de Campos:

“A ordem jurídica muito trata sobre a proteção dos direitos adquiridos, vedando, por exemplo, que a lei retroaja para prejudicá-lo. (CF, artigo 5º, XXXVI). Igual disposição constitucional, de forma expressa, não protege os direitos expectados, levando um incauto a crer que, por isso, eles estão desprotegidos, o que não se pode admitir”. (CAMPOS, 2012, p. 101)

José dos Santos Carvalho Filho tece considerações a respeito da doutrina moderna de proteção às expectativas fomentadas pelo próprio estado:

“Doutrina moderna, calcada inicialmente no direito alemão e depois adotada no direito comunitário europeu, advoga o entendimento de que a tutela da confiança legítima abrange, inclusive, o poder normativo da Administração, e não apenas os atos de natureza concreta por ela produzidos. Cuida-se de proteger expectativas dos indivíduos oriundas da crença de que disciplinas jurídico-administrativas são dotadas de certo grau de estabilidade. Semelhante tutela demanda dois requisitos: (1º) a ruptura inesperada da disciplina vigente; (2º) a imprevisibilidade das modificações. Em tais hipóteses, cabe à Administração adotar algumas soluções para mitigar os efeitos das mudanças: uma delas é a exclusão do administrado do novo regime jurídico; outra, o anúncio de medidas transitórias ou de um período de vacatio; outra, ainda, o direito do administrado a uma indenização compensatória pela quebra da confiança decorrente de alterações em atos normativos que acreditava sólidos e permanentes. É claro que a matéria ainda está em fase de estudos e desenvolvimento, mas, inegavelmente, constitui uma forma de proteger a confiança e as expectativas legítimas na estabilidade normativa, desejável em qualquer sistema jurídico”. (CARVALHO FILHO, 2009, p. 36)

(BARROSO, 2004, p. 58 apud IBRAHIM, 2015, p. 815) destaca que “regras transitórias, como se sabe, existem como forma de adequar o regime jurídico vigente a novas realidades, com transição razoável de forma a preservar a confiança e a boa-fé que regem a relação entre Administração e administrados”. (grifo nosso)

O artigo 5º, caput, da CF, prevê a inviolabilidade da segurança, o que engloba a segurança jurídica.

A segurança jurídica pode se apresentar na sua feição objetiva ou na sua feição subjetiva. O direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, revelam a segurança jurídica no seu aspecto objetivo. Já o aspecto subjetivo da segurança se revela na confiança legítima. A estabilidade não pode apenas ficar adstrita às situações já consolidadas, vale dizer, direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada. Definitivamente não. A segurança jurídica deve ser interpretada no sentido integral, de forma que proteja a confiança legítima, sendo inclusive observada no processo de elaboração da norma. (CAMPOS, 2012, p. 109)

A boa-fé é um princípio geral do direito, no dizer de (GAGLIANO; FILHO, 2006, p. 64) “a boa-fé se traduz em um princípio de substrato moral, que ganhou contornos e matiz de natureza jurídica cogente”.

A boa-fé subjetiva está relacionada com o próprio agente, é uma questão de foro íntimo, de conhecimento ou não de algum fato jurídico.

A boa-fé objetiva, que é a que nos interessa, que fundamenta a proteção dos direitos expectados, refere-se a um comportamento reto, de mútuo respeito na relação jurídica. (GAGLIANO; FILHO, 2006, p. 65) “consiste em uma verdadeira regra de comportamento, de fundo ético e exigibilidade jurídica”.

6 CONCLUSÃO

Conforme exposto, na visão do governo, por entender que a previdência social brasileira se encontra deficitária, apresentou a PEC 287/2016 e propõe uma relevante alteração nos direitos previdenciários.

Uma das mudanças sugeridas é a revogação da aposentadoria especial e, consequentemente, servidores públicos policiais poderão não ter mais aposentadoria excepcional, sendo submetidos aos mesmos requisitos exigidos a todos servidores públicos.

Policiais deixam seus lares e nunca sabem se voltam. Policiais vão ao trabalho, despedem de suas esposas, maridos e filhos, sempre com a sensação que há um risco real da sua vida ser levada a cabo naquele dia e que aquele pode ser o último beijo ou abraço. A exposição dos policiais ao risco não é casual, é uma exposição inevitável, que não há possibilidade de ser furtada. Onde quer que esteja, será policial e sempre terá o dever de agir, sua posição de garantidor lhe impõe a inexorável obrigação de, pelo menos, tentar evitar o resultado, sob pena de responder por ele. A atividade policial deve ser tratada com respeito pelo governo, principalmente, no que diz respeito a concessão de aposentadoria. Assim, indubitavelmente, fazem jus à aposentadoria especial.

. Regras de transição, específicas para policiais foram previstas, mas mesmo com essa possibilidade, ainda fica muito penoso, porque ocorre uma importante majoração em relação aos requisitos que são exigidos para a aposentadoria atualmente. Além disso, ainda existem os limites etários, que erroneamente se baseiam apenas na idade cabalisticamente estabelecida, que podem impedir o acesso às normas mais brandas e podem gerar situações esdrúxulas.

Os exemplos de casos possíveis decorrentes das alterações, apresentados no desenvolvimento do artigo, são situações que muito provavelmente acontecerão e que ferem de morte os princípios da igualdade, da razoabilidade, da confiança legítima e da boa-fé objetiva.

O princípio da isonomia ou igualdade reclama que devemos tratar de forma igual os iguais e de forma desigual os desiguais. A PEC 287/2016 propicia que segurados com histórico previdenciário congênere tenham tratamento diferente. Logo, ataca o princípio da isonomia. Se a situação jurídica é semelhante não deve haver distinção de qualquer natureza.

Não é razoável que por apenas 1 dia, segurados possam ter que trabalhar anos para se aposentarem, como em uma das hipóteses apresentadas, principalmente, quando esse servidor exerce atividade de risco policial. Totalmente, desarrazoado, não existe proporcionalidade.

Normas de transição são pontes e não muros a segregar situações análogas que ensejam remédios jurídicos semelhantes. Como foram apresentadas não passam de normas draconianas.

A convicção na solidez do sistema que o agente policial tem é maior que a de qualquer outro administrado, porque para garantir a segurança da sociedade e o cumprimento das leis, mais que ninguém, o Policial precisa acreditar fielmente na estabilidade do ordenamento jurídico do seu país.

Será extremamente danoso ignorar o passado previdenciário dos agentes policiais, porque, atualmente, possuem aposentadoria especial, sem limite de idade, e que sem sombra de dúvidas serão deveras prejudicados com a reforma. Pela PEC 287/2016, seus direitos expectados serão menosprezados. A confiança será quebrada e, consequentemente, a segurança jurídica ofendida.

 Chega ter requintes de crueldade ofertar normas que propiciam aniquilar a aposentaria de servidores policiais que estão próximos da jubilação. No entanto, não podemos aceitar a concepção que esses direitos expectados estão ao relento.

Direitos expectados estão tutelados pelo princípio da confiança legítima e pelo princípio da boa-fé objetiva. Regras de transição razoáveis, que contemplem os titulares de expectativas de direitos autênticas, devem ser previstas em respeito a esses princípios.

O comportamento de mudar as regras do jogo, próximo do final da partida, não tem nada de probo. Mudar as regras da aposentadoria desconsiderando os direitos expectados vai de encontro a confiança legítima e a boa-fé objetiva.

É de saltar aos olhos que a PEC nº 287/2016 precisa ser amplamente debatida com a sociedade, a fim de que todos segurados possam ter uma aposentadoria com equidade, em especial, os policias, que exercem atividade de risco especialíssima permanente, diferenciada de qualquer outra profissão.

 

Referências
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Informações Sobre os Autores

Marcelo Ferreira dos Reis

Servidor Público Federal. Bacharel em Direito. Pós-graduado em Direito da Administração Pública. Pós-graduando em Direito da Seguridade Social

Carlos Alberto Vieira de Gouveia

Carlos Alberto Vieira de Gouveia é Mestre em Ciências Ambientais e Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais; Vice-Presidente para a área Previdenciária da Comissão Direitos e Prerrogativas e Presidente da Comissão de Direito Previdenciário ambas da OAB-SP Coordenador do curso de pós-graduação em Direito Previdenciário da Faculdade Legale


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