Resumo: O presente trabalho tem como finalidade demonstrar que a legislação aplicada – Decreto 260/70 – ao caso em tela está em total descompasso com a atual Constituição Federal, ferindo, desta forma, o direito a aposentadoria especial dos Policiais Militares do Estado de São Paulo após 25 anos de efetivo serviço na carreira.
Palavras – Chave: Aposentadoria Especial. Policiais Militares do Estado de São Paulo. Decreto Lei 260/70. Inconstitucionalidade. Não recepção pela Constituição Federal de 1988. Aplicação subsidiária da Lei 8.213/91.
Abstract: The purpose of this paper is to demonstrate that the legislation applied to the case under review is in complete disagreement with the current Federal Constitution, thus harming the right to special retirement of the Military Police of the State of São Paulo after 25 years of effective service in the career.
Keywords: Special Retirement. Military Police Officers of the State of São Paulo. Decree Law 260/70. Unconstitutionality. Non-receipt by the Federal Constitution of 1988. Subsidiary application article 59 of Law 8,213 / 91.
Introdução
Este artigo tem como objetivo apresentar aos leitores a impossibilidade de utilização do Decreto Lei paulista, como fundamento legal da aposentadoria especial dos Policiais Militares, uma vez que deve ser declarado inconstitucional.
Previdência Social, Conceito.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 6º descreve os direitos sociais – direitos à educação, à saúde, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção à maternidade e à infância, à assistência aos desamparados. E, observando esse dispositivo, é de fácil constatação que a Previdência Social faz parte destes direitos sociais.
Mas, o que são Direitos Sociais?
Para responder a essa pergunta, socorro-me da lição do ilustre jurista José Afonso da Silva[1], que assim ensina: “Prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade.”
Logo, podemos concluir que os direitos sociais são os direitos de igualdade, que fazem com que o Estado aja de forma positiva, a fim de garantir o mínimo de dignidade a todos os seus cidadãos.
Considerando que os direitos sociais devem garantir um mínimo de dignidade da pessoa humana, eles são considerados como cláusulas pétreas em nossa Constituição, ou seja, são imutáveis, uma vez que são fundamentais para a existência e garantia da vida social e humana.
Diante dessa amplitude dos direitos sociais, em especial o da Previdência Social, devo destacar que a eles estão inseridos em nosso texto Constitucional em conjunto com políticas de saúde e assistência social, fazendo a composição do grande sistema da Seguridade Social, nos termos do artigo 194 da Constituição Federal, que assim dispõe:
Nesse sentido, o texto Constitucional (artigo 201 e 203) definiu, em características bem marcantes o conceito entre Assistência Social e Previdência Social, para que não houvesse qualquer margem para confusão entre suas atribuições e atuação.
E, para não perder a linha deste trabalho, descrevo o que vem a ser a Previdência Social, nos exatos termos do art. 201 da CF/88, a saber: “a previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial”.
Do exposto, é de concluir que a Previdência Social funciona como uma contribuição individual e obrigatória, que mantém um sistema social de auxílio financeiro e holístico (uma vez que mantém terapias) para os momentos em que seus “contribuintes” / filiados possam utiliza-los nos momentos de enfermidades.
Regimes Previdenciários
No Brasil, a Previdência Social no Brasil é composta por três tipos de regimes:
a) Regime Geral de Previdência Social (RGPS): operado pelo INSS, uma entidade pública e de filiação obrigatória para os trabalhadores regidos pela CLT;
b) Regime Próprio de Previdência Social (RPPS): instituído por entidades públicas –Institutos de Previdência ou Fundos Previdenciários e de filiação obrigatória para os servidores públicos titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; e
c) Regime de Previdência Complementar: operado por Entidades Abertas e Fechadas de Previdência Complementar, regime privado, com filiação facultativa, criado com a finalidade de proporcionar uma renda adicional ao trabalhador, que complemente a sua previdência oficial.
Para manter uma linha de coerência e segurança deste trabalho, abordarei apenas e tão somente os Regimes Geral e Próprio que estão intimamente ligados ao deslinde deste trabalho.
Podemos definir o Regime Geral da Previdência Social como um sistema contribuitivo/retributivo que contempla todos os trabalhadores que não estão vinculados ao Regime Próprio (servidores públicos) e que, contribuem mensalmente para esse sistema a fim de ter, quando necessário, uma contrapartida – seja ela financeira (benefícios previdenciários) ou de serviço (reabilitação profissional).
Já o Regime de Previdência do Servidor Público está devidamente disposto no artigo 40 e seus incisos da Constituição Federal, onde se encontra a principal diferença do Regime Geral, qual seja, titulares de cargos efetivos, seja da União, dos Estados, dos Municípios, do Distrito Federal, incluindo-se aí, suas autarquias e fundações.
Assim, de forma bem resumida, definimos os dois regimes para que possamos adentrar ao tema em questão.
Muito se tem dito sobre a aposentadoria especial do Servidor Público, aqui destacamos o Estadual, em especial o Policial Militar.
Aposentadoria Especial dos Servidores Públicos
Após alguns anos de debate, chegou ao Supremo Tribunal Federal, questão iniciada no Estado de São Paulo, onde discutia-se sobre a possibilidade de aplicação das regras do regime geral da previdência social sobre aposentadoria especial prevista no artigo 40, § 4º, inciso III da Constituição Federal, até a edição de legislação específica. Diante das considerações apontadas no caso e, após longo debate, o Supremo editou a Súmula Vinculante nº 33, que assim dispõe:
Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do regime geral da previdência social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, § 4º, inciso III da Constituição Federal, até a edição de lei complementar específica.
Com a edição da referida Súmula, muitos servidores estaduais ingressaram com ações fundadas na referida súmula para fins de aplicação, no que couber, das regras do regime geral da previdência para fins de aposentadoria especial.
Ocorre que essa súmula, de acordo com o entendimento firmado no próprio STF[2], não pode ser aplicada ao Policial Militar, uma vez que, conforme apontado neste julgamento, os Policiais Militares e Bombeiros Militares possuem legislação específica sobre o tema. Contudo, em que pese esse entendimento, posiciono-me, ainda que talvez solitário, ao lado diretamente oposto do entendimento firmado, como será defendido.
Porém, antes de apresentar minha tese, faço aqui breves considerações sobre as idas e vindas sobre o tema dentro do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Vejamos.
Um Policial Militar ingressou com um mandado de injunção[3], requerendo sua aposentadoria especial após 25 anos de serviço dentro da corporação. Utilizou como fundamentação a ausência de legislação específica. Na ocasião, o Desembargador Renato Nalini, observando a identidade de caso, reconheceu que todos os servidores públicos estaduais, que exerçam atividades de risco ou insalubre, poderiam reclamar diretamente à Administração Pública o direito de se aposentarem após 25 anos de serviço. Nessa decisão, o Desembargador abrangeu o policial militar, veja-se:
“[…] Todo o funcionalismo bandeirante pode se beneficiar da decisão então proferida, pois este Colendo Órgão Especial perfilhou a mais lúcida e abrangente orientação de que ao Judiciário incumbe fazer valer a Constituição e não apenas declarar a mora do Poder omisso. […] Nada se criou, pois foi o constituinte que disciplinou a aposentadoria especial a que o servidor tem direito. Por isso é que o efeito erga omnes que deflui do julgamento mencionado e acompanhado em outros precedentes, conforme assinala a Ilustrada Procuradoria Geral de Justiça, já estendeu ao impetrante o direito que pretendeu obter por esta injunção. Não desconhece o Governo o teor dessas decisões exaradas no âmbito do Colendo Órgão Especial e, portanto, qualquer servidor interessado poderá delas se valer, bastando recorrer administrativamente ao seu superior hierárquico[…]”.
Noutro caso semelhante, o Desembargador Artur Marques, ao julgar outro mandado de injunção[4], impetrado por outro policial militar, decidiu que a decisão proferida nos autos do mandado de injunção nº 168.151.0/5-00, se aplicaria a ele, uma vez que se trata de policial militar, que é servidor público. Vejamos parte do voto:
“[…] como já houve reconhecimento do direito de o servidor público estadual, civil ou militar, obter a contagem de tempo de serviço especial na razão direta da periculosidade a que se encontra exposto, […].
E, o acórdão restou assim ementado:
“Mandado de Injunção – Regulamentação de aposentadoria especial – servidor público estadual – policial militar – direito reconhecido com efeito “erga omnes” em impetração precedente – impetração prejudicada. O policial militar é, para todos os efeitos, servidor público estadual (art 42, CF) e ainda seu regime estatutário seja diferenciado em relação aos servidores civis, submete-se, à míngua de regramento especifico, aos mesmos critérios para aposentadoria especial estabelecidos ao servidor civil, como se infere do art 138, § 2º c/c art 126, § 4º, ambos da Constituição Bandeirante. Nesse caso, como já houve reconhecimento do direito de o servidor público estadual, civil ou militar, obter a contagem de tempo de serviço especial na razão direta da periculosidade a que se encontra exposto (art 57, da Lei nº 8213/91), resta que apresente impetração encontra-se irremediavelmente prejudicada.”
Em que pesem estas decisões, posteriormente este mesmo Tribunal de Justiça, radicalizou e passou a decidir a mesma questão de forma diferenciada, sob o fundamento de que o Policial Militar e os Bombeiros Militares tinham legislação específica para a aposentadoria especial, não padecendo de inércia legislativa trazendo ao cerne destes novos entendimentos o Decreto Lei bandeirante 260/70[5], que fixou em 30 anos o tempo de serviço necessário para aposentadoria voluntária com vencimentos integrais.
Apenas para ilustrar, destaco os seguintes julgados:
Mandado de Injunção na 990.10.037531-8, da Comarca de São Paulo, impetrante o policial militar Antônio Adriano Santoni, Desembargador Relator BARRETO FONSECA:
“[…] Todos os militares do Estado percebem o adicional de insalubridade, criado pela Lei complementar paulista nº 432, dos 18 de dezembro de 1985, com base no Boletim Geral ns. 140, dos 27 de julho de 1992, o que demonstra que as atividades de risco por eles exercidas, ou as atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, já foram consideradas quando o Decreto-lei paulista nº 260/70 fixou em trinta anos o tempo de serviço necessário para a aposentadoria voluntária com vencimentos integrais.[…]”
O curioso é que neste mesmo julgamento, o Desembargador Renato Nalini, reviu seu voto outrora dado sobre o tema e acompanhando, integralmente, o voto condutor do relator, reescreveu seu posicionamento, nestes termos:
“[…] O regime de previdência dos policiais militares, em São Paulo, se rege pelo decreto-lei 260, de 29 de maio de 1970. A praça, que é o caso do autor, è reformada com trinta anos de efetivo serviço, com vencimentos e vantagens integrais da graduação. Veja-se o art. 28. Quer dizer que a aposentadoria especial, possível tanto para os servidores federais como estaduais, não se estende para os policiais militares. E não se aplica por motivo muito simples. Eles já possuem aposentadoria especial. Enquanto os servidores civis (vale para os federais e para os estaduais), para a aposentadoria por tempo de contribuição, precisam cumprir quatro requisitos (35 e 30 anos de contribuição, 60 e 55 de idade, respectivamente homem e mulher, 10 de serviço público e 5 no cargo), o policial militar apenas necessita de um, 30 anos de contribuição, seja homem ou mulher.[…]”
Em outro mandado de injunção[6], impetrado por policial militar, sob a regência do Desembargador Eros Piceli, acompanhou o novo entendimento do Tribunal de São Paulo e assim publicou seu voto:
“[…] O problema é que o art. 40 não foi regulamentado pelo Poder Executivo. Diante dessa omissão, o Supremo Tribunal Federal, por meio do mandado de injunção 721, julgado em 30.8.2007, relator Marco Aurélio, Pleno, determinou que fossem aplicadas aos servidores públicos civis federais as mesmas regras da aposentadoria especial dos trabalhadores comuns, do art. 57 da lei federal 8.213. Em São Paulo, o art. 126 § 4º da Constituição do Estado repete o art. 40, § 4º da Constituição Federal. Como também não possui regulamentação, isto é, há previsão de aposentadoria especial para os servidores civis estaduais, mas não a lei a disciplinar o comando constitucional, este Órgão Especial entendeu de forma idêntica e determinou, no julgamento do mandado de injunção 168.151-0/5-00, de 1.4.2009, relator Matias Coltro, a aplicação daquelas normas para os servidores públicos civis. O efeito também foi ‘erga omnes’. Todas estas colocações foram necessárias para que se entenda que o caso concreto aqui discutido não guarda identidade com os precedentes citados. Aqui, trata-se de policial militar que não se enquadra no art. 40 da Constituição Federal, portanto, também não se submete aos artigos 124 e seguintes da Constituição do Estado. Como a Polícia Militar do Estado também possui regime próprio, previsto no art. 141 da Constituição do Estado, fica evidente que não se pode estender os precedentes citados, seja do Supremo Tribunal Federal, seja deste Órgão Especial deste Tribunal de Justiça, para os policiais militares, sem estudo mais profundo sobre o regime de seus componentes. O regime de previdência dos policiais militares, em São Paulo, se rege pelo decreto-lei 260, de 29 de maio de 1970. A praça, que é o caso do autor, é reformada com trinta anos de efetivo serviço, com vencimentos e vantagens integrais da graduação. Veja-se o art. 28.[…]”
Diante desta nova ótica, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo vem, em reiteradas decisões adotando tal entendimento, contudo, não poderia adotá-lo como fundamento legal.
A Constituição Federal de 1988
Com o advento da Constituição Federal de 1988, nosso ordenamento jurídico e legal sofreu total modificação e vem sofrendo essas modificações até os dias atuais.
Essas modificações ocorrem em virtude dos novos princípios e garantias. Esses princípios e garantias servem para balizar a criação de novas leis e normas oriundas de momento anterior à sua promulgação, a chamada receptividade da Lei (antiga) em conformidade da Constituição Federal.
Tal receptividade é amplamente utilizada por nossos Tribunais a fim de esclarecer se determinada (antecedente ao texto constitucional) acompanha as novas premissas constitucionais (princípio e garantias) de sorte que, caso essa antiga norma não esteja “em conformidade com o texto constitucional” não poderá mais prevalecer no mundo legal, perdendo seus efeitos na modalidade ex nunc.
Antevendo tal possibilidade o legislador constituinte manteve na Constituição Federal de 88: a) a tripartição dos poderes, mas com a vantagem de estar acompanhado de outros princípios e garantias constitucionais que impossibilitem qualquer tipo de desvirtuamento; b) deixou inserir princípios e garantias constitucionais que, por si, preservem e protegem as instituições e o cidadão.
Nesta seara, considerando a finalidade de nossos tribunais – de julgar as lides que lhe sejam apresentadas, também está a possibilidade de declarar se determinada lei está em conformidade com nosso texto Constitucional através da declaração ou não, de sua constitucionalidade.
A declaração ou não dessa constitucionalidade está prevista na Constituição Federal[7], Constituição Estadual[8] e no Regimento Interno[9] do Tribunal de Justiça de São Paulo e na Lei 9868/99.
Deve-se considerar ainda que as normas legais devem estar em conformidade com as regras constitucionais, sob pena de serem declaradas inconstitucionais.
Diante do texto legal e bem como da interpretação sistemática e em conformidade dada por nossos Tribunais às normas que confrontam nossa Constituição, podemos concluir que toda norma legal que se contrapõe ao nosso texto constitucional (mormente aos seus princípios e garantias) será tida como inconstitucionalidade e, por consequência lógica, não poderá ser aplicada ao caso.
A origem do Decreto Lei 260/70 do Estado de São Paulo
Para melhor análise e compreensão do tema deste trabalho, se faz necessário trazer a origem do Decreto lei 260/70, bem como, sua razão histórica de ser.
Na década de 70, durante o auge da ditadura militar, o Brasil passava por um período difícil e obscuro, travando uma intensa luta contra o comunismo e terrorismo. Nesse período histórico, apesar da existência de leis e de uma Constituição[10], os militares sob o argumentos de combate ao comunismo, seus defensores e terroristas, editaram inúmeras normas “legais” para governarem o país. Dentre estas normas, editaram uma sequência de Atos Institucionais, sendo o mais conhecido o Ato Institucional nº 5 – AI – 5.
Através dele, inúmeros direitos e garantias individuais foram excluídas e/ou suspensas durante o período de sua vigência. Uma das consequências do AI-5 foi a possibilidade do fechamento das Assembleias Legislativas dos Estados da Guanabara, Rio de Janeiro, Pernambuco e São Paulo, nos termos do Ato Complementar nº 47/69[11], que, por sua vez, autorizou a criação do Decreto Lei 260/70. Vejamos.
O AI-5 deu poderes ao seu próprio criador de, contra a vontade do povo, decretar o fechamento das Assembleias Legislativas e impor suas vontades legais para estes estados.
Aqui cabe ressaltar que a Assembleia Legislativa nada mais é do que a Casa do Povo, ou seja, é a instituição máxima do poder de representatividade de um povo.
Pois bem, diante destas considerações, a origem do Decreto Lei 260/70, bem como das nuances de seus artigos, podemos concluir que as regras deste Decreto lei, foram criadas fora do debate jurídico legal sendo que, não representa, nem representou, à época, a vontade da população bandeirante. Logo, uma vez que não houve uma discussão legislativa sobre um determinado tema, nem foram ouvidos os interessados, essa regra, não pode ser recepcionada pela Constituição de 1988.
É de se frisar que nosso texto constitucional protege e garante direitos fundamentais de todo cidadão, inclusive o seu bem estar e saúde (física e mental), sendo que a legislação deve sempre evoluir. Nesse contexto, os Tribunais atentos aos comandos constitucionais de proteção a integridade física e mental dos trabalhadores, por inúmeras vezes, ante a inércia do Poder Legislativo através do instituto do mandado de injunção, determinou a possibilidade de aposentadoria dos servidores públicos que exercem atividades perigosas e/ou insalubres após 20 ou 25 anos de efetivo exercício, conforme se verifica nestas decisões:
O próprio STF, após discussão editou a Súmula vinculante de número 33 que assim determina:
Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do regime geral da previdência social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, § 4º, inciso III da Constituição Federal, até a edição de lei complementar específica.
Veja que esta Súmula tem por escopo a proteção física e mental, de servidores públicos civis que exercem suas atividades em condições insalubres e perigosas.
Nesse viés de interpretação legal, conforme o texto constitucional, restou evidenciada a preocupação de nossos julgadores com saúde e integridade física e mental dos trabalhadores. Isso decorre do caráter jurídico – protetivo que nossos Tribunais tem que conceder aos trabalhadores que labutam em condições diferenciadas, é o poder dever do Estado Juiz aplicar e amoldar a lei ao caso concreto.
Das Profissões correlatas e o entendimento jurisprudencial
Para análise deste ponto e considerando que a gama de profissionais atingidos pelo Decreto 260/70, são da carreira policial – no caso Policial Militar do Estado de São Paulo, necessário se faz trazer a título ilustrativo, com o fito de demonstrar o avanço da evolução jurisprudencial, os seguintes profissionais que desenvolvem suas atividades, em regime especial, portando arma de fogo, com periculosidade e insalubridade, vejamos: Guardas Civis Metropolitanos, Segurança de Escolta Armada e até o Vigilante com porte de arma de fogo.
Apenas para conceituação formal, o Guarda Civil Metropolitano é integrante de uma instituição administrativa da Prefeitura e prestam serviços voltados a segurança, muito parecido com o serviço da Polícia Militar. Eles trabalham nos grandes centros e a princípio o objetivo maior é a proteção de bens, serviços e instalações municipais, além de trabalharem armados, com viaturas e fazendo rondas.
Já o Segurança de Escolta Armada, é o indivíduo civil, que trabalha para uma empresa privada que visa garantir o transporte de qualquer tipo de carga ou mercadoria de valor. Esses seguranças também portam armas de fogo, muitas vezes de grosso calibre.
Por fim o Vigilante com porte de arma de fogo é a pessoa que atua na preservação do patrimônio em estabelecimentos públicos ou privados e da incolumidade física de pessoas.
É de se notar que, em todos os casos existe uma correlação destas profissões para com a de Policial Militar, guardadas suas finalidades, mas observados os riscos (periculosidade e/ou insalubridade) que todas possuem, uma vez que o risco de morte é inerente em qualquer uma delas.
Nesta seara, cumpre relembrar que o bem protegido é, como não poderia deixar de ser, a integridade da saúde física e mental da do profissional.
No que tange aos Guardas Civis Metropolitanos, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, vem assim se manifestando:
SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL. Guarda civil metropolitano. Aposentadoria especial. Atividade considerada De risco. Ausência De lei específica. Aplicação Do artigo 57 da Lei da Lei Federal 8213/1991. Regime Geral de Previdência Social. Cabimento. Precedentes Do Supremo Tribunal Federal e deste Tribunal. Demanda procedente. Reexame necessário não provido. (Apelação nº 1003747-71.2015.8.26.0597. 12ª Câmara de Direito Público. V.U. 11/10/2016)
SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL. Guarda Civil. Aposentadoria especial. Cabimento. Atividade considerada de risco. Averbação de atividade Insalubre para fins de Aposentadoria especial. Possibilidade (artigo 40, § 4º, inciso III, da Constituição Federal). Aplicação supletiva da regra do Regime Geral da Previdência Social (Lei Federal nº 8.213/91), tendo em vista a ausência de norma regulamentadora. Aplicação dos critérios Estabelecidos pela Lei nº 11.960/09, Que deu nova Redação ao Artigo 1º-F da Lei nº 9.494/07. Cabimento. Norma de natureza eminentemente processual. Apesar da Declaração De inconstitucionalidade, por arrastamento, do artigo 5º da referida legislação (ADI ́s 4357/DF e 4425/DF), a eficácia Prospectiva do julgado foi deliberada apenas ao regime de precatórios, de modo que, em relação às demais situações, prevalece, por ora, a sistemática anterior. Precedentes. Ação Julgada procedente na 1ª Instância. Sentença mantida. Recurso não provido, com observação (Apelação nº 1002970-86.2015.8.26.0597; Relator: Leme De Campos; Comarca: Sertãozinho; Órgão julgador: 6ª Câmara de Direito Público; Data do julgamento: 21/03/2016)
Já com relação aos Seguranças de Escolta Armada, o Tribunal Regional Federal desta 3ª Região assim vem decidindo:
AGRAVO LEGAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO – VIGIA. ARMA DE FOGO. DESNECESSIDADE. PORTE. NATUREZA ESPECIAL. RECONHECIDA . AGRAVO PARCIAL PROVIDO. I. A respeito da atividade de vigilante, em atenção à reforma legislativa realizada pela Lei nº 12.740/2012, que alterou o art. 193 da CLT, para considerar a profissão de guarda patrimonial, vigia, vigilante e afins como perigosa, com o adicional de 30%, em virtude da exposição da categoria a roubos ou outras espécies de violência, não fazendo menção a uso de armas, considero referida atividade como especial ainda que não haja a demonstração de porte de armas de fogo. II. Reputa-se perigosa tal função por equiparação da categoria àquelas previstas no item 2.5.7 do Decreto nº 53.831/64, ainda que não tenha sido incluída pelos Decretos nº 83.090/79 e nº 89.312/84, cujos anexos regulamentares encerram classificação meramente exemplificativa. III. Ressalte-se que essa presunção de periculosidade perdura mesmo após à vigência do Decreto nº 2.172/97, independentemente do laudo técnico a partir de então exigido. Precedentes do e. Superior Tribunal de Justiça. III. Agravo legal parcialmente provido. (TRF3. AC – APELAÇÃO CÍVEL – 2018559 / SP
0035268-81.2014.4.03.9999. 9ª Turma, julgamento 16/11/2015)É de se esclarecer que a questão está sumulada pela Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especial Federais – Súmula 26:A atividade de vigilante enquadra-se como especial, equiparando-se à de guarda, elencada no item 2.5.7. do Anexo III do Decreto n. 53.831/64.
Nessa esteira, o próprio Ministério do Trabalho e Emprego alterou a Norma Regulamentadora nº 16 – NR16, incluindo no seu anexo 3, o VIGILANTE, para assim dispor:
ANEXO 3 (Anexo incluído pela Portaria nº 1.885/2013 – DOU 03/12/2013)
ATIVIDADES E OPERAÇÕES PERIGOSAS COM EXPOSIÇÃO A ROUBOS OU OUTRAS ESPÉCIES DE VIOLÊNCIA FÍSICA NAS ATIVIDADES PROFISSIONAIS DE SEGURANÇA PESSOAL OU PATRIMONIAL
1. As atividades ou operações que impliquem em exposição dos profissionais de segurança pessoal ou patrimonial a roubos ou outras espécies de violência física são consideradas perigosas.
2. São considerados profissionais de segurança pessoal ou patrimonial os trabalhadores que atendam a uma das seguintes condições:
a) empregados das empresas prestadoras de serviço nas atividades de segurança privada ou que integrem serviço orgânico de segurança privada, devidamente registradas e autorizadas pelo Ministério da Justiça, conforme Lei 7102/1983 e suas alterações posteriores.
b) empregados que exercem a atividade de segurança patrimonial ou pessoal em instalações metroviárias, ferroviárias, portuárias, rodoviárias, aeroportuárias e de bens públicos, contratados diretamente pela administração pública direta ou indireta.
3. As atividades ou operações que expõem os empregados a roubos ou outras espécies de violência física, desde que atendida uma das condições do item 2, são as constantes do quadro abaixo:
Diante do esposado, não resta dúvidas de que a saúde (física e moral) são os bens tutelados nessas profissões. Neste sentido, cumpre questionar?
1. O que diferencia estes 3 profissionais (GCM, Escolta Armada e Vigilante), além dos Policiais Civis dos Policiais Militares?
2. Qual deve ser o bem tutelado nestes casos?
3. Os riscos enfrentados podem ser os mesmos?
4. No exercício da profissão de Policial Civil ou de GCM ou de Agente de escolta armada ou Vigilante com porte de arma de fogo, há incidência de periculosidade/insalubridade? E no caso dos Policiais Militares do Estado de São Paulo, também existem estes riscos?
Ora, a resposta não pode ser outra, senão as mesmas para todas as perguntas acima, como veremos:
No quesito 1 – Além do uso da farda, atribuições diferenciadas e de possuir uma hierarquia mais rígida, não há nada mais que o diferencie das demais profissões, uma vez que, todas são devidamente reconhecidas pelo Estado, todas protegem bens alheios, arriscando a dizer que, em tese, há a salvaguarda inclusive da Lei e da Ordem, na medida de suas possibilidades, preparo e atribuições.
Já no quesito 2 – O bem a ser tutelado pelo Estado, nos casos dos profissionais correlatos é a VIDA (saúde física e mental), sendo certo que esta tutela deve-se se estender aos Policiais Militares, em que pesem ser de uma categoria diferenciada.
Quantos aos riscos, questionados no quesito 3 – eles são os mesmo, considerando-se que ambos se submetem a situações de risco (perigo e insalubridade), ainda que intermitentes, nos limites de suas atuações.
Por fim, no quesito 4 – a resposta engloba as 03 primeiras, ou seja, em todas as profissões apontadas há nitidamente a incidência da insalubridade e periculosidade, com o risco de morte.
Portanto, partindo destas respostas, é de fácil conclusão que os Policiais Militares do Estado de São Paulo possuem o direito constitucional de se aposentarem aos 25 anos de profissão, após o exercício efetivo na carreira policial, a fim de garantir a integridade física e mental, sob quebra do princípio da igualdade e da proteção do trabalhador, previstos em nossa Constituição Federal.
CONCLUSÃO
Como já dito anteriormente, o presente trabalho tem como finalidade verificar se os Policiais Militares do Estado de São Paulo preenchem os requisitos para se aposentarem/reformarem, após 25 anos de profissão.
Porém, antes de concluir o trabalho, entendo como necessário apontar a seguinte observação.
Nos casos estudados, foram encontradas as presentes similitudes:
1. Os pedidos formulados se arrimaram, apenas e tão somente, na tese da insalubridade/periculosidade. Em que pese sua relevância e atualidade, esta tese deve – obrigatoriamente – fazer parte de um conjunto de fundamentações, como demonstrarei no final;
2. Outros pedidos formulados, se embasam apenas nos Mandados de Injunção 721/DF, julgado pelo Supremo Tribunal Federal, que reconheceu o direito de aposentadoria especial após 25 anos de serviço aos servidores públicos civil, além de daqueles oriundos do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que caminharam no mesmo sentido, ou seja, concedendo a aposentadoria especial aos servidores públicos civis do Estado de São Paulo, após 25 anos de serviço em condições insalubres/perigosas.
Diante destas considerações, é de fácil constatação que uma outra similitude é corriqueira e não está presente nos casos em estudo, qual seja, a total ausência de questionamento sobre a constitucionalidade do Decreto 260/70.
É de se observar que, apesar das dos casos apontados, em nenhum deles se verificou o debate sobre a forma de criação do Decreto Lei 260/70 e sua aplicação nos dias atuais.
Assim sendo, de todo o retro exposto no presente trabalho, CONCLUO que os Policiais Militares do Estado de São Paulo, PODEM E DEVEM SER REFORMADOS/APOSENTADOS após 25 anos de efetivo serviço prestado na função se, para o caso, conjugarmos as teses apresentadas neste trabalho, especialmente sobre a (IN)constitucionalidade do Decreto 260/70 à luz da Constituição Federal de 1988, aplicando-se, no caso, a lei 8213.
Notas
Informações Sobre o Autor
Alessandro Maciel Bartolo
Advogado pós graduando em Direito da Seguridade Social pela Faculdade Legale Palestrante Assessor do da Quarta Câmara Recursal do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP nos anos de 2003/2004