Resumo: O presente artigo trata acerca da concessão da aposentadoria especial aos trabalhadores que tenham utilizado, quando da execução das atividades em ambientes que causam prejuízos à saúde e integridade física, o devido e eficaz equipamento de proteção individual (EPI). É notório que a neutralização ou diminuição de ambientes prejudiciais a saúde ou integridade física do trabalho não é tarefa fácil. Em muitas atividades é algo impossível. Nestas situações o trabalhador recebe uma compensação do Regime Geral de Previdência Social com a possibilidade de aposentadoria com redução do tempo de contribuição para 15 (quinze) anos, 20 (vinte) anos ou 25 (vinte e cinco) anos. O presente artigo tem o objetivo de analisar o meio ambiente de trabalho e a aposentadoria especial.
Palavras-chave: Aposentadoria Especial. Equipamento de proteção. Meio ambiente trabalho.
Abstract: This article deals with the granting of special retirement benefits to workers who have used appropriate and effective personal protective equipment (PPE) when performing activities in environments that cause harm to their health and physical integrity. It is notorious that the neutralization or diminution of environments detrimental to the health or physical integrity of work is not an easy task. In many activities it is impossible. In these situations, the worker receives compensation from the General Social Security System with the possibility of retirement with reduced contribution time for 15 (fifteen) years, 20 (twenty) years or 25 (twenty five) years. The purpose of this article is to analyze the work environment and special retirement.
Keywords: Special Retirement. Protection equipment. Environment work.
Sumário: 1. Introdução. 2. A concessão da aposentadoria especial e o uso de equipamento de proteção individual. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo visa expor as teses a favor e contra a concessão da Aposentadoria Especial, não obstante decisão prolatada pelo Supremo Tribunal Federal, nos autos do Recurso Extraordinário com Agravo, quando do fornecimento efetivo dos Equipamentos de Proteção Individual – EPI, ou seja, na hipótese do ambiente de trabalho ser inadequado, porém, os malefícios são neutralizados em razão dos EPIs efetivos.
Serão expostas as correntes, o posicionamento do Tribunal Nacional de Uniformização do Juizado Especial Federal, a decisão final do STF, a tese de proteção à saúde do trabalhador que, conjuntamente, à observância do princípio da prévia fonte de custeio, não enseje o pagamento, às custas da Previdência Social, de uma situação inexistente.
2. A CONCESSÃO DA APOSENTADORIA ESPECIAL E O USO DE EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL
A aposentadoria especial é um benefício previdenciário pago pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), ao beneficiário segurado que tenha desempenhado suas atividades laborais em ambiente inadequado, assim considerado aquele prejudicial à sua saúde ou à integridade física.
O fator determinante da concessão deste benefício é o exercício em ambiente insalubre que, em razão da exposição à associação de agentes físicos, químicos ou biológicos, gera um desgaste na vida do obreiro.
Por esta razão, a lei busca reparar financeiramente o trabalhador concedendo-lhe aposentadoria após um período reduzido de labor.
A aposentadoria especial requer, além do tempo de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, a efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou à associação de agentes capazes de acarretar danos à sua saúde e à sua integridade física no ambiente de trabalho durante quinze, vinte ou vinte e cinco anos.
A título de exemplo, cita-se os ruídos, vibrações, calor e pressão anormal, como agente nocivo físico; névoas, poeira, gases, como químicos; bactérias, fungos e parasitas como agentes biológicos.
Com efeito, segurados que tenham trabalhado nas situações acima mencionadas possuem o direito de aposentar-se aos vinte e cinco, vinte ou quinze anos, conforme o caso, como forma de reparação pelo dano decorrente das condições especiais.
A discussão então travada era se o trabalhador que executa atividades em ambiente prejudicial, mas que recebe EPI efetivo que neutralize os efeitos pejorativos do ambiente de trabalho, faria ou não jus à aposentadoria especial.
Para parte da doutrina a mera exposição ao risco seria um fator de concessão, pois “(…) independe do atingimento da capacidade laboral” (HORVATH JÚNIOR, p. 207). Ou seja, seria absolutamente prescindível a demonstração do concreto prejuízo físico, sendo suficiente a comprovação da potencialidade de sua ocorrência, o risco.
Assim tem se manifestado a doutrina, que
“(…) o direito ao benefício dispensa, por parte do interessado, a prova de ter havido tal prejuízo físico, bastando, consoante filosofia da lei, a mera possibilidade de sua ocorrência, isto é, a probabilidade de risco.” (MARTINEZ, p. 1049)
Os Tribunais Regionais Federais já proferiram inúmeras decisões neste sentido, entendendo que os EPIs têm bastado, apenas, para reduzir os efeitos pejorativos do labor em ambiente nocivo, de modo que o seu uso não descaracteriza, pura e simplesmente, a natureza especial da atividade.
“EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. ELETRICITÁRIO. COMPROVAÇÃO. APRESENTAÇÃO DE PPP E DE LAUDO TÉCNICO PERICIAL. UTILIZAÇÃO DE EPI. NÃO DESCARACTERIZAÇÃO DA INSALUBRIDADE. JUROS DE MORA E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CRITÉRIOS 1. Pretensão de aposentadoria especial, mediante o reconhecimento do tempo de serviço de natureza especial, compreendido no período de 27/06/1986 a 27/07/2012, cujo pleito foi deferido pelo MM. Juiz sentenciante. (…). 8. O uso de EPI não descaracteriza a atividade como insalubre. A prevalecer o entendimento do Instituto Nacional do Seguro Social, em verdade, que dariam os trabalhadores, na contramão da política nacional de segurança do trabalho, estimulados a não usarem o EPI, haja vista que o seu uso afastaria o direito à aposentadoria especial (ou à contagem do tempo de serviço em condições especiais). (…). (Tribunal Regional Federal – 5ª Região. Classe: Apelação / Reexame Necessário – Número do Processo: 08012287320134058300. Código do Documento: 342984. Data do Julgamento: Órgão Julgador: Quarta Turma Relator: Desembargador Federal Bruno Teixeira” (Convocado).)
De acordo com o Enunciado 21 do Conselho de Recursos da Previdência Social (CRPS), o mero fornecimento do EPI não é capaz de considerar como não exposto o trabalhador a agentes nocivos, pois deve-se analisar todo o ambiente de trabalho. In verbis. “O simples fornecimento de equipamento de proteção individual de trabalho pelo empregador não exclui a hipótese de exposição do trabalhador aos agentes nocivos à saúde, devendo ser considerado todo o ambiente de trabalho”.
O Tribunal Superior do Trabalho, por seu turno, também segue esse pensamento, evidenciado na Súmula 289:
“INSALUBRIDADE. ADICIONAL. FORNECIMENTO DO APARELHO DE PROTEÇÃO. EFEITO (mantida) – Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003 O simples fornecimento do aparelho de proteção pelo empregador não o exime do pagamento do adicional de insalubridade. Cabe-lhe tomar as medidas que conduzam à diminuição ou eliminação da nocividade, entre as quais as relativas ao uso efetivo do equipamento pelo empregado.”
Por fim, a Súmula 09 da TNU, especificamente quanto ao agente nocivo “ruído” dispõe que: “O uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI), ainda que elimine a insalubridade, no caso de exposição a ruído, não descaracteriza o tempo de serviço especial prestado.”
Para esses posicionamentos, o fornecimento ou não do EPI seria indiferente para fins de caracterização do labor em ambiente insalubre, bastando a simples circunstância de sê-lo inadequado para resultar na concessão da Aposentadoria Especial.
Antes, todavia, de mencionar o entendimento oposto ao acima exposto, é imprescindível destacar a finalidade do benefício especial, conforme as lições de Maria Lúcia Luz Leiria:
“A finalidade do benefício de aposentadoria especial é sua SAÚDE, reduzindo o tempo de serviço/contribuição para fins de aposentadoria. Tem, pois, como fundamento o trabalho desenvolvido em atividades ditas insalubres. Pela legislação de regência, a condição, o pressuposto determinante do benefício está ligado à presença de agentes perigosos ou nocivos (químicos, físicos ou biológicos) à saúde ou à integridade física do trabalhador, e não apenas àquelas atividades ou funções catalogadas em regulamento”.
Percebe-se, pois, claramente, que o foco do benefício especial em análise é a saúde do trabalhador, o que é corroborado pelo ordenamento jurídico, notadamente pela Constituição da República (CR), no inciso XXII, do art. 7º, ao deixar clara a necessidade de normas de saúde, higiene e segurança, que reduzam os riscos inerentes ao trabalho.
Deste modo, o primordial não seria discutir-se o deferimento ou não de aposentadorias desta natureza, mas sim a fundamental proteção à integridade físico-psíquica do obreiro evitando-se a sua exposição a agentes nocivos, protegendo-o dos malefícios advindos do trabalho e poupando-o das consequências desfavoráveis.
Ocorre, entretanto, que não se verifica no Brasil a adoção do sistema de proteção à saúde do empregado, mas sim a prática diuturna do método denominado “Monetarização do Risco”, que consiste em compensar o trabalho exercido em condições especiais, contrariando toda a sistemática protetiva.
Os índices de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais apurados demonstram dois pontos essenciais. São eles a ineficácia do sistema de compensação – uma vez que não elimina e, menos ainda, inibe as agressões à saúde do trabalhador; e que o sistema não está realmente focado na proteção à saúde do trabalhador, pois, se assim estivesse, diante dos índices alarmantes, teria adotado medida interruptiva dos danos à saúde laboral e não permitido o crescimento das reparações.
É mister a aplicação concreta, imediata e efetiva das normas de proteção à saúde e não a concessão de benefício previdenciário que repare o dano já causado. Este é o objetivo principal da lei e a prova disto é que cessado o contato com o agente agressor, não é mais devido o pagamento de adicional.
Caso o fornecimento do EPI seja eficaz e neutralize a nocividade do meio ambiente de trabalho, torna-o, pois, como se abaixo dos limites de tolerância – estabelecidos no art. 68 do Decreto 3048/99, estivesse o trabalhador, já que ele não sofre os reflexos do ambiente nocivo.
Diante desta visão, um trabalhador que atua em ambiente inadequado, mas que, no entanto, usufrui de EPI eficaz que neutraliza a nocividade do ambiente laboral, não faria jus ao recebimento da aposentadoria especial. Este, inclusive, é o novel posicionamento do STF, externado nos autos do ARE nº 664335 que, por decorrer de decisão com repercussão geral, vincula todos os demais órgãos do poder judiciário.
Ora, como já salientado, hodiernamente nota-se que o preceituado pelo Princípio da Proteção tem sido olvidado em favor da monetarização do risco. O Princípio da Precedência da Fonte de Custeio, por sua vez, também acaba sendo ignorado neste caso, já que ao se conceder o referido benefício, sem ter havido a contraprestação do empregador no caso de EPI efetivo, o prejuízo estaria sendo de toda a sociedade.
A decisão do Supremo parece ter se atentado para esta realidade, haja vista que a partir de agora o Princípio da Isonomia, outrora desrespeitado, não mais o será já que empregados que laborem em ambiente não insalubre não farão jus, igualmente, a aposentadoria especial.
Explica-se: com toda a discordância doutrinária, até a publicação da decisão do STF, empregados sem os efeitos maléficos do ambiente laboral – seja porque efetivamente nele não executavam suas atividades, seja porque utilizavam EPI eficaz –, gozavam de tratamento diferenciado, pois, aquele que laborava em atividades prejudiciais, porém, com uso efetivo de EPI (logo, sem sofrer os efeitos maléficos do ambiente), fazia jus a aposentadoria especial pelo mero fato de ter estado exposto a tal ambiente, em contrapartida, aquele que também não sofria os efeitos maléficos do ambiente, desta vez pelo fato de em tal local não atuar, não possuía este direito.
Mesmo havendo toda a desarmonia acerca do tema, muitas decisões já acompanham este último entendimento. In verbis.
“Ementa: ATIVIDADE ESPECIAL. EPI EFICAZ. SOBRESTAMENTO DO PROCESSO NA TURMA RECURSAL. OMISSÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. PREJUÍZO NO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE DO PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. ANULAÇÃO DE OFÍCIO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. 1. Período de 13/07/2001 a 30/09/2002. O acórdão recorrido considerou que a exposição a agentes químicos ficou descaracterizada por causa do uso de EPI – equipamento de proteção individual. O autor argüiu divergência jurisprudencial apontando acórdãos paradigmas segundo os quais o uso de EPI não descaracteriza atividade especial. 2. O pedido de uniformização de jurisprudência envolve a seguinte questão: o fato de o trabalhador utilizar equipamento de proteção individual (EPI) capaz de reduzir os efeitos nocivos de um agente insalubre afasta o seu direito à contagem do tempo de serviço especial para a aposentadoria? No recurso Extraordinário com Agravo nº 664.335, de relatoria do Ministro Luiz Fux, o Plenário do Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional à luz dos artigos 195, § 5º, e 201, caput e § 1º, da Constituição Federal. A decisão representativa a ser proferida pelo STF condiciona o julgamento do pedido de uniformização. Caso a Corte entenda que o reconhecimento de atividade especial sem correlata obrigação do empregador em recolher a contribuição adicional para o SAT ofende o princípio da preservação do equilíbrio financeiro e atuarial e da necessidade de prévia fonte de custeio, o uso de EPI eficaz deverá ser levado em conta para descaracterizar o enquadramento da atividade especial. 3. Período de 01/10/2002 a 12/10/2009. O requerente alegou que o acórdão recorrido não reconheceu a aplicação do fator 2,33 para conversão de atividade especial em comum. Ocorre que, especificamente em relação a esse período de tempo de serviço, o acórdão recorrido não analisou qual seria o fator de conversão aplicável. A sentença reconheceu atividade especial nesse período e condenou o INSS a convertê-lo em tempo comum mediante a utilização do fator de multiplicador 1,40. O autor interpôs recurso inominado pedindo a aplicação do fator de conversão 2,33. E o acórdão ficou omisso nesse ponto. 4. Omissis. 5. Acórdão anulado de ofício. Prejudicado o pedido de uniformi- zação de jurisprudência. Baixados os autos à Turma Recursal de origem, o processo deverá ficar sobrestado até o STF julgar o recurso representativo de controvérsia sobre o uso de EPI eficaz (ARE nº 664.335).” (Relator(a) JUIZ FEDERAL LUIZ CLAUDIO FLORES DA CUNHA Sigla do órgão TNU Data da Decisão 12/06/2013 Fonte/Data da Publicação DOU 28/06/2013 pág. 114/135)
Por fim, e não menos importante, é salutar destacar que se o próprio direito do trabalho, cujo caráter é mais protetivo que a Seguridade Social, entende que a concessão de EPI efetivo afasta o pagamento do respectivo adicional de insalubridade, consoante se depreende dos termos do item 15.4.1 da NR-15 da Portaria 3214/78 e art. 191 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, conclusão diversa geraria uma incoerência no ordenamento jurídico, que é UNO.
Diante das assertivas acima, com a devida vênia, os posicionamentos contrários terão que se curvar, pelo menos em concreto, à recentíssima decisão proferida pelo Pretório Excelso, cujos termos seguem: “o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo à concessão constitucional de aposentadoria especial”.
Contudo, na eventualidade de haver dúvidas sobre a real eficácia do EPI, a manifestação já estampada no acórdão prolatado é a de que deverá ser reconhecido ao benefício previdenciário em homenagem ao Princípio do In Dubio pro Operario.
CONCLUSÃO
Diante do estudo realizado, em que pese trânsito em julgado da decisão exarada pelo STF, nos autos do ARE 664335, não se pode ser omisso e permitir que o trabalhador efetivamente atingido pelo ambiente de trabalho não adequado sofra com as consequências da inércia dos empregadores.
Por outro lado, não se pode permitir que seja concedida aposentadoria especial àquele que estava totalmente amparado por EPI eficaz, sob pena de se ferir a isonomia constitucional, bem como a precedência da fonte de custeio.
Desta forma, na atualidade, diante do teor da decisão proferida pela Corte Suprema, a desavença doutrinária sobre o tema objeto do presente artigo, até surgimento de eventual mudança legislativa, terá que se manter exclusivamente na seara doutrinária, posto que concretamente imperará os comandos da maior instância do poder judiciário brasileiro.
Referências
AMADO, Frederico. Direito Previdenciário. In: GARCIA, Leonardo de Medeiros (Coord.). Coleção Sinopses para concursos. 3. ed. Juspodium: Bahia, 2013.
CASTRO, Carlos Alberto Pereira de, LAZZARI, João Batista. Manual de direito previdenciário. 16.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito Previdenciário. São Paulo: Quartier Latin, 2005.
LEIRIA, Maria Lúcia Luz. Direito previdenciário e estado democrático de direito: uma (re)discussão à luz da hermenêutica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.
MARTINEZ, Wladimir Novaes. Questões atuais envolvendo a aposentadoria especial, in Revista de Previdência Social, n. 217, dez/1998.
Notas
Informações Sobre o Autor
Mariana Ribeiro de Paula
Advogada, Pós-graduada em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Faculdade Pitágoras de Divinópolis – MG, Pós-graduanda em Direito da Seguridade Social pela Faculdade Legale