As adversidades da administração pública federal no exercício do controle externo dos atos de pessoal decorrentes do Regime Próprio de Previdência da União

Stênio Leão Guimarães[1]

Resumo: O Tribunal de Contas da União -TCU tem atribuições constitucionalmente definidas e destaca-se como um órgão independente no exercício do controle externo, com autonomia administrativa e financeira. Sua configuração tem os contornos de um órgão técnico administrativo com prerrogativas únicas na fiscalização das despesas públicas. A análise dos atos de aposentadoria e pensão civil por morte são fixadas na Magna Carta de 1988 e se constitui com uma das maiores demandas para o controlador externo. Diante dos julgamentos do Tribunal de Contas da União, na análise dos atos de concessão de benefícios do Regime Próprio de Previdência da União, se buscará no presente estudo entender a dinâmica do referido tribunal com a administração pública federal. Apontando avanços e problemas advindos dos julgamentos realizados pelo Tribunal de Contas da União, além dos seus efeitos aos beneficiários do Regime Próprio de Previdência Social da União.

Palavras–chave: Tribunal de Contas da União. Julgamento de registro de atos de pessoal. Princípio da segurança jurídica na administração pública.

 

Abstract: The Federal Court of Auditors – TCU has constitutionally defined attributions and stands out as an independent body in the exercise of external control, with administrative and financial autonomy. Its configuration has the contours of an administrative technical body with unique prerogatives in the inspection of public expenditures. The analysis of the acts of retirement and civil pension for death are fixed in the Magna Carta of 1988 and constitute one of the greatest demands for the external controller. In the face of the judgments of the Federal Court of Auditors, in the analysis of the acts of granting benefits of the Federal Social Security System, the present study will seek to understand the dynamics of the referred court with the federal public administration. Pointing out advances and problems resulting from the judgments made by the Federal Court of Auditors, in addition to their effects on the beneficiaries of the Federal Social Security System.

Keywords: Federal Audit Court. Judgment of registration of personnel acts. Principle of legal security in public administration.

 

Sumário: Introdução. 1. O Tribunal de Contas da União como órgão de controle externo. 2. A competência do Tribunal de Contas da União em julgar a concessão de benefícios do Regime Próprio da Previdência Social da União. 3. Controvérsias a respeito dos julgamentos do Tribunal de Contas da União. 4. O Tema 445 de repercussão geral e seu efeito no Tribunal de Contas da União. Conclusão. Referências.

 

Introdução

No intuito de compreender a fiscalização dos atos de concessão de benefícios do Regime Próprio da União, apresenta-se neste estudo o papel do Tribunal de Contas da União – TCU no exercício do controle externo.

Com atribuição constitucionalmente definida, o TCU figura-se como um órgão independente, com liberdade de atuação e autonomia administrativa e financeira. Há que se destacar sua peculiar natureza jurídica, pois que, este não se submete a nenhum poder, apesar de sua íntima conexão com o Poder Legislativo Federal.

De igual modo, o TCU não é um órgão vinculado ao Poder Judiciário, o qual tem a competência de interpretar as normas existentes. Desta feita, o TCU se configura como um órgão técnico administrativo com prerrogativas únicas no exercício da fiscalização das despesas públicas.

Deve-se se mencionar que, desde 1946, o Tribunal de Contas da União analisa os atos de aposentadoria, reforma e pensão, sendo tal atribuição recepcionada pela Constituição Cidadã de 1988.  Desta feita, cabe ao TCU a manifestação sobre os atos de concessão de benefícios do Regime Próprio de Previdência da União através do uso de sistemas internos de fiscalização.

Por meio de uma pesquisa normativa, jurisprudencial e doutrinária, o presente trabalho demonstrará os principais avanços na análise dos registros de atos de pessoal, bem como evidenciará os problemas decorrentes dos julgamentos realizados pelo Tribunal de Contas da União e os seus efeitos aos beneficiários do RPPS da União.

 

  1. O Tribunal de Contas da União como órgão de controle externo

O Tribunal de Contas da União – TCU é o órgão de controle externo do governo federal que dá suporte ao Poder Legislativo na fiscalização da execução orçamentária e financeira, bem como na promoção de melhorias na administração pública, de acordo com os princípios da legalidade, da legitimidade e da economicidade, conforme o Art. 70 da CRFB/88.

Idealizado pelo Ministro da Fazenda Ruy Barbosa e criado pelo Decreto 966-A, de 07/11/1890, o TCU tem a finalidade de examinar, revisar e julgar dos atos concernentes à receita e despesa da república brasileira.

Na exposição de motivos da criação do TCU, BARBOSA (1890, p. 257) assim atribuiu a missão da organização:

“Convém levantar, entre o poder que autoriza periodicamente a despesa e o poder que quotidianamente a executa, um mediador independente, auxiliar de um e de outro, que, comunicando com a legislatura, e intervindo na administração, seja, não só o vigia, como a mão forte da primeira sobre a segunda, obstando a perpetração das infrações orçamentarias por um veto oportuno aos atos do executivo, que direta ou indireta, próxima ou remotamente discrepem da linha rigorosa das leis de finanças.”

Com o advento da CRFB/88, o Tribunal de Contas da União passa a ter competência de julgar as contas dos administradores públicos, analisando a correta aplicação dos recursos observando os princípios da economia, da eficiência e da eficácia, insculpidos no Art. 37 da CRFB/88.

É necessário destacar, porém, que as atribuições e características do TCU estão inseridas dentro do Capítulo que determina os contornos do Poder Legislativo brasileiro. Aponta-se, ainda, que a competência de exercer a fiscalização sobre as contas públicas é do Poder Legislativo, conforme os Arts. 51, 52 e 70 da CRFB/88. Outro ponto que merece consideração é que o orçamento do TCU está contido dentro dos limites orçamentários do Poder Legislativo Federal, conforme o Art. 20 da Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei Complementar nº 101/2000.

Deste modo, o Tribunal de Contas da União tem natureza jurídica peculiar e promove a “accountability horizontal”, conforme defende O´Donnell (1998, p.29), já que, apesar de sua proximidade com o Poder Legislativo, não se submete ao mesmo, figurando como um órgão auxiliar estabelecido constitucionalmente, com autonomia financeira e administrativa, na promoção independente de fiscalização das contas públicas.

Ainda que seja conceituado como um tribunal, a instituição não se vincula ao Poder Judiciário, nem tem a função jurisdicional, conforme defesa de JÚNIOR (1988, p. 186). Dentro de sua competência, o TCU possui função técnica administrativa realizando julgamentos que deverão ser observados pela administração pública devido a imposição constitucional, bem como regulação na Lei Federal nº 8.443/1992, que fixou a Lei Orgânica do Tribunal de Contas. Todavia, como se perceberá, os posicionamentos do TCU poderão ser revisados no Poder Judiciário quando se vislumbre abuso ou ilegalidade.

É válido destacar que apesar do Poder Judiciário e o TCU serem imiscíveis, os ministros do TCU possuem as mesmas prerrogativas e vantagens dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça, bem como o Auditor, substituindo um Ministro de Contas, tem as mesmas prerrogativas de um juiz de um Tribunal Regional Federal, conforme os §§3º e 4º do Art. 73 da CRFB/88.

 

  1. A competência do Tribunal de Contas da União em julgar a concessão de benefícios do Regime Próprio da Previdência Social da União

Através de sua liberdade, o Tribunal de Contas da União – TCU pode controlar de legalidade dos gastos públicos, avaliar o desempenho da gestão pública e, além disso, apreciar os registros dos atos de pessoal no âmbito da administração direta e indireta, conforme Inciso III do Art. 71 da CRFB/88.

Vale mencionar que desde a Constituição Democrática de 1946, o TCU tem a atribuição de apreciar a legalidade dos atos de concessão de aposentadoria, reforma e pensões, conforme o Inciso III do Art. 77 da CEUB/1946.

A Instrução Normativa nº 78/2018 fixa em seu Art. 2º que são considerados atos de pessoal: a concessão de aposentadoria, a concessão de pensão civil, a concessão de pensão especial a ex-combatente, a concessão de reforma, a concessão de pensão militar e a alteração de concessão das supracitadas hipóteses.

O registro de ato de pessoal anteriormente era realizado pelo Sistema de Apreciação e Registro dos Atos de Admissão e Concessões – SISAC, conforme Resolução TCU nº 152/2002. Atualmente, os atos de pessoal são registrados no sistema e-Pessoal, conforme a Instrução Normativa TCU nº 78/2018 e a Resolução TCU nº 206-2007.

A implantação do e-Pessoal teve a justificativa de atender a demanda de fiscalização dos atos de pessoal, já que essa atividade se demonstrava morosa e chegou a atingir um custo de 290 bilhões de reais no ano de 2016. A respeito das atividades desenvolvidas, o Tribunal de Contas da União (2020, p. 16), em seu Relatório Anual assim fixou:

“Em 2020, foram concluídas 281 fiscalizações, proferidos 32.092 acórdãos e apreciados conclusivamente 108.399 atos de pessoal. O benefício financeiro das ações de controle no ano representou valores da ordem de R$ 43 bilhões para o erário.”

Trata-se, portanto, de uma ferramenta que reduz a possibilidade de o gestor de pessoal interpretar a lei, induzindo a correção dos atos de pessoal antes do registro ao TCU, além de coibir fraudes e evitar o preenchimento equivocado do operador.

Inicialmente, o ato de concessão da aposentadoria ou pensão civil por morte é registrado no sistema e-Pessoal pelo órgão instituidor do benefício, no prazo de 90 dias da data de concessão, nos termos do Art. 7º da Instrução Normativa TCU nº 78/2018.

Esse registro passará pelo crivo da Controladoria Geral da União – CGU, que proferirá parecer em até 120 dias da data do recebimento do registro do ato de pessoal, nos termos do §1º do Art. 11 da Instrução Normativa TCU nº 78/2018.

Destaca-se que o descumprimento do prazo de registro e encaminhamento enseja na sanção de multa ao gestor de pessoal e ao controle interno nos termos dos Art.s 57 e 58 da Lei Federal nº 8.443/1992.

Posteriormente, o registro de ato de pessoal é encaminhado para a Secretaria de Fiscalização de Pessoal – SEFIP, que é a Unidade Técnica (UT) competente. A UT analisará os dados constantes no sistema, realizando a instrução do processo de julgamento do ato de pessoal através de um relatório encaminhando parecer pela legalidade ou ilegalidade da concessão, nos termos da Resolução TCU nº 206/2007 alterada pela Resolução TCU nº 237/2010.

O relatório da SEFIP é remetido para uma das duas Câmaras do TCU (que é um órgão colegiado autônomo), através do Ministro Relator que, recepcionando o processo instruído, oferecerá oportunidade ao representante do Ministério Público de Contas-MPTCU para emitir parecer sobre o relatório elaborado pela Unidade Técnica, nos termos do Inciso I do Art. 69 e do Art. 156 do Regimento Interno do TCU.

É de atribuição da Câmara julgar a legalidade, com o objetivo de registro, da concessão de aposentadoria, reforma ou pensão a servidor público e a militar federal ou a seus beneficiários.

Após manifestação do membro do MPTCU, o Ministro-Relator proferirá seu voto de mérito que poderá ser seguido pelos demais ministros que compõe a Câmara ou não.

Chegando-se na maioria de votos, é emitido o Acórdão da Câmara considerando a legalidade ou ilegalidade do ato, nos termos do Art.s 68 e 134 do Regimento Interno do TCU.

Caso haja empate, o processo será julgado pelo Plenário, órgão colegiado com todos os Ministros do TCU, de acordo com o Art. 139 do Regimento Interno do TCU.

O Acórdão considerando a ilegalidade de um ato de pessoal é a negativa de registro no Tribunal de Contas da União. Quando um ato de pessoal for julgado ilegal, o TCU fará a remessa do Acórdão para providências ao órgão instituidor do benefício previdenciário, conforme o Art. 262 do Regimento Interno do TCU.

Recebido o Acórdão que considera o ato de pessoal ilegal, o órgão federal tem 15 dias da data de ciência do interessado para atender a decisão proferida. Em caso de omissão, a autoridade administrativa responde solidariamente.

A responsabilização do gestor se dará através do procedimento de Tomada de Contas Especial, que tem o objetivo de identificar os responsáveis e apurar os valores a título de danos ao erário público, nos termos do § 1º do Art. 262 do Regimento Interno do TCU.

Vale mencionar que o interessado (servidor aposentado ou pensionista) poderá entrar com recurso no próprio TCU de Pedido de Reexame, inclusive requerendo o efeito suspensivo da decisão. Esse recurso será analisado pelo órgão colegiado que proferiu o Acórdão, de acordo com o Art. 48 da Lei Federal nº 8.443/92 e Art. 286 do Regimento Interno do TCU.

Caberá ainda, Embargos de Declaração no TCU, quando o interessado solicitar a revisão do julgamento com base numa obscuridade, omissão ou contradição contida no Acórdão proferido, conforme o Art. 287 do Regimento Interno do TCU.

A construção jurisprudencial do TCU se baseia nos julgamentos dos registros de atos de pessoal, porém somente vincula o órgão instituído do benefício previdenciário. É bem comum que, na constatação de irregularidades de benefícios analisados, fomente relatórios de auditoria que podem gerar decisões que vinculem o Ministério da Economia, como Órgão Central do Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal – SIPEC, atingindo todo o poder executivo federal, ou ainda, um grupo de órgãos em que se verifique, através de auditoria, o pagamento equivocado dos benefícios no entendimento do TCU.

É imperioso destacar que o TCU também constrói sua coletânea de julgamentos através das Consultas a respeito de dúvida no que tange a aplicação de dispositivos legais e regulamentares formuladas pelas seguintes autoridades: presidentes da República, do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal, Procurador Geral da República, Advogado Geral da União, presidente de comissão do Congresso Nacional ou de suas casas, presidentes de tribunais superiores, ministros de Estado ou autoridades do Poder Executivo federal de nível hierárquico equivalente e, por fim, os comandantes das Forças Armadas, nos termos do Art. 264 do Regimento do TCU.

Um exemplo de consulta que impactou a possibilidade de conversão de tempo especial em comum, foi o Acórdão nº 2008/2006 – Plenário, citemos a ementa:

“CONSULTA. PESSOAL. CONTAGEM DE TEMPO DE SERVIÇO PARA CONCESSÃO DE APOSENTADORIA ESTATUTÁRIA COM O APROVEITAMENTO DE TEMPO ESPECIAL PRESTADO SOB CONDIÇÕES INSALUBRES, PERIGOSAS OU PENOSAS.

O servidor público que exerceu, como celetista, no serviço público, atividades insalubres, penosas ou perigosas, no período anterior à vigência da Lei 8.112/90 tem direito à contagem especial de tempo de serviço para efeito de aposentadoria; todavia, para o período posterior ao advento da Lei 8.112/90, é necessária a regulamentação do art. 40, § 4º, da Constituição Federal, que definirá os critérios e requisitos para a respectiva aposentadoria. Interessado: Senador Renan Calheiros, Presidente do Senado Federal.”

De igual modo, o TCU cria jurisprudência por Representação nas situações em que se verifique irregularidades, podendo ser oferecida pelo Ministério Público da União, pelos órgãos de controle interno, pelos senadores da República, deputados federais, estaduais e distritais, juízes, servidores públicos e outras autoridades que comuniquem a ocorrência de irregularidades de que tenham conhecimento em virtude do cargo que ocupem, pelos tribunais de contas dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, as câmaras municipais e os ministérios públicos estaduais, pelas as equipes de inspeção ou de auditoria, pelas unidades técnicas do Tribunal e por outros órgãos, entidades ou pessoas que detenham essa prerrogativa por força de lei específica.

Cita-se um importante acórdão oriundo da Secretaria de Fiscalização de Pessoal – SEFIP, quando verificou o caso de professores federais que alteravam a carga horária para dedicação exclusiva no fim da vida laboral, com o objetivo obter proventos integrais:

“REPRESENTAÇÃO. TEMPO MÍNIMO, NO REGIME DE DEDICAÇÃO EXCLUSIVA, ANTES DA APOSENTADORIA. NORMATIZAÇÃO, NO ÂMBITO DAS UNIVERSIDADES, DA ALTERAÇÃO DO REGIME DE TRABALHO DOS PROFISSIONAIS. RECOMENDAÇÃO AO MEC. Interessada: Secretaria de Fiscalização de Pessoal (SEFIP) Entidade: Ministério da Educação (vinculador).”

É importante, o acompanhamento do órgão federal sobre as decisões do TCU a fim de evitar a concessão equivocada do benefício. Outrossim, a análise dos requerimentos de concessão de benefícios previdenciários aplicando a regulamentação de pessoal do poder executivo federal com as decisões do TCU mostra-se uma boa prática administrativa para o órgão instituidor do benefício.

 

  1. Controvérsias a respeito dos julgamentos do Tribunal de Contas da União

Informa-se que o Tribunal de Contas da União – TCU, em suas decisões sobre os registros de atos de pessoal, buscando a aplicação do princípio da legalidade e economicidade, por vezes gera decisões que aparentemente esbarram no princípio da segurança jurídica. Esse problema é acentuado pela razão que o TCU tem dificuldades em julgar os atos de pessoal, gerando uma demanda retida que ultrapassa décadas. Citemos como exemplo, o Acórdão 11468/2019 – Primeira Câmara:

“PENSÃO CIVIL. INCLUSÃO NO BENEFÍCIO INICIAL, DE VANTAGEM REFERENTE À GRATIFICAÇÃO DE RAIO-X INCORPORADA PELO INSTITUIDOR, EM PERCENTUAIS SUPERIORES A 10%. IMPOSSIBILIDADE. ACÓRDÃO 763/2006-TCU-PLENÁRIO. ILEGALIDADE DE DOIS ATOS. LEGALIDADE DOS DEMAIS. DETERMINAÇÕES.”

Nesse acórdão foi evidenciado uma irregularidade em ato de aposentadoria registrado considerado como legal pelo TCU há mais de cinco anos. No julgado foi apontado que, na análise do ato de registro de pensão civil derivada da aposentadoria, caberia revisão da base de cálculo, não aplicando o instituto da coisa julgada do TCU que considera cristalizada a decisão após o decurso de cinco anos do julgamento, previsto no §2º do Art. 260 do Regimento Interno do TCU.

Diante da alta demanda e morosidade em julgar os atos de pessoal, a CONJUR e a SEFIP apresentaram uma Representação ao TCU, gerando o Acórdão nº 587/2011 – Plenário:

REPRESENTAÇÃO FORMULADA PELA CONSULTORIA JURÍDICA DO TCU. GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. NECESSIDADE DE A CORTE DE CONTAS ASSEGURAR A OPORTUNIDADE DO USO DE TAIS DIREITOS POR PARTE DOS INTERESSADOS, DADO O TRANSCURSO DE LAPSO TEMPORAL SUPERIOR A CINCO ANOS, QUANDO DA APRECIAÇÃO, PARA FINS DE REGISTRO, DA LEGALIDADE DE ATOS DE PESSOAL. ALTERAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF ACERCA DA MATÉRIA. DEFINIÇÃO DE PROVIDÊNCIAS VISANDO À MODIFICAÇÃO DE ROTINAS PARA O EXERCÍCIO DESSA COMPETÊNCIA PELO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. CONHECIMENTO. PROCEDÊNCIA.

 

Através desse julgamento, o TCU adotou novo procedimento para os julgamentos em que há possibilidade de ilegalidade do ato de pessoal. Nessa situação, será observado os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, caso já tenha transcorrido o lapso de cinco anos do registro do ato de pessoal no sistema do TCU. O procedimento de oportunizar manifestação do servidor aposentado ou do pensionista é realizado pela Unidade Técnica.

Com o objetivo de evitar que outros processos ultrapassem o prazo quinquenal, a SEFIP deverá, uma vez vislumbrado a ilegalidade do ato de pessoal ainda durante do referido prazo, abrir o processo no sentido de instruí-lo na tramitação preferencial.

Outro ponto nevrálgico que merece destaque, é que o TCU por vezes atualiza a interpretação de uma lei antiga com base na realidade atual da sociedade. Isso pode ser evidenciado no Acórdão 591/2019 – Segunda Câmara:

“PESSOAL. PENSÃO CIVIL. NÃO COMPROVAÇÃO DA DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. PROPOSTA DE CANCELAMENTO DOS PAGAMENTOS À BENEFICIÁRIA DA PENSÃO. INEXISTÊNCIA NOS AUTOS DO ATO INICIAL DE CONCESSÃO DE PENSÃO CIVIL. IMPOSSIBILIDADE DE JULGAMENTO DE MÉRITO. NECESSIDADE DE EXPEDIR DETERMINAÇÃO AO ÓRGÃO VINCULADOR. MONITORAMENTO.”

O caso em tela julgou como ilegal a concessão da pensão civil por morte para filha maior solteira, concedida em 1985, de acordo com a Lei Federal nº 3.373/1958 na alegação de que não ficou comprovado a dependência econômica entre a filha e o instituidor do benefício.

Esse entendimento inclusive já motivou uma série de ações judiciais que afastaram a interpretação do TCU, vejamos:

“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR CIVIL. PENSÃO POR MORTE. LEI N. 3.373/1958. FILHA SOLTEIRA MAIOR DE 21 ANOS. CONDIÇÃO DE BENEFICIÁRIA. SÚMULA N. 83/STJ. PRECEDENTES DO STJ.

I – Na origem, trata-se de mandado de segurança contra ato atribuído ao Gerente de Gestão de Pessoas do Ministério da Fazenda praticado no processo administrativo que suspendeu a pensão estatutária que ela recebia com base no art. 5º, parágrafo único, da Lei n. 3.373/58.

II – Após sentença que concedeu a segurança pleiteada, o Tribunal a quo deu provimento à remessa necessária e à apelação da União, ficando consignado que o parágrafo do art. 5º da Lei n. 3.373/1958 aplica-se somente aos casos em que a pensão temporária já fora concedida à filha quando ela ainda era menor, de modo a lhe assegurar a continuidade do benefício, após a maioridade, o que não teria ocorrido. Nesta Corte, o recurso especial foi provido para restabelecer os termos da sentença de fls. 268-272, de modo a manter o pagamento da pensão estatutária.

III – A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que, com base em interpretação teleológica protetiva do parágrafo único do art. 5° da Lei n. 3.373/1958, é de rigor o reconhecimento à filha maior de 21 anos solteira não ocupante de cargo público permanente, no momento do óbito, da condição de beneficiária da pensão por morte temporária, independentemente do óbito do instituidor do benefício ser superveniente à maioridade.

Confira-se: AgInt no REsp n. 1.859.489/RJ, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 15/6/2020, DJe 22/6/2020; AgInt no REsp n. 1.869.178/RJ, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 15/6/2020, DJe 23/6/2020 e AgInt no AREsp n.

1.337.062/RJ, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 21/3/2019, DJe 28/3/2019.

IV – Desta forma, aplica-se, à espécie, o enunciado da Súmula 83/STJ: Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida. Ressalte-se que o teor do referido enunciado aplica-se, inclusive, aos recursos especiais interpostos com fundamento na alínea “a” do permissivo constitucional.

V – Agravo interno improvido.

(AgInt no REsp 1872845/RJ, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/03/2021, DJe 26/03/2021)”

Sobre a pensão civil por morte à filha maior solteira, a jurisprudência dos tribunais superiores é pacífica no entendimento de que a filha maior solteira somente perde sua qualidade como beneficiária quando se casa ou quando se torna ocupante de cargo público permanente.

Há que se pontuar, por outro lado, que as decisões do TCU podem ser revistas acompanhando o entendimento dos tribunais superiores, a exemplo do Acórdão nº 12356/2020 – Primeira Câmara que segue in verbis:

PESSOAL. APOSENTADORIA. CONTAGEM PONDERADA DE TEMPO DE SERVIÇO. RE 1.014.286/SP, COM REPERCUSSÃO GERAL. POSSIBILIDADE. LEGALIDADE DE UM DOS ATOS. ILEGALIDADE DO OUTRO ATO, EM RAZÃO DA NÃO ABSORÇÃO DE VANTAGEM TEMPORÁRIA PREVISTA NO ART. 15 DA LEI 11.091/2005. DISPENSA DE DEVOLUÇÃO DOS VALORES INDEVIDAMENTE RECEBIDOS DE BOA-FÉ. DETERMINAÇÕES.

No caso em tela, o TCU julgou como legal uma conversão de tempo especial por exposição a agente nocivo em tempo comum, relativo a período posterior à instituição do Regime Jurídico Único, com base no Tema 942 de repercussão geral, para aplicação na concessão de uma aposentadoria por incapacidade permanente.

A decisão se trata de mudança de entendimento já que, anteriormente, o Plenário, através dos Acórdãos nº 2.008/2006 e nº 911/2014, fixou o entendimento de que somente era possível converter o tempo especial em tempo comum do funcionário celetista anterior ao Regime Jurídico Único.

 

  1. O Tema 445 de repercussão geral e seu efeito no Tribunal de Contas da União

É imperioso mencionar o julgamento do leading case RE 636553 em que foi discutido a aplicação do prazo de 5 anos previstos no Art. 54 da Lei Federal nº 9.784/1999 para a administração pública anular ato de concessão de aposentadoria, ponderando se o termo inicial do prazo começaria na data da concessão do benefício ou na data de registro do ato de pessoal no sistema do TCU. Reconhecendo a repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal assim editou o Tema 445:

“Em atenção aos princípios da segurança jurídica e da confiança legítima, os Tribunais de Contas estão sujeitos ao prazo de 5 anos para o julgamento da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma ou pensão, a contar da chegada do processo à respectiva Corte de Contas.”

Um exemplo prático da aplicação do tema 445 gerando modulação de efeitos nos julgamentos do TCU é o Acórdão nº 565/2021 – Plenário que julgou ilegal o pagamento da vantagem “opção de função” fixada no Art. 193 da Lei Federal nº 8.112/90. Citemos o comando de adequação:

“REPRESENTAÇÃO DE UNIDADE TÉCNICA. IRREGULARIDADE NO PAGAMENTO DA PARCELA “OPÇÃO” (ART. 193 DA LEI 8.112/1990), CONFORME ENTENDIMENTO FIRMADO NO ACÓRDÃO 1.599/2019-PLENÁRIO. CONHECIMENTO. PROCEDÊNCIA. DETERMINAÇÕES E CIÊNCIA.

(…)

ACORDAM os ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão do Plenário, ante as razões expostas pelo Relator, e com base no art. 45 da Lei 8.443/1992 e no art. 237, inciso VI, do Regimento Interno e na Súmula TCU 249, em:

9.1.      conhecer da presente representação, por atender aos requisitos de admissibilidade previstos nos arts. 235 e 237, inciso VI, do Regimento Interno do TCU, c/c o art. 103, § 1º, da Resolução-TCU 259/2014, e considerá-la procedente;

9.2.      determinar aos órgãos da Administração Pública Federal direta, autárquica ou fundacional, com fundamento no art. 43, I, da Lei 8.443/1992, c/c o art. 250, inciso II do Regimento Interno do TCU, que:

9.2.1.   no prazo de 15 (quinze) dias, iniciem os procedimentos para identificação dos casos e promovam a oitiva de todos os aposentados e pensionistas que se encontrem na situação descrita neste processo, com vistas à regularização, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, do pagamento da vantagem denominada “opção”, prevista no art. 193 da Lei 8.112/1990, que deverá adotar os seguintes parâmetros:

9.2.1.1.            o pagamento da “opção” deverá ser suprimido, no caso dos beneficiários cujos atos de concessão foram emitidos há menos de cinco anos e se encontrem pendentes de julgamento pelo TCU;

9.2.1.2.            o pagamento da “opção” deverá ser transformado em vantagem pessoal, a ser absorvida por quaisquer reajustes futuros, no caso dos beneficiários cujos atos de concessão foram expedidos há mais de cinco anos, desde que ainda não tenham sido julgados ou considerados tacitamente registrados pelo TCU;

9.2.1.3.            o pagamento da “opção” deverá ser transformado em vantagem pessoal nominalmente identificada, sujeita exclusivamente ao reajuste geral dos servidores públicos federais, no caso dos beneficiários cujos atos de concessão tenham sido julgados legais ou considerados tacitamente registrados pelo TCU há mais de cinco anos;

9.2.2.   promovam levantamento e enviem, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, à apreciação desta Corte de Contas, os eventuais atos de aposentadoria e de pensão civil que contemplem o pagamento da parcela de “opção” nas circunstâncias tratadas neste processo, expedidos há mais de cinco anos, por meio do sistema e-Pessoal, caso ainda não o tenham providenciado;

9.2.3.   se abstenham de emitir novos atos de concessão que contenham a irregularidade tratada nestes autos.”(Grifos nossos)

A decisão do Supremo Tribunal Federal fortalece o TCU e retira a pressão no mesmo em julgar os atos de pessoal que tendem lotar a Unidade Técnica. O prazo decadencial de cinco anos, a partir do registro do ato no TCU, já era reconhecido pelo mesmo, conforme Acórdão nº 9572/2015 – Segunda Câmara, Acórdão nº 1428/2016 – Segunda Câmara, Acórdão nº 4837/2017 – Primeira Câmara, Acórdão nº 15075/2018 – Primeira Câmara e, finalmente, a Súmula nº 278 do TCU de 2012:

“SÚMULA nº 278 – Os atos de aposentadoria, reforma e pensão têm natureza jurídica de atos complexos, razão pela qual os prazos decadenciais a que se referem o § 2º do art. 260 do Regimento Interno e o art. 54 da Lei nº 9.784/99 começam a fluir a partir do momento em que se aperfeiçoam com a decisão do TCU que os considera legais ou ilegais, respectivamente.”

Por outro lado, o tema 445 exarado pelo STF aponta o caminho que o Tribunal de Contas da União deverá perseguir no sentido de atender a demanda, tendo como meta o julgamento de todos os atos que são registrados no prazo decadencial de cinco anos.

O próprio aperfeiçoamento do sistema e-Pessoal do TCU aparenta contribuir nesse sentido, já que a ferramenta possui parâmetros para evitar com que a grande maioria dos casos de flagrante ilegalidade sequer consiga ser registrados no sistema.

Registre-se que, no ano de 2020, foram apreciados conclusivamente 108.399 atos de pessoal, sendo 91.840 considerados legais, 3.395 julgados como ilegais e 13.164 considerados prejudicados por perda de objeto.

Um aspecto de atualização do sistema é a possibilidade de inclusão das remunerações de contribuição para que seja possível aos órgãos de controle verificar o cálculo do benefício com base na média aritmética simples.

Outro ponto que deveria ser aprofundado é a transferência automática de dados do Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos – SIAPE para o e-Pessoal. A medida evidenciaria os pontos em que o sistema de concessão de benefícios deve ser ajustado em sintonia com a interpretação do Tribunal de Contas da União.

Há que se destacar que os Tribunais Regionais Federais estão modificando as revisões dos benefícios motivadas pelo TCU, influenciados pelo princípio da segurança jurídica, no argumento de que o tema 445 somente se aplica ao caso de cancelamento do benefício:

“PROCESSO Nº: 0805503-12.2020.4.05.8400 – APELAÇÃO CÍVEL APELANTE: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE APELADO: ANITA BARBOSA MACEDO ADVOGADO: Carlos Alberto Marques Junior RELATOR(A): Desembargador(a) Federal Cid Marconi Gurgel de Souza – 3ª Turma JUIZ PROLATOR DA SENTENÇA (1° GRAU): Juiz(a) Federal Janilson Bezerra De Siqueira EMENTA PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ART. 1.022 DO CPC. HORAS EXTRAS INCORPORADAS POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL TRANSITADA EM JULGADO. VANTAGEM NÃO TRANSFORMADA EM VPNI. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE DA UFRN E LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO FEDERAL. OMISSÃO. OCORRÊNCIA. OMISSÃO SUPRIDA. PRELIMINAR AFASTADA. SUPRESSÃO DA RUBRICA. DETERMINAÇÃO DO TCU. ABSORÇÃO PELAS VANTAGENS REMUNERATÓRIAS. IMPOSSIBILIDADE. SITUAÇÃO JURÍDICA CONSOLIDADA NO TEMPO. EMBARGOS PARCIALMENTE PROVIDOS, SEM ATRIBUIÇÃO DE EFEITOS INFRINGENTES. 1. Embargos de Declaração opostos pela UFRN em face do acórdão que negou provimento à Apelação, mantendo incólume a sentença que que julgou procedente o pedido inicial para anular o ato administrativo que cessou o pagamento das horas extras incorporadas aos vencimentos da parte Autora, bem como para condenar a UFRN a restabelecer o pagamento da referida vantagem como vinha ocorrendo antes da edição do ato impugnado, e a pagar os atrasados acrescidos de juros e correção monetária, calculados nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal. 2. Alega a Embargante que o acórdão impugnado incorreu em omissão quanto: a) à preliminar de ilegitimidade da UFRN e de litisconsórcio passivo necessário da União Federal; b) à inocorrência da decadência ante a impossibilidade de aplicação ao caso do disposto no art. 54 da Lei nº 9.784/99 vez que não se trata de anulação de ato administrativo, mas sim de supressão de vantagem em face de comprovada absorção por novos padrões remuneratórios, configurando relação de trato sucessivo; c) à inexistência de violação à coisa julgada pelos acórdãos do TCU que determinaram a redução/exclusão das horas extras pelo reconhecimento da absorção da vantagem pelas sucessivas reestruturações da carreira do servidor, não havendo que se falar em direito adquirido à manutenção da verba, uma vez que não há prova de que a decisão judicial assegurou o pagamento de VPNI ad aeternum. 3. Quanto à preliminar de legitimidade passiva necessária da União Federal, de fato, houve omissão no julgado, pelo que, passa-se à análise da prejudicial citada para desde já afastá-la. É que a exclusão da vantagem foi decorrente de ato direto da UFRN embora seguindo determinação do TCU. Conforme entendimento do col. STJ “as Universidades Federais, pessoas jurídicas de direito público, autônomas, independentes e dotadas de personalidade jurídica própria, detêm legitimidade para a prática de atos processuais, sendo representadas por seus procuradores autárquicos, nos termos do disposto na LC 73/1993 (art. 17, I). Inexiste, portanto, obrigatoriedade de inclusão da União na figura de litisconsorte, já que é regular a demanda ajuizada exclusivamente em desfavor da Instituição de Ensino, a qual detém absoluta legitimidade para responder pelos atos veiculados na exordial” (STJ – REsp 1.796.396/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 07/05/2019, DJe 12/09/2019). Afastada, pois, a preliminar de ilegitimidade passiva da UFRN e de litisconsórcio necessário da União Federal. 4. Sobre as demais questões, inexistem as omissões apontadas. 5. A teor dos fundamentos postos no decisum, esta colenda Tuma concluiu que como os autores recebem as horas extras incorporadas há pelo menos 15 (quinze) anos por força de decisão judicial transitada em julgado, a situação jurídica dos demandantes se encontra consolidada no tempo de forma que a sua alteração na forma pretendida pela autarquia ré violaria o princípio da segurança jurídica. 6. Foi perfilhado o entendimento de que “incide o prazo decadencial do art. 54 da Lei nº 9.784/99 a contar do primeiro pagamento uma vez que, segundo entendimento do STJ, ‘a inclusão das horas extras incorporadas aos vencimentos dos servidores implantada em razão do cumprimento de decisão judicial transitada em julgado, constitui ato comissivo, único, de efeitos concretos’ (STJ – AgRg no REsp 1.552.624/RN, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 22/05/2018, DJe 01/06/2018). A exemplo: (TRF5 – Processo 0803962-75.2019.4.05.8400, Apelação Cível, Rel. Desembargadora Federal Isabelle Marne Cavalcanti de Oliveira Lima (Convocada), 3ª Turma, julgamento: 01/10/2020)”. 7. Restou consignado no voto recorrido que: “O pagamento das horas extras incorporadas por força de decisão judicial por prazo superior ao lustro prescricional do art. 54 da Lei nº 9.784/99, sem que a Administração tenha a transformado a rubrica em VPNI para a efetiva compensação a cada reestruturação da carreira até a consumação total do valor da vantagem pessoal, configura situação jurídica já consolidada no tempo e impassível de alteração por ato do Tribunal de Contas da União, ainda que pelas vias do exercício da competência prevista no art. 71, III, da CF, sob pena de ofensa à segurança jurídica, ao direito adquirido e à coisa julgada. 8. Foi dito, também, que: “Se a verba tinha origem em outro regime jurídico e, por essa razão, não mais poderia ser paga à requerente, caberia à Administração sua transformação em VPNI na época devida, para efetiva compensação a cada reestruturação da carreira até a consumação total do valor da vantagem pessoal. Não cabe ao Tribunal de Contas da União, depois de tantos anos, e após já consolidada a situação, excluir a verba dos contracheques da parte autora, por ocasião da homologação de sua aposentadoria. Pensar dessa forma seria abrir a possibilidade de a Corte de Contas rever qualquer situação consolidada em face do tempo, contra decisão judicial baseada em lei expressa e sem declaração de inconstitucionalidade, violando a segurança jurídica, ora representada pelo instituto da decadência. Penso, pois, que não há como admitir a determinação de exclusão da verba incorporada depois de tanto tempo sem ferir o princípio da segurança jurídica, postulado do Estado de Direito, e sem ofender o direito adquirido do servidor e a coisa julgada (TRF5 – Processo 0803567-20.2018.4.05.8400, AC – Apelação Cível Rel. Desembargador Federal Rogério Fialho Moreira, 3ª Turma, julgamento: 21/03/2019)” 9. O inconformismo da parte recorrente não se amolda aos contornos da via dos Embargos de Declaração, porquanto o acórdão ora combatido não padece de vícios de omissão, contradição ou obscuridade, não se prestando o manejo de tal recurso para o fim de rediscutir os aspectos fático-jurídicos anteriormente debatidos. Embargos de Declaração providos, em parte, sem atribuição de efeitos infringentes. jes

(PROCESSO: 08055031220204058400, APELAÇÃO CÍVEL, DESEMBARGADOR FEDERAL CID MARCONI GURGEL DE SOUZA, 3ª TURMA, JULGAMENTO: 08/04/2021)” (Grifos nossos)

Deste modo, apesar do tema 445 estabelecer o prazo decadencial para o TCU, o Poder Judiciário Federal não tende a perder de vista o respeito ao princípio da segurança jurídica fixado no Art. 2º e Art. 54, da Lei Federal nº 9.784/99.

 

Conclusão

O Tribunal de Contas da União foi uma das primeiras instituições em que se materializou o espírito republicano do Estado brasileiro.

Dotado de uma independência e autonomia de atuação, o TCU figura como um órgão administrativo técnico com atribuição constitucional na promoção do controle dos gastos públicos.

Suas decisões devem ser observadas por toda administração pública, personificada pelo poder legislativo, judiciário e executivo. Diante de uma inobservância, o TCU tem ferramentas para punir os gestores públicos, inclusive com reposição ao erário.

Apesar do TCU observar o entendimento dos tribunais superiores, por vezes, inspirado tão somente no princípio da economicidade, fixado no Art. 70 da CRFB/88, gera decisões que posteriormente são revistas pelo Poder Judiciário por ferirem o princípio da segurança jurídica na administração pública.

O TCU, ainda que tenha criado ferramentas mais eficientes no que tange o controle dos atos de pessoal, mesmo que possua um sistema integrado em todos os órgãos da administração pública federal, se mostra ineficiente em julgar as demandas em um período razoável de tempo.

No atual cenário, os aposentados e pensionistas não têm segurança jurídica a respeito dos benefícios que foram conferidos à época, motivado pela demora do TCU em julgar o ato, ou ainda por causa das decisões que indiretamente revisam outros atos já julgados como legais pelo próprio TCU. A insegurança jurídica é ainda mais afetada nos casos de reinterpretação da legislação fora do contexto social e político em que foram criadas.

Com a devida vênia, as decisões do Tribunal de Contas da União devem possuir o devido calibre de acordo com os princípios inerentes à demanda, contendo-as nos restritos limites da legalidade, da segurança jurídica e da economicidade.

 

Referências

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[1] Advogado, inscrito na OAB/SE nº 12.371, Bacharel em Direito, graduado na Universidade Federal de Sergipe UFS, Especialista em Contabilidade Pública e Responsabilidade Fiscal no Centro Universitário UNINTER e Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Estácio de Sá UNESA. E-mail: [email protected]

 

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