Resumo: O estudo pretende conceituar e comparar o auxílio – doença do Regime Geral de Previdência Social com a Licença do art. 83 da Lei n. 8.112/90, bem como a aplicação dos direitos fundamentais e o princípio da isonomia aos acontecimentos idênticos, independentemente, em qual Regime Previdenciário o cidadão esteja filiado. Visa ainda o reconhecimento do direito a previdência como direito fundamental.
Palavras-chave: Auxílio – Doença. Licença art. 83 da Lei n. 8.112/90. Regime Geral da Previdência Social. Regime Próprio da Previdência Social. Direito Fundamental. Princípio da Isonomia.
Sumário: Introdução. Previdência Social. Conceito de Auxílio – Doença no RGPS. Licença do art. 83 na Lei n. 8.112/90. Direito Fundamental e o Princípio Constitucional da Isonomia. Conclusão. Referências.
Introdução
A previsão na Lei nº 8.112/91 de que ao servidor público poderá ser concedida licença por motivo de doença do cônjuge ou companheiro, dos pais, dos filhos, do padrasto ou madrasta e enteado, ou dependente que viva a suas expensas e ante a ausência no Regime Geral de Previdência Social de referida determinação, percebe-se que o servidor público, também na condição análoga de segurado, possui tratamento diferenciado daqueles que estão em situação de risco social idêntico, ignorando Direitos Fundamentais, assim como a aplicação direta do Principio da Isonomia.
Previdência Social
A previdência social é uma espécie de seguro que na nossa Constituição Federal encontra-se elencada como uma das divisões do gênero Seguridade Social, consoante preceitua o art. 194 e art. 201, consoante abaixo:
“Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)”
Para que a previdência se torne social é indispensável que a filiação do indivíduo seja obrigatória ao sistema previdenciário típico.
Nesse sentido ensina o Mestre Fábio Lopes Vilela Berbel quando escreve sobre o sistema de previdência, in verbis:
“A obrigatoriedade de vinculação é requisito fundamental à socialização da previdência, pois a facultatividade, ante a miopia pessoal, seria óbice à proteção social plena. Logo, é indispensável à caracterização da previdência social a obrigatoriedade de filiação, visto ser essa a única forma que a sociedade detém para realizar a proteção individual e, por via tangencial, a proteção social. (…)
A previdência social, como visto, é inexoravelmente obrigatória. Essa obrigatoriedade impõe a necessidade de delimitação da população jurídica abstrata previdenciária, pois faz-se necessária a previsão, em norma jurídica, dos sujeitos que se filiarão ao regime previdenciário. A previdência, portanto, para ser social tem que delimitar os sujeitos jurídicos e impor-lhes a filiação obrigatória[1].”
Em nosso país existe uma divisão constitucional da Previdência Social em dois subsistemas, quais sejam, Regime Geral de Previdência Social e Regime Próprio de Previdência Social, nesta subdivisão, o objeto direto de ambos os regimes é único, é a Proteção Social.
Quando o indivíduo é atingindo por um risco social, o estado e a sociedade tem o dever legal constitucional de protegê-lo socialmente, como se faz, através das conclusões do Mestre Fábio Lopes Vilela Berbel:
O indivíduo constitui a sociedade; é parte integrante e necessária. Não posso conceber um ser humano senão como indivíduo social. A pessoa, por si, e a sociedade são os responsáveis pela manutenção da dignidade pessoal. Ambas, pessoa e sociedade, coordenadamente, reúnem esforços para o indivíduo recuperar sua integral valia quando afetado por um risco social.[2]
A proteção social é inerente a previdência social e só é possível por meio da preservação e respeito a dignidade humana, que encontra-se elencado no art. 3º, inciso III, da Carta Magna, que consoante citado pelo Dr. Wladimir Novaes Martinez, vejamos:
“(…) Esse direito fundamental foi alçado ao texto constitucional, forçando a doutrina jurídica a tê-lo como princípio fundamental.Tal pretensão ao respeito pessoal deixou de ser uma garantia política e se tornou objeto de um mandamento jurídico superior e, por isso, frequentemente invocado.(…)”[3].
Conceito do Auxílio – Doença no Regime Geral da Previdência Social
Segundo o ensinamento do Professor Marcus Orione Gonçalves Correia e Érica Paula Barcha Correia “A doença também é risco, previsto constitucionalmente (art. 201 da Constituição), que merece ser coberto pela Previdência Social, tendo ocorrido para tanto a instituição do beneficio denominado “auxílio-doença”.
O art. 59 da Lei nº 8.213/91 estabelece que o auxílio – doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.
Licença do art. 83 na Lei n. 8.112/90
Ensina em sua obra Regime Próprio de Previdência Social dos Servidores Públicos, o Mestre e Doutor Marcelo Barroso Lima de Brito de Campos que (…) licenças consistem em situações nas quais os servidores públicos não exercem as atividades de seu cargo, emprego ou função.[4]
Particularizando, a licença estabelecida no art. 83 da Lei 8.112/90 atende seu fim social a que se destina, protegendo socialmente aquele individuo que perde ou diminui a sua capacidade laborativa, em razão de doença de um ente familiar.
Para tanto, prescreve o art. 81 e 83 da Lei n. 8.112/90:
“Art. 81. Conceder-se-á ao servidor licença:
I – por motivo de doença em pessoa da família;(…)
Art. 83. Poderá ser concedida licença ao servidor por motivo de doença do cônjuge ou companheiro, dos pais, dos filhos, do padrasto ou madrasta e enteado, ou dependente que viva a suas expensas e conste do seu assentamento funcional, mediante comprovação por perícia médica oficial. (Redação dada pela Lei nº 11.907, de 2009)
§ 1o A licença somente será deferida se a assistência direta do servidor for indispensável e não puder ser prestada simultaneamente com o exercício do cargo ou mediante compensação de horário, na forma do disposto no inciso II do art. 44. (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
§ 2o A licença de que trata o caput, incluídas as prorrogações, poderá ser concedida a cada período de doze meses nas seguintes condições: (Redação dada pela Lei nº 12.269, de 2010)
I – por até 60 (sessenta) dias, consecutivos ou não, mantida a remuneração do servidor; e (Incluído pela Lei nº 12.269, de 2010)
II – por até 90 (noventa) dias, consecutivos ou não, sem remuneração. (Incluído pela Lei nº 12.269, de 2010)
§ 3o O início do interstício de 12 (doze) meses será contado a partir da data do deferimento da primeira licença concedida. (Incluído pela Lei nº 12.269, de 2010)
§ 4o A soma das licenças remuneradas e das licenças não remuneradas, incluídas as respectivas prorrogações, concedidas em um mesmo período de 12 (doze) meses, observado o disposto no § 3o, não poderá ultrapassar os limites estabelecidos nos incisos I e II do § 2o. (Incluído pela Lei nº 12.269, de 2010)”
Em cada Regime de Previdência Social existem normas peculiares que regulamentam a concessão dos benefícios aos seus segurados, porém, essas normas devem se atentar a um único escopo que é a manutenção da dignidade do individuo.
Direito Fundamental e Princípio da Isonomia
Analisando a licença do art. 83 da Lei n. 8.112/90 e comparando ao benefício previdenciário designado no art. 59 da Lei 8.213/91, o risco social acobertado no Regime Próprio de Previdência Social é o mesmo do Regime Geral de Previdência Social, porém neste último subsistema não temos definido em lei a permissão da concessão do benefício ao segurado que tenha perdido ou tenha diminuído sua capacidade laborativa, em razão de ter que se ausentar do seu trabalho para amparar um ente familiar temporariamente, senão vejamos:
Não estabelecer no Regime Geral de Previdência Social a possibilidade de concessão ao segurado de se afastar do trabalho para cuidar de um ente familiar é excluí-lo de toda e qualquer proteção social, é negar seus direitos fundamentais e ignorar o princípio constitucional da isonomia.
Conforme expõe Wladimir Novaes Martinez em sua obra Princípios de Direito Previdenciário, in verbis:
“Sua conclusão é: o conceito de igualdade não pode ser absoluto (como pretendiam os idealistas), mas se apresenta proporcional. Proporcional, em primeiro lugar, porque varia de acordo com as exigências precípuas do ser humano. Como acima se afiançou, no que tange aos direitos fundamentais da pessoa, mister se faz seja absoluta a igualdade; entretanto, à medida em que descemos na hierarquia desses direitos, surgem, normais, as desigualdades, quer naturais, quer sociais.” [5]
Vale reproduzir, o citado, quanto ao preterido neste trabalho, através da obra Benefício por Incapacidade & Perícia Médica – Manual Prático do Mestre Carlos Alberto Vieira de Gouveia:
“Para ilustrar tal situação, vejam este caso, que é digno de lágrimas pela situação e de palmas pela saída encontrada com base na tese do advogado, no laudo médico-perito e na excepcional decisão do Julgador:
(…) Pelo que se extrai dos documentos juntados com a inicial e da análise da perícia judicial realizada, a enfermidade que acomete a filha da postulante bem como a expectativa de sobrevida é o limite de 1 ano de idade, em razão de complicações pulmonares, sendo que no caso a criança já conta 1 ano e 3meses de vida, criando para a autora um quadro tal em que, ao mesmo tempo em que acredita na possibilidade de recuperação da filha, também tem conhecimento de que não existe possibilidade médica de cura e o pior, que a cada dia passa mais próximo esta de uma notícia desalentadora.
Evidente assim que, apesar de fisicamente a postulante não ter qualquer limitação para o trabalho, sob o ponto de vista psicológico, conforme destacado pela perícia judicial, não vislumbra qualquer possibilidade de que a autora possa desenvolver atividade profissional.
No caso, não se pode desconsiderar o fato de que a criança necessita de um acompanhamento individualizado que é feito pela mãe já que a UTI tem apenas atendimento coletivo, conforme consta da perícia. Já a contratação de uma enfermeira para atendimento individualizado até poderia suprir a necessidade médica da criança, mas sem o contato afetivo mãe-filha que, nos termos da perícia médica, gera à criança “maior possibilidade de sobrevida, segurança e conforto familiar”.
Dessa forma, tanto pelo lado psicológico da mãe, que não conseguiria qualquer rendimento satisfatório indo trabalhar e deixando a vida de sua filha esvair-se no hospital, quanto pelo lado da criança, que tem maior expectativa de vida ao receber o atendimento materno, verifica-se que não existe a mínima capacidade laboral por parte da requerente. (…)
Em sendo assim, a conclusão desse juízo é que existe direito à concessão do benefício auxílio-doença, a ser mantido enquanto persistir o quadro fático noticiado nos autos (…)
Processo 2006.72090007861/SC – Sentença Publicada em 23.06.2006. Trânsito em Julgado em 09.11.2006 – Turma Recursal de SC – confirmou por unanimidade a sentença a quo.[6]
Finda-se, por conseguinte, que o princípio constitucional da igualdade, exposto no artigo 5º da Constituição Federal, é norma de eficácia plena, cuja exigência de cumprimento independe de qualquer norma regulamentadora, assegurando a todos, indistintamente, independentemente de raça, cor, sexo, classe social, situação econômica, dentre tantas outras situações, nesse caso, em especial independentemente do subsistema de Previdência Social que o segurado esteja filiado, igual tratamento perante a Lei Maior, visando a proteção social e a preservação da dignidade do cidadão.
Conclusão
A natureza dos benefícios previdenciários é alimentar, em razão de manter a subsistência dos segurados e seus dependentes enquanto substitui os salários que aqueles perceberiam se estivessem com aptidão plena para exercer atividade laboral.
É cediço que a lei deve ser interpretada conforme o fim social a que se destina, e além disso, deve ser interpretada conforme a nossa Carta Magna.
O princípio constitucional da isonomia tem eficácia plena em situações que envolvem a defesa de direito fundamentais.
Assunto correlato ao discutido é a proteção da família elencada no art. 226 da nossa Constituição Federal.[7]
Sendo assim, se um segurado se torna incapaz ou tem reduzida sua capacidade laborativa, pelo motivo de ter que cuidar, temporariamente, de um ente familiar, o risco social existe e não seria justo aquele ficar excluído da proteção social, eis que existem normas constitucionais que lhe garantem a concessão de um benefício previdenciário substitutivo de sua renda, por ser medida da mais cristalina Justiça em nosso país.
Informações Sobre o Autor
Daiane Tais Casagrande
Advogada militante na área de Direito Previdenciário. Pós graduada em Direito Previdenciário pela Escola Paulista de Direito Social