Contribuições previdenciárias e compensação tributária

Resumo: O presente artigo avalia a questão da compensação de contribuições previdenciárias. Aspectos tributários e previdenciários são utilizados como base de estudo. O depósito referente ao crédito e seus reflexos administrativos e judiciais também é objeto da pesquisa.

Palavras-chaves: Direito Previdenciário; compensação de contribuições; depósito judicial.

Abstract: This article examines the tax offsetting concerning Social Security contributions. Tax Law and Pension Law aspects are used as ground for study. The judicial deposit related to tax credit and its administrative and judicial reflexes is also presented.

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Keywords: Pension Law; tax offsetting; judicial deposit.

I. Introdução

O procedimento de conversão do depósito judicial em renda, operado na forma do artigo 156 do Código Tributário Nacional – CTN, e os efeitos jurídicos que afluem desta conversão.

II. Depósito Judicial e Compensação

O depósito integral do crédito tributário, consoante disposto no artigo 151, inciso II, do CTN[1], é faculdade de que dispõe o contribuinte para suspender a sua exigibilidade. Essa causa de suspensão da exigibilidade pode ocorrer em dois momentos distintos: (i) no curso do procedimento administrativo; e (ii) no processo judicial.

No primeiro momento – procedimento administrativo –, o depósito tem o efeito de evitar a atualização do valor monetário da dívida (correção monetária) e a incidência da mora (juros e multa), como consequências naturais do inadimplemento da obrigação tributária; no segundo, o depósito judicial, afora prevenir a correção da dívida, impede o ajuizamento da execução fiscal pela Fazenda Pública, com o que manifesta o seu efeito suspensivo da exigibilidade.

Neste contexto, somente quando efetuado na esfera judicial que o depósito assume a feição de causa suspensiva da exigibilidade; isso se justifica na circunstância de que, no curso do procedimento administrativo, quer ao impugnar o lançamento, quer ao interpor recurso aos órgãos superiores, o sujeito passivo tem automaticamente suspensa a exigibilidade do crédito contra si constituído.

Os valores depositados, não obstante geridos pela Caixa Econômica Federal e repassados à Conta Única do Tesouro Nacional[2], ficam à disposição do juízo: nem o sujeito passivo nem o Fisco têm acesso àqueles valores, razão pela qual o vencedor da demanda receberá, além do valor principal, os juros remuneratórios, cuja produção é encargo do depositário.

No caso de depósitos na seara judicial, suspende-se, por conta da garantia integral, a exigibilidade de tributo questionado em ação própria. Pode-se, ainda, no lugar do depósito, optar-se pelo regular pagamento, extinguindo o suposto crédito pertencente à Fazenda Pública.

Sem embargo dessas possibilidades, seria igualmente lícito à contribuinte, identificando a existência de crédito tributário decorrente de pagamento indevido ou a maior, por ato próprio, quando autorizado por lei, promover a compensação desses valores, cabendo à Administração Tributária a fiscalização e ulterior homologação do débito do Fisco apurado pelo contribuinte.

A operação da compensação envolvendo débitos de contribuições sociais incidentes sobre a folha ocorre na Guia de Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência Social – GFIP, por meio da retificação daquela na qual a contribuição foi informada, e a posterior inserção do crédito na GFIP da competência em que será compensado.

Com efeito, o ato normativo que pela primeira vez cuidou sobre o instituto da compensação na seara tributária foi a Lei n. 8.283/91, que a autorizou apenas entre tributos da mesma espécie, sem exigir, ante o disposto em seu artigo 66, a prévia anuência da Secretaria da Receita Federal do Brasil – SRFB.

Posteriormente, a Lei n. 10.637/02 sedimentou a desnecessidade de equivalência da espécie dos tributos compensáveis – o que, inclusive, estava previsto na Lei n. 9.430/96 -, afastando, outrossim, a necessidade de autorização da SRFB para que o contribuinte utilizasse os créditos a serem restituídos ou ressarcidos com a finalidade de quitação dos tributos arrecadados por aquela entidade.

A compensação tributária, portanto, não está condicionada ao ato administrativo de invalidação do lançamento, de decisão administrativa ou de decisão judicial, bastando que exista crédito como produto do ato administrativo de lançamento ou do ato-norma do contribuinte que constitui o crédito tributário.

Diante disso, podemos concluir que:

“- O depósito judicial é faculdade de que dispõe o contribuinte para suspender a exigibilidade do crédito tributário;

– Os valores depositados ficam à disposição do Juízo, que determina a conversão do depósito em renda a favor da Fazenda Pública após o trânsito em julgado da sentença desfavorável ao contribuinte;e

A compensação tributária não se condiciona ao depósito, à anulação do ato administrativo de lançamento, à decisão administrativa ou judicial que declarem a inexistência da relação tributária, podendo ocorrer por ato próprio do contribuinte, constatando pagamento indevido ou a maior.”

III. Conversão de depósito em renda

A conversão de depósito em renda é, ao lado do pagamento, modalidade de extinção do crédito tributário[3]. Essa conversão a favor do Fisco ocorre, em regra, quando o depositante, dando-se por vencido e sendo notificado, quer na discussão administrativa, quer na demanda judicial, postula a conversão dos valores depositados em benefício do sujeito ativo.

Tanto a conversão quanto o regular pagamento do crédito tributário não extinguem, por si, o dever jurídico do sujeito passivo, tampouco o direito subjetivo de que é investido o credor, de forma pôr fim na relação jurídica abstrata que os vincula; ocorre, apenas, a extinção do crédito tributário materializado em seu respectivo lançamento.

Dessa semelhança entre o pagamento e a conversão do depósito em renda podemos concluir que, se na hipótese do pagamento, estará o contribuinte investido da faculdade de, por ato próprio, compensar os valores recolhidos indevidamente ou a maior, bem como ingressar com as medidas judicias tendentes a afastar a incidência do tributo, não com menos razão poderá o converter o depósito judicial em renda e prosseguir com a discussão judicial para ter declarada a ausência do dever jurídico, ou ainda, convergindo no pagamento indevido, compensar os valores por ato próprio, sujeitando-se, neste caso, a ulterior homologação.

Ademais, a conversão do depósito em renda, além de não ensejar risco de prejuízo ou insegurança à jurisdição – a qual foi conferida a disponibilidade dos valores -beneficia sobremaneira os sujeitos envolvidos na relação processual. Se à Fazenda Pública o pedido de conversão representa o imediato ingresso dos valores depositados no erário, ao contribuinte evita a resistência da SRFB em proceder, ante o depósito integral, à regular expedição de CPD-en., abstendo-se deinscrever o débito no CADIN[4].

Isso se dá porque o contribuinte, ao eleger o depósito como meio de suspender a exigibilidade de tributo contra si constituído, deverá comprovar a sua regularidade periodicamente; não obstante a simplicidade do procedimento, a SRFB reiteradamente empecilha a emissão da CPD-en., fazendo constar no CADIN e no relatório de restrições débitos devidamente garantidos. Essa situação já foi, inclusive, objeto da jurisprudência:

“TRIBUTÁRIO. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. MEDIDA CAUTELAR. CADIN. LEGALIDADE. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. OCORRÊNCIA. FUMUS BONI JURIS E PERICULUM IN MORA. PRESENÇA.

1.Para a concessão da medida cautelar, faz-se necessário a presença simultânea do fumus boni juris e do periculum in mora.

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2.O Plenário, do eg. Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da ADIn nº 1.178-2, suspendeu somente a eficácia dos arts. 4º, 5º,6º e 7º do Decreto nº 1.006/93, reconhecendo a constitucionalidade do CADIN e de sua finalidade, na forma como definidos no art. 1º, do retro mencionado Decreto nº 1.006/93.

3. Suspensa a exigibilidade do crédito tributário pela execução judicial, garantida pelo depósito judicial do montante da dívida, possui o contribuinte o direito à exclusão do seu nome do Cadastro Informativo de Créditos – CADIN. Precedentes deste Tribunal Regional Federal.

4.Presença do fumus boni juris e do periculum in mora necessários ao deferimento da medida.

5.Apelação e remessa oficial, tida por interposta, improvidas.” (AC 199701000435809, JUÍZA IVANI SILVA DA LUZ (CONV.), TRF1 – QUARTA TURMA, DJ DATA:17/10/2002 PAGINA:90.) (Grifou-se)

Destarte, sendo o depósito judicial uma faculdade do contribuinte, a conversão dos valores em renda em favor da Fazenda Pública também se sujeita ao arbítrio da vontade do suposto devedor, não representando esse ato renúncia tácita ao direito de ação, ao direito subjetivo sobre o qual ela se funda – de impugnar judicialmente a obrigação tributária -, ou confissão da dívida tributária adimplida.

Feita essa análise, pontuamos as seguintes conclusões:

– A conversão do depósito em renda é modalidade de extinção do crédito tributário;

– Seja na hipótese de pagamento ou de conversão em renda, não estará o contribuinte impedido de compensar o débito ou ingressar com as medidas judiciais adequadas à descaracterização do dever tributário;

– A conversão do depósito judicial em renda não importa no reconhecimento da obrigação tributária, renúncia ao direito de ação ou do direito sobre o qual ela se funda;

– A conversão não enceta risco de prejuízo ou insegurança à jurisdição, beneficiando os litigantes; e

– A conversão, à semelhança do depósito, é faculdade do contribuinte.”

IV. O artigo 170-A do Código Tributário Nacional e a Instrução Normativa RFB nº 900/08

O artigo 170-A do Código Tributário Nacional – CTN, incluído pela Lei Complementar n. 104/01, veda, expressamente, a compensação do crédito tributário objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial, enunciando:

Art. 170-A. É vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial.”

Essa norma jurídica fora regulamentada, no âmbito administrativo, pela Instrução Normativa RFB n. 900, de 30 de dezembro de 2008, que em seu artigo 70[5] reiterou a impossibilidade de repetição, mediante ressarcimento, restituição, reembolso e compensação, do crédito objetivo de discussão judicial antes do trânsito em julgado da decisão que reconhecer o direito do sujeito passivo.

A aplicabilidade do referido dispositivo pressupõe, entretanto, a sujeição passiva do contribuinte em face do tributo contestado, sobretudo porque a eficácia da decisão que reconhecer o direito subjetivo, e o trânsito em julgado que a tornar imutável, atingem apenas os contribuintes que ocupem a pólo passivo da relação tributária, sendo indiferente aos demais.

A identificação da sujeição passiva não é tarefa estática. Ao contribuinte cumpre a aferição dinâmica acerca da ocorrência, no mundo fenomênico, do fato jurídico tributário, notadamente em relação aos tributos sujeitos a lançamento por homologação; superada essa fase, caberá ao sujeito passivo mensurar o quantum devido e repassá-lo, no prazo legal, à Fazenda Pública.

Se o contribuinte, após o pagamento do tributo, pretender questionar a inexistência da relação tributária ou a inexigibilidade do crédito adimplido, poderá licitamente fazê-lo, porém, a eficácia da decisão, consubstanciada na repetição do indébito, estará condicionada ao trânsito em julgado da decisão que houver reconhecido o direito ao crédito.

Hipótese diversa é aquela na qual não se questiona o tributo em si, mas o método de identificação do sujeito passivo da obrigação tributária. Os efeitos da decisão judicial que desclassifica um método de identificação, acolhendo outro, prescindem do trânsito em julgado, tornando inócua a vedação contida no artigo 170-A.

Sobre este tema, inclusive, cabe transcrever ensinamento do sempre ponderado Juiz Federal Leandro Paulsen[6]:

Quando se tratar de mero erro de cálculo ou de enquadramento legal ou se já houver ADIN ou Resolução do Senado dizendo da inconstitucionalidade da lei incidente e o contribuinte ajuizar ação apenas para discussão dos critérios da compensação, o art. 170-A do CTN será inaplicável, bastando o reconhecimento judicial do direito à compensação em tal ou qual forma, não sujeito a recurso com efeito suspensivo, para que o contribuinte possa se valer de tal reconhecimento e efetuar a compensação, sujeito, evidentemente, à sorte da demanda.” (grifamos)

Sendo assim, a partir do momento em que a discussão judicial restringe-se a verificação da correta sistemática de apuração de determinado tributo, a sentença proferida em sede de Mandado de Segurança, por exemplo, não estando sujeita a recurso com efeito suspensivo, passa a produzir efeitos imediatamente, tornando o indébito tributário apurado nas últimas 60 competências imediatamente compensável.

Os mesmos argumentos expostos acima podem ser utilizados em face ao disposto na Instrução Normativa RFB nº 900/08, artigos 70 e 71, na medida em que o referido ato infralegal somente se aplica quando o objeto da discussão judicial for o tributo ou o próprio crédito em si.

Ademais, a própria Instrução Normativa RFB nº 900/08, em seu artigo 34, é taxativa ao dispor que o indébito tributário oriundo de contribuições previdenciárias possui procedimento de compensação próprio, diferente daquele previsto para os tributos não previdenciários, confira-se:

“Art. 34. O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive o reconhecido por decisão judicial transitada em julgado, relativo a tributo administrado pela RFB, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios, vencidos ou vincendos, relativos a tributos administrados pela RFB, ressalvadas as contribuições previdenciárias, cujo procedimento está previsto nos arts. 44 a 48, e as contribuições recolhidas para outras entidades ou fundos.” (grifamos)

Portanto, o procedimento previsto na Instrução Normativa RFB nº 900/08 (não foi alterada posteriormente nos artigos citados) para a compensação de contribuições previdenciárias está consolidado nos artigos 44 a 48. Não se aplicam, assim, as regras que disciplinam a compensação relativa a créditos de natureza não previdenciária, como aquelas insculpidas na Instrução Normativa RFB nº 900/08, em seus artigos 70 e 71.

 

Notas:
[1]Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário:
II – o depósito do seu montante integral;

[2] Art. 1o Os depósitos judiciais e extrajudiciais, em dinheiro, de valores referentes a tributos e contribuições federais, inclusive seus acessórios, administrados pela Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda, serão efetuados na Caixa Econômica Federal, mediante Documento de Arrecadação de Receitas Federais – DARF, específico para essa finalidade.
§ 2o Os depósitos serão repassados pela Caixa Econômica Federal para a Conta Única do Tesouro Nacional, independentemente de qualquer formalidade, no mesmo prazo fixado para recolhimento dos tributos e das contribuições federais.

[3] Art. 156. Extinguem o crédito tributário:
I – o pagamento;
II – a compensação;
III – a transação;
IV – remissão;
V – a prescrição e a decadência;
VI – a conversão de depósito em renda;

[4] Cadastro informativo de créditos não quitados do setor público federal.

[5] Art. 70. São vedados o ressarcimento, a restituição, o reembolso e a compensação do crédito do sujeito passivo para com a Fazenda Nacional, objeto de discussão judicial, antes do trânsito em julgado da decisão que reconhecer o direito creditório. (Redação dada pela Instrução Normativa RFB nº 973, de 27 de novembro de 2009)

[6] PAULSEN, Leandro, Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 11ª ed. Porto Alegre: Livraria dos Advogado Editora, 2009, p. 1172.


Informações Sobre o Autor

Arthur Bragança de Vasconcellos Weintraub

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Professor de Direito da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP, Pós-Doutor pela UNIFESP, Bacharel, Mestre, Doutor e ex-professor da USP, Pesquisador convidado em HARVARD


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