Da inexigibilidade de desconto previdenciário incidente em verba de caráter provisório

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Da natureza do regime Previdenciário Brasileiro

Primeiramente a analise das questões incidentes neste caso concreto, é necessário a conceituação da natureza do regime previdenciário.

O doutrinador Feijó Coimbra ressalta as espécimes de funcionamento financeiro das instituições de seguro social: o da capitalização, individual ou coletiva, e o da repartição. Asseverando que o sistema brasileiro é o da repartição, no qual as contribuições dos ativos servem de base para a solidariedade do pagamento dos inativos[1].

O Ministro Maurício Corrêa, proferido em Sessão Administrativa do Supremo Tribunal Federal, de 18.12.02, afirmando a não-incidência da contribuição previdenciária sobre função comissionada não-incorporável, e assim verba de cunho indenizatório, citando o ex-Procurador Geral da República Geraldo Brindeiro, traz a lume um histórico sobre o direito previdenciário próprio dos servidores públicos[2].

Pois bem, a Constituição Federal, na redação dada pela Emenda Constitucional nº 20/98, determinou que o caráter contributivo do regime de previdência dos servidores deve observar  critérios que preservem seu equilíbrio financeiro e atuarial, aproximando-se do regime contributivo na modalidade de capitalização, já que as contribuições recolhidas se destinam à formação de reservas para pagamento de benefícios futuros. Outrossim, na forma da lei, as contribuições previdenciárias não são creditadas à conta individual de cada segurado, sendo, portanto, um sistema de capitalização coletiva, em que as contribuições dos segurados, em seu conjunto, favorecem à coletividade segurada.

O regime contributivo é por essência, um regime de caráter eminentemente retributivo, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal. Assim sendo deve haver, necessariamente, correlação entre custo e benefício.

È imperioso afirmar que nesta correlação deve-se observar a proporcionalidade entre a contribuição e o benefício dela decorrente, deixando claro que a aquilo que o servidor contribui como custeio deve ser levado em conta para cálculo do benefício.

As verbas de caráter provisório ou temporário, em virtude da supressão de sua possibilidade de incorporação no provento no momento da concessão de aposentadoria, não mais poderiam sofrer a incidência do desconto previdenciário.

Se é certo que no ensejo da aposentadoria não será percebida a retribuição auferida na ativa concernente ao exercício de cargo em comissão, não faz o menor sentido que sobre o percebido a título de verba indenizatória incida o percentual relativo à contribuição previdenciária.

A Administração Pública abandonou um sistema considerado benevolente em excesso, adotando-se agora novos conceitos – ‘regime de caráter contributivo’ e ‘equilíbrio financeiro e atuarial’ – que afastam permanentemente o custeio integral pelo Tesouro e solidificam a idéia de que o servidor perceberá na aposentadoria em função de sua contribuição durante a atividade.

Como, então, admitir que o servidor contribua com base naquilo que não influenciarão, em nada, os seus futuros proventos de aposentadoria ?

Seria um imenso disparate aceitar tal contra-senso. Se a idéia é adotar um sistema justo em que o servidor financia a sua aposentadoria, o limite lógico para a respectiva contribuição só pode ser exatamente aquilo que integrará o seu futuro provento. Não se cobrará contribuição sobre parcelas remuneratórias que não influem na composição do provento, orientação mais afinada com a Lei, que reafirma a não incidência da contribuição sobre a retribuição da função comissionada.

Dos ditames Constitucionais

Do princípio da proporcionalidade entre o custeio e benefício

O caput do artigo 40 da Constituição Federal traz claramente a natureza do regime de previdência, e, também dispõe que deve ser preservado pela Administração o equilíbrio financeiro, no sentido de que aquilo não se contribui não se paga, mas também pela via inversa, aquilo que se contribui deve ser pago[3].

A inteligência do § 2º do artigo 40 descreve que o cálculo do provento não poderá ser maior do que o valor recebido a título de remuneração do cargo efetivo, excluindo assim a possibilidade da incidência dos valores recebidos por função comissionada serem computados na quantia a ser recebida como provento.

A correlação do custeio e benefício, anteriormente preceitua, leva pela interpretação da norma supra descrita, a incidência do princípio da proporcionalidade entre aquilo que o ser paga e o que o mesmo irá receber.

Princípio da observância da capacidade econômica e da vedação com confisco

O artigo 145 da Constituição Federal dispõe sobre o respeito no regime previdenciário da capacidade econômica, e, o respeito aos rendimentos dos servidores[4].

A capacidade econômica dos servidores públicos deve observada. A título de desconto previdenciário o vencimento dos mesmos estão sendo reduzidos de forma ilegal, e, arbitrária, constituindo em afronta ao patrimônio dos servidores.  Já o artigo 150 da Constituição Federal determina que somente a Lei poderá determinar extensão de tributo, e, ainda, veda o confisco[5].

É verdadeiro confisco o desconto previdenciário sobre verba de caráter provisório, pois não terá o servidor qualquer retribuição ao pagamento desta majoração do desconto previdenciário.  A Jurisprudência Consagrada do Superior Tribunal de Justiça já aponta para o deslinde desta questão no mesmo raciocínio aqui apresentado[6]

Neste diapasão, salvo melhor juízo, é inexigível a cobrança de desconto previdenciário incidente em verba de caráter provisório, em razão de sua natureza fática de verba de caráter temporário, com a não respectiva computação desta para efeitos dos cálculos da aposentadoria.

Notas:

[1] ““O funcionamento financeiro das instituições de seguro social, sob esse aspecto, normalmente obedece a dois tipos: o da capitalização e o da repartição. Pelo primeiro, são colocadas em reserva as cotizações dos segurados, durante um período que se pretende mais ou menos longo, para que o capital se acumule. Dito capital, posto a juros, deverá transmitir, no futuro, o pagamento das prestações que ao segurado sejam devidas. Tanto mais vantajoso será o sistema, quanto mais alongado o período dessa acumulação, pois a renda do capital permitirá, por definição, o acréscimo das prestações. Dito sistema admite duas formas: a da capitalização individual, no qual as cotizações se creditam à conta individual de cada segurado, e a da capitalização coletiva, em que as contribuições dos segurados, em seu conjunto, são consideradas favorecendo a coletividade segurada. A capitalização inspira-se em técnicas de seguro e poupança, acentuando sua filiação aos sistemas por que funcionam os seguros privados. O esforço de cada indivíduo e de cada geração conflui para a realização de fundos que, administrados de maneira correta, permitiriam a entrega das prestações no devido tempo. Já pelo sistema de repartição, o volume das quantias arrecadadas em cada período servirá para o custeio das prestações que devidas forem no mesmo período. Esse sistema repousa na idéia de solidariedade entre indivíduos e entre gerações, e com ele as contribuições dos que são aptos para o trabalho, dos que têm renda , são de imediato empregadas no amparo dos que tal situação não ostentam.” In: Direito Previdenciário Brasileiro, Edições Trabalhistas, Rio de Janeiro, 1999, pág. 235

[2] O sistema, no entanto, foi sensivelmente alterado pela EC 20/98. O § 3º do artigo 40 da CF passou a ter a seguinte redação: ‘§ 3º Os proventos de aposentadoria, por ocasião de sua concessão, serão calculados com base na remuneração dos servidor no cargo efetivo em que se der a aposentadoria e, na forma da lei  corresponderão à totalidade da remuneração’. (…) A nova sistemática, portanto, não autoriza que o servidor se aposente com as vantagens decorrentes do exercício do cargo em comissão, seja diretamente, ou mesmo indiretamente por via da incorporação de quintos. (…) Registro que não é possível considerar a retribuição do cargo em comissão como quaisquer vantagens, por ausente qualquer correlação com o cargo efetivo. Na verdade, o cargo em comissão é circunstancial, eventual e transitório. O servidor pode ser nomeado e demitido a qualquer momento. Tanto assim é que na lei anterior o legislador teve que expressamente incluir a parcela na base de cálculo da contribuição previdenciária. Finalmente, é importante distinguir seguridade social e previdência social. A primeira, além de abranger a segunda, inclui a assistência social e a saúde. Essas duas últimas, porém, não são custeadas pelas contribuições dos servidores que se limitam a colaborar com o ente público no custeio do regime de previdência e não da seguridade social como um todo (CF, artigo 40, caput, e artigo 1º da Lei 9.873/99). Além disso, o sistema contributivo pressupõe uma necessária correlação entre a contribuição e o benefício. Por outro lado, o Procurador-Geral da República, ao emitir parecer nos autos da AO 945/RO, de minha relatoria, defendeu essa mesma tese nos seguintes termos: ‘Com o advento da Emenda Constitucional 20/98, o regime contributivo e a correspondência entre montantes globais de contribuição e benefício foi mantido, mas a correspondência passou a ter caráter individual, para cada servidor. A parcela com a qual o servidor contribuiu para a previdência deve equivaler, no futuro, ao benefício por ele percebido por ocasião de sua aposentadoria, não devendo incidir sobre as parcelas não incorporáveis ao seu vencimento a contribuição previdenciária. Portanto, de acordo com a legislação atual, a contribuição previdenciária do servidor público tem caráter de capitalização coletiva e há correção entre benefício e a contribuição.’ Após mencionar a já citada decisão do TCU e a ADIMC 2010, Celso de Mello, DJ de 12/04/02, assim conclui o Professor Geraldo Brindeiro: ‘Ora por ser de capitalização coletiva e de correlação entre o valor das contribuições e dos benefícios o regime atualmente adotado, por ser inviável a incorporação aos proventos da retribuição pelo exercício da função comissionada e ante a ausência de menção a essa retribuição, expressamente arrolada na legislação anterior, na vigente Lei n. 9.783/99, não se revela possível integrá-la na base de cálculo da contribuição previdenciária.’ A mencionada Ação Originária foi extinta por decisão monocrática. Portanto, penso que a proposta da administração está correta e bem fundamentada. A partir da Lei 9.873/99 e na forma do sistema atualmente em vigor, não cabe mais o desconto de contribuição previdenciária sobre a retribuição devida pelo exercício de função comissionada.”

[3] “Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003) (…) § 2º – Os proventos de aposentadoria e as pensões, por ocasião de sua concessão, não poderão exceder a remuneração do respectivo servidor, no cargo efetivo em que se deu a aposentadoria ou que serviu de referência para a concessão da pensão. § 3º Para o cálculo dos proventos de aposentadoria, por ocasião da sua concessão, serão consideradas as remunerações utilizadas como base para as contribuições do servidor aos regimes de previdência de que tratam este artigo e o art. 201, na forma da lei. (…) § 12 – Além do disposto neste artigo, o regime de previdência dos servidores públicos titulares de cargo efetivo observará, no que couber, os requisitos e critérios fixados para o regime geral de previdência social. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98)

[4] “Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: §1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.”

[5] Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos; (…) IV – utilizar tributo com efeito de confisco”

[6] REsp 552740 / DF; RMS 12686 / DF; RMS 12590 / DF; RMS 12455 / MA; REsp 591037 / SC; RMS 14707 / DF; AgRg no Ag 461415 / DF; REsp 626329 / SC;

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Bruno José Ricci Boaventura

 

Advogado militante em Cuiabá em direito público, sócio-gerente da Boaventura Advogados Associados S/C; Assessor Jurídico do Sindicato dos Trabalhadores do Ensino Público de Mato Grosso – SINTEP/MT; Assessor Jurídico da Presidência da Câmara Municipal de Campo Novo do Parecis/MT e Associações ligadas a radiodifusão comunitária. Especialista em Direito do Estado, com ênfase em Constitucional, pela Escola Superior de Direito de Mato Grosso.

 


 

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