Resumo: A assistência social, inserida no ordenamento constitucional, artigo 203 da Constituição Federal de 1988, e regulamentada pela Lei Federal n.º 8.742/93, veio para atender àqueles que não possuem as mínimas condições de contribuir para a Previdência Social, possibilitando a diminuição das desigualdades, a fim de garantir a dignidade mínima da pessoa humana, permitindo-lhes real exercício da cidadania. Contudo, o critério etário para concessão do benefício assistencial gera polêmicas ante o Estatuto do Idoso, que considera pessoa idosa aquela que possui 60 anos ou mais, enquanto a Assistência Social concede o Benefício de Prestação Continuada aos idosos que contam com mais de 65 anos. Para resolver tal impasse, utiliza-se o princípio da dignidade da pessoa humana juntamente com o direito à prova sob a luz da ponderação de bens, podendo chegar a um resultado em que todos os cidadãos são dignos e, portanto, fazem jus ao benefício assistencial.
Palavras-Chave: Lei Orgânica da Assistência Social – Princípio da Dignidade da Pessoa Humana – Direito à prova – Concessão do Benefício de Prestação Continuada.
Abstract: The social, inserted assistance in the constitutional order, article 203 of the Constitution Federal of 1988, and regulated for the Federal Law n.º 8,742/93, came to take care of to those that do not possess the minimum conditions to contribute for the Social welfare, making possible the reduction of the inaqualities, in order to guarantee the minimum dignity of the person human being, allowing them real exercise of the citizenship. However, the etário criterion for concession of the assistencial benefit generates controversies before the Statute of the Aged one, that it considers elderly that one that possesss 60 years more or, while the Social Assistance grants the Benefit of Continued Installment the aged ones that they count more than on 65 years. To decide such impasse, human being together with the right to the test under the light of the good balance uses itself the beginning of the dignity of the person, being able to arrive at a result where all the worthy citizens are e, therefore, they make justice to the assistencial benefit.
Palavras-chave: Organic law of the Social Assistance – Principle of the Dignity of the Person Human being – Right to the test – Concession of the Benefit of Continued Installment.
INTRODUÇÃO
A temática da Assistência Social está inserida no contexto constitucional da Seguridade Social e da ordem social, sendo o primeiro valor a dignidade da pessoa humana, o qual pode ser considerado como fonte de todos os demais. É da natureza social do homem que decorre a preocupação de todos com o respeito à dignidade. Em toda a vida social essa dignidade estará presente.
A Constituição Federal consagra no artigo 1º, III, como princípio universal, como seu fundamento, a dignidade da pessoa humana, resultando na obrigação do Estado em garantir um patamar mínimo de recursos, capaz de prover-lhes a subsistência.
Contudo, o Direito realiza-se com a interpretação da lei, a qual, necessariamente, deve levar em consideração a realidade social, política, econômica e cultural da sociedade, e sempre pautada à luz dos princípios constitucionais e direitos fundamentais juntamente com o método da ponderação de bens.
Normatizando o assunto da Assistência Social, adveio a Lei nº. 8.742/93 que dispõe sobre a organização da Assistência Social, disciplinada em seu artigo 20 a garantia do benefício de prestação continuada no valor de um salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso (atualmente com 65 anos), que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem tê-la provida por sua família.
Assim, para se fazer justiça deve-se colocar plenamente em prática os dispositivos constitucionais, para somente assim, satisfazer os anseios dos cidadãos brasileiros e respeitar seus direitos fundamentais – direito a uma vida digna e, para isso, o direito à prova deve estar conectado à dignidade da pessoa, a fim de que seja possível sua emancipação e plena inclusão social, esclarecendo os pontos divergentes.
Por fim, com o presente estudo, pretende-se compreender os anseios da Lei, bem como suas limitações e possibilidades de alterações ou reformas, a busca por uma efetiva universalidade de cobertura e, ainda, a extensão do sistema protetivo aqui em debate a um número cada vez maior de necessitados, os quais, hoje, encontram-se muitas vezes desamparados, promovendo, com isso, a efetivação das garantias sensivelmente esculpidas na Carta Magna.
CAPÍTULO 1 – UMA TENTATIVA DE CONCEITUAÇÃO DOS PRINCÍPIOS
Ao se tratar de princípios, necessário se faz denominar a terminologia enfocada, em razão da polissemia da expressão “princípio” que é derivado do latim principium (origem, começo) em sentido vulgar quer exprimir o começo da vida ou o primeiro instante em que as pessoas ou as coisas começaram a existir. É, amplamente, indicativo do começo ou origem de qualquer coisa.
No sentido jurídico, notadamente no plural, quer significar as normas elementares ou os requisitos primordiais instituídos como base, como alicerce de alguma coisa. E, assim, princípios revelam o conjunto de regras ou preceitos, que se fixaram para servir de norma a toda ação jurídica, traçando, desta forma, a conduta a ser tida em qualquer operação jurídica.
Desse modo, exprimem sentido, mostrando a própria razão fundamental de ser das coisas jurídicas, convertendo-se em axiomas, e, por outro lado, possivelmente o mais importante, é em virtude da condição elevada que assumem os princípios jurídicos para o conhecimento e aplicação do direito.
Os princípios jurídicos são os pontos básicos, os quais servem de apoio para o início da aplicação dos dispositivos jurídicos, pois são a base do Direito. E, neste raciocínio, incluem-se os fundamentos da Ciência Jurídica, em que se firmaram as normas originárias ou as leis científicas do Direito, as quais traçam as noções em que se estrutura a própria ciência. Assim, são considerados como preceitos fundamentais para a prática do Direito e proteção aos direitos.
Para Miguel Reale os “princípios são, pois, verdades ou juízos fundamentais”, os quais constituem alicerce a fim de garantir a concretude de um conjunto de preceitos, o que nada mais é do que um sistema de conceitos relativos a dada porção da realidade. Há, ainda, princípios que não são explícitos, que não resultam de evidências, mas nem por isso deixam de ter validade dentro do ordenamento.
Nesta mesma linha de pensamento, com o intuito de ratificar, pode-se citar a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello de que
“princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento do princípio que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo. Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumédia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.” (MELLO, 2009, p. 230)
Atualmente, não que se falar em aplicação auxiliar dos princípios, sendo eles dotados de juridicidade. Muito embora os princípios possuam certa vagueza e generalidade, o que permite que sejam aplicados a vários casos distintos ou correlatos, eles possuem significados determinados, o que não significa que sejam imprecisos.
Por serem os princípios de natureza aberta, ampla, acompanham a evolução social, adequando-se às inúmeras situações práticas. O princípio da dignidade da pessoa humana é considerado um princípio com status de garantia constitucional. Poder-se-ia, então, dizer que tal princípio é um princípio fundamental? Tal resposta comporta certa subjetividade, pois depende do que o operador do sistema de princípios e fundamentos entende por dignidade da pessoa humana, servindo como fonte de resolução jurídica.
Para alguns autores brasileiros, princípios jurídicos fundamentais carregam uma carga axiológica, bem como política, a fim de estruturar o Estado e suas decisões. Com isso, os princípios jurídicos fundamentais, enquanto valor, foram positivados na Constituição Federal de 1988.
Desta forma, devido à importância que os princípios apresentam para o ordenamento jurídico, necessário se faz distingui-los das regras, para então adentrar no campo fértil da dignidade da pessoa humana.
1.1 DISTINÇÃO ENTRE PRINCÍPIOS E REGRAS
Relevante mencionar que os princípios distinguem-se das demais regras em diversos aspectos, podendo ser pelo conteúdo, em que os princípios incorporam primeira e diretamente os valores ditos fundamentais, enquanto as regras destes se ocupam mediatamente, num segundo momento, como também pela apresentação ou forma enunciativa, que é vaga, ampla, aberta dos princípios, contra uma maior especificidade das regras.
Os princípios incidem sempre, porém, normalmente mediado por regras, sem excluir outros princípios concorrentes e sem desconsiderar outros princípios divergentes, que podem conjugar-se ou ser afastados apenas para o caso concreto.
Assim, se por sua vez as regras incidem direta e exclusivamente, constituindo aplicação integral, porém não exaustiva, conclui-se que princípios e regras traduzem expressões distintas ou variedades de um mesmo gênero: normas jurídicas.
Segundo a lição de Juarez Freitas, os princípios distinguem-se das regras, como argumenta em sua obra,
“não propriamente por generalidades, mas por qualidade argumentativa superior, de modo que, havendo colisão, deve ser realizada uma interpretação em conformidade com os princípios (dada à fundamentalidade dos mesmos), sem que as regras, por supostamente apresentarem fundamentos definitivos, devam preponderar”. (FREITAS, 2008, p. 56)
Ainda, segundo a referida distinção pode-se dizer que as regras obrigam, proíbem ou permitem alguma coisa, enquanto que os princípios “são normas que exigem a realização de algo, da melhor forma possível, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas”.
Assim, por princípios se depreende espécies de norma, que são, lógica e qualitativamente, diferentes das regras, ainda que ambos possuam igual positividade. São, numa palavra, princípios expressos constitucionalmente, princípios positivos.
Ensina Herbert Hart que, na busca sobre a natureza do Direito, há certas questões principais recorrentes e uma delas refere-se a que o sistema jurídico consiste, em geral, em regras. Ele mesmo constrói um modelo complexo, o Direito como a união entre regras primárias e regras secundárias, que é, assim, “a chave para a ciência do direito”.
Regra esta que, enquanto padrão de comportamento, “um guia de conduta da vida social” não é, de forma alguma, uma ideia simples. Há, por conseguinte, necessidade de assinalar os diferentes tipos. Assim, distinguem-se as regras primárias e as regras secundárias. Aquelas determinam que as pessoas façam ou se abstenham de fazer certas ações; estas asseguram às pessoas a possibilidade de criar, extinguir, modificar, julgar as regras primárias. Segundo as palavras de Hart “as regras do primeiro tipo impõem deveres, as regras do segundo tipo atribuem poderes, público ou privado”.
Por sua vez, as regras secundárias são de três tipos, a saber:
“a) de reconhecimento (rule of recognition), permitem definir quais as regras que pertencem ao ordenamento, tendo por escopo eliminar as incertezas quanto às regras primárias; b) de alteração (rules of change), que conferem poder a um indivíduo ou a um corpo de indivíduos para introduzir novas regras primárias e eliminar as antigas, impedindo, assim, que sejam estáticas; c) de julgamento ou de adjudicação (rule of adjudication), dão poder aos indivíduos para proferir determinações dotadas de autoridade respeitantes à questão sobre se, num caso concreto, foi violada uma regra primária.” (HART, 2010, p.102 e ss.)
Por sua vez, o jusfilósofo norteamericano Ronald Dworkin, sucessor de Herbert Hart na Cattedra de Jurisprudence na Universidade de Oxford, objetiva apresentar as insuficiências seja do positivismo seja do utilitarismo. Para tanto, valer-se-á, sobretudo, da diferença, de caráter lógico, entre princípio e regra. O direito é, pois, para ele um sistema de regras e princípios.
Por meio dos chamados casos-limites ou hard cases, Dworkin monstra que quando os juristas debatem e decidem em termos de direitos e obrigações jurídicas, eles utilizam standards que não funcionam como regras, mas trabalham com princípios, política e outros gêneros de standards.
Desta forma, para Dworkin os princípios são exigências de justiça, de equidade ou de qualquer outra dimensão da moral. Consequentemente, “a validade de um direito dependa não de uma determinada regra positiva, mas de complexos problemas morais”, inexistindo a dicotomia entre questões de direito e questões de justiça, em que se supera a antinomia clássica Direito Natural/Direito Positivo.
Afirmar que os juristas empregam princípios e não regras é admitir que são duas espécies de norma, cuja diferença é de caráter lógico. Embora orientem para decisões específicas sobre questões de obrigações jurídicas, diferem pela feição da orientação que sugerem. Assim, as regras indicam consequências jurídicas que se seguem automaticamente quando ocorrem as condições previstas.
Um princípio não estabelece as condições que tornam sua aplicação necessária. Ao contrário, determina uma razão que impulsiona o intérprete numa direção, mas que não demanda uma decisão específica, única. Assim, pode acontecer que um princípio, numa certa circunstância, e frente a outro princípio, não prevaleça, o que não significa que ele perca a sua condição de princípio, muito menos que deixe de pertencer ao sistema jurídico.
Já as regras, ao contrário dos princípios, são aplicáveis em todo seu conteúdo literal. Aos elementos por elas estabelecidos, verificar-se-á se a regra é válida, aceitando a consequência aplicável ou, então, a regra é inválida e, em tal caso, não influi sobre a decisão.
Conclui-se, assim, que os princípios possuem uma proporção de importância que as regras não têm, pois quando os princípios entram em conflito, para resolvê-lo é necessário ter em consideração a proporção relativa de cada um. Necessário valorar todos os princípios concorrentes e controversos que ele traz consigo, a fim de encontrar uma conciliação entre eles.
As regras não possuem esta proporção. Contudo, não se pode atribuir maior valor a uma regra do que a outra dentro do sistema jurídico, no sentido de que, se duas regras colidem, uma prevalece sobre a outra em virtude de sua maior dimensão.
Cabe salientar, portanto, que se duas regras colidem, então uma delas não pode ser válida, consequentemente, cada sistema jurídico possuirá meios que possibilitem regular e decidir tais conflitos. A este conflito a doutrina denomina antinomia, que são resolvidas pelos critérios: cronológico, hierárquico, da especialidade.
O pensamento de Ronald Dworkin é retomado, dentro do sistema da civil law, pelo constitucionalista alemão Robert Alexy, que, considerando o modelo do jusfilósofo americano demasiado simple busca formular un modelo más diferenciado.
A teoria dos princípios de Robert Alexy, bem como a distinção entre princípios e regras, constitui o marco de uma teoria normativa-material dos direitos fundamentais e, com ela, o ponto de partida para responder à pergunta acerca da possibilidade e dos limites da racionalidade no âmbito destes direitos, tornando-se a base da fundamentação jusfundamental e a chave para a solução dos problemas centrais da dogmática dos direitos fundamentais.
Assim, sem uma perfeita compreensão desta distinção, própria da estrutura das normas de direito fundamental, é impossível formular-se uma teoria adequada dos limites dos direitos fundamentais, quanto à colisão entre estes e uma teoria suficiente acerca do papel que eles desempenham no sistema jurídico.
Para Robert Alexy, princípios são mandados de otimização, isto é, são normas que ordenam algo que deve ser realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes, e que podem ser cumpridos em diferentes graus e que a medida devida de seu cumprimento depende não somente das possibilidades reais, mas também das jurídicas. Este é o ponto decisivo para distinção das regras.
Por sua vez, as regras, guias de conduta, são normas que somente podem ser cumpridas ou não, as quais contém determinações fáticas e juridicamente possível. Isto significa que a diferença entre regras e princípios é qualitativa, e não apenas de grau.
Entretanto, a distinção entre regras e princípios se mostra mais claramente nas colisões de princípios e nos conflitos de regras. Embora apresentem um aspecto em comum, diferenciam-se, fundamentalmente, na forma como se soluciona o conflito.
Assim, os conflitos de regras se resolvem na dimensão de validez, ou seja, somente podem ser solucionados introduzindo-se uma regra de exceção, debilitando o seu caráter definitivo, ou declarando-se inválida uma das regras. Com efeito, uma norma vale ou não juridicamente e, se ela vale e é aplicável a um caso, significa que vale também sua consequência jurídica.
Então, o conflito entre duas regras há de ser solucionado por outras regras, pelos critérios cronológico e hierárquico, concluindo Alexy que lo fundamental es que la decisión es una decisión acerca de la validez.
De sua banda, a colisão de princípios se resolve pela proporção, tal como o expressa Ronald Dworkin. Quando dois princípios entram em colisão, um dos dois tem que ceder frente ao outro, porquanto um limita a possibilidade jurídica do outro. O que não implica que o princípio desprezado seja inválido, pois a colisão de princípios se dá apenas entre princípios válidos.
CAPÍTULO 2 – BREVE ESTUDO SOBRE O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Por tanto se tratar do princípio da dignidade da pessoa humana útil referendar acerca do que vem a ser dignidade, antes de adentrar ao princípio da dignidade da pessoa humana como fundamento da Constituição Federal de 1988.
2.1 CONCEITO DE DIGNIDADE
O conceito em questão partiu do latim dignitas e foi construído ao longo dos anos, chegando ao século XXI com valor supremo, estruturado a partir da razão jurídica.
A dignidade é garantida por um princípio, sendo, portanto, plena. Como já acerca dos princípios, a dignidade também deve passar ilesa pelas conturbações que atingem a sociedade, sendo invariável.
Com isso, imprescindível apontar a dignidade da pessoa humana como intangível, sendo obrigação de todo o poder público respeitá-la e protegê-la. Nota-se, portanto, que a dignidade nasce com a pessoa “que exactamente nesta pureza da sua origem reside a sua dignidade para nos servirem de princípios práticos supremos”, sendo inerente a sua essência e definida a partir das experiências históricas. “O ser humano é digno porque é”.
E como desde os primórdios, o homem não vive sozinho, mas sim no meio social, a preocupação com sua dignidade aumenta, pois
“chega um momento de seu desenvolvimento que seu pensamento tem de ser respeitado, suas ações e seu comportamento – isto é, sua liberdade –, sua imagem, sua intimidade, sua consciência – religiosa, científica, espiritual – etc., tudo compõe sua dignidade.”(NUNES, 2002, p.49)
Toda pessoa humana traz consigo a dignidade, independente de sua situação social, pelo simples fato de existir, como já se referia Kant que “o homem, e, duma maneira geral, todo o ser racional, existe como um fim em si mesmo”. E é justamente pelo fato do homem existir e coexistir em sociedade que a dignidade pode aumentar ou diminuir, devendo-se acrescer um limite social à garantia desta, isto é, haverá dignidade ilimitada desde que não se viole outra ou a de outrem. Aqui vale lembrar que nem a própria dignidade é permitida a violação, cabendo ao Estado o dever de preservar quaisquer situações que coloquem em risco a dignidade humana.
Continuando com o pensamento kantiniano
“Os seres cuja existência depende, não em verdade da nossa vontade, mas da natureza, têm contudo, se são seres irracionais, apenas um valor relativo como meios e por isso se chama coisas, ao passo que os seres racionais se chamam pessoas, porque a sua natureza os distingue já como fins em si mesmos, quer dizer como algo que não pode ser empregado como simples meio e que, por conseguinte, limita nessa medida todo arbítrio.” (KANT, 2000, p.68)
Esse raciocínio explica a autonomia da dignidade, sendo esta reproduzida pela capacidade racional do ser humano, de pensamento. Com isso, Kant aponta que a autonomia da vontade é um atributo apenas encontrado nos seres racionais, pois
“No reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando um coisa tem um preço, pode-se pôr em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e portanto não permite equivalente, então ela tem dignidade.” (KANT, 2000, p.77)
O entendimento de Kant parece ser o ser o mais adequado quando concilia a dimensão axiológica com a noção de autonomia, racionalidade e moralidade concebidas como fundamento e conteúdo da dignidade, pois justifica os direitos humanos fundamentais.
Desta forma, o pensamento kantiniano e as demais teorias que sustentam ser a dignidade atributo exclusivo da pessoa humana, privilegiando esta acima de outras espécies em função do racionalismo, sofre muitas críticas por conta do antropocentrismo. A começar por Hegel que considera um ser humano com dignidade a partir do momento em que este se torna um cidadão, o que não significa que seja desde o seu nascimento, conforme afirma Kant.
Com Hegel vislumbra-se o reconhecimento da capacidade jurídica, isto é, a competência do ser humano em ser sujeito de direitos, estendendo-se a todas as pessoas. O pensamento de Hegel demonstra a atribuição de direitos no sentido da noção de personalidade jurídica e não mero objeto de direitos a própria nota distintiva da dignidade da pessoa humana.
Com isso, Hegel se distancia do pensamento de Kant, o qual é o predominante deste estudo, bem como da maioria dos autores estudiosos sobre o tema. E, mesmo assim, a dignidade da pessoa humana, mantém-se ocupando lugar central no pensamento filosófico, político e jurídico, o que explica a sua qualificação como valor fundamental da ordem jurídica.
Encontra-se, ainda, o termo dignidade na Declaração Universal dos Direitos Humanos, a qual foi aprovada em 10 de dezembro de 1948 pela ONU, fundamentando-se nos princípios dos direitos fundamentais da pessoa humana.
Na Declaração Universal dos Direitos Humanos há o “reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana”, bem como a reafirmação da fé dos povos das Nações Unidas na dignidade e no valor da pessoa humana.
No século XVIII, em que se presenciava o jusnaturalismo, tem-se como pressuposto de que o homem, em virtude tão somente de sua condição humana e independentemente de qualquer outra circunstância, é titular de direitos que devem ser reconhecidos e respeitados por seus semelhantes e pelo Estado. A ideia de que o homem, por sua mera natureza humana, é titular de direitos, que justamente possibilitou o reconhecimento dos direitos humanos e a proteção também dos fracos e excluídos, e não apenas dos que foram contemplados com direitos pela lei, por contratos, em virtude de sua posição social e econômica.
E, por meio do pensamento cristão e humanista, o entendimento humanista de Jacques Maritain precedeu a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o qual afirma que “a filosofia dos direitos humanos repousa sobre a ideia da lei natural”, apresentando deveres e direitos fundamentais e princípios de boa conduta.
Para Maritain a base dos direitos humanos está em sua natureza, expressão da lei natural, fundados na dignidade da pessoa humana, colocando em evidência o ser humano enquanto pessoa.
Nessa mesma linha de raciocínio, Sarlet ressalta que “a ideia do valor intrínseco da pessoa humana deita raízes já no pensamento clássico e no ideário cristão”. Logo, a religião cristã traz, exclusivamente, no que tange ao conceito de dignidade da pessoa humana, referências de que o ser humano foi criado à imagem e semelhança de Deus.
Por fim, partindo do pensamento do cristianismo conclui-se que todo ser humano, e não apenas os cristãos, possuem um valor que lhe é próprio. Nota-se, portanto, que não há na Bíblia um conceito puro acerca do que vem a ser dignidade, mas sim uma concepção do ser humano, a qual perdura nos dias atuais.
2.2 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
A Constituição Federal vigente é garantista, ou seja, ela é um instrumento que visa garantir o mínimo necessário para que os cidadãos tenham uma vida digna. Nela tem-se consagrado a dignidade da pessoa humana em forma de princípio constitucional, que é um elevado postulado constitucional, por meio do qual há a efetividade, ou deveria haver, do princípio da dignidade da pessoa humana.
Para Ingo Wolfgang Sarlet entende-se por dignidade da pessoa humana
“a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimos para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos”. (SARLET, 2010, p.70)
Com este raciocínio, pode concluir-se que a Constituição Federal de 1988 concede à dignidade da pessoa humana o caráter de principal direito fundamental constitucionalmente garantido, agindo como princípio maior para a interpretação de todos os direitos e garantias conferidos às pessoas pelo ordenamento jurídico.
Quando da abordagem do conceito de dignidade, necessário foi tratar da evolução histórica do termo e seus estudiosos, obrigatoriamente adentrando ao campo religioso. Mas aqui, juridicamente observando, não há como vincular o princípio à religião, sob pena de ser um “obstáculo à própria universalização e – neste sentido – um fator impeditivo de uma globalização da dignidade num contexto multicultural”.
Assim, para assegurar a validade intercultural do princípio da dignidade da pessoa humana, de tal sorte a alcançar vinculatividade mundial, o próprio conteúdo e significado do princípio deve ser necessariamente compreendido como interculturalmente válido e secularizado, portanto, mediante renúncia a qualquer concepção religiosa.
A aplicação concreta do princípio da dignidade da pessoa humana é um dever social, em que o operador do Direito se vê obrigado a gerir sua atuação social pautado em tal princípio estampado na Carta Magna.
Nos dizeres de Rizzatto Nunes
“é um verdadeiro supraprincípio constitucional que ilumina todos os demais princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais. E por isso não pode o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana ser desconsiderado em nenhum ato de interpretação, aplicação ou criação de normas jurídicas.” (NUNES, 2002, p.51)
Nota-se que o referido princípio é válido em qualquer contexto, a se pautar, por exemplo, no respeito dos direitos sociais que a Constituição Federal de 1988 traz no artigo 6º vinculado ao caput do art. 225, atribuindo direitos mínimos a uma vida digna ao cidadão e, que somado aos direitos fundamentais, pode-se dizer que a Constituição Federal está a caminho da aplicabilidade do princípio da dignidade da pessoa humana.
No tópico acerca dos princípios tratou-se sobre estes como fundamentais e, após a explanação sobre dignidade e o princípio da dignidade da pessoa humana, tem-se que este “enquanto expressão positiva do valor fonte do ordenamento constitucional brasileiro (…) o valor que ele traduz será chamado a conformar, orientar e limitar a opção realizada”.
Contudo, nesta esfera poderia se considerar o princípio da dignidade da pessoa humana como absoluto, ainda que correndo o risco de relativizar os outros diversos princípios que são tão importantes quanto este. Entretanto, há que se explicar que tal princípio é absoluto em seu conteúdo axiológico, portanto, seu valor é absoluto. Diferente de seu conteúdo normativo que deve observar os limites de sua incidência. Ademais, sempre será difícil estabelecer o conteúdo do princípio da dignidade da pessoa humana, pois muito embora haja um caso em concreto a ser aplicado, há o lado da normatividade e o entendimento axiológico, momento em que se analisa o papel do intérprete na construção do conceito e na aplicação de sua extensão.
Em análise do termo dignidade no tópico acima, nota-se que é valor intrínseco ligado à pessoa humana, o qual nasce com o homem e o acompanha até a sua morte. Neste porte, pode-se falar em natureza absoluta do princípio da dignidade da pessoa humana, pois a Constituição Federal a colocou em seu mais elevado patamar axiológico, como condição humana, que identifica o homem como ser único e especial.
Assim, apesar das críticas feitas ao princípio em questão no sentido de ser absoluto, partindo-se do pressuposto que a dignidade é inerente ao homem, que nasce e morre com ele, tem conteúdo axiológico, logo se conclui ser um princípio fundamental absoluto.
CAPÍTULO 3 – LEI ORGÂNICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL
A pessoa considerada idosa e portadora de deficiência física, no ordenamento constitucional, na Carta Magna tem proteção fixada logo de início, pois assim prescreve o artigo 1º, incisos II e III, veja-se:
“Art. 1º-A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(…)
III – a dignidade da pessoa humana;”
Logo, o deficiente físico e/ou idoso possui status de cidadão e, por consequência, deve ser contemplado por todos os instrumentos asseguradores da dignidade humana aos brasileiros, sem distinção.
Ademais, a C.R.F.B de 1988, em seu artigo 3º, inciso IV, estabelece, além de uma sociedade justa, a erradicação da pobreza e da redução das desigualdades sociais, que é um dos objetivos fundamentais do Estado, qual seja, o de promover o bem estar de todos, sem preconceito ou discriminação.
Além disso, observa-se que no artigo 203, inciso V, quis beneficiar as pessoas que não têm acesso a qualquer fonte de renda, seja pela idade avançada, problemas de saúde, deficiência física e/ou mental, ou por limitações pessoais
“Art. 203 – A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.”
Nesse sentido, a lei 8.742 de 07/12/93, chamada Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) veio dispor sobre a organização da Assistência Social, amparando as pessoas que não são contribuintes para a Previdência Social.
Assim, dispõe o artigo 20 da Lei Orgânica da Assistência Social (Lei 8.742, de 07 de dezembro de 1993)
“Art.20 – O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.”
E, a partir de janeiro de 1998, conforme a Lei Federal nº 9.720, a idade mínima para receber o benefício de prestação continuada foi reduzida de 70 para 67 anos. Contudo, esta idade seria reduzida para 65 (sessenta e cinco) anos, por força do artigo 38 da Lei. 8.742/93, a contar de janeiro de 2000, no entanto, a Lei 9.720/98 modificou a redação do art. 38 mantendo a idade de 67 (sessenta e sete) anos.
Já, por meio do Estatuto do Idoso, o legislador procurou ampliar a proteção social, provendo atendimento dos menos favorecidos, independentemente de contribuições e com benefícios em dinheiro (art. 34).
E, no artigo 1º, referido dispositivo estabelece que idosa é a pessoa que tem idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, a seguir:
“Art. 1º – É instituído o estatuto do idoso, destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.”
O grande drama é que para receber o benefício de prestação continuada, a renda per capita da família não pode ser superior a ¼ (um quarto) do salário mínimo, e idade a partir de 65 anos (art. 34 do Estatuto do Idoso).
No entanto, o critério é injusto em face da lamentável situação em que se encontra o idoso no Brasil.
Há de ressaltar que a natureza e a essência do benefício e/ou assistência social é a de beneficiar a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, garantindo o valor de 01 (um) salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprove não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispõe a Lei Maior (art. 203 da CF/88.)
Deste modo, o amparo social ao deficiente físico e ao idoso foi feito para amparar a pessoa, não contribuinte do INSS, incapaz profissionalmente seja por portar problemas físicos e/ou mentais ou de avançada idade.
Assim, constatadas a incapacidade física/idade e a carência de condição de sobrevivência digna, impõe-se a concessão do benefício de natureza assistencial.
Finalmente, para se fazer justiça às pessoas que possuem certas limitações, seja por incapacidade física ou mental ou idade avançada, deve-se colocar plenamente em prática os dispositivos constitucionais, para somente assim, satisfazer os anseios dos cidadãos brasileiros e respeitar seus direitos fundamentais – direito a uma vida digna.
3.1 DAS CONDIÇÕES PESSOAIS DO REQUERENTE PARA CONCESSÃO AO BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA E O DIREITO À PROVA
A incapacidade para fins de concessão de Benefício Assistencial não precisa ser absoluta, basta que impossibilite a vida laboral, afinal, o deficiente físico ou o idoso não precisam depender dos outros para todos os atos de suas vidas.
Ora, não restam dúvidas de que, em não sendo o deficiente ou idoso apto para o trabalho, certamente não poderá manter sua própria subsistência sem depender economicamente de outrem. Necessário ressaltar que um idoso com 65 anos não é mais aceito no mercado de trabalho.
Portanto, para fins de concessão de amparo social, basta a prova da incapacidade laboral, sendo desnecessária a cumulatividade desta com a incapacidade para todo os atos da vida cotidiana, tais como higiene, alimentação e aptidão para vestir-se sozinho.
Insta mencionar que, constantemente, em sede administrativa, os laudos médicos confeccionados pelos peritos do Requerido têm sido alvo de enormes críticas, tendo em vista que exigem incapacidade não apenas para o trabalho, mas também para os atos da vida cotidiana, gerando verdadeira lesão a direitos.
A Lei 8.742/93 (LOAS), que regulamenta o artigo 203, V, da Carta Magna, definiu apenas que a renda familiar inferior a ¼ do salário mínimo é, objetivamente considerada insuficiente para que um idoso consiga sobreviver.
Ademais, ela não afasta outros meios de prova da condição de miserabilidade do necessitado e de sua família.
A esse respeito, vale destacar que a renda per capita familiar não é o único meio de prova de miserabilidade, ou seja, há outros meios de prova dessa condição e, nesse sentido, decidiu a Turma Nacional de Uniformização da Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais, processo 2002.70.0900.7310-0, em sessão de julgamento realizada em Florianópolis – SC, que ocorreu no encontro nacional dos Juizes Federais.
O relator do processo foi o Juiz Federal Leomar Amorim, que assim sentenciou
“A renda familiar inferior a 1/4 do salário mínimo deve ser considerada como um limite mínimo, objetivamente considerado insuficiente à subsistência do portador de deficiência e do idoso, o que não impede que o julgador faça uso de outros fatores que tenham o condão de comprovar a condição de miserabilidade da família do autor”.
E ainda, as jurisprudências dos Tribunais são no sentido de que a comprovação de renda familiar per capita, superior a ¼ do salário mínimo, não exclui a condição de miserabilidade.
Portanto, havendo prova da condição de miserabilidade do idoso ou deficiente e de sua família, mesmo que a renda per capita seja superior ao limite de 1/4 do salário mínimo e idade de 65 (sessenta e cinco) anos ou mais, têm aquelas pessoas mencionadas na alínea “a” do item 2, direito ao benefício assistencial.
Neste caso do benefício de prestação continuada nota-se que há vários requisitos polêmicos que exigem a realização de meios de prova para a concessão do mesmo. Um deles é a idade, por mais que o requerente possua 65 anos tem que se efetuar a comprovação, pois existe o Estatuto do Idoso que considera idoso a pessoa de 60 anos, mas que mantém a a idade de 65 anos para a concessão do benefício, Então, por que não unificar a idade para a concessão, diminuindo-a para 60 anos, sendo que não é somente a idade o único meio de prova?
Depois tem-se a renda per capita de 1/4 (um quarto) do salário mínimo, prevista no artigo 20, § 3º, da Lei nº. 8.742/93, o que também impõe discriminação entre os hipossuficientes. Isso porque o referencial utilizado é, por si só, um instrumento de diferenciação entre os já desamparados.
Ou seja, quem pode subsistir com R$ 135,00 (cento e trinta e cinco reais), levando-se em conta o atual valor do salário-mínimo, bem como a renda per capita exigida?
Porque não elevar este número para R$ 250,00 (duzentos e cinquenta), valores estes também tão ínfimos, frente ao volume de despesas enfrentadas no mundo atual? Ademais, vale frisar que quando se trata de idosos e pessoas com deficiência, lida-se com uma parcela da população que, por sua própria condição, têm gastos muito mais elevados.
Com efeito, os gastos com remédios e outros produtos relacionados à saúde, essenciais a sua subsistência, já deveriam colocar os idosos e as pessoas com deficiência num plano de tratamento diferenciado.
Nisso, já se pode desclassificar a utilização do salário-mínimo como parâmetro para concessão do Benefício de Prestação Continuada em favor de seus destinatários, uma vez que ele próprio representa um valor ínfimo frente às necessidades financeiras de idosos e pessoas com deficiência.
Dessa forma, é necessário e demasiadamente urgente que a concessão do benefício assistencial seja minimamente ampliada, visando albergar os idosos e pessoas com deficiência hipossuficientes, mormente a elevação do critério atualmente utilizado, qual seja, 1/4 (um quarto) do salário-mínimo para 1/2 (meio) salário mínimo.
CAPÍTULO 4 – DIREITO À PROVA
A Constituição Federal de 1988 estabelece o direito de ação como direito fundamental do cidadão, assim o direito à produção de provas surge como corolário lógico do direito de ação. Dado ao cidadão o direito de pleitear perante o Judiciário o reconhecimento de seu direito, deve ser lhe dado também o direito de produzir provas suficientes para interferir na formação da convicção do julgador.
Ainda que o texto constitucional garanta ao cidadão a produção de provas, ele traz também limitações à atividade probatória das partes, conforme se verifica no art. 5, inc LVI, in verbis, “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.
Acompanhando esse dispositivo constitucional, o Código de Processo Civil, dispõe em seu art. 332 todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou defesa. A razão de proibição de produção de provas ilícitas traz como fundamento a existência de proteção constitucional às liberdades individuais.
Assim, quanto aos meios de prova, nem todos se reputam lícitos, a dignidade humana e o respeito aos direitos fundamentais, devem servir de limite às exacerbações probatórias. O princípio da dignidade da pessoa humana não pode ser esquecido na relação jurídica processual quando da análise da produção probatória dentro dos diversos aspectos que envolvam a dignidade humana, pois esta abrange um conjunto de direitos fundamentais, essenciais ao desenvolvimento humano, os quais devem ser observados tanto pela comunidade quanto pelo próprio Estado.
Desta forma, quando se trata da Lei Orgânica da Assistência Social e o direito à prova é indispensável falar-se em dignidade da pessoa humana, tendo em vista que as pessoas que buscam tal benefício de prestação continuada são hipossuficientes, não têm informação do procedimento, o que acabam por enfrentar tamanha burocracia.
Em nível administrativo, entenda-se Instituto Nacional do Seguro Social, o cidadão apenas produz a prova, qual seja análise social e pericial médica. Com resultado negativo de seu pedido, o requerente se vê de mãos atadas pois não há o contraditório. Já em âmbito judicial, ocorrem as duas etapas, análise social e perícia médica, havendo o trâmite normal do feito, no qual há o contraditório e a ampla defesa.
Contudo, quando se fala em Benefício de Prestação Continuada já vem à mente aquele cidadão hipossuficiente portador de alguma deficiência ou idoso (maior de 65 anos) que, ao entrar com a demanda, novamente se depara com alguns protocolos burocráticos como, por exemplo, a ordem judicial para apresentar o procedimento administrativo realizado junto ao INSS. Para tanto, é necessário tirar cópias deste prontuário e, na maioria das vezes, o requerente é beneficiário da justiça gratuita, portanto, não seria o caso de inversão do ônus da prova, com o intuito de caber ao INSS trazer tais cópias?
Com isso, o operador do Direito deve ter a sensibilidade para notar tais demandas sociais a fim de valer prevalecer o princípio da dignidade da pessoa humana, dando prioridade no trâmite quando idoso e agilizando aprova pericial quando deficiente físico. A realização de uma prova digna nestes casos resulta na antecipação de tutela, beneficiando aquele cidadão que tanto necessita da procedência de seu feito.
No site da Previdência Social consta para o Benefício de Prestação Continuada a expressão correlata à dignidade, a seguir
“O Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social – BPC-LOAS, é um benefício da assistência social, integrante do Sistema Único da Assistência Social – SUAS, pago pelo Governo Federal, cuja a operacionalização do reconhecimento do direito é do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS e assegurado por lei, que permite o acesso de idosos e pessoas com deficiência às condições mínimas de uma vida digna”. (g.n.)
A partir do tópico sobre dignidade frente à concessão do benefício assistencial nota-se uma proporcionalidade para tanto. Não é obrigatório esgotar a via administrativa para que se pleiteie o benefício junto à Justiça Federal, porém, tal procedimento não é unânime em todas as Subseções Judiciárias, havendo aquelas em que se concede prazo para o pleito administrativo antes do judicial. E, com isso, a demora é ainda maior.
Tem-se, então, que o tema prova é polêmico no que tange ao direito previdenciário, o qual apresenta muitas divergências em seus julgados.
4.1 A POLÊMICA SOBRE A IDADE PARA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA
Sob a ótica das considerações sobre a Lei Orgânica da Assistência Social pode-se afirmar que seu advento foi de suma importância para o ordenamento jurídico brasileiro, sendo visto com um instrumento útil de ressocialização.
Desta forma, nota-se que, na atualidade, a sociedade é carente de recursos e de informações acerca de seus direitos, principalmente a camada hipossuficiente da população, pois mesmo com a existência do benefício de prestação continuada previsto na LOAS, há muito o que se melhorar em termos de assistência e desburocratização.
Dentre as propostas ofertadas à melhoria da concessão do benefício assistencial contido na LOAS, o que gera mais polêmica refere-se à idade, hoje sendo de 65 anos para que o assistido possa receber tal benefício.
A Lei nº. 10.741/03 regula o Estatuto do Idoso, separou tal conceito em duas partes distintas: o idoso propriamente dito, ou seja, pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, nos termos do artigo 1º, bem como o idoso, para fins de concessão do benefício de prestação continuada, aquele com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais, nos termos do artigo 34.
Contudo, acredita-se que neste momento o próprio legislador poderia ter unificado tanto o conceito de pessoa idosa quanto a concessão do benefício de prestação continuada.
É de se observar se tal omissão, proposital ou não, resultou ou não em prejuízos aos idosos de hoje, uma vez que ao ingressar com o requerimento administrativo ou judicial caberá ao órgão responsável sua apreciação e resolução do caso em concreto, aplicando, assim, o princípio da dignidade da pessoa humana.
Fala-se muito em expectativa de vida hodiernamente, a qual sempre vem aumentando a cada dia, o que pode justificar a mantença da idade de 65 anos para a concessão do benefício assistência. Mas, raciocinando pelo lado do princípio da dignidade humana, e por que não dignidade necessária, sendo todos humanos e, sendo a dignidade o sustento da Constituição Federal, todos, independente da idade, fariam jus ao BPC, desde que comprovados outros requisitos mais importantes, como a hipossuficiência, a dependência econômica, renda per capita.
Tudo isso se explica pelo princípio da dignidade humana, sendo que este é o fundamento da Constituição Federal, pelo qual todos são dignos de uma vida saudável. Por isso, o termo usado acima, dignidade necessária, pois se acredita que trata de um direito fundamental e que não deveria estar em capítulo separado no art. 203 da CF/88, mas sim no art. 5º, no qual se encontram as garantias fundamentais.
Entretanto, na falta cometida pelo constituinte, ainda se tem em dois caminhos conceituais distintos: o idoso e o idoso para fins de concessão do benefício assistencial.
Assim, observa-se que para a concessão do benefício de prestação continuada que há um conjunto probatório a ser analisado e não apenas a idade. Então, por que o apego apenas à idade? Se um cidadão pleiteia uma ação de benefício assistencial, contudo, possui apenas 64 anos, mas que reúne todos os demais requisitos como renda per capita de ¼, hipossuficiência, é portador de patologias que lhe impedem de trabalhar, este não faz jus ao benefício?
A que se adentrar no campo da ponderação de bens, no qual a promoção dos valores humanos que são acolhidos pela ordem constitucional, destaca-se a dignidade humana. Com isso, nenhuma ponderação poderá desrespeitar o princípio da dignidade da pessoa humana, tendo em vista que a garantia e promoção desta dignidade representa a própria razão de ser do sistema constitucional. Tal princípio em debate fomenta o pluralismo axiológico do sistema constitucional, elaborando fórmula elástica o suficiente para acolher valores potencialmente conflitantes.
Com isso, em resposta ao exemplo acima citado, em que se conflitam o direito à vida e o direito à dignidade humana, e a prova em questão é o critério etário, deve-se prevalecer a dignidade humana, pois consequentemente se preservará a vida.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Lei 8.742/93 (LOAS) estabelece a idade mínima de 65 anos para a concessão do benefício de prestação continuada para o idoso, quando o Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003), posteriormente, dispõe que idosa é toda pessoa de idade igual ou acima de 60 anos, porém, no que tange a benefícios da Seguridade Social, a idade prevaleceu ainda 65 anos.
O Estatuto do Idoso poderia ter regulado uma única idade para a concessão do Benefício de Prestação Continuada ao idoso, mas ao contrário, manteve a idade estabelecida pela Seguridade Social.
Entende-se que tal restrição não pode perdurar por muito mais tempo, uma vez que a população brasileira que já é carente e necessitada, e que já tem ou está a ponto de completar 60 (sessenta) anos, deverá esperar até 05 (cinco) anos para a concessão de um benefício que há muito já poderia ser-lhe concedido.
Por esta razão, existe uma real necessidade de alteração do texto do artigo 34 da Lei nº.10.741/03, o qual restringe o benefício de prestação continuada aos maiores de 65 (sessenta e cinco) anos, adequando-a, dessa forma, aos novos e mais abrangentes diplomas legais existentes. Diz-se ponto crítico, pois se tem uma Lei que classifica a pessoa como idosa aos 60 anos, sendo que esta mesma lei trata em um de seus capítulos sobre a assistência social, no qual mantém a idade de 65 anos para a concessão do benefício assistencial.
Assim constatadas a idade avançada e a carência de condição de sobrevivência digna, impõe-se à concessão do benefício de natureza assistencial.
Portanto, as restrições contidas no artigo 20, § 3º – Lei nº. 8.742/1993, e a idade imposta pelo artigo 34 do Estatuto do Idoso, são inconstitucionais, na medida em que limitam o comando constitucional, deferindo o benefício apenas aos idosos ou que obtiverem renda familiar per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
A propósito, a Lei 8.742/93, que regulamenta o artigo 203, V, da Carta Magna, quis apenas definir que a renda familiar inferior a ¼ do salário mínimo é, objetivamente considerada insuficiente para que um idoso (ou deficiente) consiga sobreviver.
Ademais, ela não afasta outros meios de prova da condição de miserabilidade do necessitado e de sua família. Momento em que se faz necessária a atuação mais social do magistrado, utilizando-se princípio da dignidade da pessoa humana.
Aliás, o Direito está cada vez mais principiológico do que normativo. Há uma visível transição do Direito normativista para o Direito axiológico. Então, a importância dos princípios como instrumento para superar a rigidez normativa e alcançar a razão e a justiça. A mudança de paradigma teve muita contribuição de Ronald Dworkin e Robert Alexy.
A ordem jurídica passou a ser encarada como um sistema aberto de princípios e regras, suscetíveis a valores jurídicos positivados, na qual a ideia de justiça desempenha papel fundamental, inclusive no processo ideal.
A construção da decisão judicial galgada na principiologia da ponderação de bens passa necessariamente pela devida fundamentação, pois caso em sentido contrário, tudo haveria de ser tido como violação a algum princípio constitucional e comportaria um tipo de solução impregnada das percepções particulares de cada juiz.
Com acima visto, resta inegável a aplicação prática da ponderação de bens no sistema legal brasileiro, em razão da natureza aberta dos princípios constitucionais especialmente em relação à regulação do direito do trabalho.
O valor da dignidade da pessoa humana e o direito à prova estão intimamente ligados, haja vista que a existência da concessão do benefício assistencial pode ser considerado como elemento preponderante para a manutenção da família e auto-sustento do cidadão, garantindo por fim a completude do ideal de existência do ser humano dentro do convívio em sociedade com harmonia.
E nesse caminho, não se pode dizer que existam direitos de maior magnitude em relação a outros, pois a medida exata do valor a ser atribuído a cada um, há de ser examinada em cada caso concreto levando em conta todas as peculiaridades que possam ser tidas como relevantes.
Desta forma, o resultado do presente trabalho contribuiu para a aquisição de conhecimentos um tanto aprofundados no assunto sobre a dignidade da pessoa humana e o direito à prova em face da concessão do benefício assistencial, bem como suas problemáticas apresentadas em via administrativa e judicial, a fim de efetivar as decisões com base em provas lícitas e dignas.
Informações Sobre o Autor
Christiane Splicido
Advogada. Especializada em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná (núcleo de Londrina/PR). Atualmente é pós-graduanda em Direito Previdenciário pela Universidade Anhanguera – UNIDERP. Mestranda em Teoria do Direito e do Estado pelo Centro Universitário Eurípides de Marília, Marília/SP