Resumo: O presente trabalho tem como objetivo principal refletir sobre alguns aspectos que envolvem o Regime Geral de Previdência Social no Brasil, diante da proposta de emenda constitucional duzentos e oitenta e sete de dois mil e dezesseis. Organiza-se em quatro tópicos: Considerações sobre a Seguridade Social no Brasil; A contribuição previdenciária enquanto tributo; A problemática do caráter contributivo-retributivo; A desconsideração do caráter material da lei na reforma da previdência em relação à aposentadoria da mulher. Para a sua realização utilizou-se um referencial teórico pautado em aulas do curso de especialização em Seguridade Social, bem como em legislação, artigos científicos, livros que versam sobre o assunto. A metodologia aplicada para a produção deste artigo foi à pesquisa bibliográfica. O resultado do breve estudo constatou que a proposta de reforma na previdência apresenta-se como algo formal, frio e distante da realidade dos contribuintes.
Palavras-chave: Seguridade Social, Previdência, contribuinte.
Abstract: This work has as main objective to reflect about some aspect that it has envoy Social Previous General Regime in the Brazil, in front proposal of constitutional amendment two hundred eighty seven of two thousand and sixteen. Itself organize in four topics: Considerations about the Security Social in Brazil; The social security contribution as tribute; The problem of contributory character-compensation; The disregard of the material character of the law on pension reform in relation to retirement. To achieve a theoretical framework based on lessons of the specialization course in Social Security, as well as in legislation, scientific articles, books about the subject. The methodology applied for the production of this article was to bibliographical research. The result of the brief study found that the proposed social security reform presents itself as something formal, cold and distant from reality.
Keywords: Social Security, segurity, contributor.
Sumário: Introdução. 1. Considerações sobre a Seguridade Social no Brasil. 2. A contribuição previdenciária enquanto tributo. 3. A problemática do caráter contributivo-retributivo. 4. A desconsideração do caráter material da lei na reforma da previdência em relação à aposentadoria da mulher. Conclusão. Referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO
O Instituto Nacional de Seguro Social, conforme reportagem do G1, é responsável por quase metade das ações na Justiça Federal e oitenta por cento nos juizados especiais federais. Isso se deve em grande parte por cálculos realizados de forma errônea, bem como por benefícios negados.
Isto faz com que o contribuinte sinta uma grande frustração, tendo em vista que a via encontrada para a correção é a Justiça que por sua vez, abarrotada de processos, demorará a dar uma resposta satisfatória, proporcionando assim uma sensação de injustiça cometida pelo próprio Estado que deveria respeitar o direito de seus cidadãos.
Não bastasse tal situação, a Proposta de Emenda Constitucional 287/2016, ancorada no discurso de que a previdência encontra deficitária, traz em seu bojo o corte de muitos direitos já conquistados, bem como ignora princípios como o da igualdade material e, consequentemente, o da dignidade humana.
Diante das várias alterações que serão feitas em relação às contribuições previdenciárias via proposta de emenda constitucional, faz-se necessário ponderar sobre alguns pontos que envolvem as contribuições previdenciárias como: sua natureza tributária; seu caráter contributivo-retributivo; bem como a alteração no tempo de contribuição na aposentadoria da mulher com o objetivo de equipará-la ao homem.
Enfim tendo a escrita como uma forma de poder de transformação, este artigo visa conscientizar o público acadêmico, que é um dos multiplicadores de ideologia, de que a reforma previdenciária que será incorporada à Carta Magna do país é injusta e, portanto, não se coaduna com os princípios humanitários lá contidos.
1.CONSIDERAÇÕES SOBRE A SEGURIDADE SOCIAL NO BRASIL
O Artigo primeiro da lei oito mil duzentos e doze copia a definição de Seguridade Social contida no artigo cento e noventa e quatro da constituição federal: um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinado a assegurar o direito relativo à saúde, à previdência e à assistência social.
Como conjunto integrado é financiado por toda a sociedade. Este financiamento, conforme o artigo cento e noventa e cinco da carta magna dá-se de forma direta pelo empregador, trabalhador, receita de concursos de prognósticos, do importador de bens e serviços; e de forma indireta quando se dá através de outros impostos que não seja a contribuição específica para a seguridade social, ou seja, impostos utilizados quando da insuficiência financeiras do sistema, pagos por toda sociedade.
A responsabilidade para fiscalização, arrecadação, recolhimento das contribuições sociais é da competente Secretaria da Receita Federal do Brasil, cujo comando encontra-se no artigo trinta e três da então conhecida lei de custeio.
A lei onze mil quatrocentos e cinqüenta e sete, conhecida como a lei da super-receita em seu artigo dezesseis, parágrafo primeiro, aumentou as atribuições do órgão no tocante à execução das dívidas ativas do Instituto Nacional do Seguro Social e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, desobedecendo assim o comando dado pelo artigo cento e trinta e um, parágrafo terceiro da Constituição federal que atribui tal competência à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.
É de se estranhar que se queria atribuir tantas competências a um só órgão. Por outro lado, a sobrecarga imposta tem mostrado na prática que há uma eficiência na arrecadação dos tributos, porém resta saber se há na mesma medida eficácia perante o contribuinte. Em outras palavras, o Brasil tem demonstrado eficiência na arrecadação de tributo, todavia não retribui com a mesma intensidade.
Com uma arrecadação tão eficiente, como se pode falar em previdência deficitária? Os defensores da reforma são unânimes em defender tal fundamento. No entanto, o problema do Brasil parece não residir na arrecadação de tributos, mas sim na destinação dos tais, tendo em vista que é tido como um país possuidor de uma gigantesca carga tributária, a maior da América Latina:
“O Brasil é o país com a maior carga tributária em toda América Latina e Caribe. Estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) revela que brasileiros pagam o equivalente a 33,4% do tamanho da economia em taxas e impostos.
Proporcionalmente, o montante é mais de 50% superior à média da região. Apesar de liderar a incidência de impostos, a cobrança é desigual.
Enquanto o Brasil está no grupo dos que têm menos impostos sobre a renda e lucro, é um dos que mais cobram sobre a seguridade social.” (www.exame.abril.com.br/economia – acesso em 10/01/2017).
Vieira em seu artigo intitulado, A partilha da receita das contribuições sociais entre todos os entes federados, ao ponderar sobre a competência exclusiva da União para instituir contribuições sociais, restando aos Estados, Distrito Federal e Municípios apenas a contribuição para o custeio do regime previdenciário dos seus servidores, competência essa dada pelo artigo cento e quarenta e nove da Constituição Federal em vigor, afirma que a União passou a desinteressar-se pelos impostos, dando preferência às contribuições sociais, destacando-se os motivos:
“a) aumentar suas receitas sem a necessidade de entregar qualquer parte do produto aos Estados e aos Municípios, pois são de competência exclusiva da União (artigo 149, CF); b) elevar a carga tributária sem ter os problemas políticos que a majoração dos impostos provoca, pois as contribuições têm maior aceitação pela população por serem destinadas a finalidades sociais e atingirem em sua maior parte as empresas, enquanto os impostos detém uma forte carga de rejeição” (https://jus.com.br/Vieira – Acesso em 10/01/2017).
O comando constitucional coloca os outros entes em desvantagem, além de mascarar a carga tributária cobrada de uma forma bem abrangente, a saber através de Contribuição de intervenção no domínio econômico, Contribuições de interesse de categorias profissionais ou econômicas e Contribuições de Seguridade Social.
Além da abrangência na forma de arrecadação, há que se destacar outro aspecto que diz respeito a um mecanismo criado em mil novecentos e noventa e quatro com o nome de Fundo Social de Emergência. Há época teve o objetivo de estabilizar a economia após o Plano Real. No ano de dois mil recebeu um nome mais sofisticado Desvinculação de Receita da União.
DRU, como é conhecido o mecanismo citado acima, guarda um eminente perigo, pois permite ao governo federal usar livremente um percentual de todos os seus tributos vinculados por lei a fundos ou despesas, sendo a principal fonte de recursos as contribuições sociais, uma vez que corresponde a noventa por cento do total desvinculado. Quando fora criada, a desvinculação era de vinte por cento, em dois mil e dezesseis foi ampliada para trinta por cento até o ano de dois mil e vinte e três.
Desse modo, o governo federal conseguiu o melhor dos mundos: arrecadar de forma ampla, sozinho, um grande volume de contribuições e ainda poder gastar da forma como melhor entender, o termina por ocorrer, na prática, gastos com fins eleitoreiros.
Diante disso, uma indagação surge: a previdência realmente está deficitária? As contribuições previdenciárias por serem custeadas de forma direta, dando cobertura apenas a quem contribui parece ter um caráter particular, privado, pertencente apenas a seus interessados diretos. Desse modo, não deve sujeitar-se a tais mecanismos, sob pena de colocar em risco seu objetivo principal que é o apoio financeiro ao trabalhador quando ele em sua fragilidade não puder mais obter seu salário através do trabalho.
2. A CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA ENQUANTO TRIBUTO
As contribuições sociais possuem natureza tributária, podendo ser divididas em previdenciárias que servem para custear a previdência social e não previdenciárias que fomentam a assistência social e saúde. Quanto à incidência, as primeiras recaem sobre o salário de contribuição mensal do trabalhador, bem como sobre o faturamento e lucro da empresa; já em relação às segundas, destacam-se:
“as contribuições das empresas, do empregador ou entidade equiparada à empresa sobre a receita ou faturamento – PIS (programa de integração social) e COFINS (contribuição para o financiamento da seguridade social); CSLL (contribuição social sobre o lucro líquido); contribuição sobre receita de concurso e prognóstico; contribuição do importador de bem e serviços do exterior ou pessoa a ele equiparada”. (MENEZES, Adriana. Direito previdenciário. Salvador: editora juspodivm, 2011, p.321).
O caráter tributário da contribuição previdenciária advém do fato de tratar-se de uma prestação impositiva, bastando apenas que a pessoa trabalhe, para que o desconto seja realizado. O fato gerador, então é o trabalho. O artigo terceiro do código tributário nacional dá o conceito de tributo:
“tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. (ANGHER, Anne Joyce. Vade mecum acadêmico de direito, 18ª Ed. Rideel: São Paulo, p.567).
As espécies de tributos podem ser conhecidas através da teoria quinquipartite: impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições especiais. Nestas últimas estão inseridas as contribuições sociais.
O problema das contribuições previdenciárias serem tributo é exatamente o seu caráter compulsório, uma vez que impactam diretamente no bolso do contribuinte, não o dando opção de escolha.
Diante das alterações maléficas, iminentes, para o contribuinte, que serão realizadas na Constituição, a natureza das contribuições previdenciárias não deveria mais ser de tributo, mas o contribuinte deveria ter a opção entre contribuir e não contribuir, tendo em vista que o sistema falha em relação seu caráter contributivo-retributivo. Uma vez que os gestores provocam a falência do sistema, desviando a verba recolhida para outros fins, criando inclusive a DRU- Desvinculação de Receitas da União.
Em outras palavras, no Brasil, o caráter tributário das contribuições previdenciárias não retribui de forma justa ao contribuinte, pois é pública e notória a corrupção que se instalou no país. Existe, portanto, uma eficiência em retirar a contribuição do trabalhador, mas uma ineficiência na retribuição.
3. A PROBLEMÁTICA DO CARÁTER CONTRIBUTIVO-RETRIBUTIVO
Para o contribuinte da previdência, um dos princípios fundamentais é o da reciprocidade das contribuições, que implica em uma conseqüência direta que é a retribuição. Trata-se, portanto de uma garantia de que ao contribuir, o retorno virá em forma de benefícios. O artigo duzentos e um da Carta Magna traz de forma implícita tal princípio quando menciona em seu caput o caráter contributivo e em seus incisos, parágrafos, os benefícios a serem concedidos pela previdência.
Não obstante o caráter tributário que as contribuições previdenciárias possuem, a retribuição deixa muito a desejar, tendo em vista que muitos contribuem e quando precisam, têm os benefícios negados. Quando isto ocorre, a contribuição deixa de ser um seguro, que serve para suprir a falta de rendimentos, para assumir o papel de um simples imposto sobre o trabalho, havendo uma estreita semelhança entre as contribuições previdenciárias e o imposto de renda.
A proposta de emenda à constituição (PEC 287/2016) tem como finalidade alterar os artigos trinta e sete, quarenta, cento e nove, cento e quarenta e nove, cento e sessenta e sete, cento e noventa e cinco, duzentos e um, duzentos e três da Constituição Federal que dispõem sobre seguridade social.
Com tais mudanças, o fosso entre contribuição e retribuição alargar-se-á. O agravante disso é que fará parte dos comandos constitucionais, sendo que nesse sentido a parte hipossuficiente que é o contribuinte não encontrará muita guarida da Carta Magna. A lei deveria corresponder às necessidades dos que compõem o Estado.
O artigo vinte e quatro da constituição federal diz que compete à União, aos Estados e ao Distrito federal legislar concorrentemente sobre direito tributário e o parágrafo primeiro afirma que a competência da União limitar-se á a estabelecer normas gerais.
Percebe-se que o poder maior, no que tange a legislação, encontra-se concentrado nas mãos do Congresso Nacional. Em termos de democracia, isso seria algo positivo, uma vez que a população elegeu deputados e senadores para que a representasse.
A função do poder legislativo deveria ser fundamental para a consolidação da democracia, uma vez que em relação ao povo, deveria representá-lo, legislar sobre assuntos que o interessam, bem como fiscalizar a aplicação dos recursos público, oriundos de tributos.
A câmara dos deputados é tida como a casa do povo, pois é lá que acontecem as discussões, aprovação de leis que repercutem diretamente em sua vida cotidiana, porque envolvem assuntos ligados a temas econômicos e sociais.
É por essa razão que a câmara é composta por deputados federais que representam os Estados e o Distrito Federal, contemplando assim as diversas realidades dos brasis contidos no Brasil. A propósito disso, o artigo quarenta e cinco da Constituição federal além de destacar a câmara como representante do povo, fala de seu sistema de votação que é o proporcional.
Já o senado, referido no artigo seguinte, é composto por representantes dos Estados e do Distrito Federal. Daí porque o seu sistema de eleição ser diferente, pautado pelo princípio majoritário, ou melhor, os três candidatos que conseguirem o maior número de votos serão considerados os eleitos.
Ao fazer alterações tão díspares na Constituição, em relação à previdência, a câmara não está desempenhando o seu papel principal que é representar o povo, o senado de igual modo, quando ratifica, vai de encontro às necessidades reais dos cidadãos. Esse é um dos motivos pelos quais o legislativo, atualmente, encontra-se em total descrédito.
Em relação aos eleitores que o Congresso Nacional deveria representar, cumpre observar que destes, segundo a deputada Alice Portugal do Partido Comunista do Brasil da Bahia, mais da metade são mulheres.
Porém na última eleição, das quinhentas e treze vagas para a Câmara dos deputados, apenas quarenta e cinco foram ocupadas por elas, correspondendo a menos de dez por cento. Já em relação ao Senado, em um universo de oitenta e um senadores, ocupam apenas onze vagas, correspondendo a pouco mais de treze por cento.
4. A DESCONSIDERAÇÃO DO CARÁTER MATERIAL DA LEI NA REFORMA DA PREVIDÊNCIA EM RELAÇÃO À APOSENTADORIA DA MULHER
Em um universo eminentemente masculino como é o Congresso Nacional, não é de se estranhar que a legislação lá pensada, discutida e escrita, esteja aquém das necessidades da mulher. A defesa ora em questão, não se alia aos extremismos radicais dos movimentos feministas, mas à situação real em que vive a mulher, atualmente, no Brasil.
Segundo algumas feministas, uma das formas de poder adquire-se através da escrita, pois com ela impõem-se as ideologias, as quais são condutores sociais. Na concepção de Cixous a forma de a mulher libertar-se da linguagem feminina dominada pelo falo era a escritura. Ainda a respeito da escritura:
“A escrita feminina foi uma importante arma na conquista dos direitos das mulheres. De posse da escrita, poderia reivindicar, denunciar e defender-se; era uma forma de não se encontrar mais em desvantagem em relação ao homem, que tradicionalmente gozava do privilégio da escrita.” (FEITOSA, Adriana. Relações de gênero e naturalismo no romance Um manicaca, de Abdias Neves. Dissertação – Universidade Federal do Piauí: 2006, p. 33).
A legislação então possui um poder ainda mais alto uma vez que tem o condão de impor deveres. No entanto, quem exerce o poder da caneta ainda aqui no Brasil, é o homem, que de uma forma inconsciente ou consciente tem apresentado mudanças irrisórias para minorar os dilemas femininos. Em outras palavras, assuntos que dizem respeito a mulher que o elegeu para que representasse também seus interesses não ganham tanta relevância assim.
São vários os prejuízos que serão causados ao contribuinte com a reforma da previdência, porém, aqui será tratada apenas a consideração que a o novo texto traz em torno da igualdade em relação à idade entre homem e mulher no que tange à aposentadoria, ou seja, aos sessenta e cinco anos: artigo 201, § 7º É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social àqueles que tiverem completado sessenta e cinco anos de idade e vinte e cinco anos de contribuição, para ambos os sexos.
Ao tratar homens e mulheres de modo igual parece a princípio que se está aplicando o princípio da isonomia contido no artigo quinto, inciso um que iguala homens e mulheres em direitos e obrigações.
O princípio da isonomia, também conhecido como igualdade, sustentáculo do Estado Democrático de Direito. No entanto a aplicação deste princípio na prática têm levado em consideração apenas seu aspecto formal, ou seja, interessando ao aplicador da lei apenas a lei seca, sem considerar a questão concreta a ser aplicada.
Em outras palavras, não se considera a igualdade material, a qual baseia-se na situação real do indivíduo. E qual é a finalidade precípua do Estado através das leis não é aplicar a Justiça? Para que serve uma lei que não consegue atingir a vida quotidiana do cidadão? Em relação ao princípio da igualdade, D’Oliveira pondera:
“Diante disto quase todas as Constituições até mesmo modernamente somente reconhecem o princípio da igualdade sob seu aspecto formal em uma igualdade perante o texto seco e frio da lei, esquecendo que o princípio somente irá adquirir real aplicabilidade quando também lhe for conferida uma igualdade material baseada em instrumentos reais e sólidos de concretização dos direitos conferidos nas normas programáticas insculpidas nos ordenamentos legais”. (Institutoprocessus.com.br – acesso em: 14/01/2017 – D’Oliveira, Maria Christina Barreiros. Breve análise do princípio da isonomia, p.1)
Ao alterar o parágrafo sétimo, levando-se em consideração apenas a igualdade formal, o Congresso Nacional estará cometendo um retrocesso, indo na contramão dos direitos conquistados pelas mulheres, bem como atentando contra outro princípio basilar da constituição que é o princípio da dignidade da pessoa humana.
Esse princípio está previsto no artigo um, inciso III da Carta Magna. A dignidade da mulher, neste caso, é atacada no momento em que considera-se homens e mulheres iguais para efeitos de aposentadoria.
Para uma melhor análise comparativa vejamos os dois textos. Texto atual da Constituição:
“artigo 201, § 7º – É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei, obedecidas as seguintes condições: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) – II – sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher (…). (Vade mecum acadêmico de direito. ANGHER, 2014, p. 70).
Texto da Pec: § 7º É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social àqueles que tiverem completado sessenta e cinco anos de idade e vinte e cinco anos de contribuição, para ambos os sexos”. (www.previdencia.gov.br. Acesso em 20/01/2017).
A proposta de emenda à constituição coloca-se como fria e distante da realidade vivida pela mulher em seu cotidiano e para demonstrar que a situação vivida pela mulher é diferente, há que se considerar alguns aspectos expostos a seguir.
Diante de uma sociedade ainda machista, a jornada de trabalho, principalmente da mulher pobre é excessiva, tendo em vista que culturalmente o homem foi educado para não fazer trabalhos domésticos, ficando todo o trabalho de casa como encargo da mulher. São várias as atividades que ela tem que desempenhar, que se ela tivesse que ser paga por cada função desempenhada o custo de vida de sua família seria muito caro ou se fosse necessário contratar um profissional para cada trabalho específico teria que contratar: uma babá para cuidar dos filhos; uma professora particular para ensinar tarefas; uma faxineira para limpar a casa; uma lavadeira para lavar e passar roupa; uma cozinheira para preparar a refeição etc.
Como se não bastasse toda essa carga de trabalho doméstico desenvolvida pela mulher, ainda que trabalhar fora para ajudar no orçamento da casa. Isso quando ela possui um companheiro que trabalha, caso contrário a renda conseguida por ela será a única que deverá sustentar a família.
Certamente quando a mulher lutou por ter uma vaga no mercado de trabalho, não imaginava ter que trabalhar até a exaustão para poder sobreviver. Mas o contexto de luta deu-se pela opressão sofrida ao ser tratada como propriedade e muitas vezes humilhada, uma vez que em uma sociedade capitalista o valor é dado pelo capital e a forma de consegui-lo honestamente é o trabalho.
As conquistas vieram, a mulher finalmente achou que seria valorizada enquanto pessoa, indivíduo, porém não ocorreu bem assim. Para começar, a inserção no mercado de trabalho era e ainda continua sendo muito difícil. Quando ela consegue inserir-se, seu salário, desempenhando a mesma função que um homem é menor.
Talvez a mulher que não passe por essas adversidades de forma tão aguda, seja a mulher da média e alta sociedade, uma vez que por possuir uma escolaridade mais elevada, consegue melhores cargos, consequentemente melhores salários a ponto de poder contratar os serviços de outros profissionais para os afazeres domésticos. A propósito da diferença salarial entre homens e mulheres:
“O rendimento de trabalho das mulheres, estimado em R$ 1.097,93, continua sendo inferior ao dos homens (R$ 1.518,31). Em 2009, comparando a média anual dos rendimentos dos homens e das mulheres, verificou-se que, em média, as mulheres ganham em torno de 72,3% do rendimento recebido pelos homens. Em 2003, esse percentual era 70,8%” (p.12 – Mulher no mercado de trabalho: perguntas e respostas à Pesquisa Mensal de Emprego – PME, implantada em 1980, www.ibge.gov.br/home/estatistica. acesso em 20/01/2017).
Embora a expectativa de vida da mulher seja maior do que a do homem, em média sete anos a mais, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em pesquisas realizadas em dois mil e treze, vivendo com uma jornada excessiva de trabalho, a consequência disso será uma má qualidade de vida, o que implicará numa diminuição nessa expectativa de vida.
O governo por força de lei produz uma igualdade formal entre homens e mulheres no que tange ao retorno dos benefícios, porém este mesmo governo falha na prática quando permite uma desigualdade salarial entre homens e mulheres.
Além dos aspectos mencionados a que se destacar o próprio aspecto biológico diferenciador entre homens e mulheres, sendo os mais diversos e adversos, indo desde a menstruação que é um pesadelo para muitas até a menopausa, momento em que por causa do consumo de medicamentos, há um risco maior de adquirir um câncer, por exemplo. A condição da mulher em hipótese alguma, nunca será igual a do homem e como o legislador quer tratar desiguais de forma igual?
A alteração do artigo trará uma incoerência textual, tendo em vista que uma constituição que é pautada em princípios de Justiça, bem como que valoriza a pessoa humana, demonstrará um lado desumano que é o ato de desconsiderar a situação delicada em que a mulher sobrevive. Desse modo o sistema previdenciário brasileiro coloca-se como injusto. Isto atenta contra o dever de zelo e cuidado que o Estado deve ter para com a mulher enquanto cidadã.
CONCLUSÃO
O principal argumento utilizado para justificar a reforma da previdência é o de que a ela encontra-se deficitária. O que é incompreensível, tendo em vista a eficiência da Receita Federal no que tange à arrecadação das contribuições previdenciárias.
Mesmo que tal argumento seja verdade, cumpre a indagação de qual é o papel do Estado brasileiro: é a defesa dos hipossuficientes ou dos que detém o poder? Certamente há meios de complementar, sem necessariamente crucificar a parte mais fraca da relação jurídica estabelecida.
Ao invés da União criar um mecanismo como a Desvinculação de Receita para desviar até trinta por cento do que é arrecadado com previdência para outros fins, que não a retribuição através dos benefícios aos segurados, ela poderia, por exemplo, cobrar imposto sobre as grandes fortunas e vincular parte dessa receita ao custeio da Seguridade Social. Esta se encontra deficitária, enquanto que a previdência superavitária. Isso é o que defende Gouveia, em suas aulas sobre direito previdenciário.
O IGF como é conhecido, previsto na Constituição Federal no artigo cento e cinqüenta e três, inciso sete, de competência exclusiva da União, mas que ainda não é regulamentado. Faz uns vinte e oito anos desde a elaboração da Carta Magna e a pergunta é porque este imposto ainda não foi regulamentado? O Estado aplica se em retirar direitos sociais, trabalhistas, previdenciários. Mas se acovarda na cobrança de um imposto tão importante para o país, principalmente, no que concerne à justiça social.
Portanto ao promover uma reforma previdenciária tão prejudicial ao contribuinte, o Estado brasileiro não cumpre o seu papel que o de promover o bem- estar social, promovendo a justiça tanto na cobrança de tributos, como na distribuição de riquezas.
Desse modo, as mudanças sugeridas na Proposta de Emenda Constitucional duzentos e oitenta e sete de dois mil e dezesseis apresentam-se como injustas, uma vez que as contribuições previdenciárias enquanto tributos não dão opção ao contribuinte que não seja o pagamento.
Além disso, a retribuição que deveria vir a contento, mostra-se como algo aquém do que se espera como retorno. Aliado a esses dois fatores, as propostas não levam em consideração a igualdade material, apegando-se apenas a letra fria da lei. Isso faz com que a finalidade precípua da lei que é estabelecer a Justiça, sucumba e seu objeto se perca.
Informações Sobre os Autores
Adriana Anatálio Feitosa
Especialista em literatura brasileira pela Universidade Estadual do Piauí. Mestre em Letras pela Universidade Federal do Piauí. Graduada em Direito pela Faculdade das Atividades Empresariais de Teresina. Professora efetiva do Ensino Médio no Piauí e Maranhão
Carlos Alberto Vieira de Gouveia
Carlos Alberto Vieira de Gouveia é Mestre em Ciências Ambientais e Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais; Vice-Presidente para a área Previdenciária da Comissão Direitos e Prerrogativas e Presidente da Comissão de Direito Previdenciário ambas da OAB-SP Coordenador do curso de pós-graduação em Direito Previdenciário da Faculdade Legale