A compensação por danos morais decorrentes de morte – possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional no regime de responsabilidade civil objetiva


Por mais que convivamos diariamente com a morte, sabedores de que esse fato jurídico é o marco final de nossa existência, e tenhamos consciência de que o dia derradeiro chegará, invariavelmente, para todos, tal fenômeno sempre nos choca; a alguns em maior grau, e outros, dotados de certa resignação, ceticismo etc., são atingidos com intensidade diferente.


Quantos não ficam abalados pela morte de um ente querido, de um amigo, ou até mesmo de uma pessoa estranha, mesmo que o fim seja esperado?


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Inúmeras conjecturas são levantadas, a fim de justificar e buscar conforto diante do fim da existência humana, especialmente em relação àqueles que nos são caros. Talvez isso se justifique em razão dos valores que o ser humano agrega à própria existência e à daqueles que o cercam, e são justamente esses valores que são deixados por quem parte, como maior herança àqueles que permanecem vivos.


Com estas breves considerações, indago: se a morte de uma pessoa, de forma natural, e em alguns casos até mesmo esperada, já é capaz de nos causar enorme abalo, diante da vindoura e permanente privação do convívio e do compartilhamento dos valores que aquela pessoa agregou à nossa existência, o que se dirá em relação àquelas mortes súbitas e violentas, consequentes de acidentes aéreos, de trânsito, causadas por empresas exploradoras de transporte, e muitas outras causadas pela violência urbana, para as quais o Poder Público contribui diária e acintosamente através de suas ações canhestras e omissões?


Este é o tema que pretendo discutir neste singelo ensaio, a partir da análise de casos concretos, trazendo ao leitor uma construção jurídica envolvendo a viabilidade de provimento jurisdicional initio litis em razão do incontestável dano experimentado por aqueles cujos entes que lhe são mais caros foram mortos em razão das atividades desenvolvidas por aqueles sujeitos de direito público ou privado, à luz do regime de responsabilidade civil ao qual estes sujeitos se submetem, por força do nosso ordenamento jurídico.


Em síntese, é dizer que, à luz do que prevê nossa ordem jurídica, tanto no campo do direito material quanto do processual, existe a possibilidade plena da fixação de um valor mínimo determinado, em decisão antecipatória dos efeitos da tutela, proferida pelo órgão jurisdicional que vier a apreciar eventual ação envolvendo pedido de indenização por morte, apurada em razão de ato ilícito decorrente da violação, seja pelo Estado ou por particulares, dos deveres jurídicos não observados no desenvolvimento das respectivas atividades.


Contudo, antes de adentrar nas questões processuais envolvendo o assunto, cumpre traçar ligeiras linhas sobre a responsabilidade civil, a afim de que se possa visualizar, sem dificuldades, a viabilidade da antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, dentro da proposta deste artigo, lembrando que os casos concretos que serão fornecidos são apenas ilustrativos, objetivando facilitar a intelecção do leitor sobre o tema proposto.


Discorrendo sobre a responsabilidade civil, Sergio Cavalieri Filho nos fornece sua noção:


 “A violação de um dever jurídico configura o ilícito, que quase sempre acarreta dano a outrem, gerando um novo dever jurídico, qual seja, o de reparar o dano. Há, assim, um dever jurídico originário, chamado por alguns de primário, cuja violação gera um dever jurídico sucessivo, também chamado de secundário, que é o de indenizar o prejuízo” (CAVALIERI FILHO, Programa de Responsabilidade Civil. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 19-20).


No ordenamento jurídico brasileiro, a regra da responsabilidade civil é no sentido de que o dever de indenizar deve ser avaliado à luz da verificação de culpa do agente causador do dano. Isto é, devem estar presentes todos os pressupostos da responsabilização civil, a saber: conduta (ação ou omissão), nexo causal (relação entre a conduta do agente e o resultado danoso) e, finalmente, o dano em si, como resultado naturalístico. Significa dizer, consoante a regra geral, que a alguém só será imputada responsabilidade desde que fique comprovado que o dano foi resultado de conduta dolosa ou culposa, que aquela conduta teve relação direta com o resultado, e que este consistiu na ofensa a bem jurídico de titularidade da vítima, seja de ordem patrimonial ou extrapatrimonial, sendo que, in casu, nos interessa averiguar o dano de natureza moral, desencadeado pela causa da morte de alguém.


Na sociedade de massa, contudo, marcada pela velocidade da informação, pelo consumo desenfreado, pela violência urbana etc., a responsabilidade civil tradicionalmente fundada na culpa não mais atendia aos anseios sociais, uma vez que em diversas situações o ônus de provar a culpa do causador do dano era tarefa dificílima, e alguns casos até mesmo impossível, imputada a quem pretendia obter a respectiva indenização, e sendo assim, quem fazia jus à reparação ou compensação, a depender do dano experimentado, acabava suportando o prejuízo, tendo em vista o absolutismo da regra processual no sentido de que quem alega o fato deve prová-lo.


Com vistas nessa dificuldade probatória, a legislação pátria, a nível constitucional, agasalhou a responsabilidade civil objetiva, isto é, aquela em que a vítima, para obter a respectiva indenização, basta provar apenas a conduta do agente (comissiva ou omissiva), o dano experimentado e o nexo causal.


No corpo da CF 88, a responsabilidade objetiva tem seus traços delineados no art. 37, § 6º, da Carta Maior, e, a nível infraconstitucional, no Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90).


Vejamos o que diz a Constituição Federal a respeito do tema:


“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:


(omissis)


§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.


Passemos, então, a um fato ocorrido na cidade do Rio de Janeiro, no dia 07/07/2008: a morte trágica de uma criança chamada João Roberto Amorim Soares, de apenas 3 anos de idade, que foi alvejado por policiais militares quando de uma perseguição a bandidos, tendo os agentes policiais confundido o carro onde a criança se encontrava com o dos criminosos perseguidos. Tal exemplo possibilitará ao leitor visualizar a questão da responsabilidade civil objetiva do Estado.


O episódio em questão, infelizmente, foi apenas mais um que dá conta da calamitosa situação do sistema de segurança pública do Rio de Janeiro. Assistimos diariamente nos telejornais a incompetência da PM fluminense, sendo que, mais trágica ainda é a insegurança vivida pela população, que inegavelmente não pode confiar na instituição criada para lhe servir e garantir a segurança pública.


Em reportagem exibida no Jornal Nacional do dia 08/07/2008, o governador Sérgio Cabral, em reunião na Sede da Secretaria de Segurança Pública daquele estado, chamou de desastrosa a atuação dos policiais envolvidos no episódio, dizendo: “Eu não consegui dormir esta noite com a imagem do pai em desespero na minha cabeça. Como governador, eu avalio a ação policial como um erro fatal e incompleta capacidade de discernimento no momento de tensão”. Disse ainda que os policiais militares envolvidos no ocorrido seriam expulsos da corporação, asseverando: “Não tem conversa. Tem que expulsar. São dois assassinos”. Com suas palavras, então, creio ser possível dizer, seguramente, que o governador assumiu expressamente a culpa do Estado pelo lamentável episódio.


Destarte, embora a responsabilidade civil, in casu, deva ser objetivamente apurada, houve, como reforço da responsabilidade, a assunção expressa de culpa pelo ocorrido, através do chefe do Poder Executivo daquele estado da federação.


Ultrapassado o exemplo de responsabilidade civil do Estado, passo agora a fornecer exemplos de acontecimentos recentes, que expressam a responsabilidade civil objetiva de transportadores de passageiros, envolvendo os dois maiores acidentes aéreos da história da aviação brasileira, quais sejam, aqueles envolvendo os vôos 1907, da Gol, ocorrido no dia 26/09/2006, e o sucedido com o vôo 3054, da TAM, no dia 17/06/2007, tragédias que desencadearam enorme comoção e abalo mundiais, o que se dirá em relação aos familiares das respectivas vítimas.


Os acidentes em tela, exaustivamente noticiados em diversas mídias, acabaram por ceifar, juntos, 353 vidas humanas. Apenas a título ilustrativo, para que se possa vislumbrar a dimensão do dano que pretendo demonstrar, o jornal Folha de São Paulo, em sua versão eletrônica na internet (www.folha.uol.com.br) veiculou, no dia 08/10/2006, notícia intitulada “TRAGÉDIA DA GOL DEIXA AO MENOS CEM ÓRFÃOS”. Em suma, tal matéria dava conta das conseqüências psíquicas pelas quais passavam, à época, e provavelmente sempre passarão, os filhos que perderam seus pais em virtude da queda do avião, muitos dos quais, em vista da pouca idade para compreender o ocorrido, não obstante a própria dor, agravam a dor dos familiares com quem convivem diariamente, ao indagarem sobre os motivos da ausência de seus pais.


Discorrendo sobre a morte, Yussef Said Cahali, pondera:


Seria até mesmo afrontoso aos mais sublimes sentimentos humanos negar-se que a morte de um ente querido, familiar ou companheiro, desencadeia naturalmente uma sensação dolorosa de fácil e objetiva percepção.


Por ser de senso comum , a verdade desta assertiva dispensa demonstração: a morte antecipada em razão do ato ilícito de um ser humano de nossas relações afetiva, mesmo nascituro, causa-nos um profundo sentimento de dor, de pesar, de frustração, de ausência, de saudade, de desestímulo, de irresignação.


São sentimentos justos e perfeitamente identificáveis da mesma forma que certos danos simplesmente patrimoniais, e que se revelam com maior ou menor intensidade, mas que existem.


No estágio atual  de nosso direito, com a consagração definitiva, até constitucional, do princípio da reparabilidade do dano moral, não mais se questiona que esses sentimentos feridos pela dor moral comportam ser indenizados; não se trata de ressarcir o prejuízo material representado pela perda de um familiar economicamente proveitoso, mas de reparar a dor com bens de natureza distinta, de caráter compensatório e que, de alguma forma, servem como lenitivo” (CAHALI, Dano Moral. 2ª. Ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 1998, p. 111).


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Passo, agora, à análise do que dispõe o sistema protetivo consumerista.


No campo da responsabilidade civil, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor veio a consagrar a responsabilidade objetiva dos fornecedores de produtos e serviços, significando que responderão, independentemente da existência de culpa, pelos danos causados aos consumidores, bastando a estes a comprovação do dano e do nexo causal, sendo fato que, em relação aos acidentes aéreos em comento, tais pressupostos geradores do dever de indenizar já foram exaustivamente demonstrados.


Para tanto, tomamos como objeto de nossa análise o art. 14 do C.D.C., o qual trata da responsabilidade dos prestadores de serviços pelo fato do serviço, sendo que as empresas aéreas se enquadram como tal nas regras contidas no dispositivo em comento.


Prescreve o caput do art. 14 do C.D.C.:


“Art. 14 – O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”.


Ante estas colocações, creio seja possível chegar a uma conclusão primária, juridicamente lógica e incontroversa: a perda da vida de um ser humano, indubitavelmente acarreta, imediata e irremediavelmente, danos aos respectivos familiares, sendo que destaco, repito, como objeto deste estudo o de natureza moral.


Para que o leitor disponha de condições a vislumbrar de maneira mais clara a dimensão dos danos decorrentes dos exemplos fornecidos linhas acima, envolvendo a responsabilidade por ato ilícito do Estado e das empresas aéreas referenciadas, a própria veiculação das notícias envolvendo os acontecimentos com o menino João Roberto Amorim Soares e os vôos 1907 e 3054, permite a qualquer ser humano médio sentir o desespero dos familiares das respectivas vítimas. A morte de entes queridos, das maneiras violentas como ocorreram, é algo que indubitavelmente traz conseqüências psíquicas que vão além daquelas verificadas em casos de morte natural. No momento em que as famílias deixam de conviver com algum de seus membros, deixam de agregar valores à sua existência, além de enfraquecer a unidade familiar.


Nem é preciso dizer, no caso do menino João Roberto, que, moralmente, e como medida da mais ampla e legítima justiça, caberia ao Estado, diante da culpa expressamente assumida pelo respectivo chefe do Poder Executivo, oferecer, no mínimo voluntariamente, uma indenização à família da vítima.


Mesmo argumento se aplica às empresas aéreas mencionadas, bem como a qualquer outra cuja atividade eventualmente venha a causar a morte de um usuário de seus serviços, tendo em vista que são conhecedoras de que sua responsabilidade civil é objetiva. Entretanto, tal discussão se torna estéril em um país onde um instituto de contornos morais e éticos como a boa-fé teve se der positivada.


Passamos, então, a discorrer sobre as questões processuais envolvendo o tema, bem como sobre a postura do Judiciário diante da situação fática ao apreciar um eventual pedido de tutela antecipada para a compensação dos danos de natureza moral, nos casos em que haja previsão de responsabilidade objetiva.


O Código de Processo Civil brasileiro regra a tutela antecipada no art. 273, e demais disposições subseqüentes, consignando ser lícito ao juiz, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação, bem como haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação e fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.


De pronto, com vistas nos exemplos fornecidos, é possível notar que a existência de prova inequívoca a permitir tal provimento está pintada em cores vivas, expressa nas mortes do garoto João Roberto e das vítimas dos acidentes aéreos em comento, como fatos notórios que são. Além disso, em relação a eventuais vítimas fatais de acidentes de trânsito, ferroviários, enfim, causados por fornecedores de serviços de transporte de passageiros, sujeitos ao regime de responsabilidade do CDC, até mesmo dispensaria as partes autoras de eventuais ações de reparação civil, de sua prova, a teor do que dispõe o art. 334, inciso I, do diploma processual civil.


Em relação ao Estado, como é de curial saber, a injustificada demora no provimento jurisdicional final fundamentaria a decisão sumária, se for levado em conta que o julgamento ao final importaria em mais alguns anos dos familiares da vítima na fila dos famigerados precatórios. Referente ao abuso de direito de defesa ou o manifesto caráter protelatório do réu, basta reportarmo-nos à supremacia da qual goza a Administração Pública em relação aos particulares. Na seara processual, por exemplo, se vale de prerrogativas processuais com prazos diferenciados para contestar e recorrer, evidenciando, assim, a possibilidade da adoção, pelo réu, das condutas descritas no inciso II do art. 273 do CPC, visto que nossa sistemática processual prevê um número excessivo de recursos até que o processo chegue ao fim e haja a efetiva entrega da tutela jurisdicional.


Por sua vez, em relação ao transportador, a injustificada demora no provimento jurisdicional final fundamentaria a decisão antecipadora da tutela, se for levado em conta que a perda de um chefe de família, por exemplo, importa, entre outros, e via de conseqüência, na perda da base de subsistência familiar, gerando, no mínimo, sequelas de caráter alimentício, entre outras de índole psíquica, logicamente. Quanto ao abuso de direito de defesa ou o manifesto caráter protelatório do réu, lembre-se do acidente ocorrido com um Boeing da Varig em 1989, o qual até hoje aguarda solução definitiva na justiça, depois de passados 20 anos.


Nada obstante, impende registrar que estamos diante de relações regidas pela responsabilidade civil objetiva, assim acolhida pelos ordenamentos constitucional e consumerista, justamente para se evitar possíveis abusos do Estado e de pessoas jurídicas de direito privado sujeitas ao regime do Código do Consumidor, em relação aos direitos e garantias expressos na Constituição Federal, fazendo com que toda e qualquer consideração, neste particular, seja objeto de analise à luz das disposições da Carta Maior e do CDC, justificando, assim, o tratamento jurídico diferenciado que confere às vítimas, pelo menos em tese, condições materiais e processuais a litigar contra aqueles que se encontram em situação de superioridade, lembrando, ainda, que no que se refere ao consumidor, este é, por definição, a parte vulnerável na relação de consumo, conforme assentado em 1985, pela ONU, em sua 106ª Sessão Plenária, através da Resolução nº 39/248.


Dentro da sistemática abraçada pela CF 88, como dito, a responsabilidade civil recebeu tratamento diverso do que lhe é tradicionalmente atribuído, pois veio a consagrar a responsabilidade objetiva do Estado, fundada no risco administrativo, e traduzida no dever jurídico sucessivo (responsabilidade) de reparar os danos advindos do descumprimento de um dever jurídico originário (obrigação), independentemente de culpa, sendo que o dever jurídico originário, aqui, está expresso na garantia da segurança pública ao cidadão. Uma vez violado tal dever jurídico, como aconteceu no caso sob exame, ficou demonstrado o inadimplemento do Estado em relação à prestação que lhe é juridicamente imputada, nascendo, assim, um dever jurídico secundário, que é a responsabilidade pela reparação do dano.


O fornecedor de produtos e serviços, de seu turno, dentro do regime do CDC sujeita-se à responsabilidade objetiva fundada no risco do empreendimento.


Posto isto, é possível verificar que em ambas as hipóteses os ofensores têm sua responsabilidade fundada nos riscos das respectivas atividades.


O interesse maior é então a garantia da concretização das medidas protetivas do cidadão. Assim, transporta-se a discussão acerca da culpa para um plano secundário, em homenagem à eficácia que deve revestir o provimento jurisdicional pleiteado.


O evento morte, à luz dos fundamentos alinhados, por si só, destaco, já é capaz de autorizar a concessão dos efeitos antecipatórios da tutela, para determinar, incontinenti, o pagamento de indenização a quem de direito, em razão de o magistrado, através da cognição sumária, já saber ser a mesma devida. É, portanto, prova forte e imodificável! É a fixação, de pronto, de um valor mínimo, devido pela simples causa da morte de um ser humano.


No que tange ao perigo de irreversibilidade do provimento, podemos afirmar com segurança que tal inexiste, pois o direito, em casos como os fornecidos, estaria cabalmente demonstrado. Com a morte das vítimas, o dano moral automaticamente se consumou, ou seja, já fez nascer nos parentes das vítimas o direito à correspondente compensação, já que a morte não é passível de reparação, isto é, não existe possibilidade de retorno ao status quo ante, registre-se.


Nesse especial cabe registrar a sempre magistral lição de Luiz Fux: “Sob o ângulo civil, o direito evidente é aquele que se projeta no âmbito do sujeito de direito que postula. Sob o prisma processual, é evidente o direito cuja prova dos fatos sobre os quais incide revela-os incontestáveis ou ao menos impassíveis de contestação séria.”


Como já apontado precedentemente, a morte das vitimas é fato, e, segundo a dicção do brocardo jurídico, “contra fatos não há argumentos.”. Seria, no mínimo, em observação à construção feita pelo eminente Ministro, insensato não se considerar tais fatos incontestáveis ou impassíveis de contestação séria!


Provável discussão poder-se-ia levantar em relação à individuação do quantum a indenizar, tendo em vista que o juiz, no exercício de seu mister, tem de considerar uma série de aspectos objetivos e subjetivos para a fixação do respectivo valor. Porém, em se tratando do dano moral sob exame, não há, nesse particular, que se cogitar tal hipótese se considerarmos, pura e simplesmente, o fato de os causadores do dano terem ocasionado a morte das vítimas nos exemplos examinados. O direito à reparação se faz presente em face do evento morte, o que lhe reveste de liquidez e certeza, pelo que o magistrado, diante dessa característica, e a fim de resguardar o direito da parte, poderá fixar um mínimo a ser indenizado, já que o dano sumariamente observado é o denominador comum que vai orientar a atividade do juiz, sendo que outros fatos, em especial, que porventura vierem a importar no aumento do quantum indenizatório poderão, sem prejuízo, ser objeto de apreciação no decorrer da instrução processual, em harmonia com o contraditório e o devido processo legal.


Outra consideração que se faz imperiosa, e ainda toca na questão da irreversibilidade da decisão, diz respeito aos direitos constitucionalmente envolvidos no litígio. Se por um lado a antecipação dos efeitos da tutela pode importar em prejuízo econômico irreversível em relação ao réu caso, remota e futuramente, fique provado que a indenização não era devida nos moldes em que foi fixada, lado outro a sua não concessão importa em prejuízos irreversíveis atinentes aos direitos à honra subjetiva, à intimidade, à vida privada, os quais estão intimamente ligados à dignidade da pessoa humana, sendo que estes revelam-se prementes em virtude do dano presente, e são hierarquicamente superiores àqueles de interesse estatal, nos termos da Magna Carta.


Não é demais recordarmos que o juiz deve sempre orientar seu desígnio no sentido de que a lei existe pra servir à sociedade, e não o contrário, sob pena de se privilegiar a disposição literal do texto legal em detrimento do seu real espírito.


 Novamente socorro-me no magistério de Luiz Fux ao citar Miguel Reale, assinalando que “a tutela de evidência é regra in procedendo para o aplicador do direito que não está tão atrelado assim à ‘lógica formal’ mas antes à percepção dos fatores lógicos, axiológicos e éticos que antecedem essa operação de aplicação jurisdicional do direito”. Somado a isto, como sempre faço questão de repetir em meus textos, há que se atentar para a regra contida no art. 5º da LICC, o qual orienta o julgador a observar os fins sociais a que a lei se dirige, e o regramento a ser observado nos fatos trazidos à baila é o contido na Constituição Federal, que garante o direito à reparação pelos danos de natureza moral, nos termos do art. 5º, inciso X.


Sendo assim, o direito reclama uma tutela plenamente capaz de satisfazer os anseios do corpo social quando da ocorrência de fatos como estes que examinamos, onde vidas são diariamente perdidas, em razão da incompetência daqueles que agem canhestramente, seja em nome do Estado, seja na prática empresarial. Nada justifica a extremada cautela do magistrado a evitar possíveis danos de natureza econômica atinentes à pessoa do réu no processo quando o direito da parte ex adversa se revela cristalino, líquido e certo.


Após estas colocações, surge outro problema a ser analisado: quem deve ser indenizado em casos como os narrados?


A indagação é pertinente porquanto o interesse de agir, conforme Cahali, citando Luiz Felipe Haddad, limitar-se-á aos pais em relação aos filhos, e vice versa, tendo em vista que o sofrimento, in casu, é perfeitamente presumível, embora o festejado autor pondere no sentido de que tal presunção é juris tantum, na medida em que muitos pais e filhos sequer convivem diariamente ou possuem afinidades. Porém, tal presunção deverá ser elidida por prova em sentido contrário, permanecendo, assim, a tese no sentido da viabilidade do provimento sumário, como colocado.


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Não é dizer, entretanto, que terceiros estranhos à relação entre pais e filhos não possuam legitimidade para demandar o causador do dano em juízo, sendo que, no caso de dano advindo de acidente de consumo, o art. 17 do Código do Consumidor equipara a consumidores todas as vítimas do evento, isto é, aqueles que não possuem relação contratual com o fornecedor de produtos ou serviços, porém sofrem os reflexos do fato danoso.


Contudo, penso que a averiguação da lesividade perpetrada, no caso de pedido feito por quem não integre a relação pais/filhos, reclamaria instrução probatória, a fim de se verificar o grau de afinidade da vítima com os parentes que se encontram fora daquela relação. 


O STJ recentemente enfrentou a questão ao apreciar o REsp 1.101.213-RJ, da relatoria do Min. Castro Meira, julgado em 02/04/2009. No caso, os avós pleiteavam indenização pela morte da neta, ocorrida nas dependências da escola municipal onde estudava. O insigne Ministro destacou em seu voto:


“É inegável o abalo emocional sofrido por parentes da vítima em razão da morte tão prematura, absolutamente evitável e em local em que se espera proteção, dedicação e cuidado dispensados a crianças de tão pouca idade. O sofrimento pela morte de parente é disseminado pelo núcleo familiar, como em força centrífuga, atingindo cada um dos membros em gradações diversas, o que deve ser levado em conta pelo magistrado para fins de arbitramento do valor da reparação do dano moral. Assim, os avós são legitimados à propositura de ação de reparação por dano moral proveniente da morte da neta. A reparação, nesses casos, decorre de dano individual e particularmente sofrido pelos membros da família ligados imediatamente ao fato (art. 403 do CC/2002). Assim, considerando-se as circunstâncias do caso concreto e a finalidade da reparação, a condenação ao pagamento de danos morais no valor de R$ 114.000,00 para cada um dos pais, correspondendo à época a 300 salários mínimos, e de R$ 80.000,00 para cada um dos dois avós não é exorbitante nem desproporcional à ofensa sofrida pelos recorridos pela perda da filha e neta menor em tais circunstâncias” (Informativo de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça nº 0389)


Como é possível perceber, o eminente Relator, ao julgar, considerou as circunstâncias do caso concreto para a condenação do município. E não poderia agir diferente, na medida em que, pelo menos a priori, a avaliação do sofrimento de parentes que não sejam os pais dependerá, salvo melhor juízo, de analise de prova colhida no decorrer a instrução processual.


Destarte, penso seja tranquilo visualizar que a lesão experimentada pelos filhos em relação aos pais, e vice versa, é de fácil e sumária averiguação em sede de tutela antecipada, quando estamos diante de ação em que se pede indenização por dano moral decorrente de morte.


Concluindo, fica demonstrado, assim, o direito de pais e filhos de vítimas de ato ilícito do Estado e de transportadores de passageiros em haver a respectiva indenização pelos danos morais experimentados, de forma sumária, diante do prejuízo inconteste, ocasionado pela morte de uma pessoa, sendo até mesmo dever do magistrado conceder a antecipação dos efeitos da tutela pretendida, uma vez verificada a presença dos pressupostos próprios.


É direito da parte, anote-se, revestido de legitimidade em razão de estarmos diante de fatos cujas consequências são submetidas ao regime da responsabilidade civil objetiva, sendo que os direitos e garantias fundamentais foram consagrados pelo ordenamento constitucional como forma de garantir efetiva proteção aos respectivos titulares do direito de compensação, que fazem jus, pois, à indenização devida, diante da possibilidade de cognição sumária do juiz em relação à prova inequívoca do dano sofrido.



Informações Sobre o Autor

Vitor Vilela Guglinski


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