Sumário: 1. Considerações iniciais. 2. Requisitos para a aplicação da fungibilidade entre a tutela cautelar e a tutela antecipada. 3. A “mão dupla” da fungibilidade das tutelas de urgência. 5 As Medidas Cautelares e o § 7º do artigo 273 do Código de Processo Civil. 6. Conclusão.
1. Considerações iniciais
A Lei 10.444/2002 inseriu o § 7º ao artigo 273 do Código de Processo Civil, dispondo que “§ 7º: Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental ao processo ajuizado.”
Tal dispositivo expressamente inseriu no direito processual civil brasileiro a fungibilidade entre as tutelas de urgência, mais especificamente entre a tutela cautelar e a tutela antecipada.
A doutrina, como razão, sempre procurou estabelecer distinção entre os institutos, já que cada um possui características e requisitos próprios. Basicamente, entende-se a antecipação de tutela como uma antecipação do resultado favorável da demanda. Ou seja, é a entrega prematura do bem da vida perseguido no processo. Por outro lado, a tutela cautelar está ligada à preservação de uma situação fática ou jurídica, no âmbito do próprio processo, enquanto o mérito da relação controvertida é discutido em um outro processo.
Cândido Rangel Dinamarco, lembrando os males causados ao direito em razão de decurso do tempo, ensina que a distinção entre a tutela antecipada e a tutela cautelar pode ser vista em relação ao processo e ao sujeito: quando o mal é causado ao processo, o remédio é a cautelar e quando ao sujeito, a tutela antecipada.[1]
Entretanto, a despeito das diferenças, o fato é que tanto a tutela cautelar como a tutela antecipada representam espécies de um mesmo gênero, chamado de “tutelas de urgência.” E, como espécies do mesmo gênero, possuem grandes semelhanças que muitas vezes levam a doutrina e os demais operadores do direito a situações de dúvida quanto ao correto instituto a ser manejado no caso concreto.
Assim, diante da inegável afinidade entre as espécies, inclusive de ordem prática – ambas visam a tutelar situações de urgência, na qual há o iminente risco de lesão e que prescindem de uma rápida resposta do Poder Judiciário – e igualmente diante da moderna concepção do processo, na qual a busca pelo resultado e pela concretização do direito material se sobrepõe aos formalismos, o legislador inseriu no Código o artigo em referência, propiciando a resguarda do interesse da parte mesmo que a via eleita não se mostre a mais correta tecnicamente.
Portanto, verifica-se que a alteração legislativa possibilitou o deferimento de medidas cautelares no âmbito do processo de conhecimento quando pleiteadas a título de antecipação de tutela. Ou seja, em determinados casos, dispensa-se a propositura de um processo autônomo e acessório (Processo Cautelar) a fim de se obter o provimento acautelatório exigido pela situação de urgência.
Essa disposição se coaduna com a busca pela efetividade da prestação jurisdicional. Isso porque não se mostra mais viável o indeferimento da medida de urgência pleiteada pela parte por conta da “falta de adequação” da via eleita, na medida em que o correto seria o manejo de um Processo Cautelar.
Além do mais, pode-se dizer que o § 7º do artigo 273 do Código de Processo Civil também está em consonância com o poder geral de cautela do juiz, que, muito embora previsto nas disposições sobre as Medidas Cautelares, é um sustentáculo para o deferimento de medidas assecuratórias do direito da parte, independentemente do rito processual adotado. Até porque, a própria natureza da cautelar é instrumental, como meio de preservação de direitos enquanto o mérito da questão controvertida é discutido.
Entretanto, o dispositivo em referência traz algumas questões para debate, que serão objeto das considerações adiante. Tais questões resumem-se, basicamente, na existência de requisitos para se operar a fungibilidade, a possibilidade de deferimento de cautelares típicas e atípicas no processo de conhecimento e a existência do chamado “duplo sentido vetorial” ou “mão dupla” da fungibilidade.
2 Requisitos para a aplicação da fungibilidade entre a tutela cautelar e a tutela antecipada
Da leitura do § 7º do artigo 273 do Código de Processo Civil já se verifica que a lei impôs um primeiro requisito para que se opere a fungibilidade entre as tutelas de urgência: é necessário que estejam presentes os requisitos autorizadores da espécie de tutela que será concedida.
Assim, se no bojo do processo do conhecimento, o autor, a título de tutela antecipada, pleitear uma medida de natureza estritamente cautelar, para que esta possa ser deferida nos moldes da Lei, é necessário que se conjuguem os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora.
A aplicação do artigo em discussão está subordinada, portanto a que de fato exista a plausibilidade do direito invocado a partir de um juízo de cognição sumária, plausibilidade esta suficiente para que seja deferida a medida acautelatória do direito da parte.
Caso contrário, ausentes os requisitos, independentemente de discussões sobre a impropriedade da via eleita, a medida não será deferida uma que a situação apresentada e as alegações deduzidas não induzem a concessão da tutela de urgência em razão da ausência dos respectivos pressupostos.
Outra questão relevante é saber se há a necessidade da situação processual gerar dúvida objetiva, ou seja, estar situada na chamada “zona cinzenta”. Em outras palavras, se é preciso observar os mesmos requisitos da fungibilidade em matéria recursal.
Há entendimento de que a fungibilidade entre as tutelas de urgência somente deve existir nos casos de existência de dúvida, uma vez que sendo o ordenamento jurídico expresso acerca do caminho a ser trilhado, a lei deve ser respeitada. Segundo Joaquim Felipe Spadoni, “a demonstração desse requisito se impõe, sob pena de se permitir o uso abusivo e de má-fé de pedidos de antecipação de tutela supostamente equivocados.”[2]
Entretanto, existe forte corrente que não apóia a idéia de que a fungibilidade das tutelas de urgência deve preencher os requisitos da fungibilidade recursal, principalmente pelo fato do Código de Processo Civil não subordinar a aplicação do § 7º do artigo 273 a qualquer requisito.
Carlos Augusto de Assis pondera que
o legislador, com efeito, condiciona ao preenchimento dos pressupostos da outra medida, não à existência de dúvida objetiva no emprego de uma ou outra medida. Desse modo, ainda que a medida pleiteada como antecipação de tutela seja desenganadamente cautelar, o juiz poderá concedê-la, desde que presentes seus pressupostos.[3]
Na mesma esteira, Lúcio Delfino em interessante artigo sobre o tema, afasta a subordinação aos requisitos para a aplicação da fungibilidade das tutelas de urgência, tendo em vista que não há, no dispositivo em análise, intenção de prevenir abuso de direito ou má-fé daqueles que pleiteiam a tutela, mas tão somente o objetivo de desburocratizar e flexibilizar o processo. [4]
Além dessa questão, surge igualmente a indagação se o juiz está autorizado a conceder cautelares típicas e atípicas no processo de conhecimento (com fundamento no artigo 273, § 7º do CPC) ou somente cautelares típicas.
Luis Gustavo Tardin analisa a questão sob o ângulo da cumulação de pedidos. De acordo com o jurista, o pedido de cautelar nominada no âmbito do processo de conhecimento está autorizado inclusive por força do artigo 292 do Código de Processo Civil, na medida em que a Lei autoriza a cumulação de pedidos, ainda que não conexos. Entretanto, ressalta que o limite para a aplicação da fungibilidade é o contraditório, garantia fundamental do processo.[5]
Existem, contudo, opiniões contrárias. Paulo Afonso Brum Vaz, com muita sensatez, argumenta que permitir a fungibilidade para o deferimento de cautelares típicas significa revogar o CPC no tocante ao Processo Cautelar, lembrando que, nesses casos, o procedimento é de ordem pública “e, portanto, indisponível às partes e ao juiz, é tipificado no CPC e constitui direito subjetivo do réu”.[6]
Portanto, existe certa divergência sobre essas questões, parecendo prevalecer o entendimento de que não há requisitos além dos expressos no § 7º do artigo 273 do CPC para a aplicação da fungibilidade entre as tutelas de urgência, bem como ser possível a concessão de cautelares atípicas e típicas no processo de conhecimento.
3 – A “mão dupla” da fungibilidade das tutelas de urgência
O texto do § 7º do artigo 273 do Código de Processo Civil é claro ao dispor que poderá ser deferida a medida cautelar pleiteada a título de tutela antecipada no âmbito do processo de conhecimento, caso presentes os requisitos.
A hipótese prevista no artigo já vinha sendo aceita pela doutrina há certo tempo, por vários aspectos. A uma por conta da instrumentalidade do processo e do desapego ao excesso de formalismo. A duas, porque os requisitos da tutela antecipada são mais exigentes do que o da tutela cautelar, além de outros argumentos, como a economia e celeridade processual.
No entanto, questiona-se se é possível a via inversa, ou seja, o deferimento de uma medida de antecipação de tutela no âmbito do processo cautelar. A dúvida, então, é se a fungibilidade é viável nas duas direções.
Com efeito, a doutrina não é pacífica sobre o assunto. Existem posicionamentos tanto pela viabilidade da mão dupla quanto pela impossibilidade. E ambas as correntes valem-se de fortes e fundamentados argumentos jurídicos.
Assim, ambas as teses são defensáveis, mas parece haver uma certa predominância da aceitação da fungibilidade em mão dupla.
O renomado jurista Cândido Rangel Dinamarco é um dos grandes defensores da possibilidade de se deferir tanto a cautelar em processo de conhecimento como a tutela antecipada em processo cautelar, aplicando-se plenamente a fungibilidade entre as tutelas de urgência.
Comentando a segunda fase da Reforma do Código de Processo Civil, o doutrinador assim se posiciona:
O novo texto não deve ser lido somente como portador da autorização a conceder uma medida cautelar quando pedida a antecipação de tutela. Também o contrário está autorizado, isto é: também quando feito um pedido a título de medida cautelar, o juiz estará autorizado a conceder a medida a título de antecipação de tutela, se esse for seu entendimento e os pressupostos estiverem satisfeitos. Não há fungibilidade em uma só mão de direção. Em direito, se os bens são fungíveis, isso significa que tanto se pode substituir um por outro, como outro por um. Bem pensando, nem precisaria a lei ser tão explícita a esse respeito, porque é regra surrada no direito processual que o juiz não está vinculado às qualificações jurídicas propostas pelo autor mas somente aos fatos narrados e ao pedido feito. Nenhum juiz deixa de anular um contrato por dolo, só pela circunstância de o autor, equivocadamente, ter qualificado como coação os fatos narrados. O que importa é que os fatos narrados sejam capazes, segundo a ordem jurídica, de conduzir ao resultado que se postula. Tal é o significado e a medida de aplicação da regra da mihi factum dabo tibi jus, inerente ao princípio da substanciação, que o Código de Processo Civil consagra. Tal é também o significado e a medida de aplicação da correlação entre o provimento jurisdicional e a demanda, de muito em direito processual (arts. 128 e 460). É da jurisprudência pacífica que “inexiste dissenso entre o julgado e o libelo quando considerados exatamente os fatos descritos na inicial, não importando que lhe tenha sido emprestada qualificação jurídica não mencionada expressamente na inicial (STJ). Essa observação realça o duplo sentido vetorial da fungibilidade entre as medidas urgentes, acima demonstrado, porque mesmo sem o novo parágrafo do art. 273, o juiz já estaria autorizado a dar a sua própria qualificação jurídica aos fatos narrados pelo autor – e isso se aplica indiferentemente a todas as espécies de processos e aos pedidos que neles se deduzem (processo de conhecimento ou cautelar, pedido de cautelar ou de antecipação, etc). Esse parágrafo tem, porém a virtude de ser explícito e específico, abrindo caminho à exorcização do fantasma da radical distinção entre medidas cautelares e antecipatórias.[7]
José Roberto dos Santos Bedaque valendo-se do termo “duplo sentido vetorial” realça a posição de Dinarmco, lembrando que “a adequação a ser feita pelo juiz é da própria medida, deferindo aquela mais apta a afastar o risco de inutilidade da prestação jurisdicional.”. [8]
Compartilhando desse entendimento, Eduardo de Avelar Lamy defende a mão dupla da fungibilidade na medida em que o § 7º do artigo 273 do CPC admite uma fungibilidade de técnicas para que seja deferida uma tutela de urgência. Não se trata, portanto, segundo o autor, de fungibilidade de tutelas, já que há somente uma tutela – a de urgência – mas sim de técnicas para alcançá-la.[9]
Carlos Augusto de Assis, concordando com a tese de Cândido Dinamarco, frisa que, em razão dos diferentes requisitos para a concessão de cada uma das medidas (os requisitos para a concessão da tutela antecipada são mais rigorosos), na prática pode ser bem menos freqüente a configuração da hipótese em que seja possível conceder a antecipação no bojo do processo cautelar.[10]
Para Cássio Scarpinella Bueno, grande defensor do modelo constitucional do processo civil, o § 7º do artigo 273 do Código de Processo Civil dispõe sobre uma indiferença entre as tutelas, tendo em vista que busca-se o objetivo prático do processo..[11]
Interessante questão a ser abordada no tema da mão dupla da fungibilidade é o aspecto procedimental. Isso porque o deferimento de cautelar no âmbito do processo de conhecimento não gera maiores problemas, na medida em que se está diante do procedimento comum, que confere amplos meios de fé defesa ao réu.
Por outro lado, não se desconhece que o rito cautelar pressupõe prazos mais curtos e restrições no tocante à produção probatória. Por conta disso, Nelson Nery entende que é possível a mão dupla da fungibilidade, desde que o requerente faça a adequação do seu pedido. Assim, a cautelar só seria indeferida diante da impossibilidade de ser adaptada ao pedido de tutela antecipada. [12]
Lamy se alinha à tese da conversibilidade do procedimento (que, segundo o autor, é um expoente da instrumentalidade das formas), condicionando o deferimento da tutela antecipada em processo cautelar à emenda da inicial para que se tenha um processo de conhecimento. Entretanto, o autor ressalta que tal providência é uma conveniência, na medida em que fungibilidade não prescinde de conversibilidade. [13]
O aspecto mencionado pelos doutrinadores acima, no tocante à possibilidade de adaptação do procedimento é de fundamental importância. Isso porque, um dos principais problemas apontados para a concessão de tutela antecipada no âmbito do processo cautelar é a adequação do procedimento, matéria de interesse processual, portanto, de ordem pública.
Como se sabe, no âmbito da cautelar o mérito da relação controvertida não é analisado, restringindo-se a discussão à presença do fumus boni iuris e do periculum in mora. Portanto, para a concessão da medida cautelar, não é necessário o ingresso prematuro no mérito, como no caso da tutela antecipada. Por conta disso, na própria petição inicial da Ação Cautelar não há necessidade de exposição minuciosa do mérito da questão, bastando ao requerente mencionar a lide e seu fundamento (artigo 801, III). A exposição detalhada do direito pleiteado é feita na ação principal, que tanto pode ser de conhecimento como até mesmo executiva.
Por isso, pode-se indagar se a mão inversa da fungibilidade não esbarraria em um óbice procedimental, que não se trataria de uma mera formalidade, já que estaria ligada ao interesse processual na modalidade adequação. E, como se sabe, o interesse processual, em todas as suas modalidades, é uma das condições da ação e sua ausência acarreta na extinção do processo sem a resolução do mérito (artigo 267, VI do CPC).
O processualista Paulo Afonso Brum Vaz pondera sobre essa questão, sustentando a impossibilidade do duplo sentido vetorial das tutelas de urgência:
Pensamos que, em linha de princípios a fungibilidade autorizada pelo novo § 7º do art. 263 do CPC não abarca a hipóteses de antecipação dos efeitos da tutela de direito material postulada em processo cautelar. Nem poderia, sob pena de grave subversão da ordem processual e da natureza dos institutos. Se admitida a possibilidade de se deferir antecipação dos efeitos da tutela em processo cautelar, teríamos ferido de morte o princípio do devido processo legal, em seu aspecto processual. As partes têm o direito subjetivo ao rito definido em lei. Pretensão que tenha por objeto o reconhecimento da fruição do direito material objeto do litígio deve ser vertida no processo de conhecimento. Antecipação dos efeitos da tutela corresponde a uma pretensão meritória de direito material, portanto, não pode ser postulada em processo cautelar (no processo cautelar seria possível a antecipação da tutela cautelar, que corresponde à liminar que adianta os efeitos da cautela). Existe uma substancial distinção entre os modelos processuais estabelecidos para cada uma das espécies de tutela, sendo o da cautelar deficitário em relação à antecipação de tutela. O prejuízo processual do requerido seria evidente, seja porque os prazos são mais exíguos, seja porque a instrução probatória no processo cautelar é limitada, em razão da cognição superficial que o caracteriza, ou ainda porque, sob o ponto de vista dos efeitos recursais, o regime é diverso.
(…)
Outro motivo diz respeito à questão do interesse processual. Se a medida antecipatória pode ser obtida em um único processo (o de conhecimento), faleceria o interesse processual do autor de postulá-la em procedimento cautelar, que exige a propositura de uma outra ação, denominada principal. Teríamos, então, dois processos, quando por um apenas se poderia solucionar a lide em todos os seus aspectos. A menos que se entenda que o processo principal ficaria dispensado, o que soa como rematado absurdo.[14]
Arruda Alvim também é contrário à mão dupla da fungibilidade, porque, segundo o jurista, o deferimento de tutela antecipada dentro da cautelar implicaria em uma decisão ultra petita, vez que o magistrado deferiria o “mais” quando pleiteado o “menos”, ressaltando que os requisitos para a concessão da tutela antecipada são mais rigorosos do que os da cautelar. [15]
Interessante é a abordagem que Milton Paulo de Carvalho faz para defender a inviabilidade da dupla direção da fungibilidade das tutelas de urgência. Segundo o doutrinador, por conta da distinção existente entre as medidas, não é lícito ao juiz deferir tutela antecipada quando pleiteada uma medida juridicamente identificada com cautelar porque se deferiria satisfatividade sem pedido.[16]
No entanto, mesmo os juristas acima, contrários à tese da mão dupla da fungibilidade, concordam que em situações extremas o direito da parte não deve ser desamparado por conta de uma divergência doutrinária no tocante ao cabimento ou não da tutela antecipada pleiteada no âmbito do processo cautelar. Excetua-se deste grupo Milton Paulo de carvalho, para quem em nenhuma hipótese pode ser aplicada em dois sentidos a fungibilidade.
Isso porque, como exaustivamente mencionado, hoje se pensa no processo como um instrumento adequado a trazer o resultado útil para a parte que tem razão. A tutela jurisdicional, portanto, tem que ser efetiva e tempestiva, o que acarreta, em alguns casos, no abrandamento de regras de natureza formal e procedimental.
Para André Vinhas da Cruz, “apenas em casos excepcionalíssimos, a fim de se evitar dano grave e irreparável, a mão inversa haverá de ser admitida, permitindo-se a concessão de tutela antecipada quando formulado pedido cautelar”.[17]
Assim, verifica-se que, independentemente da concepção teórica adotada, é unânime que a parte não pode ser prejudicada por questões formais ou por divergências de entendimento entre o advogado e o magistrado.
É caso da sustação de protesto, exemplo constantemente usado pela doutrina para tipificar uma situação concreta de fungibilidade de tutelas de urgência. Notificada do protesto, a parte tem o exíguo prazo de três dias para pagar o título. Entendendo ser indevida a cobrança, pretende em juízo discutir o valor. Em razão do tempo, muitos advogados ingressam com medida cautelar apenas para sustar o protesto, deixando a discussão sobre a validade ou exigibilidade do título para a ação principal. Entretanto, há quem entenda que a sustação do protesto é efeito da declaração de nulidade/exigibilidade do título e, por conta disso, deve ser pleiteada a título de antecipação de tutela, já que representa a antecipação dos efeitos de uma sentença de procedência.
Como visto, ambas as teses são defensáveis. Por isso, nesse exemplo, ainda que tenha sido ajuizada ação cautelar e o magistrado entenda ser caso de antecipação de tutela, não é plausível o indeferimento da medida ou a extinção da ação por falta de interesse ou outra condição da ação, na medida em que não haverá tempo hábil para a parte manejar eventual recurso ou mesmo propor uma nova ação.
Por isso, na hipótese, deve ser aplicada a fungibilidade entre as tutelas de urgência, seja no caso da literalidade da lei (providência cautelar pleiteada a título de antecipação de tutela) ou no sentido inverso (pedido de tutela antecipada formulada em Medida Cautelar), concedendo-se a proteção ao direito da parte, desde que preenchidos os requisitos para a concessão da medida perseguida.
5 As Medidas Cautelares e o § 7º do artigo 273 do Código de Processo Civil.
Por fim, cumpre fazer uma observação sobre o regime das cautelares em face da fungibilidade consolidada pelo artigo 273, § 7º do Código de Processo Civil.
Como bem ressaltado por Carlos Augusto Assis, o artigo ora em análise não revogou o Livro do Código de Processo Civil referente ao processo cautelar, estando em vigor todas as disposições ali presentes. [18]
Desse modo, em determinadas situações será inevitável, além de mais interessante para a parte, o manejo de uma Ação Cautelar, visto que as situações ali tipificadas recebem proteção específica por meio de determinada medida cautelar.
O legislador, entretanto, apenas pacificou um outro caminho, principalmente para evitar que óbices formais culminassem na perda do direito da parte que tem razão.
Portanto, o § 7º do artigo 273 do Código de Processo Civil, longe de substituir as cautelares, apenas ratifica o pensamento contemporâneo da ciência processual, na qual a busca pela efetividade e pela pacificação tempestiva e justa dos conflitos são os nortes para a competente e entrega da tutela jurisdicional, atendendo-se plenamente, desta forma, o princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário e o novel princípio da razoável duração do processo.
6. Considerações finais
Diante da moderna concepção do processo civil como um meio para a efetiva concretização do direito material, as tutelas de urgência se mostram como efetivos instrumentos para evitar o dano à parte premida por uma situação de urgência, na qual existe a iminência da ocorrência de uma lesão irreparável ou de difícil reparação.
A Lei 10.444/2002 representou, nesse contexto, um grande avanço, na medida em que possibilitou a fungibilidade entre a tutela cautelar e a tutela antecipada, possibilitando a proteção da parte que aparentemente tem razão em detrimento dos formalismos que sempre nortearam o processo civil.
Entretanto, existem limites para que se opere essa fungibilidade. Em nenhum momento as garantias constitucionais do processo podem ser abandonadas, principalmente no tocante àquele sobre quem vai recair os efeitos do deferimento da tutela de urgência. Ou seja, a ampla defesa e o contraditório não podem ser maculados por conta de uma pretensa fungibilidade entre as espécies de tutela de urgência.
Nesse ponto surge a crítica à mão dupla da fungibilidade, principalmente no tocante à impropriedade da via eleita – falta de interesse processual, na medida em que para parte da doutrina é inviável o deferimento de uma tutela antecipada (que prescinde de análise sumária do mérito da relação jurídica litigiosa) no âmbito do processo cautelar.
Nesse sentido, observa-se que o rito cautelar é mais estrito, tendo em vista o prazo de defesa e a escassa dilação probatória. O deferimento de uma medida tão gravosa como a tutela antecipada no bojo de um processo cautelar pode, a princípio, configurar prejuízo à ampla defesa do réu, o que seria, em tese, inconstitucional.
Para suprir esse problema, parte da doutrina entende que, nesse caso, a fungibilidade só pode se operar se o autor alterar o rito processual adotado, adequando sua fundamentação e seu pedido à natureza da providência requerida – antecipação de tutela.
Essa parece ser a solução mais razoável. Isso porque preserva o processo, ou seja, evita uma sentença extintiva sem resolução do mérito, mas ao mesmo tempo não implica em prejuízo ao réu, na medida em que o rito será alterado para que seja possível a concessão da tutela de urgência, prevenindo-se o dano que está na iminência de ocorrer.
Entretanto, no caso de risco de perecimento de bens jurídicos relevantes, a fim de que o jurisdicionado não fique sem a necessária proteção estatal, a tutela antecipada deve ser deferida mesmo antes da adequação do procedimento, sanando-se essa questão posteriormente.
Desta forma, o processo será efetivamente instrumental e atingirá seu objetivo, que é ser um meio para que se chegue à pacificação dos conflitos com justiça, garantindo-se o atendimento pleno do princípio constitucional do acesso à jurisdição.
Informações Sobre o Autor
Juliana Ribeiro Ugolini
Estudante de direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie