A legitimação coletiva adequada: influência do direito fundamental de acesso à justiça e da primazia do julgamento de mérito

Resumo: O presente estudo tem por objetivo abordar, à luz do direito fundamento de acesso à justiça, a legitimação nas ações de natureza coletiva. O enfoque especial será no sentido de superar a compreensão de que a referida legitimação decorre exclusivamente do texto legal para demonstrar, desde que haja uma adequada legitimação, que outros não inseridos na norma poderão exercê-la. Com isso perceberemos a obediência ao princípio da primazia à resposta de mérito e uma economia processual capaz de permitir uma maior celeridade ao judiciário.   

Palavra Chave: Legitimação Coletiva. Acesso à Justiça. Julgamento de Mérito.

Abstract: The purpose of this study is to address, in the light of the right to access to justice, legitimacy in actions of a collective nature. The special focus will be on overcoming the understanding that legitimacy derives exclusively from the legal text to demonstrate, provided there is adequate legitimation, that others not included in the standard can exercise it. With this we will perceive the obedience to the principle of the primacy to the answer of merit and a procedural economy capable of allowing greater speed to the judiciary.  

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Keyword: Collective Legitimacy. Access to Justice. Judgment of merit. 

Sumário: Introdução. 1. Uma Análise dos princípios do acesso à justiça e primazia de mérito sob o enfoque das condições da ação; 2. Da Ação Coletiva; 3. Dos Legitimados; 4. Considerações finais.

INTRODUÇÃO 

No atual estágio da sociedade, no qual é possível perceber uma massificação dos relacionamentos nos mais diversos níveis, sejam econômicos, sociais ou jurídicos, cresceram os litígios de natureza coletiva e, por conseguinte, a necessidade de criar ou aprimorar técnicas de condução e solução de tais conflitos a fim de viabilizar uma efetiva tutela dos diretos coletivos.

Dentre as questões necessárias de enfrentar quando pensamos nas tutelas coletivas, está aquela que diz respeito aos legitimados para pleitear em juízo a solução de eventuais litígios que envolvam a violação de direitos coletivos. Surge, então, o questionamento central deste estudo: como deverá o juiz, no caso concreto, analisar a adequada legitimação coletiva? A resposta a esta pergunta deve levar em consideração os princípios do acesso à justiça e da primazia do julgamento de mérito, os quais devem influenciar de forma preponderante a adequada legitimação nas ações coletivas. Por esta razão, o presente artigo procura demonstrar que se deve realizar o controle judicial da adequação do representante, focando na especial atenção ao julgamento do mérito, mesmo inexistindo uma perfeita representação formal.

Ao abordar a questão da adequada legitimação nos processos coletivos, deve-se realizar uma análise inicial dos princípios do acesso à justiça e da primazia do julgamento do mérito, para, após, apresentar como repercutem diante da adequação da legitimação no processo coletivo. Evidente que o estudo deve partir do ponto de vista do microssistema das ações coletivas para a conclusão adequada da temática, ao fim do qual se demonstrará que deve o juiz, no caso concreto, realizar o controle judicial da adequação do representante.

Como toda demanda, as ações coletivas passarão pelo controle das condições da ação para poder ser possível uma resposta de mérito. Partindo deste pressuposto é que podemos argumentar que para a possibilidade do oferecimento de uma resposta de mérito pelo Judiciário, será necessário uma prévia análise das condições da ação, nesta medida, nos casos em que o autor não as tenha, será carecedor do direito de ação e aplicar-se-á o art. 485, IV, do Novo Código de Processo Civil que determina a extinção do processo sem julgamento de mérito.

Evidente, que na nova acepção do Código, teremos como condições da ação o interesse e a legitimidade, logo, a análise da existência das condições da ação deverá levar em consideração estes dois institutos. No presente estudo, que abordará tema relativo às ações de natureza coletiva, levar-se-á em consideração que o interesse esteja sobejamente preenchido, e discutiremos, tão somente, a temática relacionada a legitimidade. Deve-se, no entanto, adentrar no conceito de legitimidade, diferenciando a legitimação ordinária da extraordinária, para, em seguida, discutir-se a adequada legitimação extraordinária própria dos processos coletivos, a fim de saber quem seriam os legitimados nestas ações de cunho coletivo.

Logo, defender os argumentos que serão postos no decorrer deste estudo é, sem dúvida, alargar os horizontes dos legitimados nas ações coletivas. No atual estágio da sociedade, em que os conflitos de interesse com natureza coletiva se elevam em razão das próprias características dos novos níveis de relações surgidas com os avanços da tecnologia e da globalização é algo que deve ser considerado de forma positiva, pois, permitirá, inclusive, reduzir a quantidade de processos judiciais e gerar uma uniformização das respostas para os mesmos envolvidos em um litígio, evitando-se julgamentos diversos para aqueles que foram vítimas da mesma violação de direitos.

2.  Uma Análise dos princípios do acesso à justiça e primazia de mérito sob o enfoque das condições da ação   

Imprescindível recordar o tão badalado direito fundamental de acesso à justiça previsto no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, o qual sempre deve trazer na mente a associação do direito ao resultado final do processo, notadamente, tal resultado deve ser efetivo, resolvendo-se o mérito, e garantindo-lhe satisfação. 

Nesse sentido, a redação do inciso XXXV, do art. 5º determina: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. A primeira pergunta a ser realizada é se estamos diante de um direito ou de uma garantia fundamental? Permanecendo claro sua natureza de imprescindibilidade decorrente de ser fundamental.  

Notadamente, há uma diferença entre garantia e direito, as expressões não podem ser tomadas como sinônimas. Nesse sentido, para responder acerca de estarmos diante de um direito ou garantia devemos verificar se o texto expresso na norma nos apresenta um conteúdo declaratório ou assecuratório. Logo, se for declaratório estaremos diante de um direito, por outro lado, caso seja assecuratório estaremos diante de uma garantia.  

Outra não pode ser a resposta, salvo a de estarmos diante de uma declaração, logo, um direito fundamental, com sujeito e destinatário identificáveis. Vejamos como Fredie Didier Júnior (2010, p. 105) responde a questão:  

“Prescreve o inciso XXXV do art. 5° da Constituição Federal do Brasil: ‘a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito’. Trata, o dispositivo, da consagração, em sede constitucional, do direito fundamental de ação, de acesso ao Poder Judiciário, sem peias, condicionamentos ou quejandos, conquista histórica que surgiu a partir do momento em que, estando proibida a autotutela privada, assumiu o Estado o monopólio da jurisdição. Ao criar um direito, estabelece-se o dever – que é do Estado: prestar a jurisdição. Ação e jurisdição são institutos que nasceram um para o outro.” 

Como demonstrado, ao declarar que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou mesmo ameaça de direito, a Constituição Federal tipificou o direito fundamental de ação sob o manto do princípio do acesso à justiça. Ademais, serão titulares deste direito e atingidos pelo referido princípio todos os brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil, inclusive, gozarão da titularidade de tais direitos não só as pessoas naturais, mas também as pessoas jurídicas.

Importante ressaltar, contudo, que se ater a uma interpretação gramatical naquilo que diz respeito à proteção, tão somente, do estrangeiro residente no Brasil, não estaria correta. Nesse sentido, o próprio STF alargou o entendimento da norma indicando que os estrangeiros que estão de passagem pelo território nacional e mesmo aqueles que estão fora do território, gozariam dos mesmos direitos, com exceção daqueles direitos que são privativos a determinadas categorias como: brasileiros ou brasileiros natos.  Podemos, a título de enriquecimento da matéria, apresentar lição doutrinária de Mendes (2010, p. 350-351): 

“Há, portanto, direitos que se asseguram a todos, independentemente da nacionalidade do indivíduo, porquanto são considerados emanações necessárias do princípio da dignidade da pessoa humana. Alguns direitos, porém, são dirigidos ao indivíduo enquanto cidadão, tendo em conta a situação peculiar que o liga ao País.

Assim, os direitos políticos pressupõem exatamente a nacionalidade brasileira. Direitos sociais, como o direito ao trabalho, tendem a ser também não inclusivos dos estrangeiros sem residência no País. É no âmbito dos direitos chamados individuais que os direitos do estrangeiro não residente ganham maior significado. Nesse sentido, Pontes de Miranda, comentando norma da Constituição passada análoga à do caput do art. 5º, entende que a circunstância de não se mencionarem os estrangeiros não residentes apenas exclui deles direitos que não sejam, por índole própria, de todos os homens.”

Por fim, não podemos deixar de mencionar que a referida norma é de eficácia plena, não necessitando de qualquer complemento ou medida para que produza seus efeitos no mundo jurídico.  Tal afirmação pode ser facilmente referenciada por trecho do julgamento da Apelação Cível nº 1.0145.07.401025-0/001 de origem do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG, 2008).  

“A norma acima citada é de eficácia  plena e, portanto, auto-aplicável e auto-executável. Desta maneira, as partes podem formular suas pretensões e submetê-las à apreciação do judiciário, que tem o monopólio da jurisdição. O Princípio do Livre Acesso ao Poder Judiciário apresenta-se como direito público subjetivo de acionar o poder estatal competente para dirimir litígios. Não cabe ao intérprete e aplicador do direito estipular limites que a Carta Maior não fez previsão.” 

Agora, de nada adiantaria garantir o acesso à justiça, tendo a própria norma fundamental de nosso ordenamento elencado o referido princípio como verdadeiro direito fundamental, sem associá-lo ao direito ao resultado final e efetivo do processo, ou seja, a um resultado que aprecie o mérito.  Nesse sentido (Câmara, 2015):  

“O direito fundamental de acesso à justiça, evidentemente presente no ordenamento jurídico brasileiro (por força do inciso XXXV do art. 5º da Constituição da República), assegura, porém, o acesso aos resultados efetivos do processo, notadamente a resolução do mérito (nos procedimentos cognitivos, aí incluídos os recursos) e a satisfação prática do direito substancial (nos procedimentos executivos, inclusive naquele que no Brasil se convencionou chamar de cumprimento de sentença, e que nada mais é do que a execução de decisões judiciais). Para dar efetividade a este direito fundamental, o Código de Processo Civil de 2015 fez constar do rol (não exaustivo) de normas fundamentais do processo civil o princípio da primazia da resolução do mérito, objeto deste breve estudo.”

Assim, percebe-se que o Novo Código de Processo Civil, em seu art. 4º, faz clara menção ao princípio da primazia da resolução de mérito: “art. 4º As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”. Aqui, podemos perceber a existência de três princípios de suma importância ao processo civil, quais sejam: princípio da razoável duração do processo, da efetividade e, o que interessa neste momento, da primazia da decisão de mérito.  

Pode-se afirmar que a nova sistemática prima pela solução de mérito do processo, de forma que o juiz, na apreciação do caso concreto, deverá, antes de prolatar uma sentença terminativa, determinar que tantos os pressupostos processuais ausentes sejam supridos como deverá sanear outros vícios processuais eventualmente existentes. Sob esta mesma perspectiva, de dar primazia ao julgamento do mérito, podemos recordar o art. 321 do Novo Código de Processo Civil, in verbis: 

“Art. 321.  O juiz, ao verificar que a petição inicial não preenche os requisitos dos arts. 319 e 320 ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor, no prazo de 15 (quinze) dias, a emende ou a complete, indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado.(BRASIL, 2015)”   

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Ou ainda, em nível de juízo de admissibilidade de recurso, deverá o relator conceder prazo para sanar vícios, nos exatos termos do parágrafo único do art. 932 do NCPC: “Antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível. ” 

Desta feita, necessário compreender que se deve dar primazia a resolução do mérito diante dos impedimentos que, eventualmente, inibam o julgamento deste. Por conseguinte, quando analisamos a temática da ação coletiva, também, devemos abordar o enfoque da primazia do julgamento do mérito, pois decorrente do próprio sistema processual brasileiro. 

Realizadas estas considerações, ficará mais fácil a identificação da relação existente entre as condições da ação, que dentre elas destaca-se, neste trabalho, a legitimidade, com os princípios do acesso à justiça e da primazia do julgamento de mérito. Entretanto, para que esta ligação entre os institutos possam plenamente identificáveis faremos uma apertada síntese do seu conteúdo histórico. 

Foi a partir da segunda metade do século XIX, especialmente na Alemanha, que perceberemos o surgimento do pensamento que fará a distinção entre o direito material e o direito processual.  Por conseguinte, até este momento, o direito de ação não era encarado como um direito autônomo, na pratica, a ideia era de que quando alguém ia a juízo estava pondo em movimento o seu direito material.

Com a evolução do raciocínio jurídico, compreendeu-se que uma realidade seria o direito material e que outra, distinta, seria o direito de ir a juízo. Hodiernamente, esta realidade é facilmente percebida no contexto jurídico em que vivemos, para tanto, basta imaginar um contrato não cumprido questionado em juízo. Nesse caso, teremos o direito material previsto ou protegido no contrato de um lado e, de outro, uma relação diversa, que está sob o manto do Judiciário, que teve sua jurisdição provocada por meio da ação, o qual deverá apresentar uma resposta ao litígio proposto. 

Daí surge a definição de Ação, proposta por GONÇALVES (2015, p. 171), como: “um direito subjetivo público que se exerce contra o Estado e, por meio do qual, se postula a tutela ou provimento jurisdicional”.  Partindo desta definição, podemos dizer que o direito de ação poderá ser compreendido sob dois enfoques: sentido amplo e sentido estrito. 

O direito de ação em sentido amplo será o direito subjetivo que se exerce contra o Estado, recebendo deste, uma resposta, seja de que espécie for. É, pois, o direito de acesso à justiça. Já o direito de ação em sentido estrito, nada mais é do que o direito a uma resposta de mérito. Ou seja, todos terão direito de ação em sentido amplo, contudo, somente alguns terão direito a uma resposta de mérito. Para avaliar se o autor é ou não carecedor deste direito é que se avaliam as condições da ação: Interesse e Legitimidade. 

Esta avaliação deverá ocorrer em todas as demandas propostas perante o Judiciário, sejam ou não de natureza coletiva. Desta forma, somente teremos resposta de mérito quando houver interesse e legitimidade. Justamente nesse ponto podemos perceber a importância do estudo da análise dos legitimados nas ações coletivas, pois uma vez inexistente, serão carecedores do direito de ação em sentido estrito e, por conseguinte, não lograrão êxito em vislumbrar uma resposta de mérito à sua demanda. 

Contudo, apresentaremos, neste trabalho, argumentos que permitam uma análise da adequada legitimação nas ações coletivas sob a perspectiva do acesso ao Judiciário, da primazia da resposta de mérito e, ainda, a importância social de ser possível uma extrapolação, no caso concreto, do rol dos legitimados legais. 

Da Ação Coletiva

Diante do atual estágio da sociedade, em que percebemos um crescimento dos conflitos massificados, faz-se necessário a estruturação de mecanismos que tornem viáveis a tutela dos direitos coletivos. Estes mecanismos, ou instrumentos, devem ser balizados pelos preceitos e princípios constitucionais, fazendo com que surjam técnicas que o tornem eficazes.        

Evidente que, antes de pensar nas técnicas, é necessário identificar e catalogar os direitos ditos coletivos. Nesse diapasão, primeiramente, devemos distinguir que um direito poderá ser essencialmente coletivo ou ser coletivo de forma acidental. O direito essencialmente coletivo será titularizado pela sociedade em geral, denominado por difuso, ou, por um grupo de pessoas, que o reconhecerá por coletivo. Nesta espécie de direito estaremos diante de uma pretensão indivisível de forma que não será possível tutelar, separadamente, frações do direito pertencentes a membros do grupo coletivo.

Por outro lado, no que tange ao direito acidentalmente coletivo, estaremos diante de direitos individuais que poderão ser tratados por coletivos, são os denominados direitos individuais homogêneos. Direitos que serão tratados como coletivos em razão da eficiência ou da economia processual. Logo, serão tratados como coletivos por conveniência. PINHO (2004), comentando obra de Antonio Gidi, apresenta interessante indicação de critérios para identificar quando estamos diante de direito, coletivo, difuso ou individual homogêneo. Vejamos:

“Antonio Gidi ressalta que o critério científico para identificar se determinado direito é difuso, coletivo, individual homogêneo ou individual puro não é a matéria, o tema ou mesmo o assunto abstratamente considerados, mas o direito subjetivo específico que foi violado. Afirma o autor que o CDC se utiliza de três critérios básicos para definir e distinguir os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos: subjetivo (titularidade do direito material), objetivo (indivisibilidade do direito material) e de origem (origem do direito material).”

Por tal análise, podemos afirmar que, para Antonio Gidi, o critério essencial para identificar quando estamos diante de um direito difuso, coletivo ou individual homogêneo não será o critério matéria, mas, na realidade, o direito subjetivo violado. Já em um panorama mais profundo, pode-se afirmar que o direito difuso é relacionado a uma comunidade indeterminada ou indeterminável, enquanto que o direito coletivo possui um grupo de pessoas indeterminado, contudo, determinável, já o direito individual homogêneo relaciona-se a pessoas individualizadas, indeterminadas, entretanto, determináveis.

Tendo esclarecido que os direitos difusos e coletivos são classificados como essencialmente coletivos e que os direitos individuais homogêneos são coletivos de forma acidental, devemos compreender que farão parte do microssistema da tutela coletiva. O referido microssistema terá como normas centrais a Lei 7347/85 e o Código de Defesa do Consumidor; além de normas deveras importantes como: a Lei nº 4.717/65  que trata da Ação Popular, Lei nº 8.429/92 que diz respeito à Improbidade Administrativa e a própria Lei do Mandado de Segurança, qual seja: a Lei nº 12.016/09; e ainda, normas periféricas assim explicitadas nos: Estatuto da Criança, Estatuto do Idoso e Lei de Proteção da Concorrência; e por fim, por aplicação subsidiária utilizaremos o próprio Código de Processo Civil ao microssistema.     

Devemos, pois, conceber quem seriam os legitimados para acionar o Judiciário, quando necessário, utilizando-se das técnicas adequadas, para resolver conflitos em razão da violação dos direitos protegidos pelo microssistema. Necessário saber que a referida legitimação terá natureza originária e extraordinária.

A primeira, será notada quando pensarmos em direito essencialmente coletivo, ocorrerá com o legitimado agindo de forma autônoma no processo, pois, como vimos, não há conexão entre este (que foi escolhido pela lei) e o titular do direito, tutelando direitos, por meio de sua representação, independente desta conexão. No entanto, quando o direito foi individual homogêneo, a natureza da legitimação será extraordinária, desta feita, o autor será um verdadeiro substituto processual. 

Dos Legitimados 

O direito de ação em sentido estrito exige que se perfaçam condições, sem as quais a demanda será julgada extinta sem julgamento do mérito em razão da carência do direito de ação. Assim, para ter direito a uma resposta de mérito, partindo do conceito de ação como direito a esta resposta, deverá o autor ter interesse e legitimidade. Quanto à legitimidade, BARROSO (2007, p.21) leciona:  

“A Legitimidade é condição relacionada a ambas as partes do processo; tanto o autor (legitimidade ativa) como o réu (legitimidade passiva) devem estar vinculados ao direito material para poderem figurar nos polos da ação. Caso contrário, a parte será considerada ilegítima (tanto autor quanto réu)”      

Há que se observar que esta legitimidade poderá ser ordinária e extraordinária. De forma singela, podemos afirmar que a legitimação será ordinária quando a parte defende em juízo direito próprio, já a extraordinário será aquela em que a parte defende em juízo direito de terceiro. Esta última será a espécie de legitimação das ações coletivas. 

No direito brasileiro, a legitimidade, nas ações coletivas, se dará nos termos da lei, bastando o preenchimento dos requisitos contidos no texto legal para se considerar ocorrida a legitimação. Por exemplo, o art. 5º da LACP indica os legitimados para ajuizamento de Ações Civis Públicas (BRASIL, 1985): 

“Art. 5º. Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:

I – o Ministério Público;

II – a Defensoria Pública;

III – a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;

IV – a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista;

V – a associação que, concomitantemente:

a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil

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b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

§ 1º O Ministério Público, se não intervier no processo como parte, atuará obrigatoriamente como fiscal da lei.

§ 2º Fica facultado ao Poder Público e a outras associações legitimadas nos termos deste artigo habilitar-se como litisconsortes de qualquer das partes.

§ 3º Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa.

§ 4.° O requisito da pré-constituição poderá ser dispensado pelo juiz, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido.” 

Surge, assim, uma questão, a saber. Como deveria o juiz, no caso concreto, analisar a adequação da legitimação coletiva, visto que expressa em rol na lei?             

Para responder a esta questão, devemos de que com a evolução do direito brasileiro, e mormente a aplicação dos princípios do acesso à justiça e da primazia do julgamento de mérito, o juiz deverá analisar a adequação da legitimação nas ações coletivas sob uma nova ótica, como já ocorre no direito americano, a qual poderá, inclusive, possibilitar até o alargamento do leque dos legitimados previstos em lei. Já existem trabalhos acadêmicos desenvolvendo o tema, in verbis: 

“Por todos esses motivos, alguns autores brasileiros começaram a defender de forma acertada que, muito embora o sistema brasileiro não contemple expressamente o controle judicial da adequação do representante, tal providência não apenas é possível, como aconselhável. O acerto dessa posição é inequívoco.(ROQUE, 2016)”   

Nesse entendimento, o que se verificará é se a condução do processo está adequada, e não se há uma perfeita representação formal. Isto porque, o representante não adequado é carente da própria representação. Logo GIDI (2008, P. 105), “a propositura de um incidente que analisa a adequação do representante se torna irrelevante se existente uma proteção adequada aos direitos dos grupos no processo coletivo”.    

Assim, o que se pretende é um julgamento do mérito, mesmo quando não exista uma perfeita representação formal, mas evidenciada a condução adequada do processo com proteção aos direitos pautados em um bem coletivo. Nesse sentido, temos que alguns doutrinadores defendem que é possível aplicar ao direito pátrio um controle dos legitimados coletivos, mesmo para os indicados em lei, sobre uma representatividade idônea e adequada.  É o que leciona GRINOVER (2013, p. 312):  

“Todavia, problemas práticos têm surgido pelo manejo de ações coletivas por parte de associações que, embora obedeçam aos requisitos legais, não apresentam a credibilidade, a seriedade, o conhecimento técnico-científico, a capacidade econômica, a possibilidade de produzir uma defesa processual válida, dados sensíveis esses que constituem as características de uma ‘representatividade’ idônea e adequada. (…) Para casos como esse, é que seria de grande valia reconhecer ao juiz o controle sobre a legitimação, em cada caso concreto, de modo a possibilitar a inadmissibilidade da ação coletiva, quando a ‘representatividade’ do legitimado se demonstrasse inadequada.”

Há pesadas críticas ao posicionamento ilustrado acima, especialmente no sentido de que em razão de termos adotado em nosso sistema a modalidade de legitimação decorrente da lei, não poderia o magistrado analisar requisitos subjetivos ou formais não previstos na norma para concluir que o legitimado legalmente indicado em rol normativo não o seria, após constatação de um controle posterior realizado pelo judiciário. Argumentam estes que estaríamos gerando uma tremenda insegurança jurídica e contrariando o próprio sistema escolhido. 

Entretanto, o que estamos defendendo neste estudo é o alargamento do rol dos legitimados, gerando a mentalidade de um controle positivo e não negativo como no proposto por GRINOVER. Logo, a premissa deste trabalho não é a de limitar os legitimados já indicados na norma, mas de permitir ao juiz, em controle de legitimidade, aceitar legitimados não previstos na lei. Em linhas gerais, o que se pretende é demonstrar que os princípios do acesso à justiça e da primazia do julgamento de mérito devem prevalecer na análise da legitimidade ativa nas ações coletivas.  

No direito americano, é realizado pelo juiz, de forma preliminar, o exame da representatividade adequada. Neste instante, o judiciário avalia se os interesses da coletividade estão sendo devida e adequadamente representados, só então, é que reconhecerá a ação como uma ação coletiva (class action). Não encontramos obstáculo para que o juiz ao analisar as condições da ação nas ações coletivas, especialmente no que diz respeito à legitimidade, tenha por fundo princípios que o permitam alargar o rol dos legitimados desde que estes representem de forma adequada os interesses do grupo coletivo.  

 Apresentemos um exemplo para melhor elucidar os argumentos:  certa construtora, após utilizar de meios ilícitos, obteve junto a todos os órgãos competentes os devidos alvarás de construção de determinado empreendimento imobiliário de moradias populares. Entrementes, o local escolhido não era propício para a construção, pois de tempos em tempos sofria enchentes decorrentes de fortes chuvas que a cada três anos assolavam a região.  

Após a conclusão e venda de todas as unidades imobiliárias, os moradores foram surpreendidos com a primeira enchente um ano após a entrega das obras, tendo boa parte perdido diversos bem materiais, bem como, sofrido grande perigo durante a calamidade. Diante dos fatos, alguns moradores procuram um escritório de advocacia especializado para o tipo de demanda e com vasta experiência em ações coletivas naquela comarca. O grupo de moradores contrata o escritório que ajuíza uma Ação de natureza coletiva para defender os interesses de todos os compradores do empreendimento, mesmo que somente alguns os tivessem contratado.  

Ao receber a inicial, como deverá proceder o juiz acerca da análise das condições da ação?  

Por questões próprias deste estudo, não vamos nos deter na questão do interesse/adequação da via eleita, partindo da premissa que este ponto estaria perfeitamente enquadrado no caso em concreto. Mas, tão somente, da legitimidade. Logo, pela letra fria da lei, o grupo de moradores não poderia propor ação coletiva para defender os interesses de todos os compradores do empreendimento, vez que não teriam legitimidade ope legis para figurarem no polo ativo da demanda.  

Por outro lado, o juiz, ao receber a petição inicial, deverá, quando da análise da legitimidade coletiva, verificar se há adequação da condução do processo como está sendo proposto e não se há uma perfeita representação formal. Levando em consideração que a todos é garantido o acesso à justiça e que se deverá priorizar o julgamento de mérito.

Desta feita, mesmo que o nosso sistema indique o rol dos legitimados, o juiz poderá, ao nosso entender, no caso concreto, com o objetivo de dar uma resposta de mérito, e desde que a condução do processo esteja adequada na medida em que os direitos da coletividade estejam deveras defendidos de forma satisfatória a nível processual, aceitar como legitimados pessoas não inseridas no rol legal. Com isso, além de não violar o princípio de acesso à justiça e de permitir uma resposta de mérito, também, estaremos permitindo uma redução de demandas e uma maior celeridade de resposta do judiciário.  

Ademais, esta posição atinge importante finalidade social, que de per si poderia ser suficiente para uma conclusão satisfatória para o controle da adequação dos legitimados na ação coletiva. Para isto, basta imaginar que na situação acima, muitos dos moradores não teriam condição de contratar escritórios de advocacia especializados de forma individual e que tanto outros, alheios aos seus direitos, permaneceriam na condição de suportar a situação sem a mínima noção da possibilidade da reparação dos danos ou prejuízos sofridos. 

Poder-se-ia argumentar, com aparente relevância, que o Ministério Público ou a Defensoria Pública seriam legítimos para propor ação na defesa da coletividade, de forma que mesmo os mais pobres também gozariam de proteção. Acontece que nosso país não vive uma realidade exemplar quanto a quantidade de membros ocupantes de cargos na Defensoria ou no Ministério Público, de forma que, mesmo possuindo profissionais de inigualável capacidade técnica, a maioria das vezes promotores e defensores estão sobrecarregados com inúmeras e complexas demandas e não poderiam ter a mesma atenção que um escritório particular contratado, por um grupo não legitimado legalmente, para este fim. Para SILVA (1998, p. 222-223), o acesso à justiça por meio destes órgãos pode uma desigualdade entre aqueles que acessam o judiciário, vejamos: 

“Na lição de José Afonso, "formalmente, a igualdade perante a Justiça está assegurada pela Constituição, desde a garantia de acessibilidade a ela (art. 5º, XXXV). Mas realmente essa igualdade não existe, pois está bem claro hoje, que tratar como igual a sujeitos que econômica e socialmente estão em desvantagem, não é outra coisa senão uma ulterior forma de desigualdade e de injustiça. Os pobres têm acesso muito precário à Justiça. Carecem de recursos para contratar bons advogados. O patrocínio gratuito se revelou de alarmante deficiência. A Constituição tomou, a esse propósito, providência que pode concorrer para a eficácia do dispositivo, segundo o qual o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos (art.5º, LXXIV)."

Outro elemento que deverá ser levado em consideração para uma aceitação deste controle da adequada representação nas demandas coletivas é o fato de que o nosso ordenamento tem caminhado para possibilitar uma resposta mais uniforme possível àquelas demandas que possuem questões de direito repetitivas. Inclusive alguns defendem que o instituto do julgamento dos casos repetitivos é um tipo de processo coletivo. Vejamos: 

“Ambos os instrumentos podem ser considerados "processos coletivos", nos termos defendidos neste ensaio, pois têm por objeto a solução de uma situação jurídica coletiva – titularizada por grupo/coletividade/comunidade.(…) Na ação coletiva, a situação jurídica coletiva é a questão principal do processo – o seu objeto litigioso.(…) O julgamento de casos repetitivos tem por objeto a definição sobre qual a solução a ser dada a uma questão de direito (processual ou material, individual ou coletivo; não há restrições como aquelas decorrentes do art. 1.º, parágrafo único, da Lei 7.347/1985) que se repete em diversos processos pendentes.(DIDIER JUNIOR. 2016, p.209)” 

Desta análise do próprio sistema, percebemos que caminhamos para possibilitar cada vez mais decisões judiciais que atinjam o grupo de forma mais justa possível, evitando-se que situações jurídicas repetitivas possam ser julgadas de forma diversas e contraditórias umas para com as outras. Permitir uma maior flexibilidade na legitimação, quando o legitimado possuir adequados meios de representar o grupo, é permitir uma resposta judicial de mérito uniforme.  

Por fim, cumpre ressaltar, ainda, que qualquer legitimado poderá ajuizar uma nova ação, com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova, pois não se fala em coisa julgada material quando a ação for julgada improcedente em razão das provas. Ou seja, o juiz ao aceitar como legitimado aquele que representa adequadamente a coletividade, mesmo que não previsto em lei, avaliará toda a prova por este apresentada a qual poderá ou não ser suficiente para uma resposta de mérito que julgue os pedidos procedentes, entretanto, caso o adequado legitimado não tenha se imbuído de necessário conjunto probatório e, por canta disto, tenha obtido sentença de improcedência quanto aos seus pedidos, não haverá prejuízo aos demais membros da coletividade que poderão ajuizar novas demandas com novas provas.

Na prática, ou a demanda proposta terá uma quantidade de provas capaz de permitir ao juiz decidir sobre o direito material, fato que, em regra, faria com que o juiz prolatasse a mesma sentença para diversos casos quando não se apresentassem como uma única ação de natureza coletiva, ou obrigará o juiz a decidir pela improcedência dos pleitos, fato que não prejudicará a coletividade vez que não fará coisa julgada material. 

4. Considerações Finais

Conclui-se, assim, que apesar de a legislação pátria não ter consagrado nas ações coletivas, de forma expressa, o controle de adequação do representante pelo juiz, tal providencia, será aconselhável. Contudo, tal análise, deve ser norteada pelos princípios do acesso à justiça e da primazia do julgamento de mérito.

Deve-se, pois, observar, o julgador, que o sistema de adequação dos legitimados decorrente de expressa previsão da lei, poderá ser superado no caso em concreto, desde que o ocupante do polo ativo da demanda possua condições de levar o processo adiante de forma adequada aos interesses do grupo. Para a maior parte da doutrina, tais legitimados seriam aqueles expressos na lei, contudo, melhor entendimento parece ser, sob a perspectiva do Novo Código de Processo Civil, que os legitimados podem ser extraídos do ordenamento jurídico como um todo, tendo por enfoque a adequação da representação e não a simples subsunção à um rol expresso no texto legal. 

Junte-se a este entendimento, que a análise a ser realizada pelo julgador, e já partindo do pressuposto que esta não deve levar em conta somente o rol indicado na norma, mas deve ser realizada em uma escala mais profunda que verificará se o pretenso legitimado extraordinário, o é sob o enfoque da adequada representação e, ainda, deverá utilizar por bússola, os princípios do acesso à justiça e da primazia do julgamento do mérito, os quais permitirão ter no julgamento do mérito o ponto de chegada de toda via percorrida pelo processo.  

Tal posicionamento possui o condão de permitir um maior acesso ao judiciário e com maior qualidade, especialmente para aqueles grupos que dependem exclusivamente da Defensoria Pública e do Ministério Público na defesa de seus direitos. Isto porque, como explicado, em que pese estes órgãos possuírem profissionais competentes, estão por diversas situações abarrotados de trabalho, impedindo uma maior dedicação como a que seria possível em banca jurídica privada, a qual poderia, facilmente, patrocinar uma causa em que um grupo de pessoas, que sozinhas não teriam condições de contratá-los, possa vir a ser patrocinados pela banca, a qual levará a juízo os conflitos por eles vivenciados.

Ademais, analisando aquilo que o código cria com o instituto do julgamento dos casos repetitivos através do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas e dos Recursos Extraordinários e Especiais Repetitivos, é de se constatar que questões de direito repetitivas merecem do ordenamento um cuidado especial, a fim de que todos os que se evolvam na situação de interesse coletivo, posta a análise do Judiciário, possam receber uma resposta que seja ao máximo uniforme, preferencialmente de mérito, evitando-se, assim, uma atitude do sistema que poderá julgar casos idênticos de forma totalmente diferente.  Parece-me, nesta ótica, que permitir que outros não incluídos no texto legal, mas que possam de forma adequada representar o grupo, podem sob um juízo positivo ser aceitos como legitimados extraordinários nas ações coletivas.  

 

Referências
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Informações Sobre o Autor

Roberto Barroso Moura

Pós-graduando no curso de Processo Civil da rede de ensino LFG/Anhanguera. Advogado 2008 Funcionário Público Federal 2006 Membro da Fiel Consultoria Empresarial e Coordenador do Núcleo de Apoio Processual da Procuradoria Federal Seccional da AGU em Mossoró/RN 2016


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