A legitimidade ativa nas ações coletivas para tutela de interesses individuais homogêneos

Resumo: Ação coletiva é a expressão utilizada para designar a demanda que dá origem a um processo coletivo, por meio do qual se afirma a existência de uma situação jurídica coletiva ativa ou passiva, de forma a tutelar os direitos transindividuais. O processo coletivo, assim, pode ser definido como aquele instaurado por ou em face de um legitimado autônomo, objetivando favorecer a coletividade presente, fundamentando-se no direito constitucional de acesso à Justiça, assim como princípio da economia processual e no da segurança jurídica, possibilitando a solução de diversos conflitos por meio de um só processo, de maneira célere e uniforme, exsurgindo evidente a sua importância como meio de dar efetividade aos direitos e garantias previstos na Constituição. Em razão disso, o presente artigo tem o intuito de analisar os legitimados para atuar na defesa dos interesses individuais homogêneos, ou seja, dos direitos coletivos oriundos de um fato comum, mas que poderiam ser tutelados de forma individual, já que os seus titulares são determinados, demostrando as diferentes regras criadas pelo legislador para garantir o acesso, célere e uniforme, à Justiça, evitando julgamentos contraditórios, o tumulto do Poder Judiciário com o ajuizamento de diversas ações com o mesmo propósito e a eternização dos processos, solucionando danos que atingem um grupo determinado de uma única vez.

Palavras-chaves: Tutela coletiva; Interesses/direitos individuais homogêneos; Interesses transindividuais.

Abstract: Class action is the term used to denote the demand originated by a collective process through which states the existence of an active or passive collective legal situation in order to protect the collective rights. The collective process can be defined as one brought by or against an autonomous legitimized, aiming to encourage this demand collectivity, taking account of the constitutional right of access to justice, as well as the principle of procedural economy and legal security , allowing the solution of many conflicts through one process, quickly and uniformly, making clear its importance as a way of giving effect to the rights granted by the Constitution. As a result, this article aims to analyze the legitimacy to protect the homogeneous individual interests, collective rights come from a common occurrence, that could be tutored individually, since their holders they are determined, showing the different rules created by the legislature to ensure access, speedy and uniform, to justice, avoiding conflicting judgments, the judiciary turmoil, with the filing of various actions with the same purpose, and the perpetuation of processes, solving damages they reach a certain group in one single judiciary decision.

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Keywords: Collective custody; Homogeneous individual rights/interests; transindividual interests.

Sumário: Introdução. 1. Interesses transindividuais. 1.1. Interesses Difusos.  1.2. Interesses Coletivos stricto sensu. 1.3. Interesses Individuais Homogêneos. 2.  A importância da tutela coletiva. 3. A Legitimidade Ativa nas Ações Coletivas para Tutela de Interesses Individuais Homogêneos. 3.1. A Influência do Sistema de Class Actions. 3.2. As Associações. 3.3. O Ministério Público. 3.4. A Defensoria Pública. 3.5. Entes Políticos e Entes Públicos. Conclusão. Referências.

Introdução

O processo coletivo pode ser definido como aquele instaurado por ou em face de um legitimado autônomo, em que se postula um direito transindividual, qual seja difuso, coletivo em sentido estrito ou individual homogêneo, ou no qual se afirma a existência de uma situação jurídica coletiva passiva, objetivando favorecer a coletividade presente na demanda.

A doutrina distingue a evolução do direito processual em três fases, iniciando-se com a do sincretismo, também conhecia como civilismo ou privatismo, que perdurou do direito romano até o ano de 1868, durante a qual o direito processual não era uma ciência autônoma, havendo uma confusão metodológica entre direito material e direito processual. Durante esse período, não havia distinção entre a relação jurídica material e a processual.  Segundo Savigny, o processo civil, nesta fase, “era o direito civil armado para a guerra”.

A partir do ano1868 até meados de1950, iniciou-se a fase autonomista que introduziu a ideia de autonomia da relação jurídica processual, de modo que existiriam duas relações jurídicas distinta, quais sejam, a material e a processual. Foi nessa fase que o processo virou uma ciência autônoma.

Por volta do ano de 1950, o instrumentalismo ou fase de acesso à justiça começou a ganhar força, resgatando a proximidade entre direito e processo, sem negar a autonomia deste último, uma vez que o processo seria um instrumento de acesso à justiça, motivo pelo qual devia lhe ser dado efetividade. Foi a partir dos ideais defendidos pelo instrumentalismo, bem como a preocupação de que o processo deveria ser o meio para obtenção da tutela jurisdicional e fazer valer a justiça, que foi desenvolvida a tutela dos hipossuficientes, marcada, no Brasil, pela criação da Defensoria Pública, da Lei de Assistência Judiciária, dos Juizados Especiais, dentre outros.

Além disso, foi nessa época que teve início o movimento de coletivização do processo, tendo em vista a necessidade do tratamento coletivo para proporcionar, verdadeiramente, o acesso à justiça, tutelando de forma adequada bens ou direitos de titularidade indeterminada, bens ou direitos individuais cuja tutela individual não fosse economicamente aconselhável e bens ou direitos cuja tutela coletiva seja recomendável por uma questão de economia.

No Brasil, o desenvolvimento do processo coletivo foi bastante influenciado pela doutrina italiana e pela norte-americana. O surgimento do processo coletivo no país ocorreu com a publicação da Lei nº 6.938/1981 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente), que tinha um dispositivo prevendo a atribuição do Ministério Público de  tutelar o meio ambiente por meio da ação civil pública.

A consolidação do processo coletivo se deu no ano de 1985, com a Lei de Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85), que resolveu o problema dos bens ou direitos de titularidade indeterminada, mas não o problema dos bens e direitos cuja tutela individual é inviável e os bens e direitos cuja tutela coletiva é recomendável. Esses últimos dois últimos solucionados efetivamente solucionados pela publicação do Código de Defesa do Consumidor, em 1990.

Exsurge evidente que o surgimento do processo coletivo baseia-se no direito fundamental de acesso à Justiça, permitindo a resolução de demandas fundadas em uma mesma questão fática, ou seja, com origem em um evento comum, principalmente de consumidores, relativas a bens e serviços de massa, assim como princípio da economia processual, possibilitando a solução de diversos conflitos por meio de um só processo, de forma célere e uniforme.

Por conseguinte, constata-se a importância deste ramo do Direito Processual Pátrio, que se mostra o meio de dar efetividade aos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição.

2. Interesses transindividuais

Tem-se que interesse é qualquer pretensão em geral, consistindo no desejo de obter determinado valor ou bem da vida, ou seja, de satisfazer uma necessidade, podendo encontrar, ou não, respaldo no ordenamento jurídico.

Interesses transindividuais, também conhecidos como interesses coletivos em sentido amplo ou metaindividuais são aqueles caracterizados pelo fato de pertencerem a um grupo, categoria ou classe de pessoas que tenham entre si um vínculo, seja este de natureza jurídica, ou fática.

A lição de CLEBER MASSON, ADRIANO ANDRADE E LANDOLFO ANDRADE é no sentido de que:

“Tais direitos/interesses, de dimensão coletiva, foram sendo consagrados, sobretudo, a partir da segunda (direitos sociais, trabalhistas, econômicos, culturais) e da terceira (direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado etc.) dimensão de direitos humanos, e podem ser denominados como transindividuais, supraindividuais, metaindividuais (ou, simplesmente, coletivos em sentido amplo, coletivos ‘lato sensu’, coletivos em sentido lato), por pertencerem a grupos, classes ou categorias mais ou menos extensas de pessoas, por vezes indetermináveis, e, em alguns casos (especificamente, nos interesses difusos e nos coletivos em sentido estrito), não serem passíveis de apropriação e disposição individualmente, dada sua indivisibilidade.” (ANDRADE, Adriano; MASSON, Cleber; ANDRADE, Landolfo. Interesses Difusos e Coletivos Esquematizado. p. 43)

De acordo com a doutrina, a categoria supracitada não é compatível com a classificação entre direito público e privado. Os interesses coletivos não se enquadram dentro do direito público em razão de não serem titularizados pelo Estado, bem como por não se confundirem com o bem comum. Também não podem ser classificados como parte do direito privado, já que não pertencem a uma pessoa, isoladamente, mas a um grupo, classe ou categoria de pessoas.

Segundo o disposto no artigo 8º, parágrafo único, da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), em sede de tutela coletiva, os interesses ou direitos metaindividuais podem ser classificados como difusos, coletivos stricto sensu ou individuais homogêneos.

2.1. Interesses Difusos

Os interesses ou direitos difusos são aqueles de titularidade indeterminada e indeterminável, pois não existe uma relação jurídica entre os titulares, mas apenas uma ligação entre eles em razão de circunstâncias de fato extremamente mutáveis.

O artigo 81, parágrafo único, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor determina que interesses ou direitos difusos, são assim entendidos como os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato.

Os direitos difusos pertencem, a um só tempo, a cada um e a todos que estão numa mesma situação de fato.

Conforme preceitua RIZZATTO NUNES:

“Os chamados ‘direitos difusos’ são aqueles cujos titulares não são determináveis. Isto é, os detentores do direito subjetivo que se pretende regrar e proteger são indeterminados e indetermináveis.

Isso não quer dizer que alguma pessoa em particular não esteja sofrendo a ameaça ou o dano concretamente falando, mas apenas e tão somente que se trata de uma espécie de direito que, apesar de atingir alguém em particular, merece especial guarida porque atinge simultaneamente a todos.(…)

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Em matéria de direito difuso, inexiste uma relação jurídica base. São as circunstâncias de fato que estabelecem a ligação. Entenda-se bem: são os fatos, objetivamente considerados, o elo de ligação entre todas as pessoas difusamente consideradas e o obrigado.” (NUNES, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. p. 797.)

2.2. Interesses Coletivos Stricto Sensu

Consoante o artigo 81, parágrafo único, inciso II, do CDC, entende-se por interesses coletivos em sentido estrito aqueles que possuem natureza indivisível e cuja titularidade é determinável, pois pertence a um grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base.

CLEBER MASSON, ADRIANO ANDRADE E LANDOLFO ANDRADE lecionam no sentido de que:

“Graças à relação jurídica existente entre os titulares do direito coletivo, ou deles com a parte contrária, é possível determiná-los, identificá-los. Eles serão todos que fizerem parte da relação jurídica em comum. No exemplo dos acionistas prejudicados no acesso à publicidade eletrônica, os titulares do interesse serão todos os acionistas; no caso dos usuários submetidos ao reajuste ilegal do plano de saúde, serão todos os usuários, e assim por diante. Logo, nos direitos coletivos, os titulares são determináveis.” (ANDRADE, Adriano; MASSON, Cleber; ANDRADE, Landolfo. Interesses Difusos e Coletivos Esquematizado. p. 50.)

No que concerne à relação jurídica base, RIZZATTO NUNES assevera que:

“Em matéria de direito coletivo, são duas as relações jurídicas-base que vão ligar sujeito ativo e sujeito passivo: a) aquela em que os titulares (sujeito ativo) estão ligados entre si por uma relação jurídica. Por exemplo, os pais e alunos pertencentes a Associação de Pais e Mestres; os associados de uma Associação de Proteção ao Consumidor; os membros de uma entidade de classe etc.; b) aquela em que os titulares (sujeito ativo) estão ligados com o sujeito passivo por uma relação jurídica. Por exemplo, os alunos de uma mesma escola, os clientes de um mesmo banco, os usuários de um mesmo serviço público essencial como o fornecimento de água, energia elétrica, gás etc.” (NUNES, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. p. 801)

2.3. Interesses Individuais Homogêneos

Os interesses individuais homogêneos são conceituados pelo artigo 81, parágrafo único, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor como aqueles que decorrem de uma origem comum.

FREDIE DIDIER JÚNIOR e HERMES ZANETI JÚNIOR definem os direitos individuais homogêneos da seguinte maneira:

“O CDC conceitua laconicamente os direitos individuais homogêneos como aqueles decorrentes de origem comum, ou seja, os direitos nascidos em consequência da própria lesão, ou, mais raramente, ameaça de lesão, em que a relação jurídica entre as partes é post factum (fato lesivo). Não é necessário, contudo, que o fato se dê em um só lugar ou momento histórico, mas que dele decorra a homogeneidade entre os direitos dos diversos titulares de pretensões individuais.” (DIDIER JR., Fredie; Zaneti Jr., Hermes. Curso de Direito Processual Civil – Processo Coletivo. V. IV. p. 80)

São caracterizados por possuírem uma natureza divisível divisíveis, terem por titular pessoas determinadas ou determináveis e uma origem comum, de natureza fática.

Tendo em vista que o objeto destes é divisível, não obstante a origem comum possibilitar a sua tutela de forma coletiva, a lesão sofrida por cada titular pode ser reparada na proporção da respectiva ofensa, permitindo ao lesado optar pelo ressarcimento de seu prejuízo por meio de ação individual.

Acerca do liame entre os titulares dos direitos acima citados, a lição de RIZZATTO NUNES é no sentido de que:

“O estabelecimento do nexo entre os sujeitos ativos e os responsáveis pelos danos se dá numa situação jurídica — fato, ato, contrato etc. — que tenha origem comum para todos os titulares do direito violado. Ou seja, o liame que une os titulares do direito violado há de ser comum a todos. Apesar disso — isto é, apesar de ser de origem comum —, não se exige, nem se poderia exigir, que cada um dos indivíduos atingidos na relação padeçam do mesmo mal.” (NUNES, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. p. 804)

A doutrina e a jurisprudência, em especial a do Superior Tribunal de Justiça, têm exigido uma quarta característica para que os interesses individuais homogêneos sejam tutelados na via coletiva, qual seja a recomendabilidade do tratamento conjunto, de forma que é forçoso reconhecer-se, no caso concreto, diante de eventuais óbices e inconvenientes da tutela individual, que a tutela coletiva se mostra mais vantajosa para que seja o meio eleito na busca pela tutela jurisdicional

3. A importância da tutela coletiva

A tutela coletiva, atualmente, mostra-se indispensável para que se dê efetividade ao princípio do acesso ao Poder Judiciário e à ordem jurídica, já que, em razão das demandas massificadas, a sociedade não pode mais ter atendida suas necessidades unicamente por meio do sistema tradicional de solução de conflitos individuais.

No que se refere à regulamentação da tutela coletiva, primeiramente, surgiu o direito material de proteção aos interesses transindividuais, como os de proteção ao meio ambiente, ao patrimônio cultural e artístico, ao consumidor, dentre outros. A partir da necessidade de tutelar os referidos direitos, criaram-se mecanismos processuais para sua defesa.

 No ordenamento jurídico brasileiro, a Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.437/85) exerceu um papel de extrema importância no âmbito dos direitos metaindividuais, pois, simultaneamente, reconheceu a existência de alguns direitos coletivos lato sensu, bem como criou mecanismos adequados para a proteção daqueles expressamente elencados pelo legislador, estabelecendo um rol numerus clausus.

Com a edição da Lei nº 8.078/90, conhecido por Código de Defesa do Consumidor, estendeu-se a possibilidade de tutela a todos os interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. A lei consumerista criou um rol numerus apertus de direitos que poderiam ser tutelados de forma coletiva, com alguns mecanismos próprios e outros adaptados do processo tradicional.

Por meio da referida evolução na ordem jurídica nacional, a tutela coletiva se estabeleceu como um meio mais adequado de acesso à justiça, sem, no entanto, compor um ramo diferenciado do direito processual pátrio, cujos institutos fundamentais aplicam-se igualmente, embora devam ser adequados às peculiaridades das lides coletivas.

As ações coletivas possuem um fundamento dúplice, de natureza sociológica e política, tendo em vista que visam garantir, respectivamente, o acesso à Justiça e a economia processual.

No que concerne ao acesso à Justiça, o sistema de tutela coletiva soluciona diversas dificuldades encontradas no processo individual, já que permite a inclusão de demandas que individualmente seriam economicamente inviáveis, porque o dano individual não compensaria o ingresso em juízo, ao passo que o dano coletivo poderia representar um enriquecimento bastante significativo ao violador do direito.

Além disso, o desequilíbrio entre as partes pode ser corrigido por meio do processo coletivo, pois o portador dos direitos do grupo em juízo deve representar adequadamente os interesses dos representados. A abertura da legitimação para agir em defesa de direitos transindividuais é outro fator que pesa a favor da tutela coletiva, eis que o sistema individual simplesmente ignora a necessidade de proteção aos direitos difusos e coletivos em sentido estrito.

Quanto à economia processual, tem-se que este postulado visa à obtenção do máximo resultado com o menor dispêndio possível de tempo e de energia, sendo seus corolários institutos como a reunião de processos em casos de conexão ou continência, a reconvenção, o litisconsórcio, dentre outros.

O processo coletivo é profundamente comprometido com o atendimento à economia processual, permitindo que uma multiplicidade de demandas seja evitada, a partir da instauração de um único processo coletivo, com representação adequada. O tratamento coletivo dos direitos simplifica o procedimento, reduz custos e concretiza o princípio da isonomia, na medida em que, ao evitar decisões contraditórias, aplica o mesmo regime jurídico a pessoas na mesma situação.

A doutrina elenca, ainda, como um terceiro fundamento da tutela coletiva, a possibilidade de uma maior efetivação dos direitos, em virtude de o processo coletivo ser capaz de assegurar a concretização dos direitos e garantias, na medida em que equipara partes individualmente desiguais.

Enquanto o processo individual coloca na mesma relação jurídica partes visivelmente desiguais e tenta tratá-las isonomicamente a partir de alterações procedimentais, a tutela coletiva é capaz de contrapor ao fornecedor uma entidade dotada de igual poderio técnico e econômico, que é o representante adequado da classe, sem prejuízo da utilização de outros instrumentos processuais para equiparar as partes.

4 A Legitimidade Ativa nas Ações Coletivas para Tutela de Interesses Individuais Homogêneos

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Quanto à tutela dos interesses individuais homogêneos, tratando-se da legitimidade ativa, parece clara possibilidade da ocorrência de substituição processual, ou legitimação extraordinária, pois os sujeitos legitimados pela estão autorizados a deduzir expressamente a pretensão de terceiros, havendo individualização do bem pretendido para cada titular.

Trata-se, segundo a doutrina brasileira que leciona sobre o tema, de uma legitimidade concorrente e disjuntiva, atribuída, concomitantemente, a todos os entes elencados no Código de Defesa do Consumidor e na Lei de Ação Civil Pública.

Contudo, deve-se destacar que a tutela, nestes casos, poderá ser buscada individualmente. Ademais, a ação coletiva terá por fim a obtenção de uma sentença genérica, sendo que, posteriormente, na sua liquidação e cumprimento, também haverá a possibilidade da sua realização de forma individual ou coletiva. 

TEORI ALBINO ZAVASCKI leciona que os direitos individuais homogêneos são direitos subjetivos individuais, com titular determinado, logo materialmente divisíveis, podendo ser lesados ou satisfeitos por unidades isoladas, “o que propicia a sua tutela jurisdicional tanto de modo coletivo (por regime de substituição processual), como individual (por regime de representação)” (ZAVASCKI, Teori Albino, Reforma do processo coletivo: indispensabilidade de disciplina diferenciada para direitos individuais homogêneos e para direitos transindividuais, p. 34).

Diante disso, faz-se necessário destacar os principais legitimados ativos, aos quais o ordenamento jurídico, por expressa previsão dos artigos 5º da Lei nº 7.347/85 e 82 do CDC, atribui o poder de tutelar os interesses individuais homogêneos na via coletiva: as associações, o ministério público, a defensoria pública e os entes políticos e públicos.

4.1. Influência do Sistema de Class Actions

No que tange ao processo coletivo, percebe-se que o Direito brasileiro sofreu grande influência do norte-americano e, embora seja impossível comparar os dois modelos de forma plena, tendo em vista que um país adota o sistema de commom law e o outro o do civil law, é possível elencar os aspectos em que fica clara a influência do modelo americano.

 A class action for damages serviu de grande inspiração para a tutela coletiva de interesses individuais homogêneos, importando desta necessidade da prevalência das questões comuns sobre as individuais, que é como condição de admissibilidade, já que é permitida, no Brasil, a tutela coletiva dos direitos individuais quando estes forem homogêneos.

Quanto à legitimidade ativa, no Brasil, a representatividade é denominada de pertinência temática, que serve de base para o juiz brasileiro indeferir a petição caso o autor da demanda coletiva não a possua com relação ao direito pleiteado. No sistema norte-americano, por outro lado, utiliza-se conceito diverso, cabendo ao juiz analisar, na petição inicial, se o direito postulado é de interesse de classe.

Também, no que se refere ao Ministério Público, no Brasil este tem legitimidade para ajuizar a maioria das demandas coletivas, no entanto, nos Estados Unidos não há esta possibilidade, pois apenas algumas agências governamentais, que possuem capacidade postulatória, detém a legitimidade para ajuizar a lide coletiva.

Entretanto, consoante ressalvam CLEBER MASSON, ADRIANO ANDRADE E LANDOLFO ANDRADE, a possibilidade de alguém defender interesses de uma coletividade, independentemente de autorização, de forma expressa, dos componentes do grupo, classe ou categoria constitui uma influência do modelo americano no processo coletivo brasileiro:

“Nas class actions, qualquer dos integrantes do grupo, classe ou categoria interessada tem legitimidade para a propositura da ação. Ele atua como “representante” (representative) dos demais interessados, sem que seja necessário que eles expressamente lhe outorguem poderes para tanto. Nas ações civis públicas brasileiras, diferentemente, a legitimidade ativa é atribuída pela lei apenas a determinados órgãos ou entidades (p. ex., art. 5.º, incisos I a V , da LACP). De todo modo, apesar dessa divergência, não se pode negar que a possibilidade de alguém defender interesses de uma coletividade, independentemente de expressa autorização dos componentes do grupo, classe ou categoria é outro fator de influência das class actions sobre nossa ação civil pública.” (ANDRADE, Adriano; MASSON, Cleber; ANDRADE, Landolfo. Interesses Difusos e Coletivos Esquematizado. p. 79)

4.2. As Associações

Os artigos 5º, inciso V, da Lei nº 7.347/85 e 82, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor conferem às associações a legitimidade para ingressar com ações coletivas, exigindo, apenas, que estas estejam constituídas há mais de um ano, a representatividade adequada e a pertinência temática. 

Se verificada a existência de manifesto interesse social, evidenciado pela dimensão ou característica do dano, bem como pela relevância do bem jurídico a ser protegido, a legislação permite que o juiz dispense a exigência da constituição anterior (artigo 5º, parágrafo 4º, da Lei nº 7.347/85 e artigo 82, parágrafo 1º, da Lei nº 8.078/90), não abrindo a mesma possibilidade para a finalidade institucional, já que o legislador optou por preservar a sociedade de ações formuladas com finalidades diversas da efetiva proteção dos interesses coletivos.

A legitimidade ordinária conferida às associações diz respeito à defesa dos interesses coletivos lato sensu que estejam ligados à sua finalidade, motivo pelo qual a atuação destas prescinde de autorização da assembleia.

Todavia, uma vez verificada a representação processual dos interesses de seus associados, no tocante aos interesses individuais homogêneos, na fase de liquidação e execução da sentença genérica far-se-á necessária a autorização individual, ressalvada a hipótese de atuação dos sindicatos, para os quais será desnecessária a autorização mesmo para pleitearem liquidação e execução em favor dos seus representados, já que o artigo 8º , inciso III, da Constituição Federal lhes confere ampla legitimidade para essa atuação.

4.3. O Ministério Público

O artigo 127, caput, da Constituição Federal atribuiu ao Ministério Público o caráter de instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

A legitimidade ativa do Ministério Público para defesa, em juízo ou fora dele, dos interesses coletivos em sentido amplo, encontra previsão infraconstitucional nos artigos 81, parágrafo único, e 82, I, do Código de Defesa do Consumidor, e do art. 5º da Lei da Ação Civil Pública.

A Lei nº 8.625/1993 – Lei Orgânica Nacional do Ministério Público – dispõe que:

“Art. 25. Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público: (…)

IV – promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei:

a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos; (…)”

Nesse mesmo sentido, o artigo 6º, inciso IV, alínea “d”, da Lei Complementar n 75/1993 – Lei Orgânica do Ministério Público da União – incumbe este da defesa de outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos.

Infere-se dos aludidos dispositivos que, no tocante à legitimidade ativa do Ministério Público, não se exige a pertinência temática, estando este autorizado a tutelar a defesa dos interesses transindividuais de qualquer temática, desde que a atuação seja compatível com as suas funções institucionais e constitucionais.

No que concerne aos interesses individuais homogêneos, a defesas destes se inclui nas atribuições do Ministério Público quando referirem-se a direitos indisponíveis, ou seja, aqueles referentes a valores imprescindíveis para a sobrevivência e o desenvolvimento da pessoa humana, e para o bem da coletividade, bem como quando, em se tratando de direitos disponíveis, estiver presente a relevância social da tutela, podendo esta ser objetiva, quando decorrente da própria naturezados valores e bens em questão, como a dignidade da pessoa humana, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, a saúde, a educação, ou subjetiva, se derivada da qualidade especial dos sujeitos ou da repercussão massificada da demanda.

A súmula nº 7 do Conselho Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo corrobora o acima disposto:

“O Ministério Público está legitimado à defesa de interesses ou direitos individuais homogêneos de consumidores ou de outros, entendidos como tais os de origem comum, nos termos do art. 81º, III, c/c o art.82, I, do CDC, aplicáveis estes últimos a toda e qualquer ação civil pública, nos termos do art.21º da LAC 7.347/85, que tenham relevância social, podendo esta decorrer, exemplificativamente, da natureza do interesse ou direito pleiteado, da considerável dispersão de lesados, da condição dos lesados, da necessidade de garantia de acesso à Justiça, da conveniência de se evitar inúmeras ações individuais, e/ou de outros motivos relevantes. (ALTERADA A REDAÇÃO NA SESSÃO DO CSMP DE 27.11.12 – Pt. nº 51.148/10)”

Em um julgado recente, o Supremo Tribunal Federal, contrariando entendimento sumulado pelo STJ, reconheceu que, tendo em vista o fato de o seguro DPVAT ser, por força de lei, obrigatório e com finalidade de proteger as vítimas de acidentes automobilísticos, há interesse social, motivo pelo qual o órgão ministerial tem legitimidade para ajuizar demanda coletiva. Nesse sentido:

“CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL COLETIVA. DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS (DIFUSOS E COLETIVOS) E DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. DISTINÇÕES. LEGITIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ARTS. 127 E 129, III, DA CF. LESÃO A DIREITOS INDIVIDUAIS DE DIMENSÃO AMPLIADA. COMPROMETIMENTO DE INTERESSES SOCIAIS QUALIFICADOS. SEGURO DPVAT. AFIRMAÇÃO DA LEGITIMIDADE ATIVA. 1. Os direitos difusos e coletivos são transindividuais, indivisíveis e sem titular determinado, sendo, por isso mesmo, tutelados em juízo invariavelmente em regime de substituição processual, por iniciativa dos órgãos e entidades indicados pelo sistema normativo, entre os quais o Ministério Público, que tem, nessa legitimação ativa, uma de suas relevantes funções institucionais (CF art. 129, III). 2. Já os direitos individuais homogêneos pertencem à categoria dos direitos subjetivos, são divisíveis, tem titular determinado ou determinável e em geral são de natureza disponível. Sua tutela jurisdicional pode se dar (a) por iniciativa do próprio titular, em regime processual comum, ou (b) pelo procedimento especial da ação civil coletiva, em regime de substituição processual, por iniciativa de qualquer dos órgãos ou entidades para tanto legitimados pelo sistema normativo. 3. Segundo o procedimento estabelecido nos artigos 91 a 100 da Lei 8.078/90, aplicável subsidiariamente aos direitos individuais homogêneos de um modo geral, a tutela coletiva desses direitos se dá em duas distintas fases: uma, a da ação coletiva propriamente dita, destinada a obter sentença genérica a respeito dos elementos que compõem o núcleo de homogeneidade dos direitos tutelados (an debeatur, quid debeatur e quis debeat); e outra, caso procedente o pedido na primeira fase, a da ação de cumprimento da sentença genérica, destinada (a) a complementar a atividade cognitiva mediante juízo específico sobre as situações individuais de cada um dos lesados (a margem de heterogeneidade dos direitos homogêneos, que compreende o cui debeatur e o quantum debeatur), bem como (b) a efetivar os correspondentes atos executórios. 4. O art. 127 da Constituição Federal atribui ao Ministério Público, entre outras, a incumbência de defender “interesses sociais”. Não se pode estabelecer sinonímia entre interesses sociais e interesses de entidades públicas, já que em relação a estes há vedação expressa de patrocínio pelos agentes ministeriais (CF, art. 129, IX). Também não se pode estabelecer sinonímia entre interesse social e interesse coletivo de particulares, ainda que decorrentes de lesão coletiva de direitos homogêneos. Direitos individuais disponíveis, ainda que homogêneos, estão, em princípio, excluídos do âmbito da tutela pelo Ministério Público (CF, art.127). 5. No entanto, há certos interesses individuais que, quando visualizados em seu conjunto, em forma coletiva e impessoal, têm a força de transcender a esfera de interesses puramente particulares, passando a representar, mais que a soma de interesses dos respectivos titulares, verdadeiros interesses da comunidade. Nessa perspectiva, a lesão desses interesses individuais acaba não apenas atingindo a esfera jurídica dos titulares do direito individualmente considerados, mas também comprometendo bens, institutos o u valores jurídicos superiores, cuja preservação é cara a uma comunidade maior de pessoas. Em casos tais, a tutela jurisdicional desses direitos se reveste de interesse social qualificado, o que legitima a propositura da ação pelo Ministério Público com base no art.127 da Constituição Federal. Mesmo nessa hipótese, todavia, a legitimação ativa do Ministério Público se limita à ação civil coletiva destinada a obter sentença genérica sobre o núcleo de homogeneidade dos direitos individuais homogêneos. 6. Cumpre ao Ministério Público, no exercício de suas funções institucionais, identificar situações em que a ofensa a direitos individuais homogêneos compromete também interesses sociais qualificados, sem prejuízo do posterior controle jurisdicional a respeito. Cabe ao Judiciário, com efeito, a palavra final sobre a adequada legitimação para a causa, sendo que, por se tratar de matéria de ordem pública, dela pode o juiz conhecer até mesmo de ofício (CPC, art. 267, VI e§ 3.º, e art. 301, VIII e § 4.º). 7. Considerada a natureza e a finalidade do seguro obrigatório DPVAT – Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre (Lei 6.194/74, alterada pela Lei 8.441/92, Lei11.482/07 e Lei 11.945/09)-, há interesse social qualificado na tutela coletiva dos direitos individuais homogêneos dos seus titulares, alegadamente lesados de forma semelhante pela Seguradora no pagamento das correspondentes indenizações. A hipótese guarda semelhança com outros direitos individuais homogêneos em relação aos quais – e não obstante sua natureza de direitos divisíveis, disponíveis e com titular determinado ou determinável -, o Supremo Tribunal Federal considerou que sua tutela se revestia de interesse social qualificado, autorizando, por isso mesmo, a iniciativa do Ministério Público de, com base no art. 127 da Constituição, defendê-los em juízo mediante ação coletiva (RE 163.231/SP, AI 637.853 AgR/SP, AI 606.235 AgR/DF, RE 475.010 AgR/RS, RE 328.910 AgR/SP e RE 514.023 AgR/RJ). 8. Recurso extraordinário a que se dá provimento. (RE 631.111/GO, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 06 e 07/08/2014. Repercussão Geral).”

Com o referido julgado, restou prejudicada a súmula nº 470 do STJ, que dispunha acerca da ilegitimidade do Ministério Público para pleitear, em ação civil pública, a indenização decorrente do DPVAT em benefício do segurado.

Além de sua atuação como parte, cabe ao parquet, obrigatoriamente, o papel de fiscal da ordem jurídica, de modo que, quando a demanda coletiva for proposta por outro legitimado, será indispensável a sua participação para fiscalizar o processamento da ação, justificando-se pela qualidade da parte ou a natureza da matéria discutida. Deve-se salientar que, quando intervier em razão da natureza da lide, a atuação ministerial não favorecerá nenhuma das partes, buscando apenas resguardar o interesse que motivou a sua intervenção.

4.4. A Defensoria Pública

Em que pese à carência de assistência judiciária àqueles que não possuem condições de arcar com os custos da representação judicial, durante muito tempo a legitimação da Defensoria Pública para exercer a defesa coletiva de interesses, assim como para a defesa dos interesses coletivos foi excluída do ordenamento jurídico pátrio. O legislador optou por não incluir a referida instituição no rol do artigo 5º da Lei da Ação Civil Pública, assim como no do artigo 82, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor. 

Foi somente com o advento da Lei nº 11.448/07 que houve a inclusão da Defensoria Pública entre os legitimados para a propositura de ações que versassem sobre a tutela dos direitos coletivos, difusos e individuais homogêneos, legalizando o entendimento já sedimentado na jurisprudência do STJ:

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE. DEFENSORIA PÚBLICA. INTERESSE. CONSUMIDORES. A Turma, por maioria, entendeu que a defensoria pública tem legitimidade para propor ação civil pública na defesa do interesse de consumidores. Na espécie, o Nudecon, órgão vinculado à defensoria pública do Estado do Rio de Janeiro, por ser órgão especializado que compõe a administração pública direta do Estado, perfaz a condição expressa no art. 82, III, do CDC. (…) (STJ. 3ª Turma. REsp 555.111-RJ, Rel. Min. Castro Filho, julgado em 5/9/2006.)”

  Não obstante, a constitucionalidade da referida lei foi objeto de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, ajuizada pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, cujas alegações eram no sentido de que a possibilidade da Defensoria Pública propor, sem restrição, Ação Civil Pública interferiria nas atribuições do Ministério Público. Além disso, outro argumento era o de que a função constitucional da Defensoria Pública seria a de prestar assistência jurídica integral e gratuita apenas aos hipossuficientes e, nas demandas coletivas, não teria como ter certeza se a ação estaria beneficiando apenas pessoas carentes ou também indivíduos economicamente mais abastados.

O Pretório Excelso solucionou a controvérsia, declarando a constitucionalidade da Lei nº 11.448/07, uma vez que essa lei já era compatível com o texto original da Carta Magna e isso ficou ainda mais claro quando com a promulgação da Emenda Constitucional nº 80/2014, a qual alterou a redação do artigo 134 da Constituição, que passou a prever, expressamente, a Defensoria Pública tem legitimidade para a defesa de direitos individuais e coletivos lato sensu. Nesse sentido:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEGITIMIDADE ATIVA DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA AJUIZAR AÇÃO CIVIL PÚBLICA (ART. 5º, INC. II, DA LEI N. 7.347/1985, ALTERADO PELO ART. 2º DA LEI N. 11.448/2007). TUTELA DE INTERESSES TRANSINDIVIDUAIS (COLETIVOS STRITO SENSU E DIFUSOS) E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. DEFENSORIA PÚBLICA: INSTITUIÇÃO ESSENCIAL À FUNÇÃO JURISDICIONAL. ACESSO À JUSTIÇA. NECESSITADO: DEFINIÇÃO SEGUNDO PRINCÍPIOS HERMENÊUTICOS GARANTIDORES DA FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO E DA MÁXIMA EFETIVIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS: ART. 5º, INCS. XXXV, LXXIV, LXXVIII, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. INEXISTÊNCIA DE NORMA DE EXCLUSIVIDAD DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA AJUIZAMENTO DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO PELO RECONHECIMENTO DA LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE”. (ADI 3943/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 6 e 7/5/2015. Publicação em 06/08/2015.)

Com isso, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a legitimidade da Defensoria Pública para a tutela dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, sem a exigência de comprovação, antes de ajuizar a Ação Civil Pública, da pobreza do público-alvo, ficando ressalvado que, em se tratando de direitos individuais homogêneos, no momento da liquidação e execução de eventual decisão favorável na ação coletiva, a Defensoria Pública irá fazer a assistência jurídica apenas dos hipossuficientes, pois nesta fase a tutela de cada membro da coletividade ocorre separadamente.

Em seu voto proferido na ADI nº 3943/DF, a Excelentíssima Ministra Carmem Lúcia, relatora do feito, esclareceu que em um país como o nosso, marcado por graves desigualdades sociais e pela elevada concentração de renda, uma das grandes barreiras para a implementação da democracia e da cidadania ainda é o efetivo acesso à Justiça. Segundo a ministra, somente se conseguirá promover políticas públicas para reduzir ou suprimir essas enormes diferenças se forem oferecidos instrumentos que atendam com eficiência às necessidades dos cidadãos na defesa de seus direitos. Nesse sentido, destaca-se a ação civil pública. Dessa feita, não interessa à sociedade restringir o acesso à justiça dos hipossuficientes.

Os Ministros da Suprema Corte, de forma uníssona, decidiram que a Defensoria Pública poderá ajuizar a ação prevista na Lei nº 7.347/85, com o intuito de tutelar direitos coletivos e individuais homogêneos, porém, a sua legitimidade é restrita aos casos em que, dentre os que se beneficiarão com a decisão buscada, também haja pessoas necessitadas ou hipossuficientes, de forma que a instituição atenda suas funções institucionais.

O Superior Tribunal de Justiça, no mesmo sentido, já vedava a atuação da defensoria em prol de indivíduos capazes a custear a sua própria representação e que não poderiam ser considerados hipossuficientes:

“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EMBARGOS INFRINGENTES. LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA A PROPOSITURA DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LIMITADOR CONSTITUCIONAL. DEFESA DOS NECESSITADOS. PLANO DE SAÚDE. REAJUSTE. GRUPO DE CONSUMIDORES QUE NÃO É APTO A CONFERIR LEGITIMIDADE ÀQUELA INSTITUIÇÃO. 1. São cabíveis embargos infringentes quando o acórdão não unânime houver reformado, em grau de apelação, a sentença de mérito, ou houver julgado procedente a ação rescisória (CPC, art. 530). Excepcionalmente, tem-se admitido o recurso em face de acórdão não unânime proferido no julgamento do agravo de instrumento quando o Tribunal vier a extinguir o feito com resolução do mérito. 2. Na hipótese, no tocante à legitimidade ativa da Defensoria Pública para o ajuizamento de ação civil pública, não bastou um mero exame taxativo da lei, havendo sim um controle judicial sobre a representatividade adequada da legitimação coletiva. Com efeito, para chegar à conclusão da existência ou não de pertinência temática entre o direito material em litígio e as atribuições constitucionais da parte autora acabou-se adentrando no terreno do mérito. 3. A Defensoria Pública, nos termos do art. 134 da CF, "é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV". É, portanto, vocacionada pelo Estado a prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que "comprovarem insuficiência de recursos" (CF, art. 5°, LXXIV), dando concretude a esse direito fundamental. 4. Diante das funções institucionais da Defensoria Pública, há, sob o aspecto subjetivo, limitador constitucional ao exercício de sua finalidade específica – "a defesa dos necessitados" (CF, art. 134) -, devendo os demais normativos serem interpretados à luz desse parâmetro. 5. A Defensoria Pública tem pertinência subjetiva para ajuizar ações coletivas em defesa de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos, sendo que no tocante aos difusos, sua legitimidade será ampla (basta que possa beneficiar grupo de pessoas necessitadas), haja vista que o direito tutelado é pertencente a pessoas indeterminadas. No entanto, em se tratando de interesses coletivos em sentido estrito ou individuais homogêneos, diante de grupos determinados de lesados, a legitimação deverá ser restrita às pessoas notadamente necessitadas. 6. No caso, a Defensoria Pública propôs ação civil pública requerendo a declaração de abusividade dos aumentos de determinado plano de saúde em razão da idade. 7. Ocorre que, ao optar por contratar plano particular de saúde, parece intuitivo que não se está diante de consumidor que possa ser considerado necessitado a ponto de ser patrocinado, de forma coletiva, pela Defensoria Pública. Ao revés, trata-se de grupo que ao demonstrar capacidade para arcar com assistência de saúde privada evidencia ter condições de suportar as despesas inerentes aos serviços jurídicos de que necessita, sem prejuízo de sua subsistência, não havendo falar em necessitado. 8. Diante do microssistema processual das ações coletivas, em interpretação sistemática de seus dispositivos (art. 5°, § 3°, da Lei n. 7.347/1985 e art. 9° da Lei n. 4.717/1965), deve ser dado aproveitamento ao processo coletivo, com a substituição (sucessão) da parte tida por ilegítima para a condução da demanda. Precedentes. 9. Recurso especial provido”. (STJ. REsp. nº 1.192.577/RS. Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO. Data do julgamento: 15/05/2014.)

Por conseguinte, a extensão de legitimação da Defensoria Pública, por ser a instituição que se destina constitucionalmente à defesa dos considerados hipossuficientes, fica restrita, nos casos envolvendo direitos coletivos e individuais homogêneos, às causas em que também serão beneficiados indivíduos necessitados, sendo ampla apenas no que concerne à tutela dos direitos difusos.

4.5. Entes Políticos e Entes Públicos

A Lei da Ação Civil Pública atribuiu legitimidade aos entes políticos e às entidades públicas para o ajuizamento da ação coletiva por ela disciplinada (artigo 5º, incisos III e IV), assim como fez o artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor, em seus incisos II e III, com a ressalva, no caso das entidades públicas, da sua destinação específica para defesa dos interesses em litígio. 

Dessa forma, os entes da Federação encontram-se legitimados para a propositura de ação civil pública em defesa de interesses individuais homogêneos, desde que essa defesa não seja caracterizada como interesse desse ente federado enquanto pessoa de direito público, estando o ente federativo legitimado para propor a ação em qualquer outra região do país.

O mesmo vale para as pessoas jurídicas de direito público, entes da Administração indireta e órgãos públicos despersonalizados, que deverão demonstrar o interesse processual para exercício da sua legitimidade extraordinária na tutela dos direitos individuais homogêneos.

Conclusão

Com a evolução do Direito pátrio, o processo coletivo se estabeleceu como um meio mais adequado de acesso à justiça, para o qual, com o passar dos anos, foram criados institutos e regras específicas, que constituem peculiaridades deste tipo de demanda, necessárias para adequar a prestação da tutela jurisdicional.

Conforme anteriormente explicitado, a tutela coletiva tem se mostrado um meio eficaz de dar efetividade e assegurar a observância de direitos fundamentais como o de acesso ao Poder Judiciário, da duração razoável do processo, economia processual, segurança jurídica, dentre outros. Evitando que, em razão das demandas massificadas, a sociedade não tenha suas necessidades atendidas por intermédio do sistema tradicional de solução de conflitos individuais.

No que se refere à tutela de direitos individuais homogêneos, depreende-se que esta, na realidade, nada mais é do que uma ficção legislativa, criada com o intuito de proteger um grupo de direitos individuais oriundos de uma situação comum de uma única vez, evitando o ajuizamento de demandas em massa.

Por meio da análise dos principais legitimados ativos para a defesa dos interesses individuais homogêneos, percebe-se que a estes foram foi atribuída tal condição pelo legislador para garantir o acesso célere ao Poder Judiciário, bem como a prestação jurisdicional uniforme, evitando julgamentos contraditórios sobre demandas derivadas do mesmo fato, assim como para o tumulto que seria causado pelo ajuizamento de diversas ações com o mesmo propósito e a eternização dos processos, já que por meio das demandas coletivas torna-se possível solucionar danos que atingem um grupo determinado de uma única vez e sem discrepâncias nas decisões judiciais.

Por conseguinte, é forçoso reconhecer que a tutela coletiva dos direitos individuais homogêneos baseia-se nos valores previstos no texto constitucional, o que justifica a sua utilização e o procedimento específico estruturado no microssistema do processo coletivo, dada a sua importância para a garantia de vários dos direitos fundamentais elencados no rol do artigo 5º da Constituição Federal de 1988.

 

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Informações Sobre o Autor

José Rubens Macedo Paizan Silva

Advogado. Bacharel em Direito. Especialista em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá


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