A republicação da Lei n.º 11.382/2006: conseqüências jurídicas ou mera inadequação formal?

Sumário: 1. Introdução. 2. A importância da temática sob exame. 3. A compreensão equívoca que se extrai da interpretação literal do §3.º do art. 1.º da LICC e os procedimentos de correção da lei defeituosa. 4. A interpretação jurídica e a aversão ao formalismo. 5. Uma análise do problema à luz do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva. 6. Conclusão. 7. Bibliografia.


1. Introdução


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A Lei n.º 11.382, de 6 de dezembro de 2006, foi publicada no Diário Oficial da União em 07 de dezembro de 2006. Ocorre que em 10 de janeiro de 2007, ainda durante o seu período de vacatio legis, sofreu ela republicação com o intuito de se corrigir mero equívoco de grafia. De modo específico, o seu art. 2.º, na parte que alterou a redação do art. 656, III, do Código de Processo Civil (CPC), foi inicialmente publicado com erro ortográfico e a palavra “houver”, que lá constava, foi modificada por “houverem”.[1]


Consoante dispunha o Projeto que deu origem à aludida legislação (art. 6.º),  sua vigência se daria somente 6 (seis) meses depois de publicada. Todavia, esse artigo foi alvo de veto sob o argumento de que o conteúdo do Projeto havia sido largamente debatido pela comunidade jurídica durante o seu trâmite parlamentar; entendeu-se, pois, não existirem razões que justificassem a protelação pretendida. De tal sorte, vetou-se a cláusula de vigência para fazer com que a Lei entrasse em vigor 45 (quarenta e cinco) dias após a data de sua publicação, nos termos do art. 1o da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro (LICC), de 4 de setembro de 1942.


No contexto deste ensaio, importante perceber o disposto no art. 1.º, §3.º, da LICC. Afinal, esse dispositivo estabelece que, se antes de entrar em vigor a lei, advir republicação do seu texto, destinada à sua correção, os prazos de quarenta e cinco dias (salvo disposição em contrário, esse é o prazo que a lei nova começa a vigorar em todo o país, depois de oficialmente publicada) e de três meses (obrigatoriedade da lei brasileira nos Estados estrangeiros) começarão a correr dessa nova publicação – vale, pois, a última publicação, e não a primeira, na contagem do período de vacatio legis.


Eis, portanto, o problema: como a Lei n.º 11.382/06 sofreu nova publicação em 10 de janeiro de 2007, e tendo-se por base o estabelecido na LICC, seria correto afirmar que ela apenas entrou em vigor na data de 26/02/2007, e não em 21/01/2007 (data em que entraria em vigor se não tivesse ocorrido a aludida republicação)? Se positiva a resposta, e não sendo o marco para a contagem do período da vacatio legis a data de 07/12/2006, seriam nulos os atos processuais – ou melhor, seria licito pronunciamento judicial destinado a decretar a nulidade desses atos processuais[2] – ocorridos em todo o Brasil com base na Lei n.º 11.382/06 e antes da sua real entrada em vigor?


2. A importância da temática sob exame


Não se está a discutir matéria de cunho eminentemente acadêmico. A questão tem importância prática relevante. Afinal, há um (con)sentimento generalizado de que a Lei n.º 11.382/06 entrou em vigor realmente na data de 21/01/2007, e não praticamente um mês depois, em função de uma republicação desconhecida por muitos. As notícias sobre o assunto, veiculadas em mídias diversas, bem assim as obras que já foram editadas, comentando esta legislação,[3] comprovam o que se está afirmando aqui.


Por exemplo, teriam validez e eficácia a citação, e os efeitos dela decorrentes, oriundos de uma execução de obrigação pecuniária lastreada em título executivo extrajudicial, ajuizada conforme os ditames impostos pela Lei n.º 11.382/06, no ínterim compreendido entre 21/01/2007 e 26/02/2007? Ajuizada a execução com base em contrato de seguro de acidente pessoal, haja vista a ocorrência de incapacidade do segurado, seria admitida a eficácia executiva desse título se a distribuição da ação se deu no intervalo entre 21/01/2007 e 26/02/2007?[4]  Também a título de ilustração, qual o destino a ser dado aos embargos à execução, e aos atos porventura neles realizados, ofertados no mesmo ínterim e nos moldes da Lei n.º 11.382/06? E se o executado, depois de reconhecer o crédito do exeqüente e realizar um depósito de 30% (trinta por cento) do valor da execução, requeresse ao juiz fosse admitido o pagamento do remanescente em até 6 (seis) parcelas mensais, tendo sua pretensão deferida, isso também no interregno entre 21/01/2007 e 26/02/2007 (CPC, art. 745-A): seria nula essa decisão judicial, tendo-se por base o que prescreve o art. 1.º, §3.º, da LICC?


Destarte, não bastasse o interesse acadêmico que a questão suscita, a possibilidade de sua incidência direta na realidade forense impõe a ela um cuidado ainda maior.


3. A compreensão equívoca que se extrai da interpretação literal do §3.º do art. 1.º da LICC e os procedimentos de correção da lei defeituosa


Reza o art. 1.º da LICC:


“Art. 1° – Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país 45 (quarenta e cinco) dias depois de oficialmente publicada.


§ 1° Nos Estados estrangeiros, a obrigatoriedade de lei brasileira, quando admitida, se inicia 3 (três) meses depois de oficialmente publicada.


§ 2° A vigência das leis, que os governos estaduais elaborem por autorização do Governo Federal, depende da aprovação deste e começará no prazo que a legislação estadual fixar.


§ 3° Se, antes de entrar a lei em vigor, ocorrer nova publicação de seu texto, destinada a correção, o prazo deste artigo e dos parágrafos anteriores começará a correr da nova publicação.


§ 4° As correções a texto de lei já em vigor consideram-se lei nova.”


Uma análise presa ao sentido gramatical do §3.º do art. 1.º da LICC, pode levar o intérprete à conclusão equívoca de que a republicação da lei, destinada a corrigir o seu texto, ocorrida antes da sua entrada em vigor – no período de vacatio legis, portanto –, tem por conseqüência uma nova contagem do prazo a partir dessa nova publicação, nova contagem essa que atingiria todo o conteúdo da lei, eliminando-se, por completo, o tempo anterior já decorrido. Enfim, por meio de uma interpretação tal, despreza-se o prazo já superado, iniciando-se sua contagem a partir da republicação derradeira, de forma tal que todo o conteúdo daquela legislação apenas entraria em vigor depois de superado o ínterim da nova vacatio legis.


Aliás, o mesmo sentido literal também pode ser apreendido do exame do Projeto de Lei do Senado n.º 243,[5] cuja proposta é a criação de uma nova LICC, contendo, ao todo, quarenta e cinco artigos. Protocolado em 05/11/2002, reza o aludido Projeto de Lei, especificamente em seu art. 3.º, §1.º:


“Se, antes de entrar em vigor, ocorrer nova publicação de seu texto, o prazo começará a ocorrer da nova publicação.”


Acredita-se, porém, não ser essa a melhor interpretação. Embora a generalidade do art. 1.º, §3.º, da LICC seja evidente, uma linha hermenêutica mais adequada aos ditames sociais – e também aos valores constitucionais – pode ser sugerida. Afinal, a generalidade do artigo de lei não impede uma postura interpretativa mais específica e detalhada – o geral abrange o específico (specialia generalibus insunt).[6]


Antes, contudo, de se enfrentar a problemática que deu origem a este ensaio, e sugerir uma interpretação que se acredita mais adequada à solução de conflitos que eventualmente surjam em razão daquilo que aqui foi apontado, é de se distinguir o procedimento de correção da lei dentro da vacatio legis, daquele a ser adotado quando a lei já se encontrar em vigência.


Tenha-se em mente, pois, que a correção de lei é possível tanto quando ainda não extrapolado o período da vacatio legis, como também naqueles casos em que a lei já se encontrar em vigência. Entretanto, é importante atentar-se para o fato de que as formas para se concretizar essas correções são distintas.


Singelo é o procedimento para a correção de erros materiais de lei que ainda se encontre dentro da vacatio legis, bastando a realização de uma nova publicação, agora com o texto devidamente correto. Contudo, observe-se que essa técnica apenas é admitida para se corrigir equívocos ortográficos ou falhas materiais. Uma nova lei será necessária se a intenção é a de alterar o próprio sentido da disposição legal, sendo ilegítima, nesse caso, a técnica de republicação.


Por outro lado, será inadmissível uma nova publicação da lei, corrigindo-a, após o término da vacatio legis, pois já se encontrará em vigor e, ante a esse fato, apenas uma novel legislação poderá retificá-la – as emendas ou correções da lei que já tenha entrado em vigor são consideradas lei nova (LICC, art. 1.º, §4.º).[7]


Em conclusão apertada, a técnica da republicação apenas é aceitável nos casos em que a alteração não corromper o espírito da lei e se destinar tão-somente a alterações de equívocos materiais, sempre possível quando ainda não estiver ela em vigor; imprescindível, ao revés, a edificação de uma novel legislação nas circunstâncias em que a lei a ser retificada já se encontrar em pleno vigor, emanando efeitos vários no mundo sensível.


4. A interpretação jurídica e a aversão ao formalismo


Não é do legislador a última palavra naquilo que se refere à aplicação da lei. Aliás, se assim fosse, sentido nenhum haveria em se trabalhar a idéia de interpretação jurídica. Interpretar não é apenas uma atividade destinada a repisar ditames legais; não importa num exercício de mera reprodução daquilo já previamente estabelecido pelo legislador.[8] A lei é um programa; é a matéria-prima da norma jurídica oriunda da interpretação jurídica. A norma jurídica (a norma de decisão ou de julgamento) não é a lei, mas decorre da sua interpretação. Por isso a interpretação meramente literal não é a mais adequada – por meio dela se reduz a um método singelo questão de alta complexidade.[9]


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Consoante leciona Inocêncio Mártires Coelho, um dos “achados mais ricos da hermenêutica filosófica contemporânea foi a descoberta de que a compreensão do sentido de uma coisa, de um acontecimento ou de uma situação qualquer pressupõe um pré-conhecimento daquilo que se quer compreender. Disso resulta que toda interpretação é guiada pela pré-compreensão do intérprete, como afirmou Martin Heidegger.”[10]


Isto é, somente mostra-se possível ao intérprete conhecer o conteúdo do enunciado legal a partir de uma (pré)compreensão,[11] a qual, num primeiro momento, o permitirá olhar esse mesmo enunciado com certas esperanças, e, assim, projetar um sentido do todo e chegar a um anteprojeto que, então, em penetração mais profunda, carece de confirmação, correção e revisão, até que se determine, univocamente, a unidade de sentido como resultado de permanentes aproximações entre os projetos revistos e o objeto que, por meio deles, se intenta compreender.[12] Enfim, o texto nada diz a quem não entenda já alguma coisa daquilo de que ele trata; o texto só fala ou só responde àquele que compreende a sua linguagem e o interroga corretamente.[13]


Em tempos nos quais toda a interpretação jurídica condiciona-se ao conhecimento prévio dos ditames constitucionais, não parece adequado aceitar como correta a compreensão genérica e absolutamente literal nascida de uma leitura desavisada do art. 1.º, §3.º, da LICC – mesmo porque outro sentido, constitucionalmente mais adequado, pode ser dele extraído. Entender que toda a lei – considerando, aqui, o seu conteúdo integral – deve, sempre, respeitar um novo prazo de vacatio legis quando uma publicação igualmente nova advier, é simplesmente adotar interpretação que apóia a incerteza, ou mesmo corrobora com a manutenção de um estado jurídico obsoleto, ultrapassado – a prejudicar, às vezes, a própria efetividade dos direitos fundamentais –, patologias essas que essa novel legislação pretende eliminar.


É como se meras imprecisões ortográficas tivessem maior relevo que o próprio objetivo para o qual a lei foi elaborada. É dar-se atenção exagerada à forma em detrimento da própria finalidade justificadora da criação legislativa. Aceitar-se a interpretação proveniente do primeiro contato com o art. 1.º, §3.º, da LICC, é abrir as portas ao formalismo, é realmente reforçar a atmosfera de incerteza com a qual a lei, cuja vigência foi postergada por equívocos de ordem secundária, tem por pretensão extirpar.


Assim, não é sensato atravancar a vigência integral de uma lei simplesmente porque sofreu ela correção ortográfica em um de seus artigos. Se essa modificação, surgida ainda dentro da vacatio legis, não compromete a sua compreensão – não macula o seu espírito –, mostra-se um contra-senso qualquer interpretação objetivada a atrasar a vigência dos demais artigos ou disposições daquela mesma lei. Não parece adequado persistir na insegurança jurídica, ou manter um sistema legal desgastado e ineficiente, unicamente porque o legislador cometeu equívocos ortográficos.


5. Uma análise do problema à luz do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva


Mas não se conclua a análise ainda.


Afirme-se o seguinte: a adoção da literalidade do art. 1.º, §3.º, da LICC, afronta o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva (CF/88, art. 5.º, XXXV), considerando-se os moldes em que atualmente se busca compreendê-lo. Hodiernamente, possuir direito à tutela jurisdicional efetiva não significa apenas ter a garantia formal de “acesso ao Judiciário”. Mais do que isso, duas outras vertentes igualmente importantes têm sido consideradas pela doutrina de vanguarda, ampliando-se consideravelmente sua influência hermenêutica. Noutras palavras, o direito a tutela jurisdicional efetiva não é mais visto apenas como um direito fundamental de proteção, sendo recebido atualmente como verdadeiro direito a prestações, sobretudo pela consciência, cada vez mais generalizada, de que é despropositado interpretar o direito processual sem considerar o plano de direito material.[14] Segundo esse mesmo raciocínio, o direito fundamental a tutela jurisdicional efetiva também denota: a) direito ao devido processo legal, e b) direito a técnicas processuais aptas a assegurar uma tutela jurisdicional pretendida no plano do direito material.[15]


E quando se adota como premissa hermenêutica a idéia de que o “direito à ação” também significa “direito a técnicas processuais capacitadas a assegurar tutelas jurisdicionais prometidas pelo direito material”,[16] é certo que o apego à literalidade do art. 1.º, §3.º, da LICC causa repulsa. Ora, emperrar a efetividade de uma legislação processual, instituidora de técnicas processuais hipoteticamente capazes de conduzir a tutela jurisdicional de direitos num viés mais efetivo e célere, e isso simplesmente sob o fundamento de que houve erro ortográfico a justificar essa atitude, é assumir interpretação contrária à Constituição Federal (CF/88). É intuitivo que essa opção interpretativa, ao invés de facilitar a vigência dessas técnicas processuais voltadas à efetividade das tutelas de direito material, verdadeiramente as obstaculiza, criando empecilho à própria efetividade.


De tal modo, uma interpretação mais ajustada não só ao valor segurança jurídica e aos anseios pacificadores que justificam a vida em coletividade, senão também sintonizada ao direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, é aquela que limita o novo período de vacatio legis, decorrente da republicação da lei destinada à correção de erros materiais ou ortográficos contidos em seu texto, somente aos artigos que foram devidamente alterados. Ora, se durante a vacatio legis ocorrer nova publicação da lei, o prazo para sua entrada em vigência começará a correr da nova publicação, mas ele só corre para a parte corrigida ou emendada, ao passo que apenas os artigos republicados terão prazo de vigência contados da nova publicação.[17]


Essa, aliás, a interpretação sugerida ao §3.º do art. 1.º da LICC pela brilhante civilista Maria Helena Diniz, conquanto não tenha ela apresentado fundamentos mais específicos norteados a alicerçar a posição doutrinária assumida:


“Se apenas uma parte da lei for corrigida, o prazo recomeçará a fluir somente para a parte retificada, pois seria inadmissível, no que atina à parte certa, um prazo de espera excedente ao limite imposto para o início dos efeitos legais, salvo se a retificação afetar integralmente o espírito da norma. (…) Se se tratar de meros erros de ortografia, de fácil percepção, não haverá empecilho a que o prazo da vacatio legis decorra da data da publicação errada, não aproveitando quem invocar tais erros”[18]


Também na mesma linha de raciocínio, a lição do grande Caio Mário da Silva Pereira:


“Poderá acontecer que a lei, ao ser publicada, contenha incorreções e erros materiais, que exorbitando de pequenas falhas ortográficas que lhe não desfiguram o texto, exijam nova publicação, total ou parcial. Se tiver de ser repetida a publicação, antes de entrar a lei em vigor, os artigos republicados terão prazo de vigência contado da nova publicação, para que o texto correto seja conhecido, sem necessidade de que se vote nova lei; apenas anula-se o prazo decorrido, de sorte que o dispositivo emendado conte o prazo de vigência com observância da regra geral. As correções, porém, somente prevalecem no tocante a falhas materiais, pois que se a pretexto de emenda houver alteração na disposição legal, somente por via de outra lei poderá ser feita.”[1]


Crê-se, assim, que a interpretação ora sugerida não desvirtua o sentido conferido ao art. 3.º, §1.º, da LICC. Não é interpretação contrária à lei. Aliás, além de proporcionar maiores especificidade e objetividade ao texto, esse raciocínio hermenêutico possui a vantagem de entorpecer o formalismo, valorizar o conteúdo substancial da novel legislação e assegurar a efetividade do direito à tutela jurisdicional efetiva.[19]


Entretanto, de lege ferenda, o ideal seria que o legislador, aproveitando inclusive a existência de um projeto de lei voltado a alterar a LICC, fosse mais ousado e, assim, alterasse, completamente, o regime legal atualmente vigente. Destarte, mediante expresso preceito normativo, ser-lhe-ia aconselhável determinar que a republicação, destinada apenas à correção de erros meramente ortográficos eventualmente contidos na lei, e que não comprometam seu espírito, não implicará, em hipótese alguma, na recontagem do prazo de sua vacatio legis.


6. Conclusão


De tudo aqui tratado, conclui-se, pois, que a republicação da Lei n.º 11.382, de 6 de dezembro de 2006, ocorrida dentro da vacatio legis, e destinada a corrigir imprecisão gramatical, não teve por conseqüência a postergação do seu prazo de vigência.


Deveras, somente o artigo retificado – art. 656, III – é que sofreu renovação do seu período de vacatio legis, e, assim, apenas entrou em vigor 45 (quarenta e cinco) dias contados da republicação ocorrida em 10 de janeiro de 2007, isto é, na data de 26/02/2007. Quanto ao restante das disposições legais que compõem a aludida legislação, sua vigência se principiou em 21/01/2007, já que o marco a ser considerado para a contagem da vacatio legis realmente foi aquele referente à primeira publicação (07/12/2006).


 


Bibliografia:

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WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALVIM WAMBIER, Teresa Arruda; GARCIA MEDINA, José Miguel. Breves Comentários à Nova Sistemática Processual Civil. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2007.

 

Notas:

[1] Na primeira publicação da Lei n.º 11.382/2006, ocorrida em 7 de dezembro de 2006, o art. 656, III, foi redigido assim: “se, havendo bens no foro da execução, outros houver sido penhorados”. Já na republicação ocorrida em 10 de janeiro de 2007, o texto foi alterado: “se, havendo bens no foro da execução, outros houverem sido penhorados”. A ocorrência dessa republicação pode ser constatada pelo site: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11382.htm>. Observe-se, ainda, que a Lei 11382/2006 não foi integralmente republicada. A republicação dirigiu-se especificamente à retificação textual do art. 656, III, do CPC – somente essa parte, devidamente corrigida, sofreu nova publicação. Tal constatação não elimina, a nosso sentir, a incidência do §3.º do art. 1.º da LICC, e nem as eventuais conseqüências deletérias que uma interpretação literal desse dispositivo poderá acarretar.

[2] Sobre a nulidade dos atos processuais, interessante observar a lição de Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco: “Mesmo quando eivado de vício que determina a sua nulidade, porém, o ato processual considera-se válido e eficaz, deixando de sê-lo apenas quando um pronunciamento decreta a nulidade: a ineficácia do ato decorre sempre do pronunciamento judicial que lhe reconhece a irregularidade. Assim sendo, o estado de ineficaz é subseqüente ao pronunciamento judicial (após a aplicação da sanção de ineficácia – diz-se, portanto, não sem alguma impropriedade verbal, que o ato nulo é anulado pelo juiz).” (ARAÚJO CINTRA, Antonio Carlos de; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 21ª. ed. São Paulo : Malheiros Editores, 2005. p. 350).  Para uma mais profunda compreensão do tema “nulidades”, examinar: ALVIM WAMBIER, Teresa Arruda. Nulidades do processo e da sentença. 5ª. ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2004.

[3] A título de ilustração, J.E. Carreira Alvim e Luciana G. Carreira Alvim Cabral lecionam: “Assim, tendo a Lei 11.382, de 06.12.2006, sido publicada no dia 7 subseqüente, entrará em vigor no próximo dia 21.01.2007.” (CARREIRA ALMIM, J.E.; CABRAL, Luciana G. Carreira Alvim. Nova execução de título extrajudicial. Comentários à Lei 11.382/06. Curitiba : Juruá Editora, 2007. p. 231). Na mesma senda, o ensinamento de Humberto Theodoro Júnior: “Segundo a técnica legislativa preconizada pelo §1º do art. 8.º da Lei Complementar n.º 95/198, acrescido pela Lei Complementar n.º 107/2001, “a contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subseqüente à sua consumação integral”. Somente, portanto, a partir de 21 de janeiro de 2007 estará vigendo a nova disciplina executiva.” (JÚNIOR, Humberto Theodoro. A reforma da execução do título extrajudicial. Lei n.º 11.382, de 06 de dezembro de 2006. Rio de Janeiro : Forense, 2007. p. 6). Trecho da obra “Breves Comentários à Nova Sistemática Processual Civil”, de autoria de Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina, também evidencia que a republicação da Lei nº 11.382/2006 não foi percebida por esses autores: “O mesmo se diga quanto à Lei 11.382/2006. Todos os atos praticados e respectivos efeitos produzidos à luz da lei em vigor anteriormente devem ser preservados da incidência das novas regras, que passam a incidir respeitado o “passado” do processo (isto é, as situações consolidadas). Apresentados os embargos no regime em vigor até 20 de janeiro de 2007, terão suspendido a execução. Retomado o processamento da execução à luz da nova lei, dar-se-á, preferencialmente, adjudicação, alienação particular do bem penhorado e arrematação (art. 686, na redação dada pela Lei 11.382/2006). Citado o executado no regime anterior à reforma, não terá ele prazo de três dias para pagar (cf. nova redação do art. 652, caput), mas, apenas, prazo de 24 horas para pagar ou nomear bens à penhora (cf. redação revogada do art. 652). Caso, contudo, o mandado de citação seja juntado quando já em vigor a nova redação do art. 738 (alterado também pela Lei 11.382/2006), terá início o prazo de 15 dias para a apresentação de embargos.” (WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALVIM WAMBIER, Teresa Arruda; GARCIA MEDINA, José Miguel. Breves Comentários à Nova Sistemática Processual Civil. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2007. p. 336).

[4] O inciso III do art. 585 foi alterado e, assim, excluído do rol de títulos executivos extrajudiciais o contrato de seguro de acidentes pessoais de que resulte morte ou incapacidade. Outra indagação semelhante a esse respeito pode ser construída: seria admitida a eficácia executiva desse título se a contratação do seguro de acidente pessoal tiver sido realizada no período compreendido entre 21/01/2007 e 26/02/2007, considerando que o beneficiário sofreu acidente pessoal também nesse ínterim?

[5] Informações mais específicas sobre a tramitação do Projeto de Lei do Senado n.º 243 podem ser obtidas em consulta direta no site <http://www.senado.gov.br>.

[6] É conhecido o brocardo specialia generalibus insunt (“o que é especial, acha-se incluído no geral” ou “o geral abrange o especial”). A idéia básica é a de que a norma legal feita para o todo se aplica também às partes. Isto é, quando o texto menciona o gênero, presumem-se incluídas as espécies respectivas (ver MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 14ª. ed. Forense : Rio de Janeiro, 1994. p. 246). Assim, se o art. 1.º, §3.º, da LICC refere-se à “lei”, não parece equívoco compreender essa expressão considerando-se exclusivamente as suas “partes” – isto é, não parece errado entender a expressão “lei” como “artigo”. Aliás, essa interpretação preserva a constitucionalidade desse dispositivo legal, corporificado em uma legislação cuja elaboração se deu quase 50 (cinqüenta) anos antes da publicação da CF. Adiante se compreenderá que, aqui, a interpretação literal corrompe o direito fundamental à ação (CF, art. 5.º, XXXV), sobretudo por obstaculizar a vigência de técnica processual criada para implementar possível efetividade de tutelas jurisdicionais de direito material.

[7] DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada. 11ª. ed. São Paulo : Saraiva, 1994 .p.61.

[8] Hodiernamente, não é aceitável a afirmação de que a função do Judiciário – e, consequentemente, do processo e das normas processuais – seria a de simplesmente atuar o direito objetivo (ou realizar a vontade concreta da lei), como se fosse ele um simples braço do Legislativo. Essa tese, adepta à doutrina inspirada no Iluminismo e nos valores da Revolução Francesa, separa radicalmente as funções do legislador e as do juiz, atribuindo ao primeiro a tarefa de criação do direito e ao segundo sua mera aplicação. (MARINONI, Luiz Guilherme. A jurisdição no estado constitucional. Disponível em: http://www.professormarinoni.com.br/. Acessado em: 05/10/2005). es do legislador e do juiz, atribuindo ao primeiro a criaçRevoluç, sempre com a garantia de que o devido processo legal serVive-se, hoje, no denominado Estado Democrático de Direito. Já se encontra superada a idéia de que a liberdade formal seria suficiente a garantir dignidade social a todos, mormente por se ter a consciência de que as pessoas são verdadeiros universos singulares, cada qual com sentimentos, necessidades e ambições particulares. Não basta, pois, uma posição passiva do Estado, limitada a ditar leis, por melhores que sejam elas. Deve ele atuar ativamente, intervindo nas relações, igualando-as, conferindo direitos aos vulneráveis e obrigações àqueles considerados hipersuficientes. E, no centro de todos esses comandos, encontram-se, indiscutivelmente, os direitos fundamentais, devidamente positivados na CF/88. São eles o epicentro do ordenamento jurídico, e sua aplicação imediata, avalizada constitucionalmente, deve ser garantida por todos os níveis de poder, Executivo, Legislativo e Judiciário. Nessa ótica, não há como visualizar o Legislativo como sendo um órgão supremo, e isso não apenas porque sua atividade é fruto da atuação humana e, portanto, passível de desacertos, mas, principalmente, por se ter consciência de que a diversidade de interesses e necessidades dos indivíduos acaba por impedir, no mais das vezes, uma atuação legislativa consistente, adequada e justa. Ademais – ainda forte em Marinoni –, quando se compreende que as leis, não raramente, provêm de interesses escusos, concretizados por intermédio de trabalhos de grupos de interesses, que agem pressionando o Parlamento mediante atividades lobistas incisivas e inegavelmente funcionais, essa realidade fica ainda mais evidente. Por isso, o Judiciário não pode ser visto apenas como um braço ou um prolongamento do Legislativo. A esse órgão de poder não basta simplesmente assegurar a atuação do direito objetivo, ou a concretização da vontade da lei. Cabe-lhe, precisamente, a construção ou criação de uma norma concreta aplicável aos casos submetidos ao seu crivo, sempre mediante uma interpretação presa aos direitos fundamentais e aos princípios de justiça, cuja sede é a própria CF/88. (MARINONI, Luiz Guilherme. A jurisdição no estado constitucional. Disponível em: http://www.professormarinoni.com.br/. Acessado em: 05/10/2005). Enfim, o juiz, ao decidir, efetivamente cria uma norma jurídica concreta, não individualmente, mas considerando, sempre, a participação dialógica das partes (contraditório) e toda a estrutura formativa do modelo constitucional do processo, valendo-se de uma interpretação concernente às normas constitucionais, tonificando o ordenamento jurídico, e não apenas se limitando a declarar ou a reproduzir o conteúdo ditado pela lei.

[9] Nessa linha, relegando a importância da interpretação literal, a lição de Eros Grau: “O texto, preceito, enunciado normativo é alográfico. Não se completa no sentido nele impresso pelo legislador. A “completude do texto somente é realizada quando o sentido por ele expressado é produzido, como nova forma de expressão, pelo intérprete. Mas o “sentido expressado pelo texto” já é algo novo, distinto do texto. É a norma.” E continua: “Isso significa que o texto normativo, visando à solução de conflitos (isto é, uma decisão normativamente fundada para problemas práticos, em razão do quê consubstancia dever-ser – sollen, e não sein –, e não a contemplação estética), reclama um intérprete (primeiro intérprete) que compreenda e reproduza, não para que um segundo intérprete possa compreender, mas a fim de que um determinado conflito seja decidido.” Finalmente, conclui o jurista: “A interpretação do direito opera a mediação entre o caráter geral do texto normativo e sua aplicação particular: isto é, opera a sua inserção na vida.” (GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. São Paulo : Malheiros Editores, 2002. p. 69-70).

[10] COELHO, Inocêncio Mártires. Repensando a interpretação constitucional. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – centro de Atualização Jurídica, v. I, n.º 5, agosto, 2001. Disponível em: <http://direitopublico.com.br>. Acesso em: 03/02/2007. p. 1.

[11] A pré-compreensão ou o pré-conceito desponta-se realmente como um pré-requisito para se interpretar um texto ou mesmo para aprender algo novo. A aprendizagem está conectada a esses pré-conceitos. Vale, aqui, citar a bela lição do aplaudido escritor Rubem Alves a respeito do assunto: “A aprendizagem da ciência é um processo de desenvolvimento progressivo do senso comum. Só podemos ensinar e aprender partindo do senso comum de que o aprendiz dispõe.” Citando Dushki, completa: “A aprendizagem consiste na manutenção e modificação de capacidades ou habilidades já possuídas pelo aprendiz. Por exemplo, na ocasião em que uma pessoa que está aprendendo a jogar tênis tem a força física para segurar a raquete, ela já desenvolveu a coordenação inata dos olhos com a mão, a ponto de ser capaz de bater na bola com a raquete. Na verdade, com a prática ela aprende a bater melhor na bola… Mas bater na bola com a raquete não é parte do aprendizado do jogo de tênis. Trata-se, ao contrário, de uma habilidade que o jogador possui antes de sua primeira lição e que é modificada na medida em que ele aprende o jogo. É o refinamento de uma habilidade já possuída pela pessoa.” (ALVES, Rubem. Filosofia da ciência. Introdução ao jogo e suas regras. 10ª. ed. São Paulo : Editora Brasiliense, 1987. p.12-13).

[12] Ibid., p. 4.

[13] LARENZ, Karl. Metodologia  da  Ciência  do  Direito.  2ºed. Trad.  José Lamego. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1989. p. 377.

[14] Realmente ganha cada vez mais espaço uma visão expansiva do “direito de ação”, cujo alicerce encontra segura sede constitucional. Aliás, atualmente não se questiona que o “direito à ação” realmente é um direito fundamental, devidamente positivado no multicitado art. 5.º, XXXV, da Constituição Federal (CF/88) – “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Deveras, é insuficiente perceber a ação apenas como garantia formal de acesso à jurisdição. Esta é, sim, uma de suas facetas, mas não a única. Isto é, atualmente é pouco afirmar que a ação é meramente o mecanismo de ignição da máquina judiciária, apartando-a completamente de qualquer influência do direito material que se persegue em juízo, numa ótica científica que preza exageradamente a idéia de autonomia, mas que invariavelmente desconsidera a interconexidade existente entre os direitos material e processual. Não se está obviamente negando a autonomia do direito à ação, como que se ele e o direito material tivessem a mesma e única identidade. A teoria da ação como direito concreto realmente jaz sepultada e assim merece permanecer. Defende-se, todavia, que não se deve levar ao extremo da insensatez a idéia da ação como direito abstrato, e pregar uma autonomia sua tão absoluta a ponto de impedir que receba reflexos e influências do próprio direito material que o processo busca materializar. Não se quer, pois, afirmar que a ação não é um direito abstrato. Negar a ela tal qualidade é simplesmente ignorar a própria evolução científica responsável pela elucidação que hoje se tem a respeito do assunto. É a ação processual um direito abstrato justamente por independer de comprovação prévia ou ulterior do direito material. Mas não se pode olvidar que o seu fim aponta para a realização desse mesmo direito material perseguido – há, pois, íntima relação entre a própria ação e o direito material postulado em juízo. Nesse passo, a universal e verdadeira concepção abstrata da ação não tem o condão de isolá-la absolutamente, numa postura científica desprezível, pois, apesar de comprometida com a pureza processual do instituto, peca ao esquecer sua finalidade e, de tal modo, desconsidera que ela – e também a jurisdição, o processo e a defesa – sem o direito material de nada serve, perdendo, por completo, seu fim prático. Advogar tese voltada a impedir os reflexos do direito material nos institutos de direito processual, soa como dissertar sobre a utilidade de uma esponja no deserto! Ora, essa separação entre as duas entidades – direito à ação e direito material – não é e nem poderia ser estanque, como se de água e óleo se tratassem. Seguindo a já superada concepção liberal-burguesa, ideologia outrora responsável pela condução dos rumos da sociedade, certamente que essa linha doutrinária separatista prosperou. Naquela época, os esforços voltavam-se a preservação da liberdade e do individualismo, cujos reflexos obviamente impediam a interferência do Estado nas relações inter-privadas. Daí porque a construção do instituto da ação lastreou-se unicamente sobre a idéia de inércia da jurisdição e jamais como um direito fundamental, plenamente capaz de vincular todos os órgãos do poder. De mais a mais, como todos eram vistos como iguais perante a lei, e as diferenças entre os indivíduos nada significavam, mostrava-se sensato entender o direito à ação como mero direito de ignição à máquina judiciária, partindo-se da premissa de que a intervenção do Estado nas relações firmadas entre particulares era restrita, e apenas possuía legitimidade para assegurar o cumprimento delas nos seus exatos termos. Sob essa ótica, incoerente seria uma teoria voltada a expandir os significados do “direito à ação” e cujo escopo se norteasse a ampliar os poderes do juiz, a fim de assegurar um exercício jurisdicional capaz de distribuir o ônus do tempo no processo, uma teoria atenta à busca da celeridade e efetividade, preocupada com as diferenças de cada uma das tutelas prometidas na esfera do direito material por intermédio do processo e conforme as normas de direito processual. Se o que se pretendia era restringir o papel do Estado na sociedade, sob uma base teórica liberal-burguesa é simplesmente impossível compreender o direito à ação como um direito fundamental apto a vincular não só o Judiciário, mas que influencie o próprio Legislativo, sobretudo para obrigar seus representantes a desenhar técnicas processuais capazes de assegurar efetividade às tutelas jurisdicionais pretendidas no plano do direito material. Mas estar-se-á a viver em uma época diversa; o paradigma é outro. No Estado Democrático de Direito não se aceita um Estado inerte e apático. A interpretação do direito não mais se prende ao princípio da autonomia da vontade e à liberdade de contratar. Na ideologia atual o ordenamento jurídico deve ser compreendido com lentes constitucionalizadas, com especial atenção aos direitos fundamentais e aos princípios constitucionais. Isto é, o princípio da legalidade perdeu espaço para uma interpretação com lastro constitucional, criativa por natureza, pois fundada também, e principalmente, em princípios, sem desconsiderar, por óbvio, o modelo constitucional do processo, cuja matéria prima é igualmente rica em direitos fundamentais. A compreensão da lei no Estado Democrático de Direito deve se pautar nas promessas contidas na Carta Magna, balizando-se no projeto estatal devidamente desenhado pelo constituinte. Do Estado Liberal apático atinge-se o Estado Democrático de Direito diligente e intervencionista, direcionado a realização das promessas constitucionais devidamente registradas nos direitos fundamentais e princípios constitucionais. Por resultado, numa ideologia tão diversa daquela de cunho eminentemente liberal, o direito à ação acabou por sofrer mutações deveras consideráveis. Não denota apenas um direito de proteção, mera garantia constitucional conferida a todos que se sentirem espoliados em seus direitos. Mais do que isso, o direito à ação ou o direito à tutela jurisdicional efetiva adquire, no Estado Democrático de Direito, feição de genuíno direito à prestação, obrigando o legislador – e, porque não, o próprio juiz, em caso de omissão legislativa – a considerar as diversas características e disparidades das tutelas jurisdicionais pretendidas no plano do direito material, no afã de desenvolver técnicas processuais adequadas à solução dos conflitos intersubjetivos nascidos no seio social. Assim, o direito à ação é aquele capaz a proporcionar efetividade à tutela de direitos materiais, o que se obtém não mediante uma inaceitável ordinarização das técnicas processuais, senão por intermédio da diversificação dessas mesmas técnicas, postura alicerçada na idéia de que apenas haverá efetividade quando se considerar a razão mesma de ser dos institutos de direito processual (jurisdição, processo, ação e defesa) – não há sentido pensar-se o direito processual em desatenção ao próprio direito material, repita-se uma vez mais. Mas o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva tem sido ainda compreendido como direito ao processo justo ou ao devido processo legal. Afinal, não basta abrir ao cidadão as portas da jurisdição e permitir-lhe buscar socorro jurisdicional, sempre que o seu direito for lesado ou mesmo quando estiver sob ameaça. Não se pode olvidar que a atuação jurisdicional é igualmente expressão do poder estatal e, por vivermos num ambiente democrático, esse poder igualmente necessita de controle. E a própria CF/88 confere as bases principiológicas destinadas a controlar e a legitimar a atuação jurisdicional. Estar-se-á a falar daquilo que fora denominado por um eminente processualista italiano de modelo constitucional do processo, um sistema de importantes garantias e direitos processuais aptos a democratizar o processo e, por conseqüência, legitimar a própria atividade jurisdicional e o resultado dela proveniente. Atividade jurisdicional sem o devido processo legal, exercida em desatenção a esse modelo constitucional do processo, somente possui aptidão para parir o arbítrio. Daí a imprescindibilidade do respeito ao contraditório e à ampla defesa, ao princípio do juiz natural, à isonomia, à motivação e à publicidade das decisões judiciais, ao direito a um advogado e aos demais valores constitucionais íntimos ao direito processual. Na intenção de se aprofundar no tema, sugere-se a consulta das obras: a) MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2006; b) MITIDIERO, Daniel Francisco. Elementos para uma teoria contemporânea do processo civil brasileiro. Porto Alegre : Livraria do Advogado, 2005.

[15] Uma vez mais, confira-se o ensinamento do eminente processualista Luiz Guilherme Marinoni: “Portanto, a norma constitucional que afirma que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (CF, art. 5.º, XXXV) significa, de uma só vez, que: i) o autor tem o direito de afirmar lesão ou ameaça a direito; ii) o autor tem o direito de ver essa afirmação apreciada pelo juiz quando presentes os requisitos chamados de condições da ação pelo art. 267, VI, do CPC; iii) o autor tem o direito de pedir a apreciação dessa afirmação, ainda que um desses requisitos esteja ausente; iv) a sentença que declara a ausência de uma condição da ação não nega que o direito de pedir a apreciação da afirmação de lesão ou de ameaça foi exercido ou que a ação foi proposta e se desenvolveu ou foi exercitada; v) o autor tem o direito de influir sobre o convencimento do juízo mediante alegações, provas e, se for o caso, recurso; vi) o autor tem o direito à sentença e ao meio executivo capaz de dar plena efetividade à tutela jurisdicional por ela concedido; vii) o autor tem o direito à antecipação e à segurança da tutela jurisdicional; e viii) o autor tem o direito ao procedimento adequado à situação de direito substancial carente de proteção.” (MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2006. p. 221).

[16] É visível que o art. 5.º, XXXV, da CF não estabelece, expressamente, que o direito à ação significa “direito a técnicas processuais capacitadas a assegurar tutelas jurisdicionais prometidas pelo direito material”. Essa idéia é oriunda de uma interpretação sistemática, avessa à literalidade da norma legal – mas não contrária a essa mesma norma. Ora, em sua perspectiva objetiva, os direitos fundamentais estabelecem valores cuja serventia é a de orientar toda a interpretação do ordenamento jurídico, norteando a postura dos órgãos de poder, Executivo, Legislativo e Judiciário. A compreensão (ideal) mesma do ordenamento jurídico se legitima quando realizada com alicerce nos valores emanados dos direitos fundamentais. Esses valores se propagam, irradiam-se sobre o direito positivo, fundindo-se a ele, moldando seus contornos de significação. É como o ar, que a todos invade e do qual não se pode prescindir. Assim, se os direitos fundamentais detêm essa perspectiva objetiva, parece justo conceber ao “direito à ação” o sentido de “direito a técnicas processuais capacitadas a assegurar tutelas jurisdicionais prometidas pelo direito material”. Uma interpretação voltada a obrigar o próprio legislador a criar técnicas processuais aptas a garantir tutelas jurisdicionais efetivas, devidamente anunciadas pelo direito material. Esse significado é, pois, resultado de uma análise hermenêutica focada na perspectiva objetiva do direito à tutela jurisdicional efetiva, numa ótica dirigida ao legislador – e, também, ao próprio juiz, caso haja omissão legislativa.

[17] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 3ª. ed. São Paulo : Saraiva, 2006. .p. 39.

[18] DINIZ, Op.cit. p.61.

[19] Ainda sobre a importância de se compreender o direito processual à luz do direito material, visitar a obra “Direito e Processo. Influência do Direito Material sobre o Processo”. Nela, seu autor, Professor José Roberto dos Santos Bedaque, objetiva demonstrar a necessidade de se relativizar o binômio direito-processo, e isso “em razão da natureza instrumental da ciência processual, que tem como objeto exatamente as relações da vida regradas pelo direito substancial.” (SANTOS BEDAQUE, José Roberto dos. Direito e Processo. Influência do Direito Material sobre o Processo. 4ª. ed. São Paulo : Malheiros Editores, 2006. p. 163).


Informações Sobre o Autor

Lúcio Delfino

Advogado, Doutor em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual, Membro do Instituto dos Advogados de Minas Gerais, Membro da Academia Brasileira de Direito Processual Civil, Membro do Instituto de Hermenêutica Jurídica, Diretor da Revista Brasileira de Direito Processual


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