Ação monitória contra a Fazenda Pública

Sumário: 1-
Considerações Preliminares. 2- Feições do Processo Monitório. 3- Execução
contra a Fazenda Pública. 4- Duplo Grau necessário. 5- Processo  Monitório e Fazenda Pública. 6bibliografia

1- Considerações Preliminares

É característica dos seres humanos a permanente busca pela eficiência.
Aliás, não fosse esta marcante característica, certamente a realidade não seria
o que hoje conhecemos. Assim sendo, tudo quanto criamos tem sua existência
predeterminada pelo aparecimento de  algo
mais eficiente, melhor, ou seja, a criação humana se conforma ao grau de
satisfação do homem com os resultados práticos obtidos. Com os institutos
jurídicos não é diferente. Destarte, se encontramos institutos seculares dentro
do Direito, é porque não surgiu a necessidade de modificá-los. Alguns setores
específicos, contudo, são mais suscetíveis à mudanças, pois os reflexos da
dinâmica da sociedade neles se apresentam de forma mais contundente, mormente
se considerarmos setores cuja gênese é mais recente, e que, portanto, não apresentam
uma construção dogmática solidificada.

Neste contexto, sobreleva o processo como um meio no qual as reformas
se fazem em maior velocidade do que em outros ramos da ciência jurídica. Isto
se deve  a múltiplos fatores, mas sem
dúvida merecem especial consideração o fato de ter o processo uma construção
dogmática bastante recente e ao fato de possuir um caráter eminentemente
instrumental. Do seu caráter instrumental resulta uma maior flexibilidade, pois
o processo serve ao direito material, de modo que a mudança no instrumento não
compromete profundamente o direito material. Não se infira desta intelecção que
o processo não interfira consideravelmente na efetividade do direito material .
O que se está afirmando é que dentro da instrumentalidade e da independência do
processo em relação ao direito material, aquele pode ser alterado sem
necessária alteração deste.

No atual momento de evolução do Direito, as preocupações voltam-se
como nunca ao direito processual, pois na perspectiva do Estado Democrático
Social de Direito esposado pela Constituição de 1988, e que representa, de
resto, uma tendência contemporânea, o exercício da jurisdição através do
processo toma matizes de busca de uma efetividade, ou seja, de atingimento, via
processo, de resultados concretos, algo difícil de ser feitos com a utilização
de fórmulas erigidas sob ao auspícios de um modelo de estado absolutamente
diferente, que caracterizou século XIX, quando surgiram as bases de nosso
processo. É por isto que se verifica um movimento mais ou menos uniforme nos
ordenamentos de vários países 
materializado em reformas processuais visando, sobretudo, tornar a
tutela mais célere, colocando-a de pari
passu
com o ritmo da sociedade moderna de massas.

O processo pátrio, para regozijo de tantos quantos se destinam ao
estuda do direito processual, é um processo bastante vanguardista no contexto
mundial. Não bastasse o valor de uma valorosa doutrina que a cada dia se renova
com o surgimento de novos nomes e  uma
jurisprudência que tem servido como forte 
ponto de apoio na interpretação e aplicação do direito, ainda temos
tomado posição de destaque no cenário internacional através de reformas no
ordenamento processual pelas quais se inseriram novas alternativas
jurisdicionais para a busca da efetividade prometida no texto constitucional e
arraigada dentre os basilares princípios do Estado Social de Direito.

Dentre as inovações introduzidas pelo conjunto das recentes reformas
do CPC, consta o processo monitório. A ação monitória representa uma importante
modificação dentro da sistemática do nosso processo civil na medida em que
rompe com o dogma do binômio processo de conhecimento execução forçada que
preside a esmagadora maioria dos ordenamentos de inspiração romana. A rigorosa
separação, em processos distintos, do conhecimento e da execução noção mais se
coaduna em todos os casos com a celeridade requerida pela sociedade moderna, ou
seja, pelos jurisdicionados, o público ” consumidor da jurisdição“. Este grau de insatisfação é
crescente quando da aplicação do procedimento tradicional à demandas de menor
complexidade, ou nas quais a situação da parte já se encontra com uma
contextura probatória bastante substancial, dando margem a um grau elevado de
procedência das alegações. Nestes casos, a sistemática do processo de
conhecimento de rito ordinário representa uma longa demora injustificada a qual
se segue o processo de execução, cujas mazelas são bem conhecidas, favorecendo
o conjunto ao litigante que não tem razão e conspirando contra a credibilidade da
função jurisdicional.

O processo monitório rompe com esta tradição, abreviando boa parte da
dilação que surgia na dicotomia processo de conhecimento processo de execução.
A nossa abordagem  tem por objeto um dos
aspectos do processo monitório, qual seja o cabimento da ação monitória contra
a Fazenda Pública. A disciplina
especial a que se submete a Fazenda
Pública,
com necessidade de expedição de precatório, ex artigo 100 da
CF/88, sendo necessariamente a fazenda citada para embargar embasa posições
contrárias ao exercício do processo de monitório contra a Fazenda. É o que
iremos tratar.

2- Feições do Processo Monitório

O processo monitório tem origem na Lei 9.079, de 14 de julho de 1995.
Na dicção do artigo 1.102 do CPC, com redação dada pelo diploma referido:
A ação monitória compete a quem
pretender, com base em prova escrita, sem eficácia de título executivo,
pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou de determinado bem
móvel. “
.  Trata-se de uma
faculdade conferida ao autor, pois inobstante presentes os requisitos para a
ação monotíria, poderá o autor valer-se 
de ação condenatória, em rito sumário ou ordinário. Pressupõe o processo
monotório presença de prova escrita, locução vaga a abranger, na sua
generalidade  um sem fim de instrumentos
escritos. Mas qual seria o alcance de prova escrita. Certamente que devemos dar
larga interpretação ao dispositivo de modo a não frustar o objetivo da ação
monitória, que é trazer celeridade e simplicidade ao procedimento. Há que
afastar, contudo a utilização de documentos aptos a ensejar a imediata
execução, como seria v.g. o instrumento particular assinado por duas
testemunhas, que é título executivo a teor do artigo 585, inc. II, do CPC. Com
efeito, neste caso, ante a possibilidade de imediato ingresso da execução,
feneceria interesse ao autor em manejar o processo monitório. Mas pergunta-se:
a ideneidade do documento é aferível in
limine
para a admissão do processo monitório. A questão não demanda uma
resposta baseada em um simples sim ou não. Isto porque , se por um lado não
podemos afirmar que se possa fazer um juízo prévio acerca do conteúdo da prova
escrita, coisa reservada á discussão do embargos monitórios, por outro
certamente a prova terá de possuir suficientes elementos a ensejar a emissão de
um mandado de pagamento. Logo, a priori,
a prova escrita há de ser apta ensejar prova quanto ao devedor, ao quantum debendi às condições da dívida.

Tal conclusão se dessume do fato de que o mandado monitório já
representa execução, devendo , por isto mesmo, possuir elementos mínimos
necessários a atividade executiva. Sobre eles deve haver prova escrita. Da
mesma forma, deve o juiz reprimir atos atentatórios à dignidade da justiça, no
uso dos poderes que lhe confere o artigo 125 do CPC. De outra banda, o artigo
17 do CPC elenca um série de situações caracterizadoras da litigância de má-fé,
e dentre os seus incisos os de números II e III contemplam hipóteses de
alteração da verdade dos fatos e utilização do processo para obtenção de fins
ilícitos. Ninguém duvidará que a tentativa de buscar-se pagamento de dívida
inexistente enquadra-se nestes preceptivos. Sendo a matéria de ordem pública,
como é, é certo que o magistrado deverá atuar oficiosamente, como aliás
preconiza o artigo 18. Neste caso, se nos parece que se a prova apresentada se
apresentar  primo ictu oculi inverídica ou por outro lado, se apresentar a
pretensão totalmente descabida, deverá o magistrado repelir a postulação ab initio. Logo, acreditamos que a prova
escrita deve conter elementos minimamente substanciais pena de indeferimento,
pois não pode o magistrado chancelar lides temerárias ou infundadas.

No caput do referido
dispositivo consta limitação quanto à espécie de obrigações que podem ser
exigidas via processo monitório. Limitam-se a prestações de soma em dinheiro,
dar coisa certa fungível ou de determinado bem móvel.  A limitação parece ter origem na
especialidade do processo de execução de determinadas espécies obrigacionais.
Não foi feliz o legislador quanto a estas limitações. Deveras a especialização
do rito monitório não interfere na especialidade executiva das outras espécies
de prestações, como sejam para a entrega de coisa certa infungível ou
obrigações de fazer, que  podem
igualmente ser comprovadas por prova escrita. Não há razão plausível da fato ou
de direito a ensejar a limitação da lege
lata
.

Mas a grande novidade do processo monitório reside na possibilidade de
transformação do processo de conhecimento em processo de execução, o  que se dá pelo não oferecimento dos embargos
ou pela sua rejeição. Nestas hipóteses, o mandado monitório converte-se, incontinenti, em mandado executivo,
passando a aplicar-se, doravante, o Livro II, Título II, Capítulo II e IV do
CPC. Conclui-se que teremos diante de nós uma execução, onde só haverá
possibilidade de eventuais embargos dentro do disciplinado no artigo 741 do
CPC, haja vista o título promanar agora de decisão judical.

Os embargos monitórios constituem figura sem par no ordenamento. Não
podem ser qualificados como embargos de devedor ou de terceiro, posto que
inexiste, ainda, a rigor execução aparelhada. Por outro lado, também não se
podem dizer equivalentes suas feições exatamente as da contestação do processo
de conhecimento, pois opõe-se a um mandado de pagamento. No entanto, é inegável
que apresentam os embargos a forma de uma resposta do réu. Os embargos
monitórios, saliente-se, ao contrário dos embargos do devedor e de terceiro,
prescindem de segurança do juízo.

Aplicam-se tanto à inicial monitória quanto aos embargos, evidentemente,
toda a disciplina concernente aos pressupostos processuais e condições da ação,
bem como as conseqüências da ausência destes requisitos. Mas uma vez cumprido o
mandado monitório, exime-se o réu de pagamento de custas e honorários
advocatícios.    

3- Execução contra a Fazenda
Pública.

É da tradição de nosso direito a deferência de certos favores à
Fazenda Pública na sua atividade em juízo. É pensar-se nos prazos aumentados do
artigo 188 do CPC, por exemplo. No que tange ao processo de execução, a disciplina
do processo executivo movido frente à Fazenda Pública discrepa em muito do que
ocorre com partes privadas. Insta acentuar, em especial, a submissão do rito
executivo contra a fazenda pública à necessidade  de expedição de precatório. Ademais, a Fazenda
Pública, conforme prevê o artigo 730 do CPC é sempre citada para opor embargos.
Significa dizer que os precatórios não podem ser expedidos sem prévia citação
da Fazenda. Somente se não opostos embargos ou se rejeitados é que terá vez a
expedição de precatórios. Todos os precatórios emitidos até primeiro de julho
deverão ter previsão orçamentária garantida o exercício seguinte. Os
precatórios são expedidos por  ordem do
Presidente do Tribunal ao qual está afeito o juízo de primeiro grau, através de
ofício veiculando pedido do juízo a quo.

Os débitos serão pagos de acordo com a ordem cronológica de
apresentação dos respectivos precatórios, sendo defeso pagamento fora desta
ordem , o que pode dar margem a té ao seqüestro das quantias. Excepcionam-se
desta regra somente as verbas alimentares. Quanto a estas, é controvertida a
necessidade de expedição e precatórios. Uma corrente de pensamento preconiza a
desnecessidade de precatórios, bastando simples requisitório. Outra linha,
mantém a necessidade de precatório, ressalvando-se, todavia, a peculiaridade da
verba alimentar no que pertine à exclusão da necessidade de obediência da ordem
cronológica.   

Este seria o óbice maior à utilização do processo monitório contra a
Fazenda.

4- Duplo Grau necessário

Outro óbice de peso a conspirar contra o cabimento do processo
monitório contra  a Fazenda Pública
reside na necessidade do duplo grau de jurisdição necessário imposto às
sentenças proferidas contra a Fazenda por força do artigo 475, inc. II, do CPC.
O instituto do duplo grau de jurisdição necessário, outrora chamado de recurso ex officio, é um instituto sui generis, pois de recurso não se
trata[1],
sendo uma medida oriunda de uma praxe distante do direito luso-brasileiros[2].De
fato faltam-lhe alguns dos requisitos imprescindíveis dos recursos, como sejam
a tipicidade ( não consta do rol do artigo 496, onde constam os recursos
codificados);a voluntariedade, pois é obrigatório; a dialeticidade, pois as
partes não se manifestam; a legitimidade e o interesse porque o magistrado não
é legitimado ( art. 499) nem sucumbente; o preparo, que é regra com exceções no
que tange aos recurso em geral;  e a
tempestividade, requisito presente em todos os recursos.[3]
Assim sendo, mais correta é a doutrina que vê na remessa ex officio uma condição suspensiva da eficácia da sentença.

A par desta controvérsia, surge a questão da incompatibilidade da
conversão do mandado monitório em mandado executivo ante a necessidade de
apreciação pelo Tribunal ad quem no
que tange à sentença proferida no julgamento dos embargos monitórios. Além
disso, a não oposição dos embargos monitórios implicaria a conversão imediata,
sem passar pelo crivo do reexame necessário. A formação de título executivo
judicial. Esta é uma questão que terá de ser desenvolvida nos tópicos
seguintes.       

5- Processo Monitório e Fazenda
Pública

É controvertida a possibilidade de utilização do
processo monitório contra a Fazenda, divergindo a doutrina e a jurisprudência
em uma divisão ainda muito paritária. Pela negativa na doutrina, coligem-se as
opiniões de Ernane Fidelis dos Santos: “Ao se omitir na apresentação de
embargos, o devedor provoca a criação de títulos, o que equivale dizer que tal
ato tem efeitos análogos ao reconhecimento do pedido no processo de conhecimento.
Em conseqüência, pessoas jurídicas de direito público, cujos representantes não
tenham poder de transacionar, não podem figurar no pólo passivo da relação
processual no procedimento monitório, devendo-se dizer o mesmo com relação aos
incapazes não autorizados”[4]

Da mesma forma, se posiciona Humberto Theodoro
Júnior, cuja lição é a que segue:”… em face das características de nosso
regime de execução contra a Fazenda Publica, que pressupõe precatório com base
em sentença condenatória (CF, art. 100), o que não existiria, no caso de ação
monitória não embargada. Além do mais, a Fazenda Pública tem a garantia do
duplo grau de jurisdição obrigatório, a ser aplicado em qualquer sentença que
lhe seja adversa (CPC, art. 475, inc. II) e a revelia não produz contra ela o
efeito de confissão aplicável ao comum dos demandados (CPC., art. 320, inc.
II). Com todos estes mecanismos de tutela processual conferidos ao Poder
Público quando demandado em juízo de acertamento, torna-se realmente inviável,
entre nós, a aplicação de ação monitória contra a Administração Publica. Seu
único efeito, diante da impossibilidade de penhora sobre o patrimônio público,
seria a de dispensar o processo de conhecimento para reconhecer-se por
preclusão o direito do autor, independentemente de sentença.

Acontece que a Fazenda Pública não se sujeita a
precatório sem previa sentença, e contra ela não prevalece a confissão ficta
deduzida da revelia. Assim, nada se aproveitaria do procedimento monitório, na
espécie. Forçosamente, o processo teria de prosseguir, de forma ordinária, até
a sentença de condenação. Além disso, e o que é mais importante, a citação no
procedimento monitório é uma ordem de pagamento e não um chamado para se
defender, o que é incompatível com o tipo de ação cabível contra o poder
público, em face de quem a exigência de pagamento só e possível dentro do
mecanismo do precatório.”[5]
  

Na jurisprudência, encontramos julgados esposando
esta tese, alguns dos quais se transcrevem a título exemplificativo:

“AÇÃO MONITÓRIA CONTRA O MUNICÍPIO.
IMPOSSIBILIDADE DE TRANSAÇÃO POR PARTE DO REPRESENTANTE. Direito indisponível.
Carência de ação decretada. confirmação da sentença por outro fundamento. –
apelação cível nº 98.798/2 – relator: exmo. sr. des. rubens xavier
ferreira”.

“AÇÃO MONITÓRIA. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.
IMPROPRIEDADE. A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NÃO PODE FIGURAR NO PÓLO PASSIVO DAS
AÇÕES MONITÓRIAS POR SER JURIDICAMENTE IMPOSSÍVEL. ASSIM É DE SER CONSIDERADA
IMPRÓPRIA A VIA ELEITA DO PROCEDIMENTO MONITÓRIO PARA SE COBRAR CRÉDITO DE MUNICÍPIO”.
TJMG – 5ª Câmara Cível Apelação Cível n. 79.274-8 –  Relator: Des. Pinheiro Lago.”Não se
aperfeiçoa a Ação Monitória contra o Poder Público, tendo em vista que a
citação, neste procedimento, tem como finalidade uma ordem de pagamento ao
invés de um chamado para se defender. Ademais, possuindo a Fazenda Pública
direito a execução especial, inaplicáveis as normas previstas para as execuções
comuns, porque vedada a penhora, a avaliação e o respectivo praceamento de seus
bens, ante a subsunção do pagamento ao precatório, “ex vi” do art.
100 da CF, sendo adequada, por isso, a extinção do processo sem julgamento do
mérito a teor do art. 267, VI do CPC”. (TJ-AC- Ac. 773 da Câm. Civ. julg.
em 26.5.97 – Ap. 97.000074 – 0 Capital – Relatora – Desa. Eva Evangelista – in
ADCOAS 155468).

“AÇÃO MONITÓRIA – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA –
IMPROPRIEDADE. A Administração Pública não pode figurar no pólo passivo das
ações monitórias, por ser juridicamente impossível. Assim, é de ser considerada
imprópria a via eleita do procedimento monitório para se cobrar crédito de
Município” (TJMG – Ap. Cível nº 91.810-2 – Comarca de Matozinhos, Rel.
Des. Abreu Leite, publ. no MG de 21.11.97).

Ante o exposto, em reexame necessário, reformo a
sentença, julgando extinto o processo, sem julgamento de mérito, pela
inadequação do meio utilizado, “ex vi” do art. 267, VI, do CPC,
restando prejudicado o recurso voluntário. Custas, de lei. (108.499/5 – DES.
RELATOR: ALUÍZIO QUINTÃO -25.06.1998 – 5 ª C. CÍVEL)”

Nelson
Nery Júnior fica em posição intermediária, conforme se verifica no seguinte
trecho: ” A ação monitória pode ser dirigida, em tese, contra A Fazenda
pública ( entrega de coisa certa ou incerta, com as limitações impostas pela CF
100 e CPC 730 ss. Isto é possível quando não se tratar de execução por quantia
certa, vale dizer, é cabível o procedimento monitório contra a Fazenda Pública
quando o objeto do pedido for entrega de coisa certa ou incerta, por
exemplo”[6]

Nós,
de nossa parte, não vemos a tão propalada incompatibilidade entre o processo
monitório e a especialidade procedimental deferida á Fazenda Pública.  A tanto somos levados a concluir observando
a  natureza procedimental do processo
monitório. Sob esta ótica, a ação monitória apresenta-se como um processo
através do qual se abrevia a necessidade de ajuizamento de uma execução
aparelhada, o que daria margem a uma nova relação processual. Observado este
aspecto, não existe objeção no que concerne ao duplo grau obrigatório e a
necessidade de expedição de precatório.

Quanto
ao primeiro aspecto, basta remeter ao Tribunal a decisão proferida nos embargos
monitórios, mesmo porque as partes podem interpor apelação desta decisão. Caso
não opostos embargos, que ensejaria a conversão do procedimento em procedimento
executivo, nesta caso basta submeter ao Tribunal a decisão que determina a
conversão. Neste caso, transcorrido in
albis
o prazo para oposição de embargos monitórios, antes de proceder-se a
conversão, os autos seriam submetidos ao magistrado, que profere decisão
determinando a conversão e imediata remessa ao Tribunal para os fins do artigo
475 do CPC. Retornando os autos após o reexame necessário, prossegue o feito
nos termos do artigo 730 do CPC, ou seja 
a Fazenda é citada, ou intimada, para embargar, nos termos do artigo 741
do CPC, prosseguindo-se até a expedição de precatório.

É
bem verdade que a não oposição de embargos pela Fazenda e a conseqüente
formação do título executivo, implicaria a admissão de efeitos da revelia
contra a Fazenda Pública, o que contraria o artigo 320 ,inc. II, do CPC, assim
como o artigo 302 do mesmo Estatuto, que afastam estes efeitos quando se tratar
de direitos indisponíveis. Certamente sempre que a Fazenda esta em juízo estão
em jogo direitos indisponíveis, pois a res
públicae
é coisa indisponível. Esta dificuldade é transposta na medida em
que atentamos que a lei posterior pode revogar a lex priori. Se a lei codificada possui o rito do processo
monitório, a priori temos de buscar
compatibilizar os procedimentos destinados à Fazenda com a nova disciplina,
ainda que isto implique derrogações.

Ademais,
os referidos artigos sofreriam exceção no caso do processo monitório, o que é
perfeitamente possível, pois não ofensa a nemhum cânone constitucional. 

É
certo que os favores conferidos à Fazenda são necessários. Qualquer um que
tenha acompanhado o trabalho da AGU ou das procuradorias estaduais e municipais
sabe que o volume de trabalho, em função do reduzido número de pessoal e do
aumento avassalador de demandas envolvendo o Estado, a não existência de especialização
procedimental tornaria a impossível a atividade de representação judicial do
Estado. No entanto, desde que não seja atingida 
a substância destes favores, nada obsta a adoção de um novo
procedimento. É preciso que estejamos atentos às novas necessidades do processo
e se elas apontam para uma simplificação, o que ocorre dentre outros casos, no
processo monitório, não há porque não adotá-las.

No
caso do processo monitório contra a Fazenda, bastará inserir a fase de reexame
necessário entre a sentença de julgamento dos embargos monitórios, ou, ante a
usa não interposição, entre a decisão que determina a conversão do procedimento
e sua remessa ao Tribunal, e o processo de execução. Neste último, segue-se o
procedimento das execuções contra a fazenda, previsto no artigo 730 do CPC e
artigo 100 da Constituição Federal. A vantagem residirá na desnecessidade de
propositura de uma nova ação, de execução, pois proceder-se-á á conversão do
processo de conhecimento em processo de execução, ou melhor seria dizer, haverá
a passagem de fases, da cognitiva para a executiva. A peculiaridade residiria
na existência de uma apreciação intermediária pelo Tribunal, confirmando ou não
a conversão ante o julgamento de improcedência dos embargos monitórios ou ante
a sua não interposição.

A
alternativa à admissão do processo monotório contra Fazenda Pública é
diametralmente oposta aos princípios que norteiam a atividade jurisdicional do
Estado Social. Realmente, não havendo possibilidade de ajuizamento da
monitória, restará a via da execução ou da ação condenatória, caso inexista
título hábil. Se a monitória é concebível em dado caso, certamente não há
espaço para cogitarmos de execução, até mesmo porque feneceria interesse
processual ao autor em ingressar com processo monitório tendo em mão título
hábil para a execução aparelhada. Resta, portanto, a via da ação de
conhecimento e posterior ajuizamento da competente execução. Isto representará,
sem dúvida, uma inaceitável perda de tempo e recursos, não só da parte como do próprio
Estrado. Duplicar-se-ão os processos, advindo, desta circunstância, duplicidade
de custas, necessidade de nova citação do executado a ser feita após uma,
quiçá, demorada fase de distribuição dentre outros aspectos negativos.

Por
outro lado, o tempo ganho pelo devedor,
in casu
, o Estado, repercute negativamente sobre a função jurisdicional na
qual o Estado tem o maior interesse que bem cumpra seu desiderato
constitucional, havendo, também, carreados sobre o erário público os ônus da
demora da prestação jurisdicional, como juros e correção monetária, cuja
incidência, poderá, dependendo do caso concreto, até ser mais onerosa do que o
pagamento imediato. Há, ademais, que se coibir o mau vezo, que corre solto pela
Administração Pública em nosso país, de se deixar dívidas para surtirem efeitos
devastadores nas mãos dos sucessores do Poder, com finalidade até mesmo
eleitoral.

Ante
estas considerações, não parece justo, no atual momento do processo civil
brasileiro, inadmitir o processo monitório contra a Fazenda Pública por uma
mera resistência em adaptar o procedimento. O processo é instrumento, e como
tal deve ser tratado. É certo que não se pode prescindir de observância de um
mínimo de formalidade, pois estas são intrínsecas à noção de processo. No entanto
a medida das formalidade deve ser sopesadas em face das garantias
constitucionais que visam assegurar. A forma, e mais precisamente a rigidez na
forma, só têm sentido quando estribadas na função de garantia de direitos
constitucionais. Ora, se a atual compostura do processo civil, arrimada nos
vetores constitucionais do Estado Social de Direito, em especial no artigo 5º,
inc. XXXV, da Constituição Federal de 1988, aponta para a necessária
celerização e simplificação da tutela jurisdicional, não se pode alvitrar que
pelo simples fato de Estar a Fazenda em um dos pólos se tenha de pensar
diferente. Desde que a aplicação de um determinado instituto não comprometa as
necessárias garantias outorgadas aos entes públicos quando em juízo, não há
porque deixar de aplicá-lo. Para tanto, o intérprete aplicador deve buscar a
melhor exegese dos dispositivos, almejando, quanto possível, uma exegese que
torne composíveis os dispositivos em aparente contradição, pois o ordenamento é
um sistema.

Concluímos,
à luz do quanto exposto, pelo cabimento do processo monitório contra a
Fazenda  Pública, efetuadas as devidas
adaptações, sendo tal medida a mais consentânea com os ditames do atual  momento do processo civil brasileiro. 

 

Bibliografia

NERY JÚNIOR, NELSON; Código de Processo Civil Comentado e legislação
processual civil em vigor. 3ª ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1997.

SILVA, OVÍDIO BAPTISTA DA; Curso de Processo Civil, Sérgio Antônio Fabris, 3ª
ed. 1996, v. I.

SANTOS. ERNANE FIDÉLIS; Novos Perfis do Processo Civil Brasileiro, Del
Rey Editora, 1996.

THEODORO JÚNIOR, HUMBERTO, Curso de Direito Processual Civil, Vol. III, Ed.
Forense, 14a edição, 1996.

Notas:

[1] Segundo Ovídio Baptista da
Silva, Curso de Processo Civil, Sérgio Antônio Fabris, 3ª ed. 1996, v. I p.
407: ” O caráter não recursal do reexame necessário é evidente. Basta
observar que o pretenso recorrente é o próprio prolator da sentença que, como
tal, jamais poderia ser considerado sucumbente e nem se poderia imaginar que o
próprio juiz, ao submeter sua sentença ao crivo da instância superior, tivesse
interesse em vê-la reformada, como todo recorrente deve ter”.

[2] A respeito assertoa Nelson
Nery Júnior, Teoria Geral dos Recursos- Princípios Fundamentais, RT, 4ª ed.
1997, p. 54  que:” A justificação
histórica do aparecimento da remessa obrigatória se encontra noa amplos poderes
que tinha o magistrado no direito intermediário, quando da vigência do processo
inquisitório. O direito lusitano criou, então, a ‘apelação ex officio’, para atuar como sistema de freio aqueles poderes quase
onipotentes do juiz inquisitorial. Esta criação veio com a Lei de 12.03.1355,
cujo texto foi depois incorporado às Ordenações Afonsinas, Livro V, Título LIX,
11, subsistindo nas codificações portuguesas posteriores ( Ordenações Manuelinas,
V, XLII, 3; Ordenações Filipinas, V, CXXII)”

[3] Idem ibidem, p. 55.

[4] Novos Perfis do Processo
Civil Brasileiro, Del Rey Editora, 1.996, pag. 47

[5] Curso de Direito Processual
Civil, Vol. III, Ed. Forense, 14a edição, 1996, pags. 379/380

[6] Código de Processo Civil
Comentado e legislação processual civil em vigor. 3ª ed. São Paulo: Ed. Revista
dos Tribunais, 1997.nota 7 ao artigo 1101a, p. 1033


Informações Sobre o Autor

Marcelo Colombelli Mezzomo

Juiz de Direito Substituto, atuando na 2ª Vara Cível e Anexo da Fazenda Pública de Erechim-RS


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