Resumo:
Trabalho que aborda a temática da efetividade da tutela executiva á luz da
possibilidade de antecipação de tutela no processo de execução, coma finalidade
de suspender o efeito suspensivo dos embargos.
Sumário: 1- A
Concepção das Tutelas Jurisdicionais nos Sistemas Romano-canônicos. 2- A
Jurisdição Romana. 3- A Visão do Racionalismo Iluminista e a manutenção do
paradigma da tutela cognitiva. 4- A Antecipação dos Efeitos da Tutela. 5- O
Processo de Execução e os Embargos do Devedor. 6- Os Limites objetivos e
subjetivos da Antecipação de Efeitos da Tutela. 7- Antecipação dos Efeitos da
Tutela no Processo de Execução 8- Onde requerer a Antecipação Executiva. 9-
Limites à antecipação no processo executivo.10 Conclusões. 11- Bibliografia
1- A Concepção das Tutelas
Jurisdicionais nos Sistemas Romano-canônicos.
A uma primeira vista, certamente causará estranheza ao leitor a
invocação da possibilidade de antecipação de tutela no processo de execução. A
razão de tal surpresa prende-se a uma circunstância que muitas vezes passa
despercebida, e que deita raízes em tempos ancestrais do Direito, mais
precisamente no Direito romano.
Já procedemos, nos tópicos anteriores, a uma análise da evolução do
direito processual nos últimos duzentos anos. Insta, agora, que façamos uma
digressão acerca da ordinarização da tutela jurisdicional, e de sua feição
eminentemente cognitiva.
Partindo desta premissa, temos condições de conhecer as condicionantes
que nos levam a raciocinar com uma jurisdição sempre de feição cognitiva. Neste
ponto, quem melhor apreendeu as origens da ordinarização da jurisdição foi
Ovídio Baptista da Silva em sua obra intitulada ” Jurisdição e Execução na
Tradição romano-canônica. As linhas a seguir baseiam-se me seu pensamento
exposto nesta obra, que reputo uma premissa indispensável para rompermos com os
grilhões que nos prendem a um pensamento que concebe uma jurisdição
eminentemente cognitiva e de feição declaratória.
Destarte, somos levados a conceber os principais institutos do
processo á luz de um processo fulcrado em dogmas que invariavelmente nos
condicionam. Somente uma visão histórico-evolutiva que nos dilucide as origens
da estrutura da jurisdição romano-canõnica nos permitirá olhar o sistema ”
de fora”, sem pré-concepções
estanques.
2- A Jurisdição Romana
A concepção que hoje temos da função jurisdicional tem raízes
profundas no Direito Romano, e dele herdou uma visão privatista. A proteção dos
direitos em Roma era feita através de dois institutos, quais sejam, a actio e
os interdicta. A actio é que possui a feição do que hoje conhecemos por
processo cognitivo ordinário, marcada pela função eminentemente declaratória.
Os interdicta, de seu turno,
aproximam-se da tutela interdital, presente como exceção em nosso processo. À
base desta dicotomia está a contraposição da jurisdictio e do imperium,
não se permitindo que o ordenar, que as atividades eminentemente executivas,
estejam presentes no conceito de jurisdição. [1]
À base da jurisdictio está a
actio, intimamente relacionada com a obligacio e distante da vindicatio[2]. A
supressão da tutela interdital se dá pelo alargamento do conceito de obligatio, decorrente de ” uma
notória adulteração dos textos das Instituições de Gaio” [3],
fazzendo com que a litiscontestatio
transforma-se a vindicatio em obligatio[4],
que de seu turno, não comporta outra coisa senão a execução obrigacional,
significa dizer, patrimonial. Começa a se observar a supressão das tutelas
interditais, o que redundará na concepção de uma tutela jurisdicional infensa a
considerar a atividade executiva tutela jurisdicional.
O período Bizantino será marcado pela influência do cristianismo na
interpretação dos textos romanos, imprimindo transformações na feição dos
institutos[5]. E
desta atmosfera que surge a base do processo medieval, que é o substrato da
investigações modernas do processo[6].
3- A Visão do Racionalismo
Iluminista e a manutenção do paradigma da tutela cognitiva
O quadro vivenciado a partir da implantação do racionalismo iluminista
só irá contribuir para a consolidação de uma tutela eminentemente executiva e
declaratória, através de um juiz imparcial e distante e da busca incessante de
segurança jurídica e da busca contínua de segurança jurídica.
O discurso jurídico produzido com base no paradigma epistemiológico da
filosofia da consciência implanta um método de pensamento condicionado a
reproduzir a sistemática vigente. Os mestres do processo da época voltar-se-ão
a construir a independência dogmática do processo à luz de postulados
absenteístas e voltados ao atomismo das relações privadas.
A tentativa de manutenção e consolidação do “stablishment”
sócio-cultural, alicercado na matriz econômica do capitalismo repudiou uma
compreensão ampla da jurisdição, e nem mesmo o advento das constituições
sociais do início do século XIX teve o condão de alterar este quadro.
É esta visão processual, centrada no indivíduo e na problemática da
ação, que ainda hoje nos veda a compreensão da função jurisdicional como uma
atividade voltada a propiciar ao Estado a interferência nos domínios sociais e
econômicos e que impede de concebermos as tutelas cautelar e executiva como
importantes instrumentos a serem manejados pelo legislador.
Somente com a ruptura deste paradigma individualista, que dá vida a um
pensamento de reprodução continua de um discurso jurídico fechado em si mesmo,
e que busca mascarar sua insuficiências é que conseguiremos conceber um
processo antes de resultados do que de introspecção.
Temos de romper com a pretensa racionalidade neutralista e com os
grilhões dogmáticos que nos prendem a uma forma de produção do Direito distante
das realidades. Sem esta virada de perspectiva, não poderemos conceber a tutela
jurisdicional como um fenômeno multifacetário e moldável à realidade às
necessidades humanas.
Não basta ” dizer” de forma célere e eficaz o direito, é preciso
atuá-lo, mas como compreender esta necessidade de atuação prática se falamos no
processo apenas como método de composição da lide.
Obviamente só tem sentido o nosso questionamento pela existência de
uma clara distinção entre as formas de tutela jurisdicional: conhecimento,
cautela e execução. Caso houvesse uma identidade entre estas formas, óbice
algum haveria em se alvitrar a aplicação irrestrita dos institutos
procedimentais de uma em
outra. Mas não é o que ocorre nos sistemas de tradição
romano- canônica, ou romano- germânica, onde é correntia a separação rigorosa
entre as três funções jurisdicionais, ao menos no que concerne ao campo
dogmático, pois que, na prática, nem sempre se vislumbra com clareza esta
separação.
Como se pode inferir da etimologia, a jurisdição sempre teve por base
o acertamento do direito ( jus e dicere), leia-se tutela de conhecimento,
tanto que a tutela cautelar é de recente construção, e a executiva durante
longo período do direito romano, foi atividade privada.
Por isso, é preciso compreendermos que execução também é
jurisdição
4- A Antecipação dos Efeitos da
Tutela.
A ordinarização do processo de conhecimento, repelindo-se, via de
regra, as tutelas sumárias que se baseavam em juízos de verossimilhança,
prestigiando a certeza jurídica e fundamentando-se no binômio processo de
conhecimento-execução forçada, trouxe como conseqüência mais grave a demora no
desfecho dos processos. Em
um Estado de feição Liberal-iluminista isto não só não era um
problema grave, como mesmo era desejado. Sim, porque a segurança jurídica é um
dos fundamentos do modelo liberal. Ocorre, no entanto, que a sociedade evoluiu
vertiginosamente nas últimas décadas e o Estado Democrático Social, que
adotamos por modelo, tem um compromisso com a efetividade da tutela
jurisdicional, pondo em questão o consagrado modelo de rigorosa separação entre
conhecimento e execução, só excetuado em poucos casos.
Mas mesmo sendo um diploma de vanguarda, não logrou inovar o CPC de
1973 em qualquer forma de tutela sumária genérica e inexpecífica, papel este
que ficou reservado para as cautelares satisfativas. As pressões da doutrina
jurídica e da sociedade como um todo seguiram aumentando, principalmente após o
advento da Constituição Federal de 1988, que adotou insofismavelmente um modelo
de Estado Democrático Social, reconhecendo explicitamente uma nova gama de
direitos de cunho coletivo e firmando solene compromisso de efetividade da
tutela jurisdicional ( art. 5º, inc. XXXV). Daí que se tenha iniciado um
processo de reformas do CPC que ainda está em andamento.
Dentre as grandes inovações da reforma processual capiteneada por
Sálvio de Figueiredo Teixeira e Athos Gusmão Carneiro, encontra-se a inserção
do novo texto do artigo 273 e do artigo 461 do CPC, permitindo-se a antecipação
dos efeitos da tutela pretendida. Tal medida representa uma ruptura com
ancestrais compromissos com a ordinariedade do procedimento, concebendo a
possibilidade de inclusão de providências executivas no bojo de qualquer ação
de conhecimento, o que só era possível em alguns raros casos, como ocorria na
possessórias e no mandado de segurança.
Ao contrário do processo cautelar, que pressupõe segurança para a
execução, a antecipação de tutela é execução para a segurança[7].
Começa a diferenciar-se do processo cautelar na medida em que o que se adiantam
no tempo e no iter procedimental são efeitos de uma provável sentença de mérito
do próprio processo dentro do qual a antecipação foi proferida[8].
As cautelares, de seu turno, salvante raras exceções que discrepam da
sistemática ortodoxa, consistem em providências que não possuem o mesmo
conteúdo de uma eventual sentença do processo acautelado. Somente a liminar
cautelar, prevista no artigo 804 do CPC, é que representa uma antecipação de
tutela, mas da tutela cautelar, não do processo dito principal, que é
acautelado. A liminar cautelar, no entanto, está condicionada a pressupostos
diferentes do antecipação de tutela, pois a liminar cautelar atrela-se à
possibilidade de que a citação possa
tornar ineficaz o provimento cautelar[9].
Neste sentido, a liminar cautelar está para o processo cautelar assim
como a antecipação de tutela do artigo 273 do CPC está para o processo de
conhecimento. Para Ovídio Baptista da Silva, as cautelares estão mais voltadas
ao perigo de “damnum
irreparabile” do que para o verdadeiro “periculum in mora”, este último presente dá margem a
antecipações da tutela[10].
O primeiro, ao contrário, na visão do processualista gaúcho, que reconhece um
direito material de cautela, é que seria a mola mestra da cautelaridade, pois
historicamente o periculum in mora
estaria ligado à execução provisória desde as fontes do direito comum italiano.
Logo, na medida em que a liminar cautelar visa antecipar efeitos do processo
cautelar[11],
cumpre função assemelhada à antecipação de efeitos da tutela, mas sem a
natureza satisfativa desta pois é segurança dentro da segurança.
Da mesma forma, diferenciam-se as espécies em questão pelo fato de que
a tutela cautelar pode ser prestada de officio,
ex artigo 798 do CPC ao passo que a
antecipação de efeitos da tutela requer pedido da parte, conforme preconiza o
artigo 273, caput, do CPC. Tendo em linha de conta a doutrina de Calamandrei,
que concebe o processo cautelar como um resguardo da eficácia do processo e não
do direito da parte, ou seja, como uma tutela antes da relação de direito
público do que da res in juditio deducta
diretamente, não é de se espantar que as medidas cautelares estejam amplamente
franqueadas ao juiz, enquanto as medias antecipatórias sejam carecedoras de
expresso pedido.
O artigo 798 do CPC, ao consagrar o poder geral de cautela, permite ao
juiz valer-se de amplos poderes para decretar medidas provisórias que julgar
adequadas, como diz o próprio dispositivo. Surge então uma questão: Como fica o
poder geral de cautela dentro das funções jurisdicionais e, em relação ao
processo de conhecimento, frente a antecipação de tutela?
Primeiramente, se nos parece que o dispositivo sub examine “minus dixit
quam voluit“. A seguir-se o que consta do artigo 798 ao pé da letra,
teríamos que as medidas provisionais seriam exclusividade do processo de
conhecimento, pois ali se fala que a medida será tomada quando ” houver
fundado receio de que uma parte, antes do
julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil
reparação”. ( grifo nosso). Ora, a referência a ” antes do julgamento
da lide” implica excluir o processo de execução, e seria possível
sustentar, como se sustenta, que a lide referida é somente uma lide diversa do
próprio processo de cautelar, ou seja, tratar-se-ia de um processo de
conhecimento.
Não nos parece, contudo, seja esta a melhor exegese do dispositivo. É
bem verdade que uma norma que prevê atuação oficiosa do magistrado é, frente à
sistemática de nosso direito e à tradição privatista que a marca, uma exceção.
Para tanto, basta verificarmos o disposto no artigo 2º do CPC, emblemático na
questão ao consagrar o princípio da demanda, escudado na parêmia ” nemo iudex sine actore”. Segundo
a verba do artigo 2º, ” nenhum juiz prestará tutela jurisdicional senão quando a parte ou
o interessado a requerer, nos casos e formas legais”. As exceções a este
princípio são raríssimas em nosso direito, exemplificando-se o artigo 989 do
CPC, referente à abertura determinada ex
officio pelo magistrado de inventário. Como norma de exceção, o artigo 798
necessitaria de uma interpretação restrita, como preconizam, de resto, as mais
comezinhas regras da hermenêutica.
Porém, hodiernamente sabemos que a lei deve sempre cumprir uma
finalidade, ganhando corpo a interpretação teleológica como o método superior
de exegese. Há que considerar, ainda a interpretação sistemática, fazendo-se
analisar a norma sempre à luz do contexto jurídico e, em especial, frente ao
conjunto de princípios em
voga. Nesta ordem de idéias, atentos para o fato de que o
princípio basilar da atividade jurisdicional é hoje a efetividade, não podemos
concordar em render aplausos a uma interpretação restritiva do dispositivo em
apreço, que só está a demonstrar quão grande foi o desleixo do legislador com a
tutela executiva e com a própria tutela cautelar.
Diríamos nós que há até uma certa contradição na doutrina do CPC.
Destarte, a partir do ponto em que se concebe a tutela cautelar sob as bases do
pensamento de Calamandrei, ou seja, como proteção à eficácia do processo, negar
a possibilidade de atuação do poder geral de cautela no processo de execução e
mesmo no próprio processo cautelar implica dizer ou que estes processo não tem
eficácia processual a ser resguardada ou, no mínimo, dizer que a eficácia de
que disponham é de ” segunda classe”, não merecendo guarida do
Direito.
Mas ninguém em sã consciência dirá que os processos executivos e
cautelares não disponham de uma eficácia tão importante e jurídica quanto as
vislumbráveis no processo de conhecimento, e, portanto, carecedoras do mesmo
prestígio e proteção. A conclusão diferente não chegaremos se tivermos em mente
um direito material de cautela, segundo o qual o processo cautelar prestar-se-ia
a proteção de direitos e não só da eficácia de uma ação principal. Neste caso,
ao negarmos aplicação do poder geral de cautela no processo de execução e no
próprio processo cautelar, estaríamos afirmando que a espécie de direto
veiculada nestes processos seria igualmente menos prestigiosa, e em alguns
casos chegaríamos a valorizar menos o direito acertado após cognição exauriente
do que em sua feição potencial, já que a medida provisional poderia ser
deferida no processo de conhecimento, inclusive initio litis, e não no processo de execução.
Nem se diga que existem medidas específicas na execução ( v.g,
arresto, seqüestro) e que na cautela seria inviável uma proteção oficiosa por
já ser ela uma cautela. Medidas específicas de cunho cautelar existem igualmente
para a proteção do processo de conhecimento e nem por isto se nega a
possibilidade de medidas provisórias no seu transcurso. Por outro lado, o fato
de o processo cautelar veicular uma pretensão de segurança de outro processo não atinge a jurisdicionalidade
das atividades operadas sem eu bojo, requerendo o mesmo zelo por parte do
Estado Juiz. Ademais, seguindo-se o escólio de que a cautela visa à proteção do
processo e não do direito subjacente, não poderíamos confundir a proteção à
eficácia do processo cautelar, prestada através da medida provisória do artigo
798 do CPC, com a proteção que o processo cautelar em questão presta ao
processo dito principal. Logo, acreditamos que é possível, inobstante a dicção
do artigo 798 a
utilização do poder geral de cautela no bojo dos processo de execução e mesmo
no cautelar.
Quanto ao cotejo entre o poder geral de cautela e a antecipação de
efeitos da tutela, se nos parece que se antes se permitia a utilização do poder
geral de cautela para decretar medias até mesmo de cunho satisfativo, hoje isto
não mais é lícito, pena de tornar letra morta o artigo 273, caput, do CPC, que
condiciona o deferimento de tais medidas a pedido expresso da parte.
A antecipação de tutela requer também como requisitos uma prova
inequívoca e o perigo de danos irreparável ou de difícil reparação através de
” fundado receio”, além de abuso do direito de defesa. Há certos reparos de menor monta a serem
feitos na redação do artigo 273. Com efeito, o caput do dispositivo diz que o
juiz poderá conceder a antecipação dos efeitos da tutela se presente prova
inequívoca se convença da verossimilhança “da alegação” e haja
fundado receio de dano ( inc.I) ou manifesto propósito protelatório na defesa a
ser apresnetada ( imc.II). Deveria ter especificado a qual alegação se refere o
caput, pois alegação também é feita nos casos do inciso I e II.[12]
Fala-se em prova inequívoca e verossimilhança. Não haveria uma
incongruência entre prova inequívoca e verossimilhança eis que de prova
inequívoca resultaria, em tese, juízo de certeza e não de mera verossimilhança?
Realmente a existência de prova inequívoca induz certeza e não mera
plausibilidade que é própria dos juízos sumários. Mas há uma forma de
compatibilizarmos estes elementos. Conforme já tratamos em outro oportunidade,
o juízo permanece de verossimilhança, porque ou não foi concedido o
contraditório prévio, ou se o foi, a cognição não foi aprofundada a ponto de
dar ensanchas a um juízo de certeza[13].
Como se vê, existem situações em que o direito alegado é verificável primu ictu oculi, o que daria margem a
que, ainda que em sede de sumaria
cognitio, se pudesse dizer desde já existente o direito pleiteado. No
entanto, o juízo de certeza jurídica em nosso ordenamento processual, fiel às
premissas romano-canônicas, só é admissível após uma cognição exauriente. A
alegação a que se refere o dispositivo em questão só pode ser a alegação
referente ao direito afirmado, ou seja, a prova inequívoca refere-se ao direito
de que se diz titular e do qual alguns efeitos se pretende adiantar.
Portanto o juízo de verossimilhança referido no artigo 273 é, na
prática, um juízo de certeza. No entanto, sua configuração jurídica não
possibilita que se o trate como um juízo apto a ensejar uma sentença meritória
final, exatamente pela extensão reduzida do contraditório. Esta, a nosso ver, a
única possibilidade de conciliarmos as noções de prova inequívoca e de
verossimilhança, que, a rigor se repelem, porque prova inequívoca, em regra
permite um juízo mais substancial do que a mera verossimilhança.
Mas não basta a prova inequívoca a materializar o juízo de
verossimilhança. É necessária presença de dano irreparável ou de difícil
reparação ou ainda o abuso do direito de defesa ou manifesto propósito
protelatório. A presença de dano irreparável ou de difícil reparação é uma
situação extra-processo e a permissibilidade de invocação de antecipação de
efeitos da tutela visa, em tal caso, resguardar o próprio direito. Na noção de
difícil reparação devemos ter em mente o custo de restabelecimento do status quo anterior, ou mesmo a
secundariedade da transformação em perdas e danos da prestação devida ou do
direito violado. A esta conclusão chegamos tendo em vista que no moderno
processo se busca a tutela específica, dentro dos postulados de Chiovenda,
segundo o qual o processo deve dar ao litigante tudo aquilo a que teria direito
se não houvesse necessidade de valer-se do processo, o que aliás é óbvio,
porque se o processo sempre representar uma redução do direito que por ele se busca, então o processo seria
estímulo ao inadimplemento, traindo a sua função primordial.
Outro requisito que pode ser invocado é o abuso do direito de defesa
ou o manifesto propósito protelatório. Trata-se de um requisito alternativo,
porquanto não é necessário que esteja presente concomitantemente com o perigo
de dano irreparável ou de difícil reparação. Cuida-se, portanto, de
desestimular comportamentos protelatórios e infundados do réu que, valendo-se
do procedimento, busca simplesmente dilargar a instância, reduzindo o ganho do
autor ( o tempo sempre é um fator importantíssimo), por mero espírito de
emulação. É sabido como esta prática tem sido correntia, especialmente com o
uso do recurso que possibilita aumentar a duração do processo geralmente em
muitos meses. Nosso processo, como estava estruturado anteriormente à
introdução do artigo 273, permitia que um advogado com bons conhecimentos
técnicos transforma-se a vida da parte contrária em um verdadeiro inferno
processual, ainda que estivesse a defender uma causa sem fundamento algum. Para
tanto bastaria valer-se de aspectos processuais e de sucessivas provocações
recursais, durante o transcurso do processo em primeiro grau através de
agravos, e, após, atacando a sentença e os sucessivos acórdãos, em uma
infindável marcha. Quando inexistia correção monetária, tal expediente
esvaziava por completo o direito do autor vencedor e este aspecto continuou
válido para as obrigações de fazer até a introdução da tutela específica a teor
dos artigos 461 e 644 e 645, também pela reforma de 1994. Nestes casos, ainda
que pudéssemos alvitrar a transformação em perdas e danos, o fato é que a
prestação in natura acabava demorando
um lapso temporal que significava verdadeira vitória prática do derrotado
processual[14].
Na nova sistemática, uma vez verificada a inconsistência notória da
defesa, pode o magistrado, obviamente à instâncias da parte interessada,
deferir a antecipação dos efeitos da tutela
pretendida, evitando que o tempo opere contra o autor que tem razão. O
tempo, como dizia Carnelutti, é um inimigo a quem o magistrado deve dar renhido
e permanente combate[15].
Mas verificada a presença deste requisito, há que se verificar a
presença de um outro pressuposto que podemos denominar de pressuposto ou
requisito negativo. Tal é o que consta do parágrafo segundo do artigo 273,
segundo o qual não se concederá a antecipação dos efeitos da tutela quando não
houver possibilidade de reversão do provimento antecipatório, ou em outras
palavras, não se antecipará efeitos que posam tomar uma feição de
irreversibilidade[16].
Esta seria a inteligência fria da letra da lei, que não é, contudo, um dogma
absoluto. Realmente, é possível concebermos um sem fim de situações em que a
liminar antecipatória tomará um caráter de definitividade e nos quais, no entanto,
não se pode negar a antecipação. Em casos extremados, em que se verifica estar
em jogo um direito de maior envergadura, inegável que entre permitir o seu
perecimento prematuro, tornando inútil um provimento favorável, ou adiantar os
efeitos da tutela, ainda que contra legem,
preferível, frente ao Direito de um Estado Social e aos termos do artigo 5º,
inc. XXXV, da Constituição Federal,
conceder-se antecipação dos efeitos da tutela pretendida. A letra da lei, nos
ensina a boa hermenêutica, não tem valor absoluto, cabendo ao aplicador tornar
o texto legal maleável e moldável à realidade de modo a permitir a consecução
dos objetivos maiores do sistema. Claro que isto é uma situação excepcional,
pois admitir-se que o juiz desborde da aplicação legal em qualquer caso seria o
mesmo que torná-lo legislador, trazendo o risco do governo dos juizes, tão
nefasto quanto o governo dos tiranos, pois subverte a separação de poderes,
mecanismo base da garantia de um Estado de Direito.
Há um critério objetivo para aferirmos a aplicabilidade ou não da
limitação de irreversibilidade do provimento ( rectius= dos efeitos do provimento). Para tanto, cremos de
fundamental importância uma aferição da espécie de direito em jogo. Verificado
que o direito periclitante cuja antecipação se pede antecipação, e que poderá
tomar um caráter de irreversibilidade, é daqueles direitos fundamentais, cujo
rol encontra-se, sobretudo, no artigo 5º da CF/88, em rol não exaustivo,
emende-se, então cede passo a norma processual para permitir a antecipação, sem
que isto signifique extinguir o processo prematuramente, pois que a antecipação
não afasta o prosseguimento do feito até o final.
Aqui abre-se ensejo para a invocação e análise do parágrafo § 5º do
artigo 273 do CPC, que determina a seqüência do processo até o final termo
quando concedida a antecipação. Em tal ordem de idéias, prossegue o processo
até que se ultime em caráter final a tutela visada. No caso tratado no
parágrafo anterior, quando ocorre de a antecipação exaurir o objeto do processo,
como sejam naqueles casos em que os efeitos antecipados coincidem com os
efeitos pretendidos de uma prestação instantânea e irreversível, o
prosseguimento do processo até o final tem por escopo estabelecer a necessidade
ou não de pagamento de perdas e danos que poderão advir em caso de não
confirmação da liminar. Nestes casos não terá aplicação prática o previsto no
artigo 588, inc. III, do CPC, que preconiza o retorno ao prístino status quo e aplicável por força do
parágrafo 3º do artigo 273. Os efeitos antecipados tornam-se irreversíveis e
inatingível o status quo ante, permanecendo
a necessidade de verificar se a tutela final corresponde ao conteúdo da liminar
ou não. O termo do processo é indispensável para esta verificação. Logo,
inaplicável à espécie a extinção do processo por perda do objeto, ainda que
tornados irreversíveis os efeitos antecipados.
A execução das medidas antecipatórias, ou melhor dos efeitos
antecipados seguirá, segundo a dicção do artigo 273, § 3º, o disposto no artigo
588, inc. II e III. Deixou-se de fora o inciso I do retromencionado
dispositivo, que prevê que a execução corre por conta e risco do exeqüente,
devendo este prestar caução obrigando-se a reparar os danos causados ao
executado. Por outro lado a aplicação dos incisos II e III, que determina
limitações ao alcance da medida, que não poderá importar atos de alienação de
bens, retornando ao status quo
anterior caso não confirmada em sentença a liminar concedida. O inciso II, como
visto, não pode ter aplicação rígida pois são comuns os caos em que a
antecipação de tutela só tem efeito prático se os atos antecipadores tiverem um
conteúdo realmente satisfativo, podendo-se alvitrar alienação de bens e mesmo o
levantamento de quantias em caução idônea, presente que esteja um valor da
maior envergadura a requerer uma interpretação abrandada do dispositivo.
As medidas antecipatórias poderão ser revogadas a qualquer tempo em
decisão fundamentada, nos diz o artigo 273, § 4º, do CPC. Mas devemos repelir
uma interpretação literal do dispositivo. Destarte, a possibilidade de
revogação a qualquer tempo não significa conceder ao magistrado
discricionariedade[17],
não podendo ele ad nutum realizar
mutações no que concerne a decisão concessiva ou denegatória anterior. A tanto
o impede o princípio da segurança jurídica, que deve estar presente, sob pena
de uma verdadeira balbúrdia processual.
Significa dizer que quando se concede o direito ao magistrado de mudar
sua decisão, não se está simplesmente lhe conferindo a possibilidade de,
invocando somente sua vontade, alterar decisões judiciais. Há que estar
presente uma mutação no quadro fático ou jurídico, mesmo porque o dispositivo
condiciona a mudança a prolação de um nova decisão fundamentada .
A questão que pode surgir, então, concerne à necessidade de fatos
novos ou se poderia a nova decisão fundamentar-se em uma nova análise dos mesmo
fatos aduzidos. A nosso ver somente com fatos novos poderá o magistrado
proferir nova decisão. Mas note-se, a seqüência da instrução, com a ouvida de
testemunhas pode significar fatos novos, pois o que se requer é mudança no
quadro fático, incluindo-se o quadro probatório. Logo, poderá o magistrado se
convencer no transcurso da demanda do equivoco de sua anterior decisão ante o
fato de v.g ter o réu juntado documentos que infirmem a versão do autor. O que
não se pode admitir é que o juiz, analisando o mesmo quadro que antes tinha
descortinado frente a si profira, sic e
simpliciter, nova decisão, tornando, processo um jugo cujo grau de
incertezas vai além do tolerável. Não podemos no esquecer que a antecipação de
efeitos da tutela, como de resto qualquer decisão interlocutória, sempre trás
conseqüências no mundo fático, podendo até atingir terceiros. A mudança
desordenada de orientação processual conspira contra a certeza jurídica que, se
não é um valor absoluto, ao menos ainda é um cânone respeitável de nosso
sistema processual o qual não podemos ignorar.
Mas o que é de suma importância é percebermos que há uma abismal
diferença entre a tutela antecipatória e a tutela cautelar, sendo hoje
inadmissível utilização da cautela para fazer as vezes da antecipação dos
efeitos da tutela[18],
o que, sobre ser uma grave cinca, causadora de inadequação do rito e portanto
da extinção do feito sem julgamento do mérito, ainda representa uma grave
violação do devido processo legal e da ampla defesa, princípio retores do
sistema e insculpidos no artigo 5º, incs LIV e LV, da Constituição Federal, na
medida em que se reduz dráticamente o prazo de defesa[19],
sem falar no fato de se tornar letra morta o artigo 273 do CPC que exige algo
mais do que mera verossimilhança para a antecipação de efeitos do próprio
pedido, providência esta que, queiramos ou não, ainda é um exceção dentro do
nosso processo civil.
5- O Processo de Execução e os
Embargos do Devedor
Linhas atrás, quando falamos da funções jurisdicionais, fizemos ver o
que é notório em nosso processo e que é a independência e autonomia, assim como
a imprescindibilidade do processo de execução, como regra, para a
materialização das atividades executivas. Raras são as exceções. Esta separação
que dá origem ao binômio processo de conhecimento- execução forçada remonta a
antigas origens do direito romano-canônico, consolindando-se sobretudo no
direito medieval, origem do processus
executivus.
Mas é induvidoso que o dogma da necessária antecedência de uma
cognição plenária e exauriente como pressuposto da possibilidade de execução
teve grande aceitação pela filosofia iluminista, porque prestigia a certeza
jurídica fundamental para o capitalismo moderno. Esta doutrina encontra-se
profundamente arraigada no âmago de nosso processo civil. No entanto, não deixa
de ser de certa forma paradoxal o grande número de títulos executivos
extrajudiciais de nosso direito, quiçá o mais pródigo do mundo em conferir
executividade a títulos de origem não judicial.
Construído sobre tal base, o processo de execução repele o exercício
de cognição mais aprofundada ou mesmo estranha aos incidentes do próprio
processo. É falsa, todavia, a afirmação de que inexista cognição no processo
executivo. Aliás é falsa a afirmativa de que as funções jurisdicionais sejam
puras, sendo comum encontrarmos interpenetração de execução cautela e
conhecimento em um mesmo processo. Mas é óbvio que cada espécie se caracteriza
pela existência de uma preponderância de uma atividade, no caso do processo de
execução, das atividades satisfativas, materializadoras do direito encartado na
sentença ou no título extrajudicial, existindo contudo, notas de cognição e
cautelaridade em seu bojo.
Mas como dissemos, a cognição dentro do processo de execução almeja em
primeira plana os incidentes internos do procedimento, sendo defeso e contrário
à índole do processo executivo imiscuir-se questões relativas ao título
executivo, ou seja, à obrigação exeqüenda, salvante os casos de prescrição ou
decadência, que podem ser veículados através de exceção de pré-executividade.
Tal atividade está reservada aos embargos de devedor ou de terceiro.
Ação de cognição, de eficácia declaratória negativa ou desconstitutiva[20],
incidental, os embargos dão origem a uma nova relação processual, absolutamente
distinta da relação executiva e que tem termo via sentença de mérito ou não.
Esta circunstância, ou seja, do afastamento de atividade cognitiva de
maior volume do processo de execução, resulta do fato deste processo se
destinar a atividades satisfativas, mas não só disto. Há que lembrar que o
título judicial, em nosso sistemática, conta com presunção iuris tantum de certeza, liqüidez e exigibilidade, conforme se
dessume dos artigos 586 do CPC e 3º da
LEF. Esta presunção, segundo o legislador, assume uma feição tal que veda a
inserção de discussão acerca dela em sede de execução. Foi uma opção
legislativa cuja origem deve ser buscada em uma série de fatores, mas legem habemus.
Os embargos de devedor, de seu turno, possuem uma eficácia
extra-processo e que opera ex lege,
qual seja a eficácia suspensiva da execução na porção sobre a qual versem[21].
A redação dada ao inciso I do artigo 791 do CPC, dada pela Lei 8.953/94, não deixa
margem à discussão, como outrora havia na doutrina e na jurisprudência, para o
efeito suspensivo dos embargos do devedor[22].
Interpostos os embargos, suspensa estará a execução na porção por eles
impugnada. Em outras palavras, os embargos terão efeitos suspensivo sobre a
porção da execução que consistir o seu objeto. Inobstante a clareza do
dispositivo, alguns magistrados menos avisados, que, diga-se, são minoria,
desatentam para a possibilidade de prosseguimento da execução na porção não
embargada, suspendendo indevidamente in
totum a execução.
Há que salientar que os embargos, conforme sejam referentes a título
judicial ou extra judicial, podem possuir a característica de demandas de
cognição sumarizada[23],
pois nos embargos à execução lastreada em título judicial reduz-se
sensivelmente a esfera de abrangência da cognição a ser realizada a teor do
artigo 741 do CPC. De fato, no caso de título judicial, feriria a coisa
julgada permitir-se ampla discussão em
torno de matérias sobre as quais já houve tratativa em sentença e sobre as
quais operou-se a maxima preclusio.
Ao revés em caso de título extrajudicial, abre-se ensanchas à ampla cognição em
torno dos elementos do título[24].
Pois bem, não se pode negar o cabimento da antecipação dos efeitos da
tutela em sede de embargos, em que pese a negativa de alguma doutrina que
preconiza que não se pode adiantar tutela declaratória ou constitutiva. In casu, tratar-se-ia de conceder
efeitos suspensivo ao julgamento da apelação interposta em sede de embargos e
que, ex vi do artigo 520, inc. V, do
CPC é desprovida de efeito suspensivo, em que pese a circunstância de haver uma
sentença contrária à pretensão do embargante ser fator ponderável a infirmar a
existência dos requisitos para a antecipação dos efeitos da tutela. É que como
todo ato humano, a sentença não está livre de conter erros e veicular
arbitrariedades rematadas.
Mas pergunta-se, e está é a nossa linha de abordagem principal, seria
possível antecipar tutela em processo de execução? É o que veremos a seguir.
6- Os Limites objetivos e
subjetivos da Antecipação de Efeitos da Tutela
Confessamos que fica difícil, a priori,
alvitar uma antecipação dos efeitos da tutela no processo de execução, pois o
mandado executivo já é por si atividade executiva, satisfativa a operar ab
initio . O mandado de citação e penhora já está a convidar o devedor ao
adimplemento sob e pena de penhor ulterior incontinenti. Esta aparente incongruência advém do fato de
que sempre que se concebe a antecipação dos efeitos da tutela se está a referir
a efeitos executivos. Em sendo o mandado executivo já para pagamento, nada
haveria a se antecipar. Com efeito, a antecipação de efeitos da tutela, a uma
leitura rápida do artigo 273, deixa entrever que o que se antecipa são efeitos
executivos que a tutela cognitiva não poderia conter e que estariam reservados
a uma posterior execução. Aí se vislumbra a contraposição entre cognição e
execução a justificar a existência de uma verdadeira antecipação. Mas o
processo de execução já é voltado a ações que satisfazem o direito tido como
certo, líquido e exigível. Não se há falar em antecipação, porque na
comunicação da demanda já consta a invitação ao adimplemento e a execução.
O raciocínio, cuja conseqüência maior é afastar o cabimento da
antecipação dos efeitos da tutela no processo de execução estaria, em tese
correto. Porém, a efetivação do trâmite do processo de execução pode ser
barrada pela oposição dos embargos. É neste caso que se nos parece cabível
a antecipação dos efeitos da tutela
executiva. Mas antes trataremos de verificar dos limites da antecipação de
efeitos da tutela e do seu cabimento.
A primeira grande questão reside na possibilidade de antecipação de
efeitos declaratórios e constitutivos, mostrando-se a doutrina de um modo geral
infensa a esta possibilidade, afirmando que o que se antecipa são efeitos
executivos jamais se podendo conceber declaração ou constituição por natureza
provisórias. Acreditamos, contudo, que não há base para tal limitação, podendo
ser antecipados efeitos em quaisquer espécies de ações de conhecimento e isto
porque existem situações em que não se há como deferir certos efeitos
executáveis sem que esteja presente a declaração ou a constituição. Existem
efeitos fáticos decorrentes da existência de situações jurídicas passíveis de
serem declaradas que podem ser necessários ao demandante posto que lhe conferem
a situação de vantagem frente a uma determinada relação jurídica, Exemplo
poderíamos encontrar em uma ação anulatória de punição administrativa em que se
pede a anulação do ato administrativo inquinado de nulidade e o gozo de uma
determinada vantagem obstada pela existência deste mesmo processo
administrativo.
A seguir-se a doutrina majoritária, pode ser pedida a antecipação de
efeitos passíveis de serem executados através de um provimento de natureza
mandamental[25].
In casu, poderia ser conferida v.g a
possibilidade de utilização da vantagem obstada pela eficácia do processo
administrativo, jamais antecipando-se a eficácia declaratória da nulidade. Mas
antecipar um efeito que está intimamente ligado a uma declaração é o mesmo que
antecipar a declaração, ao menos sob o ponto de vista prático. Então porque não
se antecipar uma eficácia constitutiva ou declaratória? Argumenta-se que não se
pode declarar ou constituir provisoriamente. Mas as sentenças declaratórias e
constitutivas não estão sujeitas à ação recisória?
Ora o que se vê é que não há o óbice de ditas eficácias só terem valor
quando definitivas. Podem portanto, como qualquer outra, serem antecipadas para
que irradiem efeitos secundários, pois realmente não há sentido em obter uma
declaração provisória. Mas o que não se pode compreender é o sofisma de se
dizer que se antecipam efeitos que não os declaratórios, mas sim somente os
executivos, quando na verdade estes dependem daqueles.
Iríamos mais longe, alvitrando a possibilidade de antecipação de
tutela a ser pleiteada pelo réu. Aqui o
quadro é o mesmo, pois e além de o texto legal se referir à inicial, também se
diria que o réu não tem interesse em pleitear antecipação de efeitos da tutela
porquanto a regra é a estabilidade do status
quo ante durante o trâmite da
instância. Mas isto é a regra, a qual admite exceções, cujo exemplo é o das
ações possessórias, onde está presente uma antecipação da tutela ab initio. Nestes casos foi subvertido o
dogma de que a situação de fato permanecerá
estável, ou seja, favorecendo o réu, dogma este que é o que, a priori, impossibilitaria a antecipação
de tutela por parte do réu. No entanto, a partir do ponto em que a tutela opera imediatamente em favor do autor e
estando presentes os pressupostos, seria o caso de permitir-se a antecipação
dos efeitos da tutela pelo réu, pois a defesa nada mais é do que exercício do
direito de ação.
Por certo não faltariam aqueles que diriam referir-se o texto
unicamente ao pedido formulado na inicial. A estes, arrimados em exegese
literal, respondemos que a exegese literal é o método mais pobre dentre os
métodos hermenêuticos e sabe-se o quanto se tem prestado a equívocos a
invocação deste método com foros de dogma absoluto. Avultam em superioridade
outros métodos, tais como o sistemático e principalmente o teleológico, fazendo
ver que nem sempre a letra da lei representa o verdadeiro sentido da norma
jurídica. Se autor e réu devem ter os mesmos direitos, fato este que se dessume
da aplicação do princípio da isonomia, insculpido na verba do artigo 5º, caput, da Constituição Federal, não se
pode deixar de conceber que, naqueles casos em que a só propositura da demanda
seja apta per se a operar modificações o estado fático, ou seja no substrato
sensível da demanda, se possibilite a antecipação dos efeitos da tutela para o
réu, visando exatamente impedir esta modificação ex lege.
Há que considerar, por fim que a tutela antecipatória pode ser deferida
em sentença.
Seria mesmo um contra-senso admitir-se que sejam antecipados
efeitos da tutela pretendida em sede de
cognição sumária e impedir que o mesmo aconteça após uma cognição exauriente.
Neste caso, a antecipação serviria para subtrair o efeitos suspensivo da
apelação dele dotada pois na sentença estamos diante do momento culminante do
juízo de primeiro grau e momento apto ao
proferimento da decisão final desta instância, não se podendo, via de
conseqüência, conceber uma antecipação de tutela que não seja a supressão do
efeito suspensivo, pois a sentença é o momento próprio para concessão ou
denegação do direito e, como vimos, antecipar significa fazer operar efeitos
que só teriam vida após o momento próprio para isto segundo o procedimento. In casu a sentença é este momento, mas
como o recurso de apelação tem efeito suspensivo, salvo nos casos determinados
no artigo 520 do CPC e em legislações esparsas[26],
e mesmo nestes casos o artigo 558, parágrafo único autoriza a imposição de
efeitos suspensivo, podemos conceber a antecipação dos efeitos da tutela para
possibilitar a imediata executividade do decisum
sob a forma de execução provisória, nos termos do artigo 587 do CPC[27].
7- Antecipação dos Efeitos da
Tutela no Processo de Execução
A antecipação dos efeitos da tutela, enquanto meio de romper com a
hegemonia de ordinariedade, deve se fazer presente em tantos quantos sejamos
recantos do processo em que se faz sentir a premente necessidade de celerização
da tutela jurisdicional, elemento sem o qual o processo perde em efetividade.
Como antes referimos, não há, a
priori, interesse em se pedir a antecipação dos efeitos da tutela no
processo de execução pois sua natureza e estrutura já apontam no rumo da
imediata satisfatividade, presente no mandado citatório. A partir deste
momento, a satisfação do crédito ou da prestação depende mais de fatores
externos do que da demora do procedimento em si, desprovido que é de qualquer
cognição mais aprofundada ou que refuja a questões processuais internas do
procedimento mesmo, todas agraváveis e portanto não idôneas a serem apontadas
como óbice a norma fluência do processo, já que este recurso é, em regra,
desprovido de efeito suspensivo.
Mas os embargos de devedor, tutela cognitiva incidente, embora em
relação jurídica própria, seja do devedor ou de terceiro, tem o condão de
suspender o processo executivo. Surge então a questão: e se estes embargos
forem destituídos de qualquer substancialidade em seu mérito e se mostrarem prima facie improcedentes, seria justo
fazer o credor ou exeqüente aguardar o penoso desfecho da demanda para ver
satisfeito uma obrigação já reconhecida ou no mínimo dotada de presunção iuris tantum de certeza, liqüidez e
exigibilidade? Acreditamos que a ratio
assendi da antecipação de efeitos da tutela está presente neste caso,
autorizando a extensão deste possibilidade ao caso, ou seja, autorizando a
antecipação de efeitos da tutela para fins de suprimir o efeito suspensivo dos
embargos de devedor ou de terceiro, viabilizando o prosseguimento da execução
em caráter definitivo.
Neste passo, para afastar objeções, é de todo própria uma análise dos
requisitos do artigo 273 à luz do processo de execução. Primeiramente insta
acentuar que a possibilidade de prova inequívoca de cujo teor seja lícita a ilação
de um grau de verossimilhança e plausibilidade apto a ensejar a antecipação de
efeitos da tutela refere-se a uma alegação, que tanto pode pugnar pela
acolhimento da pretensão formulada como pela sua rejeição. Destarte, assim como
o autor pode lograr provar ab initio
a plausibilidade de sua pretensão para arrimar uma antecipação de efeitos que
só se produziram ao termo da instância, também pode o réu, naqueles casos em
que a alegação de direito por parte do autor representar a possibilidade de
alteração na situação fático-jurídica operando-se ipso iure, demonstrar a inexistência de fundamento das alegações do
autor para afastar a produção de efeitos contra si.
Temos que observar o processo como uma contraposição de alegações em
que cada parte procura respaldar uma pretensão, o autor agindo, o réu se
opondo, mas ambos postulando em juízo mediante alegações em paridade de
condições. Logo, assim como pode o autor produzir prova initio litis da plausibilidade de seu direito, também pode o réu
fazê-lo, pois ambos alegam e as suas alegações encontram- se em par de
igualdade no que diz respeito à possibilidade de infirmar as de seu adversário.
Igual raciocínio vale para o exeqüente, que pode se ver diante de embargos
absolutamente improcedentes, mas que, no entanto, permitirão o esvaziamento do
processo de execução ou no mínimo produzirão o prejuízo da delonga. Assim
sendo, a mesma prova de verossimilhança que pode produzir o autor, ou o
executado-embargante, também o réu, ou o exeqüente embargado, pode produzir,
pois a verossimilhança diz com alegações e as alegações nestes casos não
divergem em sua natureza, mas sim no sentido em que são formuladas.
Quanto ao requisito do inciso I, que diz respeito à possibilidade de
dano irreparável ou de difícil reparação, é óbvio que podem acontecer quando da
oposição dos embargos se operar a paralisação do processo executivo. É
pensar-se v.g, na desvalorização de bens de devedor que não possui outros e que
reduzirá a satisfação de seu credor. Quanto ao abuso do direito de defesa ou
manifesto propósito protelatório, é sabido e consabido que se trata de um
expediente presente em grande parte dos embargos de devedor. Como exemplo
podemos trazer o caso dos créditos tributários referentes a tributos informados
confessados em dívida pelo próprio contribuinte inadimplente. Nestes casos, os
embargos assumem um manifesto propósito protelatório e, por outro lado, não
podemos esquecer que a função prática dos embargos não deixa de ser a de uma
defesa. Logo, também seria possível via interpretação analógica vislumbrar um
caso de abuso do direito de defesa, que melhor estaria redigido como abuso do
direito de ação, entrando em ligação com os dispositivos que tratam da
litigância de má-fé no processo de execução e no processo em geral.
Há que observar que o legislador não fez distinções na espécie de
tutela em que a antecipação pode ser concedida. Na tutela cautelar ela se torna
despicienda pois que prevista tipicamente uma liminar antecipatória no artigo
804 do CPC. Mas, no processo de execução, naqueles casos em que uma pretensão
implique a possibilidade de lhe retirar a característica de pronta satisfação
que lhe é inerente, é perfeitamente possível concebermos uma antecipação de
efeitos da tutela, cuja efetivação se posterga ante a suspensão do processo,
fazendo surgir o interesse em se requerê-la para suspender o efeito suspensivo
dos embargos.
8- Onde requerer a Antecipação
Executiva?
Uma vez que tenhamos estabelecido a possibilidade de antecipação de
tutela, ou de efeitos da tutela, resta indagarmos, no caso da execução, onde
ela deverá ser requerida: no processo de execução ou nos embargos? Analisemos
as duas hipóteses.
Tratemos primeiro da hipótese de antecipar-se a efetivação da tutela
executiva com pedido na impugnação aos embargos. Para a configuração desta
hipótese teremos de aceitar uma antecipação de efeitos da tutela de caráter
declaratório e postulada pelo réu- embargado, o que contraria a doutrina que
afirma inexistir possibilidade de antecipação de efeitos de declaração e também
o que aparentemente dispõe o artigo 273,
caput, do CPC, ao referir-se a pedido formulado “na inicial”. Já
tratamos destes aspectos, mas cumpre trazer à colação mais algumas observações.
Inicialmente calha observar que a antecipação de efeitos da tutela é
uma medida de cunho procedimental, ou seja, implica um corte no iter
procedimental, antecipando efeitos que só viriam com a sentença, note-se bem,
com a sentença e não com o trânsito em julgado, porque é admissível a execução
provisória enquanto pendente recurso sem efeito suspensivo ou concedida a
antecipação de tutela em sentença para fim de subtrair o efeito suspensivo de
recurso dele dotado. Desde que tenha algum proveito imediato para a parte
postulante a antecipação é cabível, independentemente de serem estes efeitos
executáveis ou não, porque não se antecipa necessariamente efeitos executivos,
mas qualquer efeito que possa ter utilidade ao postulante. Antecipar nada mais
é do que postergar o contraditório.
Claro que a antecipação tomará a forma de uma ordem, dando margem a
que se diga que todos os casos de antecipação de efeito enquadram-se na
mandamentalidade. Mas para que advenha uma ordem, necessariamente há que haver
uma declaração do direito, ainda que provisória. Veja-se o exemplo de uma ação
anulatória de multas de trânsito cujo não pagamento impede o licenciamento do
veículo. Neste caso, verificando o magistrado que ocorre uma violação
escatológica ao devido processo legal e a ampla defesa, o magistrado determina
que que o órgão gestor do trânsito licencie o veiculo. Mas para proferir a
tutela mandamental é necessário declarar a existência de violações ao devido
processo legal aptas a dar sustentáculo ao mandamento judicial. O que se
conclui é que na decisão intelocutória de antecipação de efeitos da tutela está
presente um componente declaratório.
No que diz respeito à possibilidade de antecipação pedida pelo réu,
cremos já ter deixado assente que reputamos uma possibilidade válida. Logo,
seria viável o pedido em sede de impugnação aos embargos.
A outra hipótese é o pedido ser realizado na própria ação executiva.
Neste caso, provando o ajuizamento dos embargos, analisando a sua fundamentação e demonstrando
estarem presentes os requisitos da antecipação, o exeqüente pediria a
antecipação da tutela executiva dentro da própria ação de execução. O óbice que
se pode levantar contra esta alternativa é o de que se inseriria no processo de
execução, infenso a discussões profundas, um debate que tem em vista o mérito
dos embargos. Desta forma, o mérito dos embargos estaria sendo discutido duas
vezes. A priori, não haveria nenhum
problema, porque a matéria seria analisada em sede de cognição sumária, não
formando coisa julgada em relação aos embargos. Ocorre porem que a matéria
renderia agravo de instrumento ao Tribunal, que apreciaria a matéria que também
é objeto dos embargos podendo prejudicar o julgamento futuro do processo
cognitivo incidental.
Acreditamos, contudo, que este não seria um obstáculo de monta, pois
mesmo no processo de conhecimento esta possibilidade existe e nem por isto fica
inviabilizada a antecipação e a recorribilidade da decisão que sobre ela versa.
Neste caso temos que o pedido seria manifestado por petição dentro do processo
de execução, proferindo o magistrado decisão interlocutória suspendendo o
efeito suspensivo dos embargos e antecipando a
tutela executiva cujo desenlace estava obstado pelo efeito suspensivo
dos embargos de terceiro ou de devedor. Mas qual será a melhor solução?
Embora nenhuma das duas seja prima
facie afastável ou chancelável sumariamente, se nos parece que a sede
própria para o pedido de antecipação de efeitos da tutela para suprimir o
efeito suspensivo dos embargos seja o
próprio processo de embargos, quer considerada como antecipação dos
efeitos da tutela postulada pelo réu e em tal caso a tutela em questão é a
tutela defensiva de cunho declaratório negativo ou desconstitutivo, quer seja
considerada antecipação de efeitos da tutela executiva postulada na execução
mas postulada, agora, em sua retomada,
no processo de embargos. Este último caso tem a propriedade de afastar a
argumentação de somente a tutela pretendida na inicial poder ser antecipada,
pois, embora a matéria estivesse sendo postulada nos embargos de devedor ou de
terceiro, na verdade estar-se-ia pretendendo a antecipação do pedido veiculado
na inicial executiva, cuja possibilidade surge exatamente pela existência de um
efeito suspensivo dos embargos.
Ainda que possa soar estranho um pedido que versa sobre tutela
pretendida em um processo ser veiculado em outro, cremos que seja a melhor
solução para evitar a balbúrdia procedimental. Cientes de que o processo é um
instrumento, há que se optar pela solução que, sem comprometer os princípios
magnos do processo e elencados não só na lei processual, mas principalmente na
Constituição Federal, possibilite atingir-se a satisfação célere e rápida do
direito pleiteado.
Assim, a natureza da atividade levada a cabo no processo de embargos,
atividade proeminentemente cognitiva, mais se presta à veiculação da postulação
de antecipação de tutela para efeito de cassar o efeito suspensivo dos
embargos.
9- Limites à antecipação no
processo executivo
Estabelecida a possibilidade de concebermos a antecipação da tutela
executiva ou de efeitos da tutela desconstitutiva dos embargos, resta
estabelecer um limite para o andamento do processo de execução.
Se preconizarmos que vigor absoluto o dogma da impossibilidade de que
a antecipação implique irreversibilidade, não poderemos alvitrar que seja
possível ir até os atos de alienação, uma vez suprimido o efeito suspensivo dos
embargos.
Todavia, se não se admite que assim seja, a antecipação resultaria de
pouco utilidade, na medida em que poderia ir somente até os atos de avaliação.
Ora, a avaliação com o tempo iria perder seu valor de atualidade. Ademais, os
atos de conservação, inclusive com a possibilidade de venda antecipada podem
ser utilizados na feição que hoje temos da execução.
Somos levados a concluir que a antecipação da tutela executiva possa
ir até atos de alienação, sob pena de inutilidade, já que de nada valeria a
supressão do efeito suspensivo dos embargos.
Neste caso, como contraponto, poderá ser estabelecida a prestação de
caução pelo exeqüente, mencionando-se no edital a situação na qual está sendo feita
a alienação.
Acaso vencedor nos embargos, o que se afigura pouco provável ante a
pouca plausibilidade da pretensão já verificada no juízo da sumaria cognitio, reverterá eventual
prejuízo em perdas e danos. O reconhecimento da procedência pretensão de
embargos e a situação da alienação levada a efeito, poderá até dar ensejo a uma
continuidade da execução nos mesmo autos, agora em face do anterior exeqüente,
mantendo-se, em qualquer caso, a alienação feita.
Assim, o executado embargante tornar-se-ia exeqüente, no mesmo ou em
outro processo de execução, aplicando-se a responsabilidade objetiva do
anterior exeqüente e embargado no que tange aos efeitos da alienação.
No caso da Fazenda Pública, ante a presunção iure et de iure de solvabilidade, poder-se-ia até mesmo dispensar a
prestação de caução.
Assim, a aplicação da irreversibilidade preconizada como regra para as
antecipações de tutela, teria de encontrar uma aplicação moderada,
permitindo-se, de uma lado, a definitividade da alienação procedida, e de outro
, a plena possibilidade de o executado reaver perdas e danos decorrentes da
medida.
No caso das penhoras de renda, pode ser concebida a necessidade de
depósito de parte do capital, usufruindo o credor, mediante caução de parcela
da renda.
Desta forma tornaremos possível a medida antecipatória resguardando
eventual direito do embargante.
10- Conclusões
Estamos frente a um momento de revisão de ancestrais concepções que
vigeram intocadas por séculos. A própria forma com que o homem se relaciona com
o mundo sofre uma mutação. Não há realidades absolutas e objetivas a serem
descortinadas. Somos o que a nossa cultura e a nossa histórica nos diz.
As demandas sociais crescem, pois não basta a igualdade formal. Não
basta a enunciação dos direitos como meras folhas de papel. O Direito moderno
tem de ser ação, transformação, tem de encontrar legitimidade.
O Direito caminha para a publicização, promovendo-se uma reviravolta
no dogma publicista que nos acompanha desde Roma. O Direito de um Estado
Democrático Social de Direito não pode ser tornado efetivo mediante a
utilização de velhos paradigmas de uma conjuntura sócio-cultural que não mais
existe.
Uma olhada pela história do processo nos demonstra como têm ocorrido
esta virada metodológica, e o jurista tem o seu papel a cumprir neste novo
modelo de produção do Direito que vai irrompendo do processo de crise do método
jurídico, de crise ética do Direito, de crise de legitimidade da tutela
jurisdicional.
É preciso que passemos a olhar o direito de “fora”, para
evitarmos a cegueira de uma visão introspectiva que nos tem conduzido a crise
onde nos encontramos. Há novos direitos, há novas demandas e não podemos
aplicar os métodos ora vigentes para a resolução destes conflitos.
A noção de Direito tem a sua base a noção de igualdade como nota
essencial. A mais rudimentar concepção que se tenha de direito à luz da cultura
moderna jamais poderá prescindir de uma exaltação à igualdade como princípio
magno. O processo, como instrumento estatal, tanto mais quando a moderna
processualística o vislumbra sob uma ótica publicista, deve pautar-se por
promover a igualdade entre as partes, valorizando a ” paridade de armas” entre os litigantes e mesmo porque o artigo
5º, caput, da CF, é norma que irradia sua eficácia sobre todo ordenamento.
A antecipação da tutela foi concebida como um mecanismo para burlar a
demora própria da ordinarização do processo de conhecimento das quais uma das
faces é a separação rigorosa entre execução e conhecimento, assentando-se o
processo de tradição romano-canônica sobre o binômio processo de conhecimento-
execução forçada.
O dogma da certeza jurídica, agravado pela prodigalidade de nosso
processo em conceber recursos, somadas ambas as circunstâncias a uma crescente
demanda jurisdicional, cujas causas podem ser encontradas na construção de
novos direitos de fundo coletivo, na atividade estatal nem sempre pautada pela
legalidade e principalmente na consciência crescente na população que busca a
justiça, fazem do processo uma cainhada penosa, cara e prolongada. Nesse
contexto, o autor que tem razão sempre foi submetido à necessidade de ter que
aguardar o desfecho do processo de conhecimento e depois o de embargos, quase
sempre opostos e muitas vezes com propósitos protelatórios e movidos pelo espírito
emulativo, para ver satisfeito seu direito.
A antecipação de tutela permite a antecipação de efeitos da tutela
pretendida na “inicial”, subvertendo o ônus do tempo no processo,
que, via de regra, opera contra o autor, permitindo-lhe, sob certas limitações,
nem sempre observáveis, o gozo do direito. Mas porque permitir-se a antecipação
somente nos casos em que o tempo opera contra o autor? Nos casos em que a demanda possui processo
possui eficácia ex lege a produzir
efeitos imediatos, pode perfeitamente o réu pedir antecipação da tutela por ele
pretendida, pois a defesa nada mais é do que um pedido, em par de igualdade com
a inicial. Havendo efeitos a se fazerem presentes desde logo, alterando, pela
propositura da ação, a situação fático- jurídica, surge para o réu o interesse
de agir, antes ausente, porquanto a regra é permanecer, contra o autor, o
estado fático- jurídico inalterado.
Assim sendo, é de ter-se por possível a antecipação de tutela
pleiteada pelo réu, bem como, tendo sido
pleiteada tanto pelo autor como pelo réu, ser deferida na sentença ou em
grau recursal. Pode-se, a partir desta premissa, conceber-se a
antecipação de tutela par a fim de suprimir o efeito suspensivo do recurso,
permitindo a execução provisória do julgado.
No caso do processo de execução, por sua natureza satisfativa, em
linha de princípio fenece interesse em pedir-se antecipação de tutela, pois o
mandado citatório já é para satisfação do direito. Mas existe a possibilidade
de interposição de embargos de terceiro e de devedor, com eficácia suspensiva
da execução. Isto ocorrendo, fica postergada a satisfação do direito, surgindo
algo a ser antecipado através da supressão do efeito suspensivo dos embargos,
ou, dir-se-á melhor, da suspensão do efeito suspensivo dos embargos. Surgindo o
interesse, não há motivo algum a obstar a postulação de efeito suspensivo no
processo executivo, pois a disciplina do processo de conhecimento é aplicável
subsidiariamente ao processo de execução, e o legislador não limitou a
antecipação ao processo de conhecimento,
sendo inaplicável, contudo, o artigo 273 no processo de execução, posto que lá
já existe disposição expressa tratando da antecipação de efeitos da tutela
cautelar.
Admitida a possibilidade de pleitear-se antecipação de tutela em sede
de processo executivo para a suspensão do efeitos suspensivo dos embargos,
resta saber em qual processo deve o pedido ser veiculado: no processo de
execução ou no processo de conhecimento incidental. Ambas as saídas são
defensáveis à luz do direito brasileiro desde que afastemos alguns óbices
formais sem grande reflexo na higidez do procedimento. Se nos parece, todavia,
mais coerente e menos propícia à
balbúrdia e ao tumultuo processual a utilização do processo de embargos
para veiculação da medida pois a cognição acerca da fatores externos ao próprio
procedimento não é da índole do processo executivo. Ademais não há óbice a que
uma providência de antecipação de tutela seja requerida no processo de
embargos, ainda que referente a outro processo, mesmo porque o que se visa
antes de tudo é retirar o efeito suspensivo que é eficácia dos embargos.
Esta antecipação poderá ir até mesmo aos atos de alienação,
utilizando-se do expediente caução como meio de resguardo do eventuais direitos
do embargante.
Assim sendo, cremos que os princípios da isonomia e de efetividade da
tutela jurisdicional legitimam a antecipação dos efeitos da tutela enquanto
medida destinada è dar efetividade ao direito sem a delonga que tem marcado o
nosso processo é que é hoje o grande desafio a ser vencido.
Fica, assim, como sugestão, a possibilidade de discutimos alterações
na legislação, para tornar o efeito suspensivo dos embargos uma exceção, ou
para, mantendo-o como regra, permitir, via antecipação de tutela, possa o juiz
subtrair esta característica da demanda incidental, através de decisão
fundamentada.
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ZAVASCKI, Teori Albino; Antecipação da Tutela, São
Paulo. Saraiva, 1997.
Notas:
[1] Como lembra SILVA, Ovídio Baptista da. Jurisdição e
execução na tradição romano-canônica,
RT, São Paulo, 2a ed.1997, p. 26: “Esta concepção
estreita de jurisdição, como simples declaração de direitos, estava firmemente
consagrada no direito romano, como conseqüência da oposição entre os conceitos
de iurisdictio e imperium, de modo que a
jurisdição acabou sendo limitada ao procedimento ordinário-procedimento do ordo
judiciorum privatorum-, dado que o pretor romano que ‘ piu dirigire, cosntigere
la voluntà del citadino com la minacia di gravi sancioni como missio, pignoris
capio e multae dictio’- não pode ele próprio proclamar diretamente a existência
de um determinado direito( de Martino, p. 219)”
[2] SILVA, Ovídio Baptista da. Op cit, p. 64.
[3] Idem ibidem, p. 67.
[4] Idem ibidem, p. 70.
[5] Idem ibidem, p. 96.
[6] SILVA, Ovídio Baptista da. op cit, p 104: afirma que :
Tendo em conta as novas idéias do racionalismo sobre o direito, especialmente
sobre o direito processual, é possível isolar dois princípios, de natureza
política e filosófica, de influência mais intensa, na continuidade histórica
das antigas estruturas que, já no direito romano, haviam sepultado a tutela
interdital”
[7] SILVA, Ovídio Baptista da. Curso de Processo Civil, Rio, Forense, 3ª ed. 2000, v.
III, p. 56. ZAVASCKI. Teori Albino. Antecipação da Tutela, São Paulo, Saraiva,
1997.p. 43.
[8] Na lição de ZAVASCKI; “O que se operou,
inquestionavelmente, foi a purificação do processo cautelar, que assim
readquiriu sua finalidade clássica: a de instrumento para obtenção de medidas
adequadas a tutelar o direito sem satisfazê-lo. Todas as demais medidas assecurativas,
que constituam satisfação antecipada de
efeitos da tutela de mérito, já não caberão em alçada cautelar, podendo, ou
melhor, devendo se reclamadas na própria ação de conhecimento, exceto nos
casos, raros, já referidos, em que a lei expressamente prevê ação autônoma com tal finalidade” ( Op. cit, p. 45).
CALMOM DE PASSOS, J.J. Comentários ao Código de Processo Civil, Rio, Forense,
8ª ed. 1998, v. III, p, 19. de seu turno, após falar sobre as cautelares, afirma:
” A antecipação de tutela é outra coisa bem diversa. Não se coloca em jogo
o risco da ineficácia da futura tutela. O que se quer é o benefício de sua
antecipação, conseqüentemente, dos efeitos de que se revestirá, antes de
ocorrer o trânsito em julgado da decisão em que a postulamos em caráter
definitivo. Pouco importa. Se o que só seria deferível com a preclusão máxima é
adiantado, há antecipação de tutela.” SILVA Ovídio Baptista da. Curso de
Processo Civil, Porto Alegre, Sergio
Antônio Fabris , 3ª ed. 1996, v. I, p. 112 leciona que: ” O legislador da
reforma , ao redigir oart. 273, dispôs sobre a possibilidade de o juiz
antecipar os efeitos, entendidos estes como as conseqüências geradas pela
sentença que acolher o pedido formulado pelo autor….” .
[9] A respeito leciona a doutrina mais autorizada acerca da
excepcionalidade da medida que é segurança dentro da segurança. PONTES DE
MIRANDA. Francisco Cavalcanti, Comentários ao CPC de 1973, Forense, 1976, t.
XII, p. 70: “A lei permite,
excepcionalmente, que se defira o pedido de medida cautelar nom audita altera
parte . Não dispensou afirmação e
prova de motivo; não dispensou,
portanto, o elemento de convicção. Se a medida, ouvida a outra parte, se
tornaria ineficiente, tem ele por si o artigo 804. A velha praxe
satisfazia-se com a prova documental com o que os juristas chamavam
‘justificação prévia’, ouvidas as testemunhas que mais pudessem dar prova dos
motivos, da urgência e do segredo da medida. Não se desatenda a que a lei supõe
cognição incompleta, sim, mas em todo o caso cognição. Não lhe apraz prodigar
medidas cautelares. Naturalmente, o artigo 131 tem aí larga aplicação. A prova
varia conforme a natureza da causa, e elemento, que na causa principal ou no
processo subsequente não bastariam, possuem valor que o juiz lhes reconheça, segundo
os princípios. O que pede tem ônus de afirmar e provar, ainda que possa o juiz
levar em conta fatos e circunstâncias constantes dos autos, embora não alegadas
pela parte. LACERDA, Galeno. Comentários ao Código de Processo Civil, Forense, 8º ed. , 1998,
v.VIII, t., II, p. 242 e 243 :“O juiz não pode conceder segurança
prévia nas cautelares jurisdicionais, se inexistentes os pressupostos da
própria cautela. Assim, se impossível esta porque a lei não a permite, se
ilegítima as partes para a causa, ou se não houver interesse específico
resultante do periculum in mora , ou se se apresentar duvidoso o fumus boni
iurus”.“As liminares, como antecipação provisória da sentença cautelar somente
cabem na cautela jurisdicional, antecedente ou incidente. Decretam-se sem
audiência do réu, antes da citação, quando o juiz, pela exposição dos fatos,
documentos produzidos, justificação exigida, ou demais elementos chegar à
convicção de que, com a citação, poderá o demandado tornar ineficaz a medida,
pela alienação, subtração ou destruição do respectivo objeto, ou por qualquer
outro meio de oposição direta ou indireta à providência, capaz de causar dano à
parte”. THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Curso de Direito Processual Civil, Rio, Forense, 16ª ed., 1996, v II,
n.1021, p. 409.: “As, medidas
cautelares representam, quase sempre, restrições de direito e imposição de
deveres extraordinários ao requerido. Reclamam, por isso, demonstração, ainda
que sumária, dos requisitos legais previstos para a providência restritiva
excepcional que tendem a concretizar, requisitos esses que devem ser apurados
em contraditório segundo princípio geral que norteia todo o espírito do Código.
Muitas vezes, porém, a audiência da parte contrária levaria a frustrar a
finalidade da própria tutela preventiva, pois daria ensejo ao litigante de
má-fé justamente a acelerar a realização do ato temido em detrimento dos
interesses em risco.
Atento à finalidade preventiva do processo cautelar, o Código
permite ao juiz conceder a medida cautelar, sem ouvir o réu, quando verificar
que este, sendo citado, poderá torná-la ineficaz(Art. 804). Essas medidas
excepcionais podem ser autorizadas, tanto na ação cautelar incidente como na
precedente e não dispensam a demonstração sumária dos pressupostos necessários para a tutela preventiva. SILVA, Ovídio Baptista da. Comentários ao
Código de Processo Civil, Processo Cautelar, Lejur, 2a ed., 1996, v. XI, p. 211.:” Aqui também os abusos que ase cometem na prática forense
são enormes. Os juizes não só não justificam suas liminares como nem mesmo
investiam a existência deste requisito, e nem os requerentes de liminares se
preocupam seriamente com a demonstração do risco de frustração da medida
decorrente da citação do demandado.”
[10] Ver SILVA, Ovídio
Baptista da. Curso…. cit, p. 32, 66, 68 e 69
[11] NERY JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria Andrade. Código de
Processo Civil Comentado e legislação processual civil em vigor, 4a
ed., 1999, p. 750, lembram que descabe a antecipação de tutela no processo
cautelar pois a liminar cautelar já faz
as vezes da liminar do artigo 273 do CPC.
[12] Ou seja, a redação poderia dar margem a dúvidas acerca de
qual alegação deve ser comprovada por prova inequívoca: a do direito material
pretendido ou a das circunstâncias dos incisos.
[13] No nosso “Cautelares Satisfativas?”(
http://www.ufsm.br/direito/artigos), dissemos: “O juízo de verossimilhança
que resulta da prova inequívoca possui
um grau de convencimento bem mais consistente que o juízo de mera
verossimilhança das cautelares. Prova inequívoca, a rigor, é a prova capaz
gerar um juízo de certeza próprio da cognição exauriente. No entanto, a
cognição levada a efeito para a antecipação dos efeitos da tutela é sumária.
Não haveria aí uma incongruência ao falar-se em prova inequívoca e em juízo de
verossimilhança? Não. Pode resultar de uma cognição sumária um juízo de certeza
sem problema algum. Sumariedade ou exauriência dizem com a profundidade da
investigação levada a termo e não necessariamente com o grau de convencimento
equivalente a probabilidade ou certeza. É claro que quase sempre a certeza
exsurge de uma cognição exauriente e a verossimilhança, enquanto mera
probabilidade, de uma cognição sumária. Mas nem sempre. Podemos ter uma
cognição exauriente da qual resulte mera probabilidade e então o julgamento
será de improcedência. Da mesma forma, poderemos ter uma cognição sumária com o
resultado de um grau de convencimento equivalente à certeza e neste caso as
chances de um julgamento procedente, após uma cognição mais profunda, é muito
grande. Mas é preciso que se diga que, conforme visto, a tradição de nosso
processo é a de que juízo de certeza apto a conceder um julgamento de
procedência só tem cabimento após uma cognição exauriente, entendida como
aquela em que há um aprofundamento na investigação e a ampla participação dos
contenedores. Por isso, os juízo que resultam de prova inequívoca realizados em
cognição sumária não são exatamente equivalentes ao juízo que resulta das
mesmas provas realizados em cognição exauriente, embora se pudesse dizer já na
cognição sumária, que ao direito pleiteado realmente fazia jus o postulante.
Temos de compreender então a referência simultânea a prova inequívoca da qual
só resulta, no entanto, juízo de verosimilhança em vista da espécie de cognição
que é sumária. Em geral a prova inequívoca dá suporte a um juízo de certeza.
Mas para que isto ocorra é necessária a realização de uma cognição exauriente,
ou seja cognição de rito ordinário via de regra, e tal só ocorre após o regular
trâmite processual, assegurada a ampla defesa, o contraditório e a produção de
material probatório pela parte atingida pela antecipação de tutela. Deste modo,
consoante a letra do dispositivo o que temos é um caso de uma cognição sumária
que leva em linha de conta prova inequívoca. A diferença entre o juízo daí
resultante quanto ao convencimento, e aquele que resultará ao fim do processo
está unicamente relacionada ao fato que o juízo resultante ao fim do processo é
o culminar de um procedimento de investigação mais aprofundada e em cujo bojo
foi plenamente franqueada a participação do réu. Neste juízo de antecipação de
efeitos de tutela, sumário, pode até surgir clara a procedência de um eventual
juízo final, mas como está prevista uma cognição mais consistente não se pode
efetuar o julgamento desde já, reservando-se este para uma fase em que haja
cognição exauriente, mesmo que a conclusão a que lá se vai chegar já se saiba
será a mesma. Portanto a presença de prova inequívoca gera na consciência do
julgador na prática certeza, ou seja, grau de convencimento equivalente ao que
teria em cognição exauriente, posto que o direito se apresenta evidente. Mas
juridicamente, como está prevista uma cognição exauriente posterior, esta
certeza de fato só permite antecipar os efeitos em caráter provisório. A
certeza jurídica, ou seja, aquela que aos olhos do direito é capaz de embasar
um julgamento definitivo de mérito só surgirá com a cognição exauriente ainda
que se saiba desde já que seu resultado será igual ao obtido na cognição
sumária. Conclui-se que o que o dispositivo quer é que em sede de cognição
sumária resulte um grau de convencimento equivalente na prática ao que será de ter-se em cognição exauriente
haja vista a clarividência do direito. O
que aqui se nota é que na verdade não estamos diante de outra coisa senão do fumus boni iuris, mas aqui não um fumus boni iuris de feição cautelar que
tem característica de um juízo perfunctório. Estamos sim, diante de um fumus boni iuris, enquanto juízo, mais
consistente porque lá, no processo cautelar, não há necessidade de prova
inequívoca e do juízo realizado não resulta certeza nem prática nem de direito.
A fumaça de bom direito que resulta de uma prova inequívoca é na pratica
equivalente a um juízo de certeza, logo não é uma mera fumaça, mas sim o
reconhecimento da materialidade do direito, que só não é juridicamente tratada
como tal porque resulta de uma cognição sumária e provisória. Só um direito que
se mostre previamente às escancarras é que pode dar margem à antecipação de
tutela. Há uma verossimilhança jurídica, mas um a certeza de fato, porque a
prova inequívoca demonstra que o resultado do julgamento final será fatalmente
o mesmo.
[14] Bem afirma MARINONI, Luiz Guilerme. Tutela Antecipatória,
Julgamento Antecipado e Execução Imediata da Sentença, São Paulo, RT,, 3a
ed. 1999, p. 20, que a demora no processo sempre beneficia o réu que não tem
razão.
[15] Cumpre salientar que quando se invocar este dispositivo
para pedir-se antecipação de tutela, é desnecessário mencionar-se a
possibilidade de dano irreparável ou de difícil reparação. Ou seja, não se
trata de uma medida cautelar, senão de verdadeira medida de repressão a comportamentos protelatórios e ilegais do
réu, ou do autor diríamos nós
[16] Adverte CALMON DE PASSOS. José Joaquim. Inovações no Código
de Processo Civil, Forense, p. 9 acerca
da concessão de antecipação de tutela em casos de irreversibilidade: “Admitir a
antecipação do que será irreversível é transformar em definitiva uma execução
que dessa natureza não se pode revestir ou se colocar o executado, dada a falta
da caução, sem garantia de ressarcimento Em outro trecho, o citado autor
preleciona que: “O que
disciplina o art. 273 do Código de Processo Civil, pelo amor de todos os deuses
(invocar um só insuficiente) não significa a permissibilidade de se requerer
liminar em todo e qualquer processo e de o juiz concedê-la com generosidade
ímpar, convencido de que o réu, no processo, um sujeito indesejável, que põe
obstáculos à celeridade da justiça, sua efetividade, sua instrumentalização,
sua eficácia decisiva etc.”. No
mesmo diapasão DINAMARCO, Cândido
Rangel, A Reforma do Código de
Processo Civil, Malheiros, 4º ed., 2º tiragem, 1998, p. 146 afirma que:“ É preciso receber com cuidado o
alvitre de Marinoni para quem se legitimaria o sacrifício do direito menos prol
da antecipação do exercício ‘de outro que pareça provável’. O direito não tolera o sacrifício de direito algum e o
máximo que se pode dizer é que algum risco de lesão pode-se legitimamente
admitir. O direito improvável é direito que talvez exista e, se existir, é
porque na realidade inexiste aquele que era provável. O monografista fala da
coexistência entre princípio da probabilidade e da proporcionalidade, de modo a
permitir-se o sacrifício de bem menos valioso em prol do mais valioso. Mesmo
com essa atenuante, não deve o juiz correr riscos e, muito menos expor o réu
aos males da irreversibilidade , expressamente vetados pela lei vigente(art.
273, parágrafo 2º)”
[17] Comungamos a opinião de que não existe discricionariedade na
concessão ou não de medidas liminares, conforme se pode ver na lição de
TALAMINI. Eduardo, Recorribilidade das decisões sobre Tutela de Urgência in
Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e outras formas de impugnação
das decisões judiciais, São Paulo. RT, 2000, p. 268-277.
[18] Bem a propósito o magistério de OLIVEIRA, Carlos Alberto
Álvaro de. .”.Comentários ao Código de Processo Civil, Rio. Forense, 4º ed.,
1999, v. VIII, t. II. n.º 4, p.10 “No
processo cautelar, a prevenção do dano dá-se sem interferência, do plano do
direito material, nele não se verificando efeito antecipado da futura sentença
de mérito. A ordem cautelar atua no plano sensível com caráter puramente
conservativo, destinado apenas à garantir o resultado útil do processo de conhecimento
ou de execução. Já na hipótese do art. 273 não basta apenas conservar para
garantir a insatisfação decorrente do estado antijurídico, mostrando-se
necessária a antecipação, total ou parcial, dos próprios efeitos materiais da
sentença a ser proferida no processo de
conhecimento. E conclui que: “Dessa forma, embora cautela e antecipação
trabalhem com a urgência, buscando preservação do dano decorrente da demora do
curso do processo de conhecimento ou de execução, não há como afastar a
manifesta diversidade da natureza do receio de lesão, elemento importante para
diferenciá-las”.(Op. cit., n.º 5, p. 11). Admitir-se a permanência de
cautelares atípicas satisfativas, concluímos nós em nosso “Cautelares
Satisfativas?”, significa tornar letra morta o artigo 273 do CPC .
[19] Pelo rito ordinário do processo de conhecimento, são 15
dias, para as cautelares são 5 dias.
[20] SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de Direito
Processual Civil, São Paulo, Saraiva, 16a ed., 1997, v. 2, p. 404.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, Rio, Forense, 31a
ed., 2001, p 248. FURTADO, Paulo, Execução, São Paulo, Saraiva, 2a
ed., 1991, p. 297
[21] Na doutrina , a ressalva é de DINAMARCO, Cândido Rangel. A
Reforma do Código de Processo Civil, São Paulo, Malheiros, 4º ed. 2º tiragem,
1998, p. 314:” Quando os embargos do devedor questionam o próprio crédito
ou a admissibilidade da execução, serão fatalmente dotados de suspensão
integral. Em mais de uma situação, contudo, os embargos opostos a uma execução
podem deixá-la inatingida em alguma parte. Daí a oportunidade das inovações
trazidas com a reforma, que visaram a libertar o processo executivo de
suspensões além do necessário, e, com isso, permitir a continuidade da eficácia
do título executivo na medida das partes incontroversas do crédito ou da
execução.” THEODORO JÚNIOR.
Humberto. Curso de Processo Civil,
Forense, 26º ed., 1999 v. II, p. 346.“ Há porém, possibilidade de os embargos
serem parciais, ou seja, versarem apenas sobre parte do crédito sob execução. Quando
tal se der, o efeito suspensivo abrangerá tão somente a parte impugnada da
obrigação, e a execução prosseguirá normalmente quanto ao resto.” ASSIS, Araken de. Manual do
Processo de Execução, São Paulo, RT, 5º ed. 2º tiragem, 1998, p. 1018:
” Todavia, o efeito suspensivo não integra a índole e essência dos
embargos. Nada impede o desenvolvimento paralelo e simultâneo da execução e dos
embargos, exceto a futura repercussão do julgamento dos últimos.”
Segue afirmando: “Nos
casos de oposição parcial(p. ex., o devedor embarga alegando juros excessivos,
deixando incontroverso o principal), é recomendável o prosseguimento da
execução, realizando a parcela incontroversa do crédito, o que o art. 739,§ 2º
consagrou”(Op. cit. p. 936)
[22] DINAMARCO, Cândido Rangel, A reforma do CPC cit, p. 313.
[23] ASSIS. Araken de . Manual do Processo de Execução, São
Paulo, RT, 5a ed., 1998, p. 960.
[24] Conforme o artigo 745 do CPC. FURTADO, Paulo, Execução, São
Paulo, Saraiva, 2a ed., 1991, p. 321.
[25] Como doutrina SILVA,
Ovídio Baptista da. Curso de
Processo Civil. 4ª ed., São Paulo:
Revista dos Tribunais, v.I p. 137, in
verbis: “O juiz não poderá antecipar declaração, constituição ou condenação,
sob foro de tutela provisória, e, se o fizer, seu provimento será inteiramente
inócuo, sem qualquer relevância processual. Se o juiz dissesse, por exemplo,
numa ação declaratória de ilegalidade de
exigência fiscal, que ‘tudo indica que o tributo é realmente ilegal”, ou
dissesse que, pelas provas até agora
existentes nos autos, sou levado a supor que o autor tem razão’; ou,
finalmente, dissesse, em que seu provimento liminar mais ou menos isto: ‘o
direito do autor apresenta-se com um elevado graus de verossimilhança’; (…),
todas essas proposições não teriam nenhuma relevância processual.”
[26] NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios Fundamentais- Teoria Geral
dos Recursos. São Paulo. RT, 4a ed. 1997, p. 380 et seq, elenca os
recursos sem efeito suspensivo..
[27] Ver a preciosa monografia de BUENO, Cassio Sacarpinella.
Execução Provisória e Antecipação da Tutela, Dinâmica do efeito suspensivo da
apelação e da execução provisória: conserto para a efetividade do
processo, São Paulo, Saraiva, 1999, p.
300 et seq.
Informações Sobre o Autor
Marcelo Colombelli Mezzomo
Juiz de Direito Substituto, atuando na 2ª Vara Cível e Anexo da Fazenda Pública de Erechim-RS