As espécies de bens impenhoráveis

Resumo:O presente artigo tem como escopoa apresentação do conceito de bens impenhoráveis, analisando as três espécies existentes deste instituto processual. Trata-se de um estudo acerca dos bens que não estão sujeitos a penhora, dentro do processo de execução, à luz da legislação processual civil em vigor e do novo diploma legal instituído pela Lei13.105 de 16 de março de 2015.Assim, observa-se que a existência dos bens impenhoráveis está balizada pelo principio da dignidade humana, a fim de garantir ao devedor o mínimo existencial.

Palavras-chave: Bens Impenhoráveis. Conceito. Processo Civil. Processo de Execução. Penhora.

Abstract:Thisarticlehas the objective presentation oftheconceptofnotpledgedassets, analyzingthethreeexisting species of this procedural institute. This is a study about the goods that are not subject to attachment within the implementation process in the light of the civil procedural legislation and the new legislationintroducedby Law 13.105 ofMarch 16, 2015. Thus, observed that theexistenceofunseizablegoods are guidedbytheprincipleofhumandignity, in ordertoensurethedebtortheexistentialminimum.

Keywords:Unseizablegoods. Concept. Civil lawsuit. Execution process. Garnishment.

Sumário: Introdução. 1. As espécies de bens impenhoráveis. Considerações finais. Referências.

Introdução

O processo civil está divido em três espécies, sendo certo que são: o processo de conhecimento, o processo cautelar e o processo de execução.

No que concerne ao processo de execução, verifica-se que este é meio adequado para o credor satisfazer seu crédito quando o devedor deixa de cumprir obrigação certa, líquida e exigível, consubstanciada em um título executivo.

Logo, o credor poderá se valer do instituto da penhora para satisfazer a obrigação que não foi cumprida espontaneamente pelo devedor dentro do processo de execução.

Destarte, é certo que nem todos os bens do devedor estarão sujeitos à penhora. Isto porque a legislação processual civil prevê expressamente que existem bens que são impenhoráveis.

Ora, no gênero de bens impenhoráveis existem três espécies que devem ser analisadas com detalhes: bens absolutamente impenhoráveis, bens relativamente impenhoráveis e o imóvel destinado à moradia ou também chamado de bem de família.

Nesse diapasão, é necessário compreender qual a importância desta resalva em matéria processual, bem como da sua relevância para proteção e eficácia do princípio da dignidade humana.

Para tanto, utiliza-se o método indutivo, partindo-se de informações específicas para se obter constatações gerais. Por indução que se chega a uma conclusão a partir da generalização da observação de um fenômeno.

Salienta-se que a construção do artigo científico constituiu nas seguintes etapas: a) determinação do tema-problema da pesquisa; b)escolha do método científico; c) determinação do referencial; d) levantamento bibliográfico; e) construção do trabalho; f)elaboração das considerações finais.

1. As Espécies de bens impenhoráveis

Primeiramente, cumpre esclarecer que o processo civil brasileiro divide-se em três espécies, quais sejam, processo de conhecimento, processo cautelar e processo de execução.

Nesse sentido, o processo de execução é utilizado quando o credor, chamado tecnicamente de Exequente, possui um título executivo judicial ou extrajudicial em face do devedor, chamado de Executado[1].

Com efeito, a execução poderá ser instaurada caso o devedor não satisfaça a obrigação certa, líquida e exigível consubstanciada em algum título executivo.

Ainda, iniciado o processo de execução e não existindo cumprimento espontâneo da obrigação por parte do Executado, o Exequente poderá satisfazer seu crédito por meio da penhora.

Dentro do ordenamento jurídico a penhora é instituto que garante ao credor o direito de obter aquilo que lhe é de direito, sendo ato expropriatório que apreende os bens para garantir o crédito e, posteriormente, satisfazê-lo.

Nesse diapasão leciona Marcus Vinicius Rios Gonçalves que “Por meio dela selecionam-se os bens do devedor afetados à expropriação, os quais ficam preservados em mãos de um depositário” (GONÇALVES, 2012, p.150).

Assim, a penhora individualiza e segrega os bens que responderão pela dívida, sendo certo que todos os bens do Executado respondem pelo cumprimento da obrigação, ressalvados apenas aqueles que a lei torna imunes à atividade executiva (CÂMARA, 2015, p. 345).

Diante disso, a penhora gera efeitos processuais e materiais. Os efeitos processuais consubstanciam-se em garantia do juízo, individualização dos bens que suportarão a execução e direito de preferência ao Exequente. Igualmente, são efeitos materiais da penhora a retirada do bem da posse direta do Executado e ineficácia de qualquer ato de alienação ou oneração do bem apreendido (CÂMARA, 2008, p. 267).

Ora, a doutrina dispõe que:

“(…) existem três diferentes regimes de impenhorabilidadeno Direito Processual Civil Brasil: o da impenhorabilidade absoluta, o da impenhorabilidade relativa e o regime especial da impenhorabilidade do imóvel residencial. Com características próprias que os distinguem nitidamente (…)” (CÂMARA, 2015, p.345).

Logo, é fato que existem bens aos quais a lei atribui imunidade dentro do processo de execução, estes são chamados de impenhoráveis.

Destarte, a fim de compreender melhor as características que distinguem os bens chamados de impenhoráveis, faz-se necessária uma análise de cada espécie separadamente.

Inicialmente, verifica-se que os bens absolutamente impenhoráveis são aqueles que não podem ser penhorados em hipótese alguma, conforme disposto no artigo 833 do novo Código de Processo Civil:

“Art. 833 – São impenhoráveis: I – os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução; II – os móveis, os pertences e as utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou os que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida; III – os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor; IV – os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º; V – os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício da profissão do executado; VI – o seguro de vida; VII – os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas; VIII – a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família; IX – os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social; X – a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos; XI – os recursos públicos do fundo partidário recebidos por partido político, nos termos da lei; XII – os créditos oriundos de alienação de unidades imobiliárias, sob regime de incorporação imobiliária, vinculados à execução da obra”(Lei nº13.105, de 16 de março de 2015).

Para exemplificar, são absolutamente impenhoráveis os bens gravados com cláusula de inalienabilidade ou qualquer outro bem que, as partes, por meio de negocio processual, tenham resolvido que não poderá ser penhorado em uma execução estas figurem (CÂMARA, 2015, p.346).

Nesse ponto, cumpre esclarecer que a impenhorabilidade não se aplica nos casos de execução de dívida relativa ao próprio bem imóvel ou contraída para sua aquisição, consoante expresso no artigo 833 § 1º.

São também tratados como absolutamente impenhoráveis, os bem que guarnecem o imóvel residencial do devedor, com exceção daqueles de elevado valor, ou seja, que não são de premente necessidade para um padrão comum de vida. Sendo assim, o mesmo entendimento se aplica para os vestuários e pertences de uso pessoal, de modo que apenas o mínimo existencial será tido como impenhorável.

Ainda, qualquer tipo de remuneração percebida por alguém em decorrência do seu labor é impenhorável, porém insta salientar que existe uma exceção para o caso de execução de prestação alimentícia, caso em que será possível a apreensão do salário, nos termos do artigo 833,§2º, do Código de Processo Civil.

Ora, se a remuneração pelo trabalho é bem absolutamente impenhorável, por certo que são também impenhoráveis os instrumentos utilizados para exercer o labor, como por exemplo, não se podem penhorar os livros de um advogado (artigo 833, V). Logo, a norma trata dos bens necessários ou úteis ao exercício da profissão.

Do mesmo modo, são absolutamente impenhoráveis o seguro de vida, os materiais usados em obra não acabada, a pequena propriedade rural, os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação em saúde, educação ou assistência social, o valor depositado em caderneta de poupança que não exceda 40 (quarenta) salários-mínimos e, por fim, os créditos oriundos de alienação de unidades imobiliárias, sob regime de incorporação, vinculados à execução da obra.

Sendo assim, o rol taxativo previsto no Código de Processo Civil objetiva resguardar os bens que são de uso essencial para sobrevivência do cidadão, levando em conta um padrão médio de vida e o princípio do mínimo existencial.

Conquanto existam os bens acima elencados, também existem bens impenhoráveis da espécie denominada de bens relativamente impenhoráveis. Estes bens poderão ou não ser penhorados conforme a capacidade patrimonial do Executado.

Nesse aspecto, observa-se que o artigo 834 no novo Código de Processo Civil elenca os bens que serão penhorados na hipótese do devedor não possuir outros que possam satisfazer a obrigação: “Podem ser penhorados, à falta de outros bens, os frutos e os rendimentos dos bens inalienáveis”.

Logo, se existirem outros bens que não aqueles previstos no artigo 834 e que possa garantir a execução, não será possível aprender estes bens indicados no dispositivo legal supra.

Perceba-se que os bens inalienáveis são absolutamente impenhoráveis, por força do disposto no artigo 833, I do Código de Processo Civil. No entanto, os frutos e rendimentos destes bens podem ser penhorados, na hipótese única da falta de outros bens (CAMÂRA, 2015, p.348).

Por último, também recebe o status de bem impenhorável, o chamado bem de família. Observa-se que Alexandre Freitas Câmara chama este instituto de impenhorabilidade do imóvel residencial, justificando que:

“Dois são os motivos que levam a isso. O primeiro deles é o fato que a denominação bem de família é empregada para designar outro fenômeno […] e que é regido pelos arts. 1.711 a 1.722 do CC. […] O segundo motivo está em que a caracterização de uma família exige, pelo menos, duas pessoas (já que, no mínimo, uma entidade familiar é formada por cônjuges, companheiros ou um ascendente e um descendente). Daí resultaria que a expressão “bem de família” poderia gerar a equivocada impressão de que o beneficio criado pela Lei nº8.009/1990 não protegeria pessoas que residem sozinhas” (CÂMARA, 2015, p.349).

Portanto, é impenhorável o imóvel destinado a garantir a residência do devedor e de sua família, razão pela qual não importa se o imóvel em que reside é o de menor valor ou ainda, se o Executado possui outros imóveis.

Para que o imóvel residencial seja considerado impenhorável basta que ele sirva para moradia, ainda que o devedor tenha outros ou que seja este o mais valioso.

Vale ressalta que só um imóvel pode ser protegido pelo regime supracitado (artigo 5º da Lei 8.009/90). Ou seja, no caso do devedor utilizar mais de um imóvel para residência, somente um deles será considerado impenhorável, qual seja, o aquele dentre os usados para residência que tenha o menor valor.

Por fim, existe exceção expressa na lei para a impenhorabilidade do imóvel residencial:

“Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: I – em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias;II – pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;III — pelo credor de pensão alimentícia;IV – para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;V – para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;VI – por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens;VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação”(Lei 8.009 de 29 de março de 1990).

Portanto, a impenhorabilidade do bem de família não é absoluta, conforme se depreende da leitura do dispositivo legal supra, existem exceções que permitem a penhora do aludido bem.

Por todo o exposto, a existência dos bens absolutamente impenhoráveis está balizada pelo principio da dignidade humana, conforme assevera Humberto Theodoro Júnior “não pode a execução ser utilizada como instrumento para causar a ruína, a fome e o desabrigo do devedor e sua família, gerando situações incompatíveis com a dignidade da pessoa humana” (JÚNIOR, 2012,p.131).

Destarte, a legislação processual civil ao prever expressamente exceções para a regra de que todos os bens do Executado respondem pela obrigação, mostra-se coerente com os princípios constitucionais que balizam a interpretação do ordenamento jurídico.

Assim, a previsão de impenhorabilidade de determinados bens, seja absoluta ou relativa, pretende garantir um mínimo existencial, ou seja, uma condição minimamente digna de vida para o devedor.

Considerações finais

O presente trabalho abordou o conceito de bens impenhoráveis, adentrando a caracterização de cada uma das três espécies.

Para tanto, inicialmente estudo-se brevemente o instituto da penhora, com fito de compreender sua importância para satisfação do crédito dentro do processo de execução.

Assim, restou evidenciado que o credor poderá se valer da penhora para satisfazer a obrigação que não foi cumprida espontaneamente e está consubstanciada em título executivo certo, liquido e exigível.

Nesse sentido, verificou-se que de modo geral todos os bens do devedor responderão pela dívida no processo de execução, com ressalva para os denominados pela legislação de bens impenhoráveis.

Outrossim, com fito de melhor compreender o significado do termo bens impenhoráveis dentro da legislação, procedeu-se a uma análise de cada espécie, tratando-se do bens absolutamente impenhoráveis, relativamente impenhoráveis e do bem de família.

Observou-se que o Código de Processo Civil determina expressamente quais os bens que são tratados como absolutamente impenhoráveis, existindo rol taxativo no artigo 833 deste diploma. Assim, também a legislação em comento prevê o que será relativamente impenhorável no artigo 834.

Por fim, também é classificado como bem impenhorável, o imóvel destinado à moradia da família, conforme disposto na Lei 8.009/90. Nesse ponto, restou demonstrado que a proteção destina-se também as pessoas que possuem mais de um imóvel.

Portanto, após a análise das espécies de bem impenhoráveis, restou concluído que a legislação processual civil em respeito aos princípios constitucionais, em especial o principio da dignidade humana, optou por criar exceção à regra de que todos os bens do devedor responderão pela dívida.

Assim, o instituto processual dos bens impenhoráveis resguarda o mínimo existencial para o devedor, não permitindo que este seja expropriado, por exemplo, de sua moradia, de seu salário, materiais utilizados para desempenho da profissão que garantem seu sustento, entre outros.

Referências
BRASIL. Lei nº 13.105, 16 de março de 2015.Código de Processo Civil.Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 17 mar. 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em 10 mar. 2016.
BRASIL. Lei nº 8.009, de 29 de março de 1990.
Dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 30 mar. 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8009.htm>. Acesso em 10 mar. 2016.
BRASIL. Lei nº 5.869, 11 de janeiro de 1973.Institui o Código de Processo Civil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 17 jan. 1973. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869.htm>. Acesso em 10 mar. 2016.
CÂMARA, Alexandre Freitas.Lições de Direito Processual Civil. 16ª.ed. vol.2. Rio de Janeiro. 2008.
CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo Processo Civil Brasileiro. 1ª ed. São Paulo: Atlas, 2015.
GONÇALVES, Marcus Vinicius Rio. Novo Curso de Direito Processual Civil Processo de Conhecimento e Procedimentos Especiais. 7ª ed.São Paulo: Saraiva, 2011.
DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. 18ª ed. São Paulo: Atlas,2014.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 47ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012.
 
Nota:
[1]Os títulos executivos judiciais são aqueles expressamente previstos no Art. 475-N do Código de Processo Civil e os títulos executivos extrajudiciais são abordados no Art. 585 do mesmo Diploma Legal.


Informações Sobre os Autores

Paula Treges Dovizio

Advogada, bacharel em direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Pós-graduanda em direito processual civil pela Universidade Cândido Mendes- Curso Fórum

Juliana Giovanetti Pereira da Silva

Advogada Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP. Bolsista CAPES. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas

Lais Giovanetti

Advogada mestranda em Direitos e Garantias Fundamentais pela Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP. Bolsista CAPES. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas


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