Cognição probatória processual, desafios e vieses enfrentados pelos julgadores quando em contato com a Prova Ilícita e sua possível admissão excepcional

Autor: Rafael Ferreira Máximo Diniz – Advogado, graduado pela FMU, Pós graduando em Direito Processual Civil na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Resumo: O presente estudo foca-se na análise da Prova Ilícita quando submetida a apreciação judicial, hipótese em que, em tese, estará o julgador para sempre “infectado” pela prova. Neste ponto alguns defendem a suspeição do magistrado, enquanto outros sustentam sua manutenção, porém, ao se tratar da prova muito se discute na doutrina acerca da eventual possibilidade de admissão excepcional, isto porque, muitas vezes, a prova ilícita pode ser o único elemento que demonstra a verdade dos fatos nos autos processuais. Nesta discussão, deve-se estudar com muita cautela as questões fáticas que poderão ser comprovadas por meio de provas ilícitas, bem como, os vieses de cognição que irão permear o julgador que teve acesso a este conteúdo. Deve-se optar por verificar quais são as áreas de nosso intelecto que são ativadas quando temos contato com um documento e quais fatores ficarão registrados, bem como, é necessário tentar desvendar se a descontaminação do julgamento é possível.

Palavras-chave: vieses, prova ilícita, art. 396 CPC, prova, princípio da relativização, proibição da prova ilícita.

 

Abstract: The present study focuses on the analysis of the Illicit Evidence when submitted to judicial analyses, fact that, in theory, will “infect” the judge by the presented evidence. In this hypothesis, some defend that the magistrate needs to recuse himself from the case, while others support he’s maintenance, however, when it comes to the evidence, much is discussed in the Brazilian doctrine about the possibility of exceptional admission of the evidence, because, on many cases, the illicit evidence may be the only element that can show the truth of the facts documented on the case’s records. In this discussion, one should study very carefully the factual issues that can be proven through illicit evidence, as well as, the cognitive biases that will permeate the judge who had access to its contents. One should also choose to check which areas of our intellect are activated when we have contact with a document and which factors will be recorded, as well as, it is necessary to try finding out if decontamination of the trial is possible.

Keywords: biases, illicit evidence, art. 396 CPC, evidence, relativization principle, prohibition of illicit evidence.

 

Sumário: Introdução. 1.Das provas. 1.1. Do ônus. 1.2. Breve menção à classificação das provas 1.3. Consideração acerca da natureza das provas. 1.4. A proibição à prova ilícita. 1.5. A relativização da proibição da prova ilícita à luz do princípio da proporcionalidade. 1.5.1. Casos concretos envolvendo a relativização da prova ilícita. 2. Breves apontamentos sobre a cognição judicial. 3. As formas da cognição humana e judicial: análise da psicologia. 3.1. As Heurísticas do pensamento e os Vieses cognitivos: armadilhas da razão. 3.2. Os vieses de cognição e a relativização da proibição da prova ilícita. 3.2.1. Viés egocêntrico. 3.2.2. Viés de confirmação e Viés de expectativa. 3.2.3. Viés de aversão aos extremos. 3.2.4. Viés de ancoragem ou focalismo. 3.2.4.1. Teoria da descontaminação do julgado. Conclusão. Referências Bibliográficas.

 

Introdução

Na seara do Direito Processual Brasileiro, tema das provas possui altíssima relevância. Isto porque, é por meio destes instrumentos processuais que é possível comprovar as alegações das partes e demonstrar que sua pretensão merece o amparo jurídico que se pretende por meio do Processo Judicial.

Por este motivo, questões relativas à prova judicial encontram-se constantemente em voga e são temas de diversos debates, discussões e questionamentos pelos mais diversos operadores do direito, eis que se tratam da questão central do Processo, pois, somente por meio das provas é que se pode demonstrar a legitimidade da pretensão e, assim, obter a tutela jurisdicional.

Nessa linha, sabe-se que as provas devem ser os únicos elementos a serem considerados pelos magistrados responsáveis pela prestação jurisdicional, que deve analisar a verdade dos fatos em face às provas que lhe são trazidas e conforme estas formam seu convencimento no chamado processo de cognição, somente após o conhecimento das provas é que o juiz poderá tomar uma decisão. Este fato é tão verdadeiro que inclusive nos casos em que se concede uma tutela liminar ou cautelar, por meio do chamado processo de cognição sumária o julgador profere sua decisão baseando-se em provas preliminares que, apesar de não passarem pelo crivo do Contraditório, são capazes de demonstrar a probabilidade do direito do autor ou o perigo que existe na demora da decisão judicial.

Dada a grande relevância do tema para a área jurídica, é importante que se faça uma reflexão acerca das formas pela qual se forma o convencimento dos magistrados, eis que, não poucas vezes as partes e seus patronos defrontam-se com decisões arbitrárias, ou até mesmo, contrárias às provas constantes nos autos processuais. Poucos são os advogados que não viveram esta realidade que é passível de gerar custos e a necessidade de se recorrer destas decisões aos tribunais, aumentando assim o tempo que se aguarda até que seja proferida uma decisão justa.

Ora, compreendendo que os magistrados, mesmo frente a provas hábeis de provar os direitos do autor por vezes pronunciam julgamentos eivados de erro e contrários as provas dos autos, impossível deixar de questionar: frente a prova ilícita, como se dará a ratio decidendi do magistrado?

Esta questão é de essencial importância quando compreendemos que no direito processual Brasileiro, o juiz que entra em contato com a prova ilícita nos autos deve desentranhá-la dos autos processuais, contudo, permanece como julgador do caso. Tal fato gera intensa discussão no campo jurídico, eis que, não poucas pessoas defendem que o magistrado deve ser considerado suspeito, vez que sabe de algo que não deveria saber em razão de sua ilicitude.

Frente a tais questões que abalam o sistema jurídico brasileiro, para compreendermos melhor as questões relacionadas à apreciação judicial das provas, precípuo compreender que os magistrados são seres humanos passíveis de erros e vícios em suas razões de decidir. Ademais, cumpre lembrar que, apesar de necessária a imparcialidade do julgador para decidir, o Código de Processo Civil garante aos magistrados o direito ao livre convencimento motivado, conforme preceitua o artigo 371[1] do instituto legal, por si só, o livre convencimento, garantia dos magistrados, trata-se de fator eivado de subjetividade.

Neste sentido, para compreender o significado de decidir, devemos nos afastar das questões de direito e buscar compreender como são tomadas as decisões em nosso subconsciente, ou seja, como nosso cérebro toma as decisões forma seus convencimentos, quais são os fatores de relevância para a compreensão do mundo, do direito e, em especial, das provas.

Para compreender melhor a questão apresentada busca-se amparo na Neurociência, Psicologia e Filosofia, todas aplicadas ao ser humano e seus processos de formação do convencimento, assim, poderemos compreender melhor o que leva as pessoas a tomar decisões e, assim, aplicando o resultado da pesquisa ao campo do Direito, poderemos entender como a tomada de decisão ocorre por parte do magistrado.

A fim de compreendermos o que irá se transcorrer, devemos primeiramente, nos desvincular da crença no poder da racionalidade. Conforme o passar do tempo e com a evolução das ferramentas da psicologia comportamental e da psicanálise, a crença na racionalidade foi, aos poucos, sendo superada. Porém, apesar de ter sido superada em alguns quesitos, ainda não se encontra totalmente superada em nossa sociedade, em especial, no ramo do direito, onde ainda se supõe que os sujeitos que interagem no processo o fazem de forma racional, porém, isto não é totalmente correto, conforme nos ensina Dierle Nunes:

“Ainda que uma postura hermenêutica se preocupe com a reconstrução da tradição e a problematização dos supostos textos/falas ou ainda que uma filosofia da linguagem aponte requisitos linguísticos-pragmáticos para a formação racional do entendimento, podem deixar em aberto “armadilhas” psíquicas que não percebemos pois que, muitas vezes, operam no nível do inconsciente da estruturação de nossa forma de pensar mas que determinam, ainda que não queiramos, pois, a exteriorização de nossas posições e, mais especificamente, das decisões (inclusive judiciais).”[2]

Estudos na área da neurociência e da psicologia comportamental comprovam que o comportamento decisório humano se vale de “atalhos cognitivos” que tem por objetivo acelerar o processo decisório e evitar gastos desnecessários de energia. Tal comportamento humano decorre do instinto. Neste aspecto, pode ocorrer que, neste “atalho mental” surja algum viés que desvie o fato da racionalidade lógica, gerando uma compreensão errônea dos fatos em razão das preconcepções mentais que se desenvolveram.

Nesse aspecto, a formação dos vieses de cognição trata-se de fato que ocorre instintivamente em nosso cérebro e, portanto, deixa de ser algo sobre o qual temos o controle e passa a ser algo automático, que somente irá se desfazer por meio de técnicas de desenviesamento, o que, não ocorre no sistema judiciário brasileiro.

Por este motivo, a prova ilícita apresenta ainda maior risco ao processo, eis que é passível de gerar um viés cognitivo que prejudicará a parte contrária. Mesmo após sua retirada dos autos, o viés cognitivo que atua no inconsciente do magistrado ainda é capaz de referenciar a prova ilícita e, assim, gerar prejuízos às partes do processo.

Este, portanto, é o tema que se aborda na presente tese, onde busca analisar de forma extensiva, a existência de vieses e a analise das provas, em especial a ilícita, objetivando esclarecer se há ou não a necessidade de considerar um magistrado suspeito após seu contato com a prova ilícita, eis que pode ser gerado um viés de cognição que o faça decidir contrariamente a prova lícita dos autos.

 

  1. Das provas

O termo “prova” tem diversos significados para a língua portuguesa, contudo, seu significado deriva da palavra latina probatio, que por sua vez significa provar, verificar, confirmar a veracidade. Desta forma, podemos entender que a prova se trata do meio utilizado pelas partes e seus patronos para auferir a tutela jurisdicional que se pretende, por meio da comprovação da existência de determinado fato. Conforme preceitua o professor Daniel Amorim Assumpção Neves:

“Nesse sentido, o vocábulo prova, no processo civil, pode significar tanto a atividade que os sujeitos do processo realizam para demonstrar a existência dos fatos formadores de seus direitos que haverão de basear a convicção do julgador, quanto ao instrumento por meio do qual essa verificação se faz. No primeiro sentido designa, por exemplo, a série de atividades para trazer ao processo um fato que depende de conhecimento técnico especial – prova pericial; no outro o fato provado por aquele meio.”[3]

Desta forma, podemos compreender que o direito surge como consequência de fato ou um conjunto de fatos que são passíveis de assegurar ao portador do direito objetivo, o direito subjetivo de demandar judicialmente outrem, com a finalidade de obter tutela jurisdicional garantidora de seu direito.

Assim, para comprovar que é portador deste direito subjetivo à prestação jurisdicional garantidora de direito objetivo ferido, resultando em ato ilícito, a parte que busca a jurisdição deve provar sua pretensão, por meio dos mais variados tipos de prova, expondo assim, os fundamentos jurídicos de seu direito, conforme manda o artigo 319[4], III do Código de Processo Civil.

Desta forma, assegurando seu direito à pretensão jurisdicional, por meio da comprovação de fatos, o que pode ser confirmado ou negado pela parte processada, eis que seu ônus é comprovar fatos modificativos, desconstitutivos ou extintivos da pretensão autoral, nos exatos termos do artigo 373[5] do Código de Processo Civil.

Neste aspecto, podemos verificar que tanto autor quanto réu são sujeitos há quem se vale a prova, um para provar a veracidade dos fatos, outro, para comprovar que tais fatos são impedidos, inexistentes, extintos ou passíveis de modificação. Garantindo-se assim, princípio da ampla defesa, ou seja, a utilização de todos os meios legítimos e admitidos em direito que sejam passíveis a provar o alegado, ou seja, a comprovar determinado fato. Tal mandamento legal trata-se de um direito e um ônus o que o difere de um dever.

Não obstante, cumpre observar que o direito brasileiro adota a liberdade dos meios de prova, desta feita, pode-se entender que todo e qualquer instrumento de prova poderá ser admitido no processo, nos termos do artigo 396 do Código de Processo Civil, vendando-se apenas a prova ilícita, eis aqui, a única limitação a prova conferida em lei.

 

1.1 Do ônus

A fim de compreendermos melhor do que se trata a prova, patente buscar o significado dos termos ônus e dever: tratam-se de modalidades distintas da sujeição individual, ou seja, ambos tratam-se da necessidade de se obedecer. Carnelutti esclarece que a sujeição se trata da expressão subjetiva do comando jurídico, considerando no seu lado passivo, isso é, da parte de quem é comandado, significando a necessidade de obedecer.[6] Assim, podemos entender que ambos os termos ônus e dever, tratam-se do desdobramento do entendimento da sujeição individual e, portanto, tem o mesmo significado: a limitação da vontade. Nessa esteira, basta agora diferenciar o dever do ônus. De um lado, o dever, significa, nos termos expressos pelo Ministro Eros Grau:

“consubstancia precisamente uma vinculação ou limitação imposta à vontade de quem por ele alcançado. Definido como tal pelo ordenamento jurídico, o dever há de ser compulsoriamente cumprido, sob pena de sanção jurídica — o seu não atendimento configura comportamento ilícito.”[7]

Desta forma, pode-se compreender que o dever trata-se de uma ação cuja necessidade de cumprir impõe-se à vontade do sujeito, sendo que, seu não cumprimento acarretará em ato ilícito passível de sanção.

Contrariamente, o ônus possui duas primordiais distinções, a primeira é a sua facultatividade, ou seja, seu descumprimento não acarretará em ato ilícito e, portanto, não vincula a vontade, a segunda é que o cumprimento do ônus acarretará em benefício ao onerado, assim, apesar de não vincular sua vontade, seu descumprimento poderá gerar desvantagem, conforme expõe claramente o ministro Eros Roberto Grau:

“falamos de ônus quando o exercício de um a faculdade é definido como condição para a obtenção de u m a certa vantagem; para tanto, o ônus é uma faculdade cujo exercício é necessário para a realização de um interesse13. E esclarece: dever e ônus têm e m comum o elemento formal, consistente no vínculo à vontade, mas diverso o elemento substancial, porque o vínculo é imposto, quando se trata de dever, no interesse alheio, e, tratando-se de ônus, para a tutela de um interesse próprio”[8].

Nesse aspecto, podemos claramente perceber que a produção da prova trata-se de um ônus, isto porque, é interesse da parte produzir a prova afim de comprovar seu direito, a não produção da prova não gerará ato ilícito, contudo, a ausência de demonstração da legitimidade de sua pretensão acarretará na perda de um benefício, qual seja, o pretendido na demanda processual. Isso fica ainda mais claro quando o juiz procede com a inversão do ônus probatório, pois, nesse caso, a parte carrega o ônus deve provar que não deu causa à demanda sob pena de ser condenada.

 

1.2 Breve menção à classificação das provas

O direito classifica as provas segundo diversos critérios, relacionados diretamente com a natureza das provas trazidas aos autos. Assim, segundo o objeto da prova, estas serão diretas ou indiretas; em relação a sua fonte, poderão ser pessoais ou reais; em razão de sua forma, podem ser testemunhais, documentais e materiais e, em função de sua preparação e forma de ingresso nos autos, podem ser causais ou pré-constituídas. Nos ensina o Professor Daniel Neves:

“A prova direta destina-se a comprovar a alegação de um fato, já a prova indireta, destina-se a demonstrar fatos secundários ou circunstanciais (indícios), por meio dos quais o juiz, em raciocínio dedutivo. Presume como verdadeiro fato principal.

A prova pessoa decorre de declaração de uma pessoa, ao revés, a prova real é constituída por meio de objetos e coisas.

A prova testemunhal é aquela produzida de forma oral por uma testemunha; a documental é toda afirmação escrita ou gravada e a material é a perícia e a inspeção judicial.

A prova causal é a produzida dentro do próprio processo e a pré-constituída é aquela formada fora do processo.”[9]

 

1.3 Consideração acerca da natureza das provas

Em relação a sua natureza, as provas podem ser típicas ou atípicas, desta forma, tem-se o conceito de prova típica como aquela que se encontra previamente definida em lei e, portanto, cumpre seu proposito na forma da norma legal. Por outro lado, a prova atípica não encontra seu fundamento prescrito na legislação, contudo, é aceita no processo civil conforme pode-se constatar a partir da análise do artigo 396[10] do Código de Processo Civil.

Desta feita, possível notar que a lei garante as partes o direito de utilizar-se das provas típicas, ou seja, aquelas que se encontram prescritas no código legal, bem como, das provas atípicas, ou seja, aquelas que não se encontram especificadas no diploma legal. Nesse sentido, inclusive é pacifico no tribunal:

“AÇÃO DE COBRANÇA – CERCEAMENTO DE DEFESA – Inocorrência – Cabe ao juiz determinar as provas pertinentes à instrução do feito, indeferindo aquelas que entender inúteis ou protelatórias – Inteligência do artigo 130, inciso II do CPC – Prova testemunhal que era prescindível, tendo em vista que nada obsta que companheiros ou até mesmo cônjuges realizem negócio jurídico entre si, desde que preenchidos os requisitos elencados no artigo 104 do Código Civil. Simulação – Não ocorrência – Negócio Jurídico suficientemente comprovado pelas provas acostadas aos autos. GRAVAÇÃO AMBIENTAL – Admissibilidade – Não violação ao artigo 5º, inciso LVI da Constituição Federal e ao artigo 332 do CPC – A gravação de conversa realizada por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, se não houver causa legal específica de sigilo, nem reserva de conversação, apresenta-se como meio lícito de prova – Precedentes do E. Supremo Tribunal Federal, bem como desta C. Corte – Apelo improvido. (TJSP;  Apelação Cível 0000659-34.2013.8.26.0008; Relator (a): Fábio Podestá; Órgão Julgador: 5ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional VIII – Tatuapé – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 17/11/2014; Data de Registro: 17/11/2014)” (grifou-se)

“RESPONSABILIDADE CIVIL. Pretensão à reparação por danos materiais e morais decorrentes de infecção contraída em razão da realização de polissonografia. Exame realizado nas dependências do hospital réu. Relação entre o réu e a causa que o tornam parte legítima para figurar no polo passivo da ação. Relatório de investigação e gravação ambiental realizados por investigador particular. Inexistência de ofensa à intimidade do autor ou de violação a outros direitos constitucionalmente protegidos. Prova lícita. Cerceamento de defesa caracterizado. Necessidade de produção de outras provas, pois aquelas apresentadas pelos réus são contrárias ao laudo pericial elaborado por perito nomeado pelo Juízo. Conjunto probatório que não permite concluir pela responsabilidade dos réus. Requerimento expresso quanto à produção de outras provas. Sentença anulada. Recurso parcialmente provido. (TJSP;  Apelação Cível 0060173-59.2010.8.26.0577; Relator (a): Milton Carvalho; Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Privado; Foro de São José dos Campos – 6ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 08/08/2013; Data de Registro: 13/08/2013)”

Desta feita, conforme pode-se observar nas decisões acima expostas, comprova-se o cabimento de prova atípica no âmbito do Processo Civil, nos termos do artigo 396 do Código de Processo Civil. Ambas tratando-se de provas atípicas surgidas em relação aos novos meios de provas. Ora, importante notar que, com o advento das novas tecnologias surgiram novos meios de prova capazes de demonstrar a pretensão das partes, mesmo que de modo atípico.

 

1.4 A proibição à prova ilícita

O Código de Processo Civil discrimina que são patentes de fazer prova todos os meios legais, bem como, os moralmente legítimos, mesmo que estes não constem no escopo do código, conforme preceitua o artigo 396, supracitado. Este artigo, por si só apresenta uma limitação à produção da prova, vez que veda a produção da prova ilícita, da mesma forma que o artigo 5º, LVI[11] da Constituição da República, conforme podemos ler:

Este mandamento legal traduz a importância do tema que se estuda, o impedimento da prova obtida por meios ilícitos de figurar-se válida num determinado processo. As provas que são juntadas a determinado processo, se obtidas de forma ilegítima ou ilegal, não podem prestar-se a provar o que se alega. Isto porque, apesar do direito à parte de provar o que se alega, esta não pode ferir o direito de outrem para fazê-lo, ensina-nos Mauro Cappelletti:

“também uma moderna concepção probatória, segundo a qual todos os elementos de prova relevantes para a decisão deveriam poder ser submetidos à valoração crítica do juiz, admite, no entanto, hipóteses em que o direito à prova pode ceder frente a outros valores, em especial se estão garantidos constitucionalmente.”[12]

Nesse aspecto, temos um importante limitador ao direito à prova: as garantias constitucionais e a própria lei, naquilo que confere às pessoas como princípios e direitos básicos. Esta proibição visa, inclusive, proteger a garantia ao Devido Processo Legal. Paulo Osternack do Amaral, ministra que:

“o ordenamento jurídico brasileiro veda o aproveitamento no processo de provas obtidas por meios ilícitos (CF/1988, art. 5, LVI). Trata-se da imposição pela constituição de um limite moral ao direito à prova, que norteia a conduta das partes e a atividade do juiz no processo. O código de processo civil contemplou em sede infraconstitucional a proibição de provas ilícitas a contrário sensu, ao admitir a produção de provas atípicas desde que sejam legais e moralmente legítimas.”[13]

Na tentativa de analisar e compreender o que é uma prova ilícita, nos deparamos com diversos posicionamentos acerca de sua natureza, iniciamos com a explicação que nos foi concedida pelo jurista Luiz Guilherme Marinoni, que define a prova ilícita como sendo aquela que “viola uma norma, seja de direito matéria, seja de direito processual”. Assim, o jurista analisa extensivamente o que seria considerada a prova ilícita.

Outro ponto de vista parte do Professor João Batista Lopes, que se vale das teses do Professor Pietro Nuvolone, de acordo com o autor, “as provas ilícitas devem ser estendidas, sendo que, serão ilícitas sempre que forem contrárias a Constituição, legislação e aos bons costumes”, desta forma, expandindo o conceito apresentado dantes”[14].

Ainda, aprofundando no pensamento do professor Nuvolone, podemos verificar que ele defende uma divisão da prova ilícita em: ilícita e ilegítima, sendo que a primeira, seria uma afronta aos direitos materiais e a segunda, tratar-se-ia de uma violação ao direito processual, conforme mencionamos:

“em sede doutrinária, há que extremar, também, as provas ilícitas das provas ilegítimas. Para Nuvolone, consideram-se ilícitas as provas que vulnerem normas de direito material e ilegítimas as que ofendam disposições de caráter processual”[15]

Ainda sobre o tema versado, pontua o renomado jurista Nelson Nery Jr.:

“O que é prova ilícita? Conceituar prova obtida ilicitamente é tarefa da doutrina. Há alguma confusão reinando na literatura a respeito do tema, quando se verifica o tratamento impreciso que se dá aos termos prova ilegítima, prova ilícita, prova ilegitimamente admitida, prova obtida ilegalmente. Utilizando-se, entretanto, a terminologia de prova vedada, sugerida por Nuvolone, tem-se que há prova vedada em sentido absoluto (quando o sistema jurídico proíbe sua produção em qualquer hipótese) e em sentido relativo (há autorização do ordenamento, que prescreve, entretanto, alguns requisitos para a validade da prova). Resumindo a classificação de Nuvolone, verifica-se que a prova será ilegal sempre que houver violação do ordenamento como um todo (leis e princípios gerais), quer sejam de natureza material ou meramente processual. Ao contrário, será ilícita a prova quando sua proibição for de natureza material, vale dizer, quando for obtida ilicitamente. Em outra classificação, a prova pode ser ilícita em sentido material e em sentido formal. A ilicitude material ocorre quando a prova deriva ‘a) de um ato contrário ao direito e pelo qual se consegue um dado probatório (invasão domiciliar, violação do sigilo epistolar, quebra de segredo profissional, subtração de documentos, escuta clandestina, constrangimento físico ou moral na obtenção de confissões ou depoimentos testemunhais etc.)’. Há ilicitude formal quando a prova ‘decorre de forma ilegítima pela qual ela se produz, muito embora seja lícita a sua origem. A ilicitude material diz respeito ao momento formativo da prova: a ilicitude formal, ao momento introdutório da mesma”[16]

Por fim, pontua o jurista que a inobservância do quanto é preceituado no artigo 5º, LVI da Constituição Federal, gera nulidade processual, eis que a proibição da prova ilícita se trata de mandamento legal de natureza processual e, portanto, o não seguimento de tal determinação gera ofensa ao princípio do Devido Processo Legal.

 

1.5 A relativização da proibição da prova ilícita à luz do princípio da proporcionalidade

Importante notar que a prova ilícita produzida nos autos de um processo, não é absolutamente inaceitável, seu cabimento é defendido por diversos juristas, bem como, trata-se de fato expoente na jurisprudência pátria. De acordo com a doutrina, a relativização da proibição da prova ilícita deve ocorrer em nome da proteção dos valores que possuem maior importância em determinado caso.

Nesse aspecto, a relativização da proibição da prova ilícita é cabível em função da busca pela verdade real por parte do juiz, eis que tal persecução se encontra em conformidade com a ordem pública e trata-se do fim institucional do Poder Judiciário, qual seja, o de tutelar de forma eficaz os direitos sub judice. Contudo, a breve explicação alhures não se presta para a compreensão do que seria o princípio da proporcionalidade, assim, cumpre uma explicação mais detalhada do tema.

Insta consignar que em relação à prova ilícita, duas correntes surgem no ramo do direito, sendo que, uma das correntes defende sua absoluta proibição, enquanto a outra adota o princípio da proporcionalidade, que visa admitir a prova obtida por meio ilícito quando esta se prestar a comprovar o alegado pelas partes e prover solução ao conflito judicial.

Acerca da corrente que pugna pela vedação completa da prova ilícita, podemos compreender que o que é defendido pelos doutrinadores são os direitos e garantias individuais, elencados na Carta Magna da República e visa e não violação destas garantias, conforme nos ensina o jurista Sérgio Shimura:

“Uma primeira corrente (proibitiva ou obstativa) pugna pela vedação absoluta da prova ilegal ou obtida por meio ilícito. O fundamento dessa posição deita raízes nos direitos e garantias individuais, como o direito à intimidade, honra, imagem, domicílio, sigilo de correspondência e de comunicações. Uma segunda corrente, mais flexível, vale-se do princípio da proporcionalidade, conhecida como a do interesse predominante, admitindo a prova, conquanto ilícita ou ilegal, tudo a depender dos valores jurídicos e morais em discussão no caso concreto”[17]

Resta agora, compreender o que é o princípio da proporcionalidade.

João Batista Lopes, define o princípio em voga como sendo o “sopesamento de valores e interesses em jogo a que procede o juiz para chegar à solução do conflito”[18]. Assim, defende o autor que deve o magistrado analisar o caso e verificar a aplicabilidade do princípio da relativização da prova ilícita, para que, desta forma, obtenha-se a verdade real tanto almejada no processo judicial.

Nesse sentido, para se admitir a prova ilícita, o magistrado deve analisar caso a caso o dilema envolvendo a prova, assim, deve-se verificar o processo pelo prisma da adequação e necessidade. Ora, conforme defendem os juristas, a proibição de prova ilícita deve ser relativizada para evitar que se cometam injustiças, daí a larga necessidade de se firmar o entendimento no princípio da relativização da prova ilícita. Assim leciona a professora Ada Pelegrino Grinover:

“A teoria hoje predominante da inadmissibilidade processual das provas ilícitas, colhidas com infringência a princípios ou normas constitucionais, vem, porém, atenuada por outra tendência, que visa corrigir possíveis distorções a que a rigidez poderia levar em casos de excepcional gravidade. Trata-se do denominado critério de proporcionalidade, pelo qual os tribunais da então Alemanha federal, sempre em caráter excepcional e em casos extremamente graves, tem admitido a prova ilícita, baseando no equilíbrio entre valores fundamentais contrastantes”[19]

Logo, conforme a doutrina prega, a admissão da prova ilícita deve se dar em razão de um direito maior, que deve ser levado em consideração caso a caso, nesse sentido, relativizar a prova ilícita quando esta tem o condão de demonstrar um direito ou garantia da parte, torna-se um dever do magistrado.

Importante notar que o assunto é objeto de polemica na doutrina e ainda não se encontra pacificado, porém, importante destacar o que diz o professor Vicente Greco Filho, que assim pondera:

“O texto constitucional parece, contudo, jamais admitir qualquer prova cuja obtenção tenha sido ilícita. Entendo, porém, que a regra não seja absoluta, uma vez que tem de conviver com outras regras ou princípios também constitucionais. Assim, continuará a ser necessário o confronto ou peso entre os bens jurídicos, desde que constitucionalmente garantidos, a fim de se admitir, ou não, a prova obtida por meio ilícito. Veja-se, por exemplo, a hipótese de uma prova decisiva para a absolvição obtida por meio de uma ilicitude de menor monta. Prevalece o princípio da liberdade da pessoa, logo a prova será produzida e apreciada, afastando-se a incidência do inciso LVI do art. 5.º da Constituição, que vale como princípio, mas não absoluto, como se disse. Outras situações análogas poderiam ser imaginadas. A ilicitude do meio de obtenção da prova seria afastada quando, por exemplo, houver justificativa para a ofensa a outro direito por aquele que colhe a prova ilícita. É o caso do acusado que, para provar sua inocência, grava clandestinamente conversa telefônica entre outras duas pessoas. Age em legítima defesa, que é causa da exclusão da antijuridicidade, de modo que essa prova antes se ser ilícita é, ao contrário, lícita, ainda que fira o direito constitucional de inviolabilidade da intimidade, previsto no art. 5.º, n. X, CF, que, como já se disse, não é absoluto”[20]

No mesmo sentido:

“O processo é instrumental em relação à ordem jurídica em geral, que deve ser entendida como um todo, não se podendo desconhecer, no processo, a ilicitude praticada, ainda que fora do processo. Se a parte, por meios lícitos, não pode obter a prova que precisa, perde a demanda, e esse mal é menor do que implicitamente autorizá-la à violação da lei para colher o meio de prova. O inciso LVI do art. 5º da Constituição proíbe a utilização de prova obtida por meio ilícito; mas tal regra não é absoluta, porque pode haver necessidade de conciliar a norma com outros direitos constitucionais, como sustentamos em nosso Tutela constitucional das liberdades”[21]

Nesse sentido, podemos entender que o princípio da proporcionalidade se trata de mecanismo processual em que o magistrado, por meio da análise do caso concreto há de verificar a necessidade da relativização da prova ilícita em função da proteção de outro direito da parte. Este direito, por sua vez, deve ser de grande importância, eis que, a relativização da prova ilícita assume conflito direto com a Constituição da República, que a veda. Assim, “a prova ilícita somente pode ser admitida em casos excepcionais, após a devida incidência do princípio da proporcionalidade, e somente quando for a única maneira de se tutelar bem maior”.[22]

Não obstante, a prova ilícita, apesar de receber este nome para indicar qualquer tipo de prova viciada de ilicitude deve ser compreendida de forma ampla, para que possamos destrinchar completamente este instituto legal tão relevante. Nesse sentido, devemos compreender que a ilicitude aflige duas formas de prova: a) a prova ilícita por sua natureza e b) a prova lícita, porém, obtida por meio ilícito.

Apesar da lei processual não diferenciar estes tipos de prova, ambas possuem relevância, eis que, de acordo com a doutrina de Cássio Scarpinella Bueno[23], somente a prova licita obtida por meio ilícito é passível de ser relativizada, sendo, portanto impossível a relativização da outra prova, vez que, em seu cerne, em sua própria formação, ocorreu a ilicitude, afastando-se, portanto, a possibilidade de relativização. Podemos entender ainda que a prova ilícita em si é como a confissão obtida mediante tortura, e, por outro lado, a prova lícita obtida por meio ilícito é a prova documental que foi obtida por meio da violação da correspondência alheia.

Parte da doutrina defende a relativização da prova ilícita e a parte que não o faz, e sustenta a impossibilidade de admissão de provas consideradas ilícitas, pautam o discurso no elevado grau de subjetivismo a que esta se dá. Cabe, nesse sentido, ao magistrado que julgue, conforme sua própria subjetividade e eivado de seus vieses mentais para decidir questão tão grave.

Nesse sentido, postula Avolio:

“A teoria encerra um subjetivismo ínsito, que já deflui da impossibilidade de enunciação dos seus elementos essenciais em um plano abstrato (interesses e valores). Sua aplicação jurisprudencial, como demonstram as linhas de evolução, reveste-se de algumas incertezas”[24]

Para que se definam claramente os princípios que permitiram a relativização da prova, José Carlos Moreira elenca, brilhantemente, alguns fatores que devem ser levados em consideração pelo magistrado julgador, notemos:

“A gravidade do caso, a índole da relação jurídica controvertida, a dificuldade para o litigante de demonstrar a veracidade de suas alegações mediante procedimentos perfeitamente ortodoxos, o vulto do dano causado, outras circunstâncias, o julgador decidiria qual dos interesses em conflito deve ser sacrificado, e em que medida”[25]

Mesmo com as questões sugeridas pelo Professor José Carlos, ainda não restam dúvidas da árdua tarefa que a doutrina, juntamente com a jurisprudência, tem para que se discipline de forma clara e objetiva a aplicação deste princípio de forma adequada. Imprescindível que os valores em jogo sejam efetivamente sopesados pelos julgadores, contudo, sem uma forma clara e específica, com critérios descritos de modo a evitar-se dúvidas e questionamentos acerca do tema, a subjetividade que versa ao decisum de relativizar a proibição da prova ilícita é passível de gerar muita insegurança jurídica em tempos vindouros.

Assim, imprescindível notar que o princípio da proporcionalidade deve ser aplicado ao caso concreto com muita cautela, eis que sua aplicação indiscriminada pode gerar incertezas e inseguranças jurídicas maculadoras da ordem social democrática e processual.

 

1.5.1 Casos concretos envolvendo a relativização da prova ilícita

“(TJSP; Apelação Cível 1013344-32.2017.8.26.0003; Relator (a): Piva Rodrigues; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional III – Jabaquara – 6ª Vara Cível; Data do Julgamento: 19/11/2019; Data de Registro: 25/11/2019)”

Trata-se de ação de Produção Antecipada de Provas, na qual o Autor objetivava instruir processo para apurar eventual responsabilidade civil do Réu que supostamente, teria se utilizado de material produzido pelo Autor para ministrar aulas numa autoescola, desta forma, objetivava o Autor a comprovação da violação aos direitos autorais em razão da utilização indevida do material por ele produzido.

A petição inicial contava com pedido liminar inaudita altera pars visando a realização de diligência no endereço do Réu, em suas razões, o Autor aduzia que a realização de tal medida seria de extrema valia e necessidade, vez que, com o conhecimento do processo o Réu poderia destruir os materiais tornando impossível de comprovar que tal violação teria ocorrido. Contudo, apesar das razões autorais, o magistrado negou o pedido liminar formulado pela nos seguintes termos:

“1) É violenta medida judicial de comparecimento de Perito, Oficial de Justiça e Polícia em uma Clínica de Psicologia para aferir violação autoral baseada em denúncia anônima (fls. 3).
Se o Judiciário deferir medida desse jaez com base em elemento de convicção tão tênue (melhor dizer: inexistente), dentre em breve não haverá mãos a medir as violações e abusos calcados na só palavra de uma parte. Por absoluta falta de plausibilidade do (suposto) direito da Editora, indefiro os requerimentos de fls. 11.” (grifou-se).

Frente a tal decisão, a parte Autora interpôs recurso de Agravo de Instrumento, autuado sob o n. 2156076-28.2017.8.26.0000, e fundamentado no artigo 382, §4° do CPC[26], objetivando a reforma da decisão, o que lhe foi concedido pelo Egrégio Tribunal de Justiça, conforme ementa que se colaciona:

“Ação de produção antecipada de provas. Decisão que indeferiu tutela de urgência inaudita altera parte, bem como o pleito de processamento em segredo de justiça. Inconformismo por parte da autora. Acolhimento. De extrema facilidade a destruição dos documentos que se pretende ver periciados, eventual conhecimento do presente feito por parte da ré, ora agravada, poderá, de fato, comprometer a produção da prova – circunstância dos autos que justifica a concessão da tutela de urgência inaudita altera parte e o processamento do feito em segredo de justiça. Decisão reformada. Agravo de instrumento provido

Em que pese comungue este Relator do entendimento de que somente em casos excepcionais pode o Juiz conceder tutela de urgência seja ela de natureza antecipada, seja ela de natureza cautelar antes da instauração do contraditório, a produção antecipada de provas ora pleiteada, autorizada pelos artigos 381 e seguintes do Código de Processo Civil, tem por finalidade comprovar a existência da contrafação, sendo de extrema facilidade a destruição dos documentos que se pretende ver periciados (TJSP; Agravo de Instrumento 2156076-28.2017.8.26.0000; Relator (a): Piva Rodrigues; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional III – Jabaquara – 6ª Vara Cível; Data do Julgamento: 05/02/2018; Data de Registro: 07/02/2018)” (grifou-se)

Nesse aspecto, o eminente relator viu por correto e bom que o pleito liminar do autor fosse deferido e, desta forma, reformou o decisum proferido pelo magistrado determinando a realização de diligência ao endereço do Réu afim de ver apurada eventual violação aos direitos autorais do Autor da demanda. Nessa decisão, inclusive, o relator do processo judicial determinou que fosse realizada perícia em endereço determinado, conforme consta no corpo da própria decisão, conforme verifica-se:

“(II) conceder a tutela provisória pretendida inaudita altera parte, consistente na produção de prova pericial correspondente à vistoria e constatação no endereço Rua Dr. Pinto Ferraz, nº 145-A, Vila Mariana, São Paulo/SP, a ser conduzida por oficial de justiça em conjunto com Perito de confiança do Juízo de Primeiro Grau, concomitantemente ao ato citatório, com o escopo de verificar a suspeita de contrafação.”

A prova pericial foi realizada e a perita constatou que houve violação aos direitos autorais do Autor, localizando diversas cópias dos materiais da Autora que eram indevidamente utilizados pelo vistoriado, foram localizadas mais de 6.500 (seis mil e quinhentas) cópias do material produzido pelo Autor, sendo que algumas cópias já estavam utilizadas e outras ainda estariam em branco, pois, ainda não haviam sido utilizadas.

O procedimento seguiu normalmente, a parte vistoriada juntou contestação e o Autor teve oportunidade de se manifestar em réplica, o que o fez e requereu a alteração do polo passivo da ação afim de incluir o vistoriado, ora, tal fato somente ocorreu pois, na contestação, foi verificado que a vistoria realizada pelo perito judicial não ocorreu no endereço do Réu pretendido pelo Autor, na verdade, a perícia realizou-se em endereço diverso, qual seja: Dr. Pinto Ferraz, nº 145, desta forma, não foi procedida corretamente nos termos definidos pelo Tribunal de Justiça quando este houve por julgar o Agravo de Instrumento, não obstante, o vistoriado não possuía qualquer relação jurídica com o Réu pretendido pelo Autor da demanda. Apesar do equívoco ter ocorrido por parte do Oficial de Justiça, o Autor precisou requerer a oitiva de testemunhas que comprovaram a proximidade do Réu e do vistoriado, bem como, a facilidade que há na confusão dos locais.

Após a reunir as provas necessárias ao caso, o magistrado julgou o feito, em sua decisão o julgador decidiu por extinguir o feito, sem resolução do mérito e condenando o Autor em litigância de má-fé, nos termos da Sentença aqui reproduzida:

“Processo 1013344-32.2017.8.26.0003 – Produção Antecipada da Prova – Provas – V.E.P. – T.C.P. – C.I.M. – N.A.H.N. – Em face do exposto, EXTINGO O PROCESSO (art. 485, VI, do CPC) e condeno Vetor Editora Psico-Pedagógica ao pagamento de: a) custas, despesas processuais e honorários advocatício de R$ 5.000,00, corrigidos a partir desta data (diminuto o valor da causa, cf. fls. 12 – aplicável o art. 85, § 8º, do CPC – lembro que o Advogado da Terapêutica preparou alentada contestação e teve que se deslocar ao Fórum para participar de audiência); b) multa de 9,99% do valor da causa corrigido, por litigância de má-fé. Com sua desastrada conduta, a autora ainda compeliu terceira a contratar Advogado (que inclusive compareceu à audiência da última semana) e elaborar contestação. Justo que também se concedam honorários ao subscritor de fls. 152/157. Arbitro verba em R$ 2.000,00 corrigidos a partir desta data. Como as assertivas lançadas na peça contestatória estão rigorosamente em linha com as teses jurídicas desenvolvidas pela Terapêutica (algo que obviamente não significa dizer que é verdadeiro o que ali se afirma), indefiro o requerimento formulado no antepenúltimo parágrafo de fls. 340. P.R.I.”[27] (grifou-se)

Em suas razões, o Magistrado não reconheceu o erro praticado pelo perito, não autorizou a retificação do polo passivo da ação e, tampouco, analisou os documentos trazido pelo expert que verificou patente violação aos direitos autorias da Autora, em sua decisão, o juiz apenas desconsiderou as provas, chamou o Autor de desastrado e condenou-o em litigância de má-fé.

Frente a tal situação sentença, o Autor interpôs recurso de Apelação aduzindo que: a) o juízo a quo incorreu em violação ao rito de produção antecipada de prova; b) em ação de produção antecipada de provas o pronunciamento judicial deve ser meramente homologatório; c) não houve má-fé na conduta da apelante; d) eventual aplicação de multa por litigância de má-fé é ilegal; e) há evidente inaplicabilidade de condenação da Apelante em honorários advocatícios;[28]

O recurso foi distribuído ao mesmo desembargador que havia julgado o Agravo de Instrumento, eis que prevento. Em sua decisão o magistrado acolheu os pedidos feitos em sede de apelação e deu provimento ao seu recurso, conforme demonstra a ementa:

“APELAÇÃO. AÇÃO DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS COM PEDIDO DE LIMINAR INAUDITA ALTERA PARTE. DIREITO AUTORAL. SENTENÇA QUE EXTINGUIU O PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO, COM CONDENAÇÃO DA AUTORA EM MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ E CUSTAS, DESPESAS PROCESSUAIS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. INCONFORMISMO DA PARTE AUTORA. SENTENÇA ANULADA. Mandado cumprido por oficial de justiça em endereço estranho àquele judicialmente determinado. Estabelecimentos comerciais que operam em mesmo prédio, porém em pisos diferentes. Atividades similares. Prova testemunhal que confirma confusão corriqueira entre os clientes de ambos os estabelecimentos. Terceira que recebeu, indevidamente, mandado a ela não dirigido. Descabimento de condenação da apelante em multa por litigância de má-fé. Material coletado em perícia que deve ser preservado. Relativização da proibição de prova ilícita. Sentença anulada para que seja dada oportunidade à parte autora aditar a petição inicial, regularizando o polo passivo. Recurso provido. (TJSP; Apelação Cível 1013344-32.2017.8.26.0003; Relator (a): Piva Rodrigues; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional III – Jabaquara – 6ª Vara Cível; Data do Julgamento: 19/11/2019; Data de Registro: 25/11/2019)” (grifou-se)

Em razão dos fatos, o tribunal viu que a prova produzida nos autos era patente de provar o direito do Autor, reconheceu o testemunho que informou que os endereços eram próximos e a confusão algo comum, reconheceu que houve erro na realização da perícia e, reputou a prova produzida como prova ilícita. Apesar disso, ante a evidência encontrada pelo expert, o colegiado deferiu a retificação do polo passivo, para incluir o vistoriado na qualidade de Réu, afastou a multa por litigância de má-fé e, por fim, relativizou a prova ilícita, com o objetivo de fazer prova da causa de pedir do autor, conforme pode-se verificar:

“E quanto prova pericial produzida, não resta dúvida de que fora maculada pela sua realização em endereço estranho àquele judicialmente determinado e, por efeito, deve ser refeita. No entanto, em favor do princípio da proporcionalidade, entendo que esta corte não deva fechar os olhos para a gravidade do que fora verificado no estabelecimento comercial de N. A. H. N, uma vez que o perito colheu material efetivamente categórico no que tange à eventual violação aos direitos autorais da parte autora. Vale destacar, quanto a isso, que a violação de direito autorais não se restringe à esfera patrimonial do titular deste direitos, mas também ao aspecto moral que emerge que reveste a obra, enquanto projeção material da personalidade do seu autor. Por enfeito, se aditada a petição inicial pela autora, vejo ser o caso de relativização da proibição da prova ilícita, razão pela qual deverá ser aproveitado o material coletado na sua primeira realização, renovando-se oportunidade para que N. A. H. N. manifeste-se nos autos, agora na condição de parte.” (grifou-se)

Resta, portanto, comprovada a verdade que se busca nos autos do Processo Civil, objetiva-se, sobretudo, dirimir-se os conflitos presentes nos autos processuais e, para tanto, proferir sentença patente de resguardar o direito do requerente. Ora, conforme nota-se por meio da decisão acima exposta, a relativização da prova ilícita ocorreu para evitar que o direito do autor ficasse sem amparo, demonstrando-se observância à relevância da prova frente a possibilidade do autor de produzi-la de outra forma.

Em contrapartida, temos um julgado do STF, qual seja: HC 80.949/RJ, traduz claramente o grau de subjetividade do tema aplicado, conforme é possível verificar, o magistrado, dotado de sua subjetividade, decidiu por não relativizar a prova, único instrumento hábil à provar a inocência do réu, determinando, assim a manutenção da medida de prisão, vejamos:

“I. Habeas corpus: cabimento: prova ilícita. 1. Admissibilidade, em tese, do habeas corpus para impugnar a inserção de provas ilícitas em procedimento penal e postular o seu desentranhamento: sempre que, da imputação, possa advir condenação a pena privativa de liberdade: precedentes do Supremo Tribunal. II. Provas ilícitas: sua inadmissibilidade no processo (CF, art. 5º, LVI): considerações gerais. 2. Da explícita proscrição da prova ilícita, sem distinções quanto ao crime objeto do processo (CF, art. 5º, LVI), resulta a prevalência da garantia nela estabelecida sobre o interesse na busca, a qualquer custo, da verdade real no processo: conseqüente impertinência de apelar-se ao princípio da proporcionalidade – à luz de teorias estrangeiras inadequadas à ordem constitucional brasileira – para sobrepor, à vedação constitucional da admissão da prova ilícita, considerações sobre a gravidade da infração penal objeto da investigação ou da imputação. III. Gravação clandestina de “conversa informal” do indiciado com policiais. 3. Ilicitude decorrente – quando não da evidência de estar o suspeito, na ocasião, ilegalmente preso ou da falta de prova idônea do seu assentimento à gravação ambiental – de constituir, dita “conversa informal”, modalidade de “interrogatório” sub- reptício, o qual – além de realizar-se sem as formalidades legais do interrogatório no inquérito policial (C.Pr.Pen., art. 6º, V) -, se faz sem que o indiciado seja advertido do seu direito ao silêncio. 4. O privilégio contra a auto-incriminação – nemo tenetur se detegere -, erigido em garantia fundamental pela Constituição – além da inconstitucionalidade superveniente da parte final do art. 186 C.Pr.Pen. – importou compelir o inquiridor, na polícia ou em juízo, ao dever de advertir o interrogado do seu direito ao silêncio: a falta da advertência – e da sua documentação formal – faz ilícita a prova que, contra si mesmo, forneça o indiciado ou acusado no interrogatório formal e, com mais razão, em “conversa informal” gravada, clandestinamente ou não. IV. Escuta gravada da comunicação telefônica com terceiro, que conteria evidência de quadrilha que integrariam: ilicitude, nas circunstâncias, com relação a ambos os interlocutores. 5. A hipótese não configura a gravação da conversa telefônica própria por um dos interlocutores – cujo uso como prova o STF, em dadas circunstâncias, tem julgado lícito – mas, sim, escuta e gravação por terceiro de comunicação telefônica alheia, ainda que com a ciência ou mesmo a cooperação de um dos interlocutores: essa última, dada a intervenção de terceiro, se compreende no âmbito da garantia constitucional do sigilo das comunicações telefônicas e o seu registro só se admitirá como prova, se realizada mediante prévia e regular autorização judicial. 6. A prova obtida mediante a escuta gravada por terceiro de conversa telefônica alheia é patentemente ilícita em relação ao interlocutor insciente da intromissão indevida, não importando o conteúdo do diálogo assim captado. 7. A ilicitude da escuta e gravação não autorizadas de conversa alheia não aproveita, em princípio, ao interlocutor que, ciente, haja aquiescido na operação; aproveita-lhe, no entanto, se, ilegalmente preso na ocasião, o seu aparente assentimento na empreitada policial, ainda que existente, não seria válido. 8. A extensão ao interlocutor ciente da exclusão processual do registro da escuta telefônica clandestina – ainda quando livre o seu assentimento nela – em princípio, parece inevitável, se a participação de ambos os interlocutores no fato probando for incindível ou mesmo necessária à composição do tipo criminal cogitado, qual, na espécie, o de quadrilha. V. Prova ilícita e contaminação de provas derivadas (fruits of the poisonous tree). 9. A imprecisão do pedido genérico de exclusão de provas derivadas daquelas cuja ilicitude se declara e o estágio do procedimento (ainda em curso o inquérito policial) levam, no ponto, ao indeferimento do pedido. (STF – HC: 80949 RJ, Relator: SEPÚLVEDA PERTENCE, Data de Julgamento: 30/10/2001, Primeira Turma, Data de Publicação: DJ 14-12-2001 PP-00026 EMENT VOL-02053-06 PP-01145 RTJ VOL-00180-03 PP-01001)” (grifamos)

Assim, conforme pudemos notar, a questão que envolve a relativização da prova ilícita é datada da subjetividade do julgador, sem assim, impossível garantir a segurança jurídica esperada para tais casos. O julgado acima é capaz de fazer surgir em nós a mais alta sensação de injustiça, principalmente quando analisado em contraste ao acórdão anterior.

No primeiro caso, envolvendo direitos autorais, a prova ilícita foi passível de relativização, já, no segundo, que envolvia o direito de ir e vir do cidadão que se encontrava preso, a relativização não ocorreu, o que é patente de gerar essa clara sensação de injustiça, enquanto para uns é relativizado, para outros, não.

Neste aspecto, torna-se imprescindível apontar-se os vieses de convencimento dos magistrados, para que possamos compreender melhor o que motiva as decisões judiciais.

 

  1. Breves apontamentos sobre a cognição judicial

Compreender o que é o processo de cognição judicial, torna-se imperioso para o nosso estudo, vez que, por meio delas é que os vieses de cognição vão influir e, assim, podemos entender que a cognição processual “consiste em considerar, analisar e valorar as alegações e as provas produzidas cujo resultado repercuta no julgamento do objeto litigioso[29]”, é como define Daniel Penteado de Castro.

Assim, todos os sujeitos processuais possuem direitos inerentes a eles no processo, sendo certo que o réu, após ser chamado ao processo e integrar a relação processual por meio da citação poderá levantar questões e valores que visam imprimir dúvidas de fato ou de direitos à pretensão do autor. Cumpre ressaltar que estas dúvidas são aquilo que irão dar escopo ao processo judicial, sendo, portanto, o elemento de cognição que o magistrado irá sopesar, por meio das provas juntadas aos autos processuais.

Assim, com as provas juntadas aos autos processuais, os sujeitos da relação processual expõem ao magistrado suas pretensões e demandas por meio da qual será realizada a decisão do magistrado acerca do processo ou de mero incidente que demande sua atuação.

Insta consignar que a doutrina já consagrou os tipos diferentes de cognição que podem resultar do processo, tais formas de cognição são chamadas: a) sumárias e b) exaurientes e expressam em si, o conhecimento do magistrado acerca da pretensão e o nível de conhecimento que ele possui em razão da análise das provas constantes nos autos.

Assim, podemos entender que a cognição sumária se trata da convicção que o juiz faz sem analisar completamente as provas, tendo apenas conhecimento sumário das questões controvertidas e decidindo determinada questão em razão de extrema necessidade, como é o caso das decisões liminares, cautelares etc.

No outro extremo, encontra-se a decisão exauriente, que tem por fundamento a analise completa dos elementos processuais e a verificação exaustiva das provas, de modo que o convencimento do magistrado se expressa por meio da analise dos elementos de prova, do contraditório e da ampla defesa, que são elementos processuais patentes de inferir ao juiz o conhecimento necessário da causa para que decida.

Assim, resta esclarecido o que se trata a convicção do magistrado e suas formas de incidência no processo judicial, por consequência, torna-se imprescindível apontar-se os vieses de convencimento dos magistrados, para que possamos compreender melhor o que motiva as decisões judiciais.

 

  1. As formas da cognição humana e judicial: análise da psicologia

Para entendermos melhor como as decisões são tomadas pelos mais diversos personagens do cenário processual, é necessário que tentemos compreender a forma por meio da qual nossas decisões são tomadas.

Neste escopo, busca-se compreender, ainda que de forma superficial, a forma por meio do qual nosso cérebro, levando em consideração tudo aquilo que aprendemos e vivemos em nossas vidas, chega a conclusões e toma decisões acerca de fatos e situações que se desvelam em nossas vidas.

Sob o enleio da mais abstrusa prudência, nosso cérebro toma decisões baseando-se, primordialmente em nossas experiencias e relações advindas de nossa existência empírica. Desta feita, ao tomarmos uma decisão, esta ação que, por muitas vezes parece-nos pequena e incauta reveste-se de todas as nossas experiencias anteriores e é dotada de toda nossa subjetividade própria. Esses valores que temos em nós mesmos, são afetados por todas as formas de pensamento que nos fazem quem somos.

Neste aspecto, devemos compreender que nossa habilidade cognitiva, que se desvela por meio das nossas análises e tomadas de decisão são, a todo momento, violadas pelo nosso subconsciente que, de modo silencioso e sagaz, rouba da nossa prudência o potencial que tem para decidir com a racionalidade esperada em determinadas situações.

Assim também ocorre com qualquer pessoa! Ninguém está livre dos ataques de seu subconsciente, isto porque, somos formados e evoluímos para ter determinadas ações e determinados comportamentos em razão de nossa necessidade ancestral. Estes traços, inerentes à nossa existência, foram herdados geneticamente de nossos parentes mais distantes e, por vezes, comportamentos parecidos são vislumbrados em outros seres vivos do planeta.

Assim, as ações inconscientes que tomamos, são fatores que demonstram nada menos do que aquilo que denominamos instinto. Tais ações instintivas são um ataque direto à nossa racionalidade que fica prejudicada por meio de ações impensadas e tomadas por impulso. A fim de compreendermos melhor o tema abordado neste capítulo, importante destrincharmos um pouco sobre as questões que formam o pensamento humano.

 

3.1 As Heurísticas do pensamento e os Vieses cognitivos: armadilhas da razão

Apesar da crença no ideal racional do ser humano, estudos realizados pelos psicólogos Daniel Kahneman e Amos Tversky, demonstram que o comportamento humano se baseia, sobretudo, em instintos, intuições e emoções[30]. Tal capacidade mental atua no nível do inconsciente e está presente em nosso dia a dia em todos os momentos, derivando-se da nossa tendência natural de resolvermos os problemas cotidianos.

Essas resoluções práticas de problemas que experienciamos, com o passar do tempo molda o nosso subconsciente e se transforma em nossa forma intuitiva de pensar e agir dada uma determinada situação, vez que utilizamos de recursos de pensamento pretéritos para compreender e lidar com determinados fatos que reconhecemos como semelhantes e passíveis de serem solucionados por meio dos mesmos processos mentais de decisão. Conforme nos ensina o professor Dierle Nunes, mencionando os estudos de Alexandre Morais de Rosa:

“O citado reconhecimento se dá mediante a identificação realizada pelo nosso reconhecimento cognitivo entre a situação momentânea posta em análise e informações pretéritas adquiridas por meio da experiência. A intuição funciona, portanto, como um mecanismo automático de resposta a uma situação que envolve situações já conhecidas pelo agente.”[31]

Há de se considerar que, apesar da mente humana objetivar a resolução rápida das celeumas que enfrenta no dia a dia, há de se considerar que, por vezes, tal resolução proposta pela mente humana encontra-se equivocada, vez que baseia-se em premissas duvidosas, que podem ter sido assim construídas ou que simplesmente assemelham a uma situação fática, valor e consequência que a esta não seriam cabíveis. Importante notar que esta situação ocorre em função da natureza do cérebro humano, que “visa substituir questões mais difíceis por questões mais fáceis”[32].

A esta substituição mental, a psicologia e a neurociência atribuíram o nome de heurísticas, que, em breve síntese explanatória, foi definida por Kahneman como sendo: “um procedimento simples que ajuda a encontrar respostas adequadas, ainda que geralmente imperfeitas, para situações difíceis”[33].

Importante notar que a teoria ora apresentada e defendida por Kahneman, trata-se de uma oposição direta à crença da racionalidade humana, eis que coloca em cheque os valores defendidos no iluminismo, que tratavam o conhecimento humano como fruto, tão somente, do racionalismo e do empirismo, conforme podemos verificar à partir das teses defendidas por John Locke, Voltaire, Thomas Hobbes, dentre outros pensadores da época.

Neste momento é imprescindível que façamos uma consideração: os valores defendidos no iluminismo encontram-se em choque com as crescentes crenças na irracionalidade humana, contudo, apesar daquelas teses, comprovadamente, não servirem para explicar o comportamento humano e as formas de tomadas de decisão, infelizmente, ainda hoje, subsiste o mito da racionalidade humana, fato que precisa ser desconstruído, para que possamos compreender verdadeiramente o que leva os seres humanos a tomar tais decisões, segundo Arturo Muños Aranguren, citado por Dierle Nunes:

“Os seres humanos incorrem inevitavelmente em erros e vieses ao utilizares a mente para processar informações que recebem do exterior e gerar uma série de procedimentos de simplificação que tendem a reduzir a complexidade da informação recebida de modo que seja possível tomar decisões de forma eficiente”[34]

Desta forma, podemos compreender que a racionalidade humana é determinada, sobretudo, por suas heurísticas e vieses de cognição, que lhe são atribuídos e assumidos, por meio das mais diversas experiencias pessoais, empíricas e sociais e que, por diversas vezes, geram conflitos em nossa forma de pensar e erros em nossa maneira de decidir acerca de determinado fato.

Tais comportamentos remontam o tempo em que os seres humanos viviam desprotegidos dos domínios sociais das cidades e, portanto, precisavam decidir rapidamente com o fito de evitar eventuais ameaças propiciadas pela natureza. Por tal motivo este comportamento pode ser observado nos animais que vivem na natureza.

Assim, podemos verificar que todas as pessoas, inclusive os magistrados, são passíveis das mais diversas formas de pensamento e estão adstritas às mais variadas maneiras de refletir e decidir, conforme a experiência única que viveram ou vivenciam. Tais fatores, denominados heurísticas do pensamento, são patentes de gerar imperfeições nos momentos de decidir.

Neste trabalho, buscaremos expor alguns vieses que cognição, de acordo com os autores Dierle Nunes, Natanael Lud e Flávio Quinaud Pedron, que consideramos mais relevantes frente à discussão acerca da temática jurídica, porém, não deixaremos de expor, de forma muito breve, os demais vieses, antes de entrarmos diretamente naqueles que iremos trabalhar durante esta tese.

Desta feita, importante relatar a existência de inúmeros vieses de cognição gerados pelas mais diversas heurísticas do pensamento, atualmente, ainda está se mapeando a existência e extensão desses vieses, a fim de auxiliar nosso estudo, trazemos a presente imagem, que explica detalhadamente cada um dos vieses de cognição:

[35]

Em vista da imagem acima, podemos verificar que os vieses de cognição que afetam a mentalidade humana são diversos e, impossíveis de serem tratados todos no presente trabalho, por tal motivo, objetivando uma aplicação direta à pratica jurídico-processual desempenhada pelos magistrados, optamos por falar apenas de alguns desse vieses, com o objetivo de estudar melhor seus efeitos na prestação jurisdicional.

 

3.2 Os vieses de cognição e a relativização da proibição da prova ilícita

Objetivando filtrar os vieses de cognição afetos à atividade do magistrado, os autores Dierle Nunes, Natanael Lud e Flavio Quinaud Pedron, elencaram diversos desses vieses em uma tabela explicativa, optamos, contudo, por mencionar apenas os vieses que entendemos patentes de gerar erros frente à atividade do magistrado de deferir ou não a relativização da proibição da prova ilícita, ou, àquela produzida de forma ilícita.

Nesse aspecto, buscamos elencar aqueles que verificamos serem mais relevantes ao magistrando que enfrenta a existência de uma prova ilícita e, desta forma, deve deferir ou não a relativização de sua proibição, em contrassenso ao que determina a Constituição da República em seu artigo 5º, LVI. Trabalharemos, de forma breve, essencialmente com: a) o viés egocêntrico; b) ancoragem ou focalismo; c) viés de confirmação; d) viés de aversão aos extremos; e) viés da expectativa;

 

3.2.1 Viés egocêntrico

A confiança excessiva em si mesmo, pode gerar riscos à atividade jurisdicional, que, por vezes pode tornar-se enviesada e até mesmo ilegal. Acreditar que a razão do juiz ou dos entes julgadores está firmada acima da verdade dos fatos, pode gerar graves consequências à prestação jurisdicional aplicada. Nesse sentido, explica-nos Diele Nunes:

“É a propensão em confiar demais em nossa própria perspectiva e/ou ter uma opinião mais elevada sobre si mesmo do que sobre a realidade. Parece ser o resultado da necessidade psicológica de satisfazer o próprio ego e ser vantajoso para a consolidação da memória. A pesquisa mostrou que as experiências, ideias e crenças, são mais facilmente lembradas quando coincidem com as próprias. Julgamentos são muitas vezes egocêntricos, de tal forma que os decisores tendem a concluir que os julgamentos de interesse próprio não são apenas desejáveis, mas moralmente justificáveis.”[36]

Nesse sentido, é possível compreender que, em razão do próprio ego, um juiz, com uma finalidade específica, pode proferir julgamento injusto acerca da relativização da prova ilícita, pautando-se, tão somente em sua suposta superioridade moral, eis que, como ente julgador, que representa o estado e possui o poder de fazer imperar sua vontade, qualquer prova que justifique sua decisão é apta a integrar aos autos do processo, sendo o contrário também verdadeiro.

 

3.2.2 Viés de confirmação e Viés de expectativa

Este viés, trata-se de um tema muito debatido pelos operadores do direito. Em essência, esta heurística de pensamento subsiste exclusivamente no momento da tomada de decisão, eis que, as provas que vierem a integrar os autos do processo servirão, tão somente, para justificar as escolhas já definidas anteriormente pelo magistrado, num momento de cognição sumária.

Assim, as provas serviriam tão somente para justificar sua decisão moralmente superior, conforme menciona Dierle, o viés da confirmação é a “tendência do observador de procurar ou interpretar informações de forma que estas confirmem preconcepções próprias”.[37]

Não são poucas as pessoas que trabalham diretamente no ramo processual que vislumbram a atividade jurisdicional voltada a um fim, ou seja, a analise e colheita de provas que justifiquem tão somente a decisão proferida pelo julgador, que, por vezes, já demonstrou sua posição nos autos processuais, por meio das mais variadas decisões preliminares de mérito ou mesmo decisões liminares.

Assim, uma prova ilícita que vise desconstituir o convencimento sumário do julgador fica impassível de ser relativizada, ao passo que as provas que sejam confirmatórias daquele entendimento, tornam-se patentes de integrarem os autos processuais, eis a necessidade de se obter a efetividade das decisões judiciais.

Da mesma forma, encontra-se o viés da expectativa, eis que se trata de instrumento que possui a mesma função: a confirmação de uma cognição sumária que não necessariamente se pauta em provas e valores processuais, conforme a lição de Dierle Nunes, o viés da expectativa trata-se da:

“Tendência de acreditar, certificar e publicar dados que concordam com suas expectativas para o resultado de uma experiência e desacreditar e descartar ponderações correspondentes que aparecem em conflito com essas expectativas.”[38]

Claramente o que se desvela no viés da confirmação e da expectativa são patentes de gerar prejuízos as partes no momento da apreciação probatória passível de gerar resultados positivos e válidos à suas pretensões submetidas ao crivo do poder judiciário. Reveste-se de essencial relevância a discussão acerca da prova ilícita, eis que, como no citado alhures, é passível de deferimento apenas quando o julgador entende que tal prova serve a seu propósito de justificação.

 

3.2.3 Viés de aversão aos extremos

Importante mencionar o viés de aversão aos extremos, quando falamos a respeito de um tema tão divergente na doutrina e na jurisprudência processual. Conforme demonstrou-se no subtítulo 2.5.1, existem posições divergentes acerca da relativização da prova ilícita, independentemente de seu valor empírico para provar a pretensão da parte.

Neste aspecto, cumpre compreender do que se trata este viés e, conforme define Dierle Nunes, podemos entender que o viés da aversão aos extremos trata-se da:

“Tendência a evitar opções extremistas. Há uma tendência a seguir o caminho médio entre opções muito distintas a inserção de alternativas aparentemente irrelevantes pode alterar o resultado de uma escolha em um dado cenário.”[39]

Ora, frente a um tema que possui tão grande divergência doutrinaria, os magistrados, por vezes, acabam por optar pela manutenção do expresso no texto constitucional, eis que, por vezes, trata-se de elemento de maior valor e aplicabilidade mais comum.

Desta forma, mesmo que seja patente de provar, seu deferimento poderá ser obstado, em razão da opção pelo “meio termo”, o que na seara jurídica se perfaz na manutenção do status quo legal, eis que, evita-se extremar decisão relativizando algo tão polêmico e discutido na doutrina.

 

3.2.4 Viés de ancoragem ou focalismo

Este viés de pensamento está intimamente ligado ao desejo de manter-se uma linha de pensamento que se paute, exclusivamente em fatos passados ou em parte das informações prestadas para que seja tomada uma decisão. Desta forma, fatos pretéritos ganham grande valor no momento da tomada de decisão, ainda que tais fatos sejam ilícitos ou ilegítimos.

Neste aspecto, este viés de convencimento trata menos do deferimento da prova ilícita e mais da decisão de uma pretensão pautada em razões constantes em provas ilícitas que foram integradas aos autos processuais.

Diele Nunes, brilhantemente explica que o viés da ancoragem se trata da “tendência a confiar demais, ou “ancorar-se”, em uma referência do passado ou em parte de uma informação no momento de tomar decisões[40]”. Ou seja, a decisão do julgador estará enviesada em razão de prova que lhe foi cedida e, após considerada ilícita, não seria mais passível de integrar as razões do decisum.

Ora, o simples conhecimento de uma prova ilícita nos autos processuais pode gerar ao julgador um viés de convencimento que há de ancorar seu pensamento, e, portanto, gerar uma decisão equivocada, impossível de servir ao propósito do processo e capaz de gerar prejuízo às partes envolvidas.

Desta forma, importante notar que a única forma de se evitar que um juiz constitua este viés de pensamento seria com a redistribuição do feito, bem como, a decretação da suspeição do magistrado, fazendo assim com que os autos do processo sejam distribuídos a novo julgador, patente de decidir efetivamente e versado de imparcialidade no tocante à prova dos autos.

Tal discussão não é nova na área jurídica, sendo inclusive sustentada na observação de diversos sistemas legais pelo mundo que adotam essa prática de se considerar suspeito o magistrado que conheça da prova que foi removida dos autos. Tal teoria trata-se da teoria da descontaminação do julgado.

 

3.2.4.1 Teoria da descontaminação do julgado

Nesse sentido, vale lembrar a teoria da descontaminação do julgado que, alguns autores e juristas defendem quando o assunto tratado versa sobre o magistrado que teve contato com a prova ilícita.

De acordo com esta teoria, o juiz que tiver conhecimento de prova ilícita ou obtida por meios ilícitos e que não tenha sido aceita aos autos por incidência do princípio da relativização, deve ser afastado do processo para evitar a contaminação da decisão em razão do conhecimento obtido pelo magistrado. Tal feitura pode ser vista no direito brasileiro quando por razões semelhantes, no direito penal, ocorre a dissolução do conselho de sentença[41].

De acordo com os defensores desta tese, o juiz poderia supervalorizar outras provas e indícios processuais em razão do conhecimento advindo da prova ilícita que foi acostada. Há, inclusive a possibilidade de a prova ter sido relativizada pelo juiz e depois reconhecida ilícita por instância superior em sede recursal, ou seja, o magistrado tinha a intenção de valer-se daquela prova para proferir a decisão dos autos.

Outrossim, importante mencionar que o código de processo penal, em seu artigo 157. §4º determinada a necessidade de substituir o juiz que tivesse entrado em contato com a prova ilícita, contudo, apesar da aceitação e elogios por parte da doutrina e dos patronos que integram as relações processuais, esta norma foi vetada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o que gerou a mensagem de veto n. 350:

“O objetivo primordial da reforma processual penal consubstanciada, dentre outros, no presente projeto de lei, é imprimir celeridade e simplicidade ao desfecho do processo e assegurar a prestação jurisdicional em condições adequadas. O referido dispositivo vai de encontro a tal movimento, uma vez que pode causar transtornos razoáveis ao andamento processual, ao obrigar que o juiz que fez toda a instrução processual deva ser, eventualmente substituído por um outro que nem sequer conhece o caso

Ademais, quando o processo não mais se encontra em primeira instância, a sua redistribuição não atende necessariamente ao que propõe o dispositivo, eis que mesmo que o magistrado conhecedor da prova inadmissível seja afastado da relatoria da matéria, poderá ter que proferir seu voto em razão da obrigatoriedade da decisão coligada.”[42]

Nota-se que dentre as justificativas para tal veto, está celeridade processual, transtornos processuais razoáveis e, inclusive, o fato de que as decisões tribunalícias são tomadas de forma colegiada, desta feita, seria indiferente o afastamento do relator, eis que ele não deixaria de participar do julgamento dos casos submetidos a ele pela corte em que integra.

Não obstante, é fato notório que o sistema judiciário brasileiro, comportando inúmeros processos tem um grande problema: a morosidade dos julgamentos e decisões. Ora, se sem a substituição dos magistrados este problema subsiste, fácil entender o quão prejudicial esta situação poderia ser para o judiciário brasileiro, principalmente, quando levamos em consideração as pequenas comarcas que, muitas vezes recebem o único magistrado disponível uma ou duas vezes por semana.

Por cima de tudo isso, ainda subsiste a possibilidade do jurisdicionado, ao discordar ou compreender que o juiz não lhe está sendo favorável junte aos autos provas ilícitas com o fim específico de afastar o julgador que, em razão de ter conhecimento de tais provas, deve então ser afastado, gerando ainda mais morosidade ao processo e prejuízos ainda maiores às partes.

Além das dificuldades práticas, devemos considerar que o juiz, mesmo que não tenha tido contato com a prova ilícita no processo não necessariamente deixaria de conhecê-la, vez que tem acesso a seu conteúdo fora autos pelos mais diversos meios, inclusive por conversa com outro juiz. A situação narrada torna-se ainda mais clara quando compreendemos que não há como impedir que o magistrado tenha conhecimentos privados sobre os fatos sub judice, principalmente daqueles que possuem larga repercussão social.

A situação aqui descrita, esbarra num problema conhecido: o problema dos conhecimentos privados do magistrado. Assim, data vênia os entendimentos em sentido contrário, importante notar que o impedimento do magistrado que teve contato com prova ilícita, não é meio idôneo de impedir a influência informal das provas ilícitas na formação cognitiva da convicção do julgador, vez que esta medida, trata-se de mera formalidade, não sendo apta a comprovar tudo o que se deseja por meio dos autos processuais. Assim pontua o jurista Carlos Vinicius Soares Cabeleira:

“Ora a influência informal não ocorre apenas se o juiz despachou no processo, mas em todas as hipóteses em que o mesmo tenha tomado conhecimento da prova por qualquer meio extra-autos. Assim, como essa providência não é meio apto a alcançar o fim a que se propõe, não deve ser adotada.”[43]

O controle acerca da apreciação da prova ilícita nos autos processuais somente pode ser exercido por meio da fundamentação das decisões, preceito obrigatório no Código de Processo Civil, que pontua em seu artigo 371[44], de determina que o juiz deve indicar, por meio de sua decisão, os motivos pelo qual ele entendeu dessa forma e não de outra.

Assim, a adoção do modelo da persuasão racional dos fatos é fator preponderante para analisar a decisão e, após as justificativas do magistrado, proceder-se com o devido recurso que visa reparar eventual enviesamento de decisão em função da prova ilícita no qual o julgador teve contato.

Desta feita, basta a análise da decisão proferida para que se identifique se a decisão proferida pelo julgador se baseou apenas em meios lícitos de prova, cabendo, ao não atendimento desse requisito, o devido recurso ao ente hierarquicamente superior que tem como dever, garantir às decisão enviesadas, sua reforma para imprimir-lhe retidão.

Nesse sentido, vale pontuar a posição do renomado jurista Pico i Junoy, que esclarece que a afastamento do magistrado que entrou em contato com a prova ilícita somente se justificaria nos casos em que o ordenamento jurídico permitisse ao magistrado não motivar sua decisão, eis que, seu afastamento torna-se a única solução prática que garante o controle da ineficácia das provas ilícitas na sentença, vejamos:

“negar toda eficácia às provas ilícitas sem necessidade de recusar o julgador devido à exigência de motivação da sentença. Se bem que é certo que possam ter influído no subconsciente do julgador —e isso é impossível de controlar —, não o é menos que seu juízo não pode ser arbitrário, isto é, sem motivação alguma. O juiz deve, por mandado constitucional e legal, motivar suas sentenças, quer dizer, expor e arrazoar o ítermental lógico que o conduz a pronunciar um determinado julgamento. Neste caminho tem que submeter à crítica todos os elementos probatórios aportados ao processo, devendo manifestar quais o levaram a considerar como provados os fatos colhidos no relato fático da sua resolução. Deste modo, o mencionado arrazoamento aparece como o mecanismo adequado de controle e garantia da ineficácia das provas ilícitas por parte do Tribunal ad quem, que através dos oportunos recursos, poderá conhecer e valorar as fontes de convencimento utilizadas pelo julgador de primeira instância.”[45]

Assim, apesar dos vieses de cognição prestarem-se a um papel claro na tomada de decisão por parte dos sujeitos processuais, incabível seria o afastamento do magistrado que entrou em contato com a prova ilícita, isto porque, não só a morosidade do sistema judiciário serviria de impedimento, mas, também, a impossibilidade do tribunal de arcar com tais mudanças e, por fim, a possibilidade de se juntarem aos autos provas ilícitas para se obter o afastamento do magistrado.

Não obstante a tudo isso, devemos lembrar que os juízes são seres humanos e, portanto, possuem sua seara intima e privada, desta forma, o acesso a todo e qualquer meio de prova, ainda que ilícitos pode ocorrer de forma extra autos, inutilizando, portanto, qualquer afastamento.

Por fim, comprova-se que a única forma de se obter um julgamento desenviesado de qualquer forma de critério pautado em prova ilícita é simplesmente a decisão motivada dos julgadores, que devem expor os motivos de seu convencimento pautando-se nas provas legitimas.

 

Conclusão

Após passarmos pelos mais diversos temas processuais que encontramos, pudemos compreender a importância dos institutos das provas, seu cabimento, bem como, sua aplicação aos casos do dia a dia.

Em especial a prova ilícita, tema central deste trabalho, devemos compreender que o direito brasileiro ainda se encontram divididos em relação a sua aceitabilidade, pela aplicação do princípio da proporcionalidade, contudo, as discussões giram em torno da subjetividade dos magistrados.

Outrossim, pudemos verificar a diferença de posicionamento nas cortes nacionais por meio de julgado e o grau de subjetividade imprimido aos julgados dos casos, fato que ainda é passível de gerar insegurança jurídica, mesmo nos meios em que a prova ilícita ainda é aceitável e aplicável, como por exemplo no processo penal.

A fim de analisar esta divergência em entendimentos, buscamos na psicanálise e neurociência as informações necessárias para sopesar os valores que muitas vezes envolvem os julgadores quando proferem suas decisões, assim, pudemos analisar os vieses cognitivos que mitigam a vista da verdade e da justiça, por parte dos julgadores.

Importante destacar que apesar dos vieses de cognição apresentados no presente trabalho serem hábeis de formatar o entendimento dos magistrados, gerando muitas vezes entendimentos errôneos, imprescindível notar que não todos os julgadores são afetados por estes fatos, bem como, mesmo os que estejam sendo afetados por tais ocorrências, são passiveis de aplicar técnicas que visam mitigar e até mesmo excluir estes vieses de pensamento.

Desta feita, pudemos verificar que as decisões judiciais ainda encontram-se muitas vezes viciadas por vieses cognitivos patentes de gerar confusão e insatisfação por parte dos sujeitos que integram as relações processuais existentes e, é necessário que abramos os olhos para deixar de lado a crença cega na racionalidade humana que, muitas vezes, acaba sendo forma de asseverar entendimentos enviesados, sob o pretexto do convencimento racional.

Por fim, analisou-se a eventualidade da substituição do magistrado que tenha sido contaminado com o conhecimento da prova ilícita, à luz do viés da ancoragem, onde, sopesou-se que o sistema judiciário brasileiro é pautado, por força da lei, na necessidade de se garantir aos sujeitos processuais decisões motivadas e claras de modo que sejam hábeis a comprovar o quanto alegado pelas partes, sendo, portanto desnecessária a suspeição do magistrado.

Outrossim, sopesou-se a humanidade do julgador e a incidência de seu conhecimento privado de provas ilícitas, que poderão ocorrer por meio de conversas, noticias e demais fatores que influenciem diretamente a vivencia do magistrado, sendo assim, a justificação das decisões é fator patente de garantir a segurança jurídica e a comprovação de que tais decisões pautaram-se, tão somente em provas legitimas.

 

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[1] Art. 371. O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões’ da formação de seu convencimento.

[2] NUNES, Dierle; LUD, Natanael, PEDRON, Flávio Quinaud. Desconfiando da (im)parcialidade dos sujeitos processuais: um estudo sobre os vieses cognitivos, a mitigação de seus efeitos e o dabiasing. Mato Grosso. 1ª Ed. 2018, p.16-17.

[3] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Editora Método. v.2. 2009. p. 22.

[4] Art. 319. A petição inicial indicará
III – o fato e os fundamentos jurídicos do pedido

[5] Art. 373. O ônus da prova incumbe:

I – ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;

II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

[6] CARNELUTTI, Francesco. Teoria Geral das Obrigações, 3» edição, Livraria Almedina, Coimbra, 1966, pág. 1.

[7] GRAU, Eros Roberto, Notas sobre a Distinção entre Obrigação Dever e Ônus. Brasília, 2003.

[8] GRAU, Eros Roberto, Notas sobre a Distinção entre Obrigação Dever e Ônus. Brasília, 2003.

[9] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Editora Método. v.2. 2009. p. 35

[10] Art. 369. As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz. (grifou-se).

[11] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LVI – são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;

[12] CAPPELLETTI, Mauro. Processo, ideologia e sociedade. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas. Europa, 1974. p. 560.

[13] AMARAL, Paulo Osternack. Provas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015 p. 190.

[14] LOPES, João Batista; CASTRO LOPES, Maria Elizabeth. Novo Código de Processo Civil e efetividade da jurisdição. Revista de processo, v. 188. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. P. 96.

[15] Idem.

[16] NERY JR., Nelson. Princípios de processo civil na constituição federal. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 196.

[17] SHIMURA, Sérgio. Princípio da proibição da prova ilícita. Princípios processuais civis na constituição. São Paulo: Ed. Campos Jurídico, 2008. p. 264

[18] LOPES, João Batista; CASTRO LOPES, Maria Elizabeth. Novo Código de Processo Civil e efetividade da jurisdição. Revista de processo, v. 188. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 136

[19] GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As nulidades no processo penal. 3. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1993, p. 115

[20] NERY JR., Nelson. Princípios de processo civil na constituição federal. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 194.

[21] GRECO Filho, Vicente. Direito processual civil brasileiro. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. Volume 2, p. 184.

[22] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 327.

[23] BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2007. Volume I, p. 136-137.

[24] AVOLIO, Luis Francisco Torquato. Provas ilícitas, interceptações telefônicas e gravações clandestinas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 72

[25] BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A constituição e as provas ilicitamente obtidas. Temas de Direito Processual. Sexta Série. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 109-110.

[26] Art. 382. Na petição, o requerente apresentará as razões que justificam a necessidade de antecipação da prova e mencionará com precisão os fatos sobre os quais a prova há de recair.
§ 4º Neste procedimento, não se admitirá defesa ou recurso, salvo contra decisão que indeferir totalmente a produção da prova pleiteada pelo requerente originário.

[27] Processo em Segredo de Justiça a sentença foi obtida por meio de Pesquisas ao Diário da Justiça Eletrônico, sendo localizada nas publicações expedidas no dia 08/08/2018 nas páginas 2501 e 2502.

[28] Trecho do Acórdão Apelação Cível 1013344-32.2017.8.26.0003

[29] CASTRO, Daniel Penteado. Poderes Instrutórios do Juiz no Procecsso Civil – fundamentos interpretação e dinâmica. São Paulo: Saraiva. 2013, p. 109.

[30] KAHNEMAN, Daniel. Rápido e devagar – duas formas de pensar. Tradução Cássio Arantes Leite. Rio de janeiro: Objetiva, p.16.

[31] NUNES, Dierle; LUD, Natanael, PEDRON, Flávio Quinaud. Desconfiando da (im)parcialidade dos sujeitos processuais: um estudo sobre os vieses cognitivos, a mitigação de seus efeitos e o dabiasing. Mato Grosso: Editora Jus Podium. 1ª Ed. 2018, p. 49.

[32] ROSA, Alexandre Morais da; TOBLER, Gisele Caroline. Teoria da decisão rápida e devagar, com Kahneman. Disponível em: https://emporiododireito.com.br/leitura/teoria-da-decisao-rapida-e-devagar-com-kahneman, acesso em 09/12/2019.

[33] KAHNEMAN, Daniel. Rápido e devagar – duas formas de pensar. Tradução Cássio Arantes Leite. Rio de janeiro: Objetiva, p.16.

[34] ARANGUREN, Arturo Muñoz. (apud. NUNES, Dierle; LUD, Natanael, PEDRON, Flávio Quinaud. Desconfiando da (im)parcialidade dos sujeitos processuais: um estudo sobre os vieses cognitivos, a mitigação de seus efeitos e o dabiasing. Mato Grosso. 1ª Ed. 2018, p. 51)

[35] MORRISSETTE, Brian. 2017. Imagem digital. 6.779p x 6.185p – https://commons.wikimedia.org/wiki/File: Cognitive_Bias_Codex_With_Definitions,_an_Extension_of_the_work_of_John_Manoogian_by_Brian_Morrissette.jpg – acesso e 09/12/2019. Demonstra os vieses de cognição presentes na mente humana. Imagem maior consta no Anexo I do presente trabalho.

[36] NUNES, Dierle; LUD, Natanael, PEDRON, Flávio Quinaud. Desconfiando da (im)parcialidade dos sujeitos processuais: um estudo sobre os vieses cognitivos, a mitigação de seus efeitos e o dabiasing. Mato Grosso. 1ª Ed. 2018, p. 65.

[37] NUNES, Dierle; LUD, Natanael, PEDRON, Flávio Quinaud. Desconfiando da (im)parcialidade dos sujeitos processuais: um estudo sobre os vieses cognitivos, a mitigação de seus efeitos e o dabiasing. Mato Grosso. 1ª Ed. 2018, p. 65.

[38] NUNES, Dierle; LUD, Natanael, PEDRON, Flávio Quinaud. Desconfiando da (im)parcialidade dos sujeitos processuais: um estudo sobre os vieses cognitivos, a mitigação de seus efeitos e o dabiasing. Mato Grosso. 1ª Ed. 2018, p. 66.

[39] NUNES, Dierle; LUD, Natanael, PEDRON, Flávio Quinaud. Desconfiando da (im)parcialidade dos sujeitos processuais: um estudo sobre os vieses cognitivos, a mitigação de seus efeitos e o dabiasing. Mato Grosso. 1ª Ed. 2018, p. 66.

[40] NUNES, Dierle; LUD, Natanael, PEDRON, Flávio Quinaud. Desconfiando da (im)parcialidade dos sujeitos processuais: um estudo sobre os vieses cognitivos, a mitigação de seus efeitos e o dabiasing. Mato Grosso. 1ª Ed. 2018, p. 65

[41] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários ao Código de Processo Civil v. 5 Tomo I.2. ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 381.

[42] Mensagem n.º 350 de 9 de junho de 2008.

[43] CABELEIRA, Carlos Vinicius Soares. Prova Ilícita no Processo Civil. Dissertação de mestrado. Vitória: Universidade Federal Do Espírito Santo Centro De Ciências Jurídicas E Econômicas 2010, p. 90-91.

[44] Art. 371. O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento.

[45] PICO I JUNOY, Joan La prueba ilícita y su control judicial en el proceso civil. Justitia: Revista e derecho procesal, 2005, n 3-4 – https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=2261860 – acesso em 09/12/2019.

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