Da possibilidade de rescisória da rescisória

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A ação rescisória gera a formação de uma nova relação processual, de modo que é também denominada ação autônoma de impugnação. Trata-se de um remédio específico para atacar o vício da rescindibilidade, o qual surge após o trânsito em julgado da decisão[1]. Ou seja, a ação rescisória é aquela pela qual é pedida a desconstituição da decisão já transitada em julgado. Humberto Theodoro Júnior (1998, p. 635) ensina que “a ação rescisória […] colima reparar a injustiça da sentença trânsita em julgado, quando o seu grau de imperfeição é de tal grandeza que supere a necessidade de segurança tutelada pela res iudicata”.

Trata-se, pois, de ação especial (excepcional), a qual, de acordo com o nosso sistema, só é cabível contra as sentenças de mérito próprias, ou seja, aquelas do artigo 269, I, do CPC. As hipóteses de cabimento estão todas previstas no artigo 485 do CPC, a saber: (i) decisão dada por prevaricação, concussão ou corrupção do juiz; (ii) decisão proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente; (iii) decisão que tenha resultado de dolo da uma das partes ou de colusão de ambas as partes; (iv) decisão que ofenda a coisa julgada; (v) decisão que afronta o direito positivo; (vi) decisão que se funda em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou que seja provada na própria ação rescisória; (vii) quando, após a decisão ter transitado em julgado, o autor da rescisória obtiver documento novo, cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso; (viii) quando houver fundamento para invalidar a confissão em que se baseou a decisão; (ix) decisão que se funda em erro de fato, resultante dos autos ou de documentos da causa.

Feita essa brevíssima, mas não menos importante introdução à ação rescisória, cumpre discutir a temática ora proposta: cabe rescisória da ação rescisória?

O Código de Processo Civil de 1939 previa, em seu artigo 799, a possibilidade de ação rescisória de decisão proferida em outra ação rescisória, exceto no caso de decisão que afrontasse o direito positivo. Alfredo de Araújo Lopes da Costa (1956, p. 202) comentando tal norma, ensina que “a sentença proferida na ação rescisória está por sua vez sujeita a rescisão”, desde que, evidentemente, os vícios que a possibilitem sejam “exclusivamente relativos ao processo da rescisória”, ou seja, “a rescisória de rescisória não pode se apresentar como simples reiteração da matéria decidida na ação anterior” (THEODORO JÚNIOR, 1998, p. 655).

O Código de Processo Civil de 1973, contudo, não disciplinou tal matéria. O que não quer dizer que, na prática, não possa haver rescisória da rescisória[2], conforme ensina José Rubens Costa (2003, p. 996): “a falta de previsão no atual Código não significa a impossibilidade jurídica, mas a ampliação da hipótese de rescisória de rescisória por qualquer dos casos enumerados”, haja vista que no código anterior eram apenas quatro as hipóteses.

Devo fazer a seguinte observação: (i) em ação rescisória contra sentença de juiz de direito, o órgão competente para a análise da referida ação é o Tribunal de Justiça – mais especificamente uma das Câmaras Cíveis deste; (ii) em ação rescisória contra sentença de juiz federal, compete aos Tribunais Regionais Federais processar e julgar originariamente as ações rescisórias (Constituição Federal, artigo 108, I, b); (iii) cabe ao Tribunal Regional Federal processar e julgar originariamente as ações rescisórias de seus próprios julgados (leia-se: acórdãos) – Lei Fundamental, artigo 108, I, b; (iv) é competente o Superior Tribunal de Justiça para processar e julgar originariamente as ações rescisórias de seus julgados (acórdãos) – Carta Magna, artigo 105, I, e; (v) compete ao Supremo Tribunal Federal (conforme a Lei Maior, artigo 102, I, j) processar e julgar originariamente a ação rescisória de seus julgados (acórdãos).

Do que foi acima observado, podemos inferir que a competência para a análise de ação rescisória é, de regra, do segundo grau de jurisdição, salvo nos casos do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.

Do exposto, pensemos no exemplo de juiz de direito proferir sentença contra a qual, uma vez transitada em julgado, se ajuíze ação rescisória porque proferida por juiz absolutamente incompetente (artigo 485, II, do CPC). A competência para processar e julgar a rescisória será de uma das Câmaras Cíveis do Tribunal de Justiça. Concluído o procedimento dessa ação, e julgando procedente a ação, o tribunal rescindiu a sentença e proferiu novo julgamento, consolidado em acórdão, o qual transitou em julgado. Um ano depois, descobre-se que a decisão foi dada por concussão dos membros da Câmara Civil do Tribunal de Justiça (artigo 485, I, do CPC).

Ora, nas duas situações verifica-se a presença de uma das hipóteses de cabimento previstas no artigo 485 do CPC, de modo que creio ser possível, assim, haver rescisória da rescisória, o que, utilizando-me da lição de Pontes de Miranda (1998, p. 137) seria um julgamento do julgamento de julgamento.

Referências

COSTA, José Rubens. Tratado do processo de conhecimento. 1. ed. Rio de Janeiro: Juarez de Oliveira, 2003, 1318p;

FUX, Luiz. Curso de direito processual civil: processo de conhecimento, processo de execução, processo cautelar. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, 1859p;

LOPES DA COSTA, Alfredo de Araújo. Manual elementar de direito processual civil. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1956, 409p;

MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil, tomo VI – arts. 476 a 495. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, 409p;

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento, vol. I. 24. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, 713p.

Notas:

[1] Refiro-me a decisão porque tal terminologia engloba tanto a sentença quanto o acórdão; assim, no presente, quando quiser me referir a uma das espécies de decisão, será empregado ou o termo sentença ou o termo acórdão.

[2] Afirma Luiz Fux (2004, p. 867) que a figura da rescisória da rescisória é vetusta.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Julio Pinheiro Faro Homem de Siqueira

 

Graduando em Direito pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV); Membro do Conselho Editorial da Panóptica – Revista Eletrônica Acadêmica de Direito

 


 

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